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Capítulo 3
Ramakrishna e os Múltiplos Caminhos para Deus


O Evangelho de Sri Ramakrishna
Por M. (Mahendranath Gupta)
(Um discípulo direto de Sri Ramakrishna)

Introdução Biográfica e Tradução para o Inglês
De Swami Nikhilananda

Ramakrishna e os Múltiplos Caminhos para Deus
    3.1  Companhia dos Santos e Devotos
    3.2  Islamismo
    3.3  Cristianismo
    3.4  Atitudes em Relação a Diferentes Religiões
    3.5  Peregrinação nos Lugares Sagrados da Índia
    3.6  Relacionamento com a Esposa Sarada Devi
    3.7  O "Ego Maduro" de Ramakrishna
    3.8  Resumo das Experiências Espirituais do Mestre

3.1  Companhia dos Santos e Devotos

     Daquele momento em diante Sri Ramakrishna começou a procurar a companhia dos devotos e homens santos. Havia atravessado a tormenta e exaustão das disciplinas e visões. Agora realizara calma interna dando a impressão aos outros de que era um homem normal, mas ele não podia suportar a companhia de pessoas do mundo ou escutar suas conversas. Felizmente a atmosfera santificada de Dakshineswar e a generosidade de Mathur atraíam monges e santos de todas as partes do país. Sadhus de todas as denominações - monistas e dualistas - vaishnavas, vedantistas, shaktas e adoradores de Rama - acorriam para lá em número crescente.

     Ascetas e visionários vinham pedir conselho a Sri Ramakrishna. Os vaishnavas haviam vindo durante sua sadhana vaishnava e os tântricos enquanto praticava as disciplinas dos Tantras. Os vedantistas começaram a chegar depois da partida de Totapuri. No quarto de Sri Ramakrishna, que estava então de cama com disenteria, os vedantistas empenhavam-se em discussões sobre as escrituras e esquecendo o próprio sofrimento físico, resolvia suas dúvidas, referindo-se diretamente às suas próprias experiências. Muitos de seus visitantes eram pessoas espiritualizadas autênticas, pilares invisíveis do hinduísmo e suas vidas espirituais foram aceleradas numa grande medida pelo sábio de Dakshineswar. Sri Ramakrishna, por sua vez, aprendeu com eles as histórias concernentes às maneiras e conduta dos homens santos, que ele posteriormente contava a seus devotos e discípulos. A seu pedido Mathur dava-lhe grandes quantidades de alimentos, roupas etc., que eram assim, distribuídos entre os monges errantes.

     Sri Ramakrishna não havia lido, contudo, era dotado de um conhecimento enciclopédico a respeito das religiões e filosofias. Havia adquirido tal conhecimento com inúmeros homens santos e eruditos, com quem estivera em contato. Possuía um poder único de assimilação; através da meditação havia feito desse conhecimento uma parte do seu ser. Uma vez sendo interpelado por um discípulo sobre a origem de seu aparente e inesgotável conhecimento, respondeu: "Eu não li, mas ouvi os eruditos. Fiz uma grinalda de seus conhecimentos e colocando-a em torno do meu pescoço ofereci-a aos pés da Mãe."

     Sri Ramakrishna costumava dizer que, quando a flor desabrocha as abelhas vêm apanhar o mel por sua própria iniciativa. Agora muitas almas começaram a vir a Dakshineswar para satisfazerem sua fome espiritual. Ele, o devoto e aspirante, tornara-se o Mestre. Gauri, o grande erudito que tinha sido um dos primeiros a proclamar Sri Ramakrishna uma Encarnação de Deus, visitou o Mestre em 1870 e com as bênçãos do Mestre, renunciou ao mundo. Narayan Shastri, um outro grande pundit, que havia dominado os seis sistemas da filosofia hindu e a quem foi oferecido um posto lucrativo pelo Maharaja de Jaipur, ao ver o Mestre, reconheceu-o como aquele que havia realizado em vida os ideais que ele mesmo só havia encontrado em livros. Sri Ramakrishna iniciou Narayan Shastri, a seu pedido sincero, na vida de sannyas. Pundit Padmalochan, o pundit da corte do Maharaja de Burdwan, muito conhecido por sua erudição tanto na Vedanta como no sistema Nyaya de filosofia, aceitou o Mestre como uma Encarnação de Deus. Krishnakishore, um erudito vedantista, tornou-se devoto do Mestre. Chegou então, Viswanath Upadhyaya, que seria seu devoto favorito. Sri Ramakrishna sempre se dirigiu a ele como "Capitão". Era um alto funcionário do rei do Nepal e havia recebido o título de Coronel em reconhecimento ao seu mérito. Um estudioso do Gita, do Bhagavata e da filosofia Vedanta, diariamente fazia o culto de sua Divindade Escolhida com muita devoção. "Li os Vedas e as outras escrituras", disse ele: "Também tive a oportunidade de conhecer muitos monges bons e devotos em diferentes lugares, mas é na presença de Sri Ramakrishna que meus anseios espirituais concretizam-se. Para mim ele parece ser a personificação das verdades das escrituras."

     O Conhecimento de Brahman no nirvikalpa samadhi havia convencido Sri Ramakrishna de que os deuses das diferentes religiões são apenas muitas das interpretações do Absoluto e que a Realidade Suprema jamais pode ser expressa pela língua humana. Compreendeu que todas as religiões conduzem os devotos por diferentes caminhos para uma e mesma meta. Agora tornou-se ansioso para conhecer algumas religiões estrangeiras, porque para ele, entendimento significava uma experiência verdadeira.

3.2  Islamismo

     No fim de 1866 começou a praticar as disciplinas do islamismo. Sob a direção do seu guru muçulmano, dedicou-se à sua nova sadhana. Vestiu-se como um muçulmano e repetia o nome de Alá. Suas orações correspondiam às devoções islâmicas, esqueceu-se dos deuses e deusas hindus - mesmo de Kali - e desistiu de visitar os templos. Passou a morar nos arredores do templo. Depois de três dias viu uma figura radiante, talvez Maomé, que se aproximou gentilmente dele e finalmente perdeu-se em Sri Ramakrishna. Assim realizou o Deus muçulmano. Em seguida, entrou em comunhão com Brahman. O poderoso rio do islamismo também levou-o de volta para o Oceano do Absoluto.

3.3  Cristianismo

     Oito anos depois, num domingo de 1874, Sri Ramakrishna foi tomado por um irresistível desejo de aprender a verdade da religião cristã. Começou a ouvir os ensinamentos da Bíblia por Sambhu Charan Mallick, um senhor de Calcutá e devoto do Mestre. Sri Ramakrishna ficou fascinado com a vida e ensinamentos de Jesus.

     Um dia estava sentado na sala de visitas da chácara de Jadu Mallick em Dakshineswar, quando seus olhos bateram numa pintura da Madonna e o Menino. Olhando fixamente para ela, gradualmente foi sendo tomado por uma emoção divina. As pessoas da pintura ganharam vida e os raios de luz que saíam delas entraram em sua alma. O efeito dessa experiência foi mais forte do que a visão de Maomé. Com angústia, gritou: "Ó Mãe! O que Tu estás fazendo comigo?" E, atravessando as barreiras de credo e religião, entrou num novo campo de êxtase. Cristo possuiu sua alma. Durante três dias não pôs os pés no templo de Kali. No quarto dia à tarde, enquanto andava no Panchavati viu caminhando em sua direção, uma pessoa com lindos olhos grandes, rosto sereno e pele clara. Quando os dois se olharam, uma voz saiu do fundo da alma de Sri Ramakrishna:

     "Contempla o Cristo que derramou o sangue do Seu coração para a redenção do homem, que suportou um mar de angústia por amor aos homens. É Ele, o Yogi Mestre, que está em eterna união com Deus. É Jesus, o Encarnado Amor." O Filho do Homem abraçou o Filho da Divina Mãe e fundiu-se nele. Sri Ramakrishna realizou sua identidade com Cristo, como já tinha realizado sua identidade com Kali, Rama, Hanuman, Radha, Krishna, Brahman e Maomé. O Mestre entrou em samadhi e comungou com Brahman com atributos. Assim experimentou a verdade de que o Cristianismo, também, é um caminho que conduz à Consciência de Deus. Até o último momento de sua vida, acreditou que Cristo era uma Encarnação de Deus. Cristo para ele não era, contudo, a única Encarnação; houve outras - Buda, por exemplo, e Krishna.

3.4  Atitudes em Relação a Diferentes Religiões

     Sri Ramakrishna aceitava a divindade de Buda e costumava assinalar a semelhança dos seus ensinamentos com aqueles dos Upanishads. Mostrava, também, grande respeito pelos Tirthankaras, que fundaram o Jainismo e pelos dez Gurus do Sikhismo, mas não se referia a eles como Encarnações divinas. Ouviu-se que ele teria dito que os Gurus do Sikhismo haviam sido encarnações do rei Janaka da Índia antiga. Tinha em seu quarto em Dakshineswar, uma pequena estátua do Tirthankara Mahavira e um quadro de Cristo, diante dos quais queimava incenso de manhã e à noite.

     Sem ser formalmente iniciado em suas doutrinas, Sri Ramakrishna realizou assim, os ideais de outras religiões, além do hinduísmo. Ele não necessitava seguir qualquer doutrina. Todas as barreiras eram removidas pelo seu amor arrebatador a Deus. Tornou-se, então, um Mestre das várias religiões do mundo, "Pratiquei", disse ele, "Todas as religiões - hinduísmo, islamismo, cristianismo - e segui, também, os caminhos das diferentes seitas hindus. Constatei que se trata do mesmo Deus para quem todos dirigem seus passos, embora seguindo caminhos diferentes. Devem tentar todos os credos e trilhar todos os diferentes caminhos uma vez. Para qualquer lugar que olho vejo homens brigando em nome da religião - hindus, maometanos, brahmos, vaishnavas e assim por diante. Mas eles jamais pensam que Aquele que é chamado Krishna é, também, chamado Shiva e leva o nome de Energia Primordial, Jesus, Alá também - o mesmo Rama com mil nomes. Um lago tem mil ghats. Num os hindus apanham água em seus potes e chamam-na `jal'; num outro, os muçulmanos apanham água em bolsas de couro e chamam-na `pani'; num terceiro os cristãos chamam-na `water'. Podemos imaginar que não se trata de `jal', mas apenas `pani' ou `water'? Que ridículo! A substância é Una sob diferentes nomes e todos procuram a mesma substância; apenas clima, temperamento e nome criam diferenças. Deixe cada um seguir seu próprio caminho. Se ele sincera e ardentemente deseja conhecer Deus, paz para ele! Certamente O realizará."

     Em 1867 Sri Ramakrishna voltou para Kamarpukur para se recuperar das consequências das austeridades. A paz do campo, os amigos simples e ingênuos de sua meninice e o ar puro fizeram-lhe muito bem. Os aldeões ficaram felizes em terem de volta seu brincalhão, franco, esperto, bondoso e veraz Gadadhar, embora não lhes tivesse escapado a grande mudança que lhe ocorrera nesses anos em Calcutá. Sua esposa, Sarada Devi, agora com quatorze anos, logo chegou a Kamarpukur. Seu desenvolvimento espiritual era muito além de sua idade e ela foi capaz de compreender de imediato, o estado de espírito do seu marido. Ficou ansiosa para aprender com ele a respeito de Deus e morar com ele como sua ajudante. O Mestre recebeu-a com alegria tanto como sua discípula, como sua companheira espiritual. Referindo-se às suas experiências nesses poucos dias, ela uma vez disse: "Costumava sentir sempre como se um pote cheio de felicidade tivesse sido colocado no meu coração. A alegria foi indescritível."

3.5  Peregrinação nos Lugares Sagrados da Índia

     No dia 27 de janeiro de 1868, Mathur Babu com uma comitiva de cento e vinte e cinco pessoas saiu em peregrinação até os sagrados lugares do norte da Índia. Em Vadyanath no Behar, quando o Mestre viu os habitantes de um vilarejo reduzidos pela pobreza e inanição, a meros esqueletos, pediu a seu rico protetor para alimentá-los e dar-lhes uma peça de roupa, Mathur objetou a fazer tal gasto extra. O Mestre declarou amargamente que não iria a Benares, mas que viveria entre os pobres e dividiria com eles suas misérias. Chegou a deixar Mathur e sentou-se com os aldeões. Então Mathur teve que ceder. Em outra ocasião, dois anos depois, Sri Ramakrishna mostrou um sentimento semelhante pelos pobres e necessitados. Acompanhou Mathur numa visita a uma das propriedades deste último, por ocasião da coleta de impostos. Durante dois anos as colheitas haviam sido ruins e os arrendatários estavam num estado de extrema pobreza. O Mestre desejava que Mathur perdoasse os impostos, ajudasse-os e ainda desse ao povo faminto, uma festa suntuosa. Quando Mathur reclamou, o Mestre disse: "Você é apenas o administrador da Mãe Divina. Eles são arrendatários da Mãe. Você deve gastar o dinheiro da Mãe. Estão sofrendo, como pode se recusar a ajudá-los? Você deve ajudá-los." Novamente Mathur teve de ceder. A simpatia de Sri Ramakrishna pelos pobres nascia do fato dele ver Deus em todas as criaturas. Seu sentimento não era igual ao do humanista ou filantropo. Para ele o serviço do homem era o mesmo que adoração a Deus.

     A comitiva chegou a Benares de barco, pelo Ganges. Quando os olhos de Sri Ramakrishna caíram nessa cidade de Shiva, onde estão acumulados há séculos, a devoção e piedade de adoradores sem conta, viu que ela era feita de ouro, como as escrituras declaram. Ficou visivelmente emocionado. Durante sua estada na cidade, tratava qualquer grão de terra com o maior respeito. No ghat de Manikarnika, o grande crematório da cidade, realmente viu Shiva com o corpo coberto de cinzas, o cabelo dourado emaranhado, aproximando-se serenamente de cada pira funerária e soprando nos ouvidos dos cadáveres o mantra de liberação; depois a Mãe Divina removendo dos mortos seus grilhões. Assim compreendeu o significado da assertiva espiritual de que qualquer um que morra em Benares, salva-se pela graça de Shiva. Visitou Trailanga Swami, o célebre monge, quem ele mais tarde declarou ser um autêntico paramahamsa, verdadeira imagem de Shiva.

     Sri Ramakrishna visitou Allahabad, na confluência do Ganges e Jamuna e em seguida, Vrindavan e Mathura, cidade enfeitiçada pelas lendas, canções e dramas a respeito de Krishna e das gopis. Ali teve numerosas visões e o coração transbordou de emoção divina. Chamou e disse: "Ó Krishna! Tudo aqui está como nos velhos tempos. Só Tu estás ausente." Visitou a grande santa, Gangamayi, considerada pelos devotos vaishnavas, a encarnação de uma companheira íntima de Radha. Tinha sessenta anos e frequentemente entrava em transe. Referia-se a Sri Ramakrishna como uma encarnação de Radha. Com muita dificuldade conseguiu-se persuadi-lo a deixá-la.

     Na viagem de volta, Mathur queria visitar Gaya, mas Sri Ramakrishna recusou-se ir. Lembrou-se da visão de seu pai antes do seu nascimento e sentiu que no templo de Vishnu ficaria para sempre absorvido em Deus. Mathur, satisfazendo o desejo do Mestre, voltou com a comitiva para Calcutá.

     O Mestre trouxe de Vrindavan um punhado de terra. Parte dela espalhou no Panchavati; o resto enterrou numa pequena cabana onde praticava meditação. "Agora este lugar", disse, "é tão sagrado quanto Vrindavan".

     Em 1870 o Mestre foi em peregrinação a Nadia, cidade natal de Sri Chaitanya. Assim que o barco aproximou-se da margem de areia perto de Nadia, Sri Ramakrishna teve a visão dos "dois irmãos", Sri Chaitanya e seu companheiro, Nityanananda, "brilhantes como ouro derretido", e com auréolas, correndo para saudá-lo com as mãos levantadas. "Aí vêm eles! Aí vêm eles!" gritou. Entrando em seu corpo, caiu em transe profundo.

3.6  Relacionamento com a Esposa Sarada Devi

     Em 1872 Sarada Devi fez sua primeira visita ao marido em Dakshineswar. Quatro anos antes ela o tinha visto em Kamarpukur e provado o gosto da felicidade de sua companhia divina. Desde então tornou-se ainda mais gentil, terna, introspectiva, séria e altruísta. Havia ouvido muitos boatos sobre a insanidade de seu marido. As pessoas apiedavam-se dela nessa infelicidade. Quanto mais pensava, mais sentia que seu dever era estar com ele, dando-lhe na medida do possível, seu serviço de esposa dedicada. Estava agora com dezoito anos.

     Acompanhada do pai, chegou a Dakshineswar, depois de percorrer a pé uma distância de oitenta milhas. Havia tido um ataque de febre durante o caminho. Quando chegou ao templo, o Mestre disse tristemente: "Ah! Você chegou tarde demais. Meu Mathur já não está aqui para cuidar de você". Mathur havia morrido no ano anterior.

     O Mestre incumbiu-se da tarefa de instruir sua jovem esposa e isso incluía tudo, desde os serviços de casa até o Conhecimento de Brahman. Ensinou-a a enfeitar um lampião, como se comportar diante das pessoas de acordo com seus diferentes temperamentos e como se conduzir diante dos visitantes. Instruiu-a nos mistérios da vida espiritual - oração, meditação, japa, contemplação profunda e samadhi. A primeira lição que Sarada Devi recebeu foi: "Deus é o Bem-Amado de todos, assim como a lua é a cara a qualquer criança. Todas as pessoas têm o mesmo direito de orar a Ele. Por Sua graça Ele Se revela a todos que O chamam. Você também O verá se apenas orar por Ele".

     Totapuri sabendo do seu casamento, comentou uma vez: "O que importa? Somente aquele que está firmemente estabelecido no Conhecimento de Brahman pode manter seu espírito de discriminação e renúncia, mesmo vivendo com sua esposa. Só atingiu a iluminação suprema aquele que pode olhar um homem ou uma mulher como iguais a Brahman. Um homem com a idéia de sexo na cabeça pode ser um bom aspirante, mas ainda está longe da meta." Sri Ramakrishna e sua esposa viviam juntos em Dakshineswar, mas suas mentes pairavam sempre acima do plano do mundo. Alguns meses depois da chegada de Sarada Devi, Sri Ramakrishna arranjou num dia auspicioso, um culto especial para Kali, a Mãe Divina. Em vez da imagem da Divindade, colocou em seu lugar, uma imagem viva, a própria Sarada Devi. O adorador e a adorada entraram em samadhi profundo e no plano transcendental, suas almas uniram-se. Depois de várias horas, Sri Ramakrishna desceu ao plano relativo, cantou um hino à Grande Deusa e entregou aos pés da própria imagem viva, ele próprio, seu rosário e o fruto da sadhana de toda a vida. Tal cerimônia é conhecida nos Tantras como Shorashi Puja, a "Adoração da Mulher". Sri Ramakrishna compreendeu o significado da grande declaração dos Upanishads: "Ó Senhor, Tu és a mulher, Tu és o homem; Tu és o menino, Tu és a menina; Tu és o velho, trôpego em suas muletas. Tu permeias o universo nas suas múltiplas formas."

     Ao casar-se, Sri Ramakrishna mostrou o grande valor do casamento na evolução espiritual do homem e ao tomar votos monásticos, demonstrou a necessidade imperativa do autocontrole, pureza e continência, na realização de Deus. Com seu relacionamento único com a esposa, provou que marido e mulher podem viver juntos como companheiros espirituais. Assim, sua vida é a sínteses das duas maneiras de vida: como chefe de família e como monge.

3.7  O "Ego Maduro" de Ramakrishna

     No Nirvikalpa samadhi Sri Ramakrishna havia realizado que somente Brahman é real e o mundo ilusório. Ao manter a mente durante seis meses no plano de Brahman não-dual, havia atingido o estado de vijnani, o conhecedor da Verdade, num sentido muito especial e rico, aquele que vê Brahman não apenas em si e no Absoluto transcendental, mas em tudo no mundo. Nesse estado de vijnani, às vezes alheio à consciência do corpo, ele se olhava como uno com Brahman; às vezes, consciente do mundo dual, olhava-se como um devoto de Deus, servo ou filho. A fim de tornar o Mestre capaz de trabalhar para o bem-estar da humanidade, a Mãe Divina manteve nele um traço de ego, que descreveu - segundo seu estado - como o "ego do conhecimento" o "ego da devoção", o "ego de um filho", ou o "ego de um servo". Em qualquer um desses casos, esse ego do Mestre, consumido pelo fogo do Conhecimento de Brahman, era apenas aparente, como uma corda queimada. Muitas vezes referia-se a esse ego como o "ego maduro" em contraste com o ego de uma alma apegada, que descrevia como ego "não maduro" ou "verde". O ego de uma alma apegada identifica-se com o corpo, parentes, posses e o mundo, mas o "ego maduro", iluminado pelo Conhecimento Divino, reconhece que o corpo, parentes, posses e o mundo são irreais e estabelece uma relação de amor somente com Deus. Através do seu "ego maduro", Sri Ramakrishna lidava com o mundo e com a esposa. Um dia, enquanto massageava seus pés, Sarada Devi perguntou ao Mestre: "O que você pensa de mim?" Logo veio a resposta: "A Mãe que é adorada no templo é a que deu nascimento ao meu corpo e que está agora morando no nahabat e é Ela que também está massageando meus pés nesse momento. Na verdade, sempre considerei você a personificação da Bem-aventurada Mãe Kali."

     Sarada Devi na companhia do marido, teve raras experiências espirituais. Dizia: "Não tenho palavras para descrever minha maravilhosa exaltação de espírito quando o observava nos seus diferentes estados. Sob divina emoção, ele às vezes falava de assuntos incompreensíveis, às vezes ria, às vezes chorava e às vezes tornava-se imóvel em samadhi. Isso continuava pela noite adentro. Havia uma tal extraordinária presença divina nele que, de vez em quando tremia de medo e admiração, pensando como a noite passaria. Meses passaram-se assim. Um dia descobriu que eu tinha que ficar acordada a noite inteira porque, durante meu sono, ele talvez entrasse em samadhi - isso poderia acontecer a qualquer momento e assim, pediu-me para dormir no nahabat."

3.8  Resumo das Experiências Espirituais do Mestre

     Chegava agora o fim da sadhana de Sri Ramakrishna, o período de sua disciplina espiritual. Como consequência de suas experiências além dos sentidos, chegou a certas conclusões concernentes a si mesmo e à espiritualidade em geral. Suas conclusões sobre si mesmo podem ser resumidas assim:

     Primeiro, era uma Encarnação de Deus, uma pessoa especialmente comissionada, cujas experiências espirituais eram para o bem da humanidade. Enquanto uma pessoa comum leva uma vida inteira para realizar um ou dois aspectos de Deus, ele em poucos anos, realizou-O em todos Seus aspectos.

     Segundo, sempre soube que tinha sido uma alma livre, que as diversas disciplinas pelas quais havia passado, realmente não eram necessárias para sua própria liberação, mas somente para o benefício dos outros. As palavras liberação e escravidão não eram aplicáveis a ele. Enquanto houver seres que se considerem apegados, Deus tem que vir à terra como uma Encarnação, para libertá-los dessa escravidão, como um magistrado tem que visitar um lugar de seu distrito em que haja problemas.

     Terceiro, suas previsões sobre a época de sua morte concretizaram-se completamente.

     Sobre espiritualidade em geral, foram as seguintes suas conclusões:

     Primeiro, estava firmemente convencido de que todas as religiões são verdadeiras, de que todo sistema de doutrina representa um caminho para Deus. Seguira todos os principais caminhos e todos levaram-no ao mesmo objetivo. Foi o primeiro profeta religioso registrado pela história, a pregar a harmonia das religiões.

     Segundo, percebeu que os três grandes sistemas de pensamento conhecidos como Dualismo, Não-dualismo Qualificado e Absoluto Não-dualismo - Dvaita, Vishishtadvaita e Advaita - representam os três estágios do progresso do homem em direção à Realidade Suprema. Não se contradiziam, mas se complementavam e ajustavam-se aos diferentes temperamentos. Para o homem comum, com grande apego aos sentidos, a forma dualista de religião, prescrevendo uma certa quantidade de apoio material, como música e outros símbolos, é útil. Um homem que já realizou Deus transcende a idéia dos deveres mundanos, mas o mortal comum executa seus deveres, lutando para ser desapegado e entregar os resultados a Deus. A mente pode compreender e descrever a o pensamento e a experiência até o Vishishtadvaita, mas não além. A Advaita, a última palavra em experiência espiritual, é qualquer coisa a ser sentida em samadhi, porque transcende a mente e a fala. Do ponto de vista mais elevado, o Absoluto e Sua manifestação são igualmente reais - o Nome do Senhor, Sua Morada e o Próprio Deus são da mesma Essência espiritual. Tudo é Espírito, a diferença está somente na forma.

     Terceiro, Sri Ramakrishna realizou o desejo da Mãe Divina de que através dele, Ela fundaria uma nova Ordem, formada por aqueles que manteriam de pé as doutrinas ilustradas em sua vida.

     Quarto, sua vida espiritual dizia-lhe que aqueles estavam em sua última encarnação nesse plano mortal de existência e aqueles que haviam chamado sinceramente pelo Senhor uma vez apenas durante sus vidas, deveriam vir a ele.

     Nessa época Sri Ramakrishna sofreu várias perdas de pessoas que lhe eram caras. A primeira foi a morte de um sobrinho, chamado Akshay. Depois da morte do jovem, Sri Ramakrishna disse: "Akshay morreu diante de meus olhos, mas isso não me afetou em nada. Fiquei assistindo e observei como um homem morre. Era como uma espada sendo tirada da bainha. Diverti-me com a cena, ria, cantava e dançava. Retiraram o corpo e cremaram-no. No dia seguinte fui ali (apontando para a varanda sudeste de seu quarto), senti uma dor aguda pela perda de Akshay, como se alguém estivesse torcendo meu coração como uma toalha úmida. Fiquei admirado com isso e pensei que a Mãe estivesse me dando uma lição. Eu não estava preocupado nem mesmo com o próprio corpo - muito menos com a do meu parente, mas se tal era a minha dor com a perda de um sobrinho, como não seria a dos chefes de família com a perda de seus próximos e queridos entes!" Em 1871 Mathur morreu e cinco anos mais tarde, Sambhu Mallick - que depois da morte de Mathur havia assumido as despesas do Mestre. Em 1873 morreu seu irmão mais velho, Rameswar e em 1876, sua amada mãe. Essas perdas tiveram um impacto no terno coração humano de Sri Ramakrishna, embora tivesse realizado a imortalidade da alma e a ilusão do nascimento e morte.

     Em março de 1875, mais ou menos um ano antes da morte da mãe, o Mestre conheceu Keshab Chandra Sen. O encontro foi um acontecimento importante tanto para Sri Ramakrishna como para Keshab. Naquele momento, pela primeira vez, o Mestre entrou em contato com um digno representante da Índia moderna.