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Capítulo 4
Devotos, Discípulos e Aprendizes de Ramakrishna


O Evangelho de Sri Ramakrishna
Por M. (Mahendranath Gupta)
(Um discípulo direto de Sri Ramakrishna)

Introdução Biográfica e Tradução para o Inglês
De Swami Nikhilananda

Devotos, Discípulos e Aprendizes de Ramakrishna
    4.1  Movimento Brahmo Samaj
        4.1.1  Arya Samaj
    4.2  Keshab Chandra Sen
    4.3  Outros Chefes Brahmos
    4.4  O Anelo do Mestre para Ter seus Próprios Devotos
    4.5  Método de Ensino do Mestre
    4.6  Devotos Chefes de Família
    4.7  Futuros Monges
        4.7.1  Ram e Manomohan
        4.7.2  Surendra
        4.7.3  Kedar
        4.7.4  Harish
        4.7.5  Bhavanath
        4.7.6  Balaram Bose
        4.7.7  Mahendra ou M.
        4.7.8  Nag Mahashay
        4.7.9  Girish Ghosh
        4.7.10  Purna
        4.7.11  Mahimacharan e Pratap Hazra
    4.8  Alguns Homens Importantes
    4.9  Kristodas Pal e a Questão da Renúncia
    4.10  Discípulos Monásticos
        4.10.1  Latu
        4.10.2  Rakhal
        4.10.3  Gopal Mais Velho
        4.10.4  Narendra
        4.10.5  Tarak
        4.10.6  Baburam
        4.10.7  Niranjan
        4.10.8  Jogindra
        4.10.9  Sashi e Sarat
        4.10.10  Harinath
        4.10.11  Gangadhar
        4.10.12  Hariprasanna
        4.10.13  Kali
        4.10.14  Subodh
        4.10.15  Sarada
    4.11  Devotas
        4.11.1  Gopal Ma

4.1  Movimento Brahmo Samaj

     Keshab foi o líder do Brahmo Samaj, um dos dois grandes movimentos que, na última metade do século XIX, desempenhou um importante papel no renascimento da Índia. O fundador do movimento Brahmo foi o grande Raja Rammohan Roy (1774-1833). Embora tenha nascido numa família brahmin ortodoxa, Rammohan Roy demonstrava uma grande simpatia pelo islamismo e pelo cristianismo. Foi ao Tibé à procura dos mistérios budistas. Extraiu do cristianismo o sistema ético, mas rejeitou a divindade de Cristo, da mesma maneira que havia negado as Encarnações Hindus. O islamismo influenciou-o bastante na formulação de suas doutrinas monoteístas, mas ele sempre voltava para os Vedas a fim de obter inspiração espiritual. O Brahmo Samaj, que havia fundado em 1828, era dedicado ao "culto e adoração do Eterno, Insondável, Ser Imutável, que é o Autor e Preservador do Universo". Era aberto a todos sem distinção de cor, casta, nação ou religião.

     O verdadeiro organizador do Samaj foi Devendranath Tagore (1817-1905), pai do poeta Rabindranath. Sua beleza física e espiritual, seu porte aristocrático, agudo intelecto e sensibilidade poética tornaram-no o líder mais notável dos intelectuais bengalis. Esses dirigiam-se a ele com o epíteto respeitoso de Maharshi, o "Grande Vidente". O Maharshi era um grande erudito sânscrito e, ao contrário de Raja Rammohan Roy, tirava inspiração inteiramente dos Upanishads. Foi um inimigo implacável do culto à imagem e também, lutou para deter a infiltração das idéias cristãs no Samaj. Deu ao movimento sua fé e ritual. Sob sua influência, o Brahmo Samaj professou Um Ser Supremo Auto-existente, que havia criado o universo do nada, o Deus da Verdade, Sabedoria Infinita, Bondade e Poder, o Eterno e Onipotente, o Uno sem Segundo. Os homens devem amá-Lo e fazer Sua vontade, acreditar n'Ele e adorá-Lo e assim, merecer a salvação no mundo vindouro.

     Sem dúvida alguma, o líder mais capaz do movimento Brahmo foi Keshab Chandra Sen (1838-1884). Ao contrário de Raja Rammohan Roy e Devendranath Tagore, Keshab nasceu numa família bengali de classe média e tinha sido educado numa escola inglesa. Não conhecia sânscrito e logo afastou-se da religião hindu popular. Já em tenra idade havia ficado fascinado por Cristo e afirmava ter experimentado a graça especial de João Batista, Cristo e São Paulo. Quando lutou para introduzir Cristo no Brahmo Samaj, a ruptura tornou-se inevitável com Devendranath. Em 1868 Keshab rompeu com o chefe mais antigo e fundou o Brahmo Samaj da Índia, sendo que Devendranath manteve-se à frente da organização inicial, agora chamada Adi Samaj.

     Keshab possuía uma natureza complexa. Quando passava por uma grande crise moral, ficava a maior parte do tempo na solidão e sentia ouvir a voz de Deus. Quando um novo culto devocional era introduzido no Brahmo Samaj, passava horas cantando o kirtan com seus membros. Visitou a Inglaterra em 1870 e impressionou o povo inglês com sua voz musical, seu inglês simples e seu fervor espiritual. Foi recebido pela rainha Victoria.

     Voltando à Índia, fundou centros do Brahmo Samaj em várias partes do país. Como professor de religiões comparativas de uma universidade européia, começou a descobrir, por ocasião de seu primeiro contato com Sri Ramakrishna, a harmonia das religiões. Começou a olhar com simpatia os deuses e deusas hindus, explicando-os de uma maneira liberal. Além disso acreditava que havia sido chamado por Deus para dar ao mundo uma lei recentemente revelada por Ele, a Nova Revelação, o Navavidhan.

     Em 1878 houve uma cisão no Samaj de Keshab. Alguns membros influentes acusaram-no de infringir os princípios do Brahmo Samaj, ao casar sua filha com um homem rico, antes dela atingir a idade própria para tal, aprovada pelo Samaj. Esse grupo desligou-se e estabeleceu o Sadharan Brahmo Samaj, ficando Keshab como chefe remanescente do Navavidhan. Keshab agora começou a ser atraído cada vez mais para o ideal de Cristo, apesar de, sob a influência de Sri Ramakrishna, sua devoção à Mãe Divina tivesse se aprofundado. Sua oscilação mental entre Cristo e a Mãe Divina do hinduísmo não encontrava uma posição de equilíbrio. Em Bengala e outros lugares da Índia, o movimento Brahmo assumiu a forma de cristianismo unitarista, escarnecendo dos rituais hindus e pregando a cruzada contra o culto das imagens. Sob a influência da cultura ocidental, declarava a supremacia da razão, advogava os ideais da Revolução Francesa, abolia o sistema de castas entre seus membros, lutava pela emancipação das mulheres, agitada pela abolição do casamento precoce, permitia o casamento das viúvas e encorajava os vários movimentos educacionais e de reforma social. O efeito imediato do movimento Brahmo em Bengala foi o confronto com as atividades proselitistas dos missionários cristãos. Também levantou a cultura indiana aos olhos dos seus senhores ingleses, mas tratava-se de um fermento religioso intelectual e eclético, nascido da necessidade do momento. Ao contrário do hinduísmo, não havia surgido das profundas experiências interiores de sábios e profetas. Sua influência estava confiada a praticamente poucos homens e mulheres intelectuais do país e a vasta massa dos indianos ficou de fora. Monotonamente tocava apenas uma nota só da rica escala musical da Religião Eterna dos indianos.

4.1.1  Arya Samaj

     Um outro movimento que teve importante papel na renovação religiosa da Índia, foi o Arya Samaj. O Brahmo Samaj, movimento essencialmente de compromisso com a cultura européia, admitiu tacitamente a superioridade do ocidente, mas o fundador era um combativo sannyasin hindu que havia aceitado o desafio do islamismo e cristianismo e havia decidido combater todas as influências estrangeiras na Índia. Swami Dayananda (1824-1883) lançou esse movimento em Bombaim em 1875 e logo sua influência fez-se sentir em toda a Índia ocidental. O Swami foi um grande erudito dos Vedas, que ele explicava, eram monoteístas. Era contra o culto das imagens e restabeleceu os ritos sacrificais védicos antigos. De acordo com ele, os Vedas eram a última autoridade em matéria de religião e ele aceitava cada palavra como sendo literalmente verdadeira. O Arya Samaj tornou-se um baluarte contra a usurpação do islamismo e cristianismo e seu sabor ortodoxo tocou muitas mentes indianas. Liderou também muitos movimentos de reforma social. O sistema de castas tornou-se um alvo de seu ataque. As mulheres foram liberadas de muitas de suas limitações sociais. A educação recebeu um grande impulso. Iniciou uma campanha contra o casamento entre crianças, defendendo um novo matrimônio para as viúvas. Sua maior influência foi no Punjab, campo de batalha das culturas hindu e islâmica. Uma nova atitude combativa foi introduzida na adormecida sociedade indiana. Ao contrário do Brahmo Samaj, a influência do Arya Samaj não se limitou aos intelectuais. Era uma força que se disseminava entre as massas. Era um movimento dogmático, intolerante com aqueles que discordassem de seus pontos de vista e dava ênfase apenas a um caminho, o caminho do Arya Samaj, para a realização da Verdade. Sri Ramakrishna encontrou Swami Dayananda quando este último visitou Bengala.

4.2  Keshab Chandra Sen

     Keshab Chandra Sen e Sri Ramakrishna encontraram-se pela primeira vez na chácara de Jayagopal em Belgharia, umas poucas milhas de Dakshineswar, onde o grande líder Brahmo estava hospedado com alguns discípulos. Em muitos pontos ambos eram pólos opostos, embora uma atração irresistível interna os havia feito amigos íntimos. O Mestre havia realizado Deus como Espírito Puro e Consciência, mas também acreditava nas diversas formas de Deus. Keshab, por sua vez, considerava o culto à imagem, idolatria e dava explicações alegóricas das divindades hindus. Keshab era um orador e escritor de livros e artigos de revistas; Sri Ramakrishna tinha aversão a conferências e com dificuldade sabia escrever o nome. A fama de Keshab havia se espalhado por toda a parte, chegando mesmo às distantes praias da Inglaterra; o Mestre ainda levava uma vida reclusa no vilarejo de Dakshineswar. Keshab dava ênfase às reformas sociais para que fosse conseguida a regeneração da Índia; para Sri Ramakrishna a realização de Deus era a única meta da vida.

     Keshab considerava-se um discípulo de Cristo, mas aceitava com reservas, os sacramentos cristãos e a Trindade; Sri Ramakrishna era um simples filho de Kali, a Mãe Divina, embora ele também, de uma forma diferente, aceitasse a divindade de Cristo. Keshab era um chefe de família e interessava-se pelo bem-estar de seus filhos, enquanto que Sri Ramakrishna era um Paramahamsa, completamente indiferente à vida do mundo.

     Contudo, uma vez que o relacionamento havia amadurecido em amizade, Sri Ramakrishna e Keshab nutriam um pelo outro um sentimento cordial e de respeito. Anos mais tarde, com a notícia da morte de Keshab, o Mestre sentiu como se o corpo estivesse paralisado. Os conceitos de Keshab sobre a harmonia das religiões e o caráter maternal de Deus aprofundaram-se e enriqueceram-se com seu contato com Sri Ramakrishna.

     Sri Ramakrishna, vestido com um `dhoti' de franja vermelha, com cada ponta atirada displicentemente por cima do ombro esquerdo, chegou à chácara de Jayagopal acompanhado de Hriday. Ninguém notou a presença do modesto visitante. Por fim, o Mestre disse a Keshab: "Disseram-me que o senhor viu Deus; por isso vim ouvi-lo falar sobre Ele". Seguiu-se um diálogo maravilhoso. O Mestre entoou uma emocionante canção sobre Kali e por fim, entrou em samadhi. Quando Hriday murmurou o sagrado "Om" em seu ouvido, gradualmente voltou à consciência do mundo, o rosto ainda irradiando um brilho divino. Keshab e seus seguidores estavam extasiados. O contraste entre Sri Ramakrishna e os devotos Brahmos era muito interessante. Ali sentou-se aquele homem pequeno, magro e extremamente delicado. Os olhos possuíam luz interior. Um bom humor brilhava em seus olhos e um sorriso permanecia no canto da boca. Falava bengali popular com uma leve e deliciosa gagueira e suas palavras faziam as pessoas ficarem maravilhadas pela riqueza da experiência espiritual, seu conteúdo inesgotável de comparações e metáforas, seu poder de observação, seu humor brilhante e sutil, sua universalidade maravilhosa, seu fluxo incessante de sabedoria. À sua volta estavam os homens sofisticados de Bengala, os melhores produtos da educação ocidental, com Keshab, o ídolo da jovem Bengala, como seu chefe.

     A sinceridade de Keshab foi suficiente para Sri Ramakrishna. Daí por diante os dois passaram a se ver frequentemente, tanto em Daksineswar como no templo Brahmo Samaj. Sempre que o Mestre encontrava-se no templo por ocasião do serviço divino, Keshab chamava-o para falar à congregação. Keshab, por sua vez, visitava o santo, oferecendo-lhe flores e frutas.

4.3  Outros Chefes Brahmos

     Gradualmente os outros dirigentes Brahmos começaram a sentir a influência de Sri Ramakrishna. Eram, porém, admiradores críticos do Mestre. Desaprovavam particularmente sua renúncia ascética e a condenação de "mulher e ouro". Julgavam-no de acordo com seus próprios ideais de vida como chefes de família. Alguns não compreendiam seu samadhi e descreviam-no como uma doença nervosa. Contudo não podiam resistir à sua personalidade magnética.

     Entre os chefes Brahmos que conheciam intimamente o Mestre, estavam Pratap Chandra Mazumdar, Vijaykrishna Goswami, Trailokyanath Sannyal e Shivanath Shastri.

     Um dia Shivanath ficou bastante impressionado com a absoluta simplicidade do Mestre e sua aversão ao elogio. Estava sentado com Sri Ramakrishna no quarto desse último, quando chegaram vários homens ricos de Calcutá. O Mestre deixou o aposento por alguns minutos. Nesse ínterim Hriday, seu sobrinho, começou a descrever seu samadhi aos visitantes. As últimas palavras foram ouvidas pelo Mestre ao entrar no quarto.

     Disse a Hriday: "Que pessoas de espírito mesquinho você deve ser, para me enaltecer dessa maneira, perante esses homens ricos! Você deve ter visto seu vestuário caro e suas correntes e relógios de ouro e o objetivo deles é tirar quanto dinheiro puder. O que me importa o que eles pensam a meu respeito? (Virando para os senhores). Não, meus amigos, o que ele lhe disse a meu respeito não é verdade. Não foi o amor de Deus que me fez ficar absorvido n'Ele e indiferente ao mundo exterior. Positivamente fiquei louco durante um certo tempo. Os sadhus que frequentavam esse templo haviam-me mandado praticar muitas coisas. Tentei segui-los e a consequência foi que minhas austeridades levaram-me à insanidade." Essa é uma citação de um dos livros de Shivanath. Ele levou as palavras do Mestre ao pé da letra, sem atinar sua importância verdadeira.

     Shivanath criticava veementemente o Mestre pela sua atitude fora do comum em relação à esposa. Escreveu: "Ramakrishna estava praticamente separado da esposa que morava em seu vilarejo natal. Um dia em que eu estava comentando com alguns amigos a respeito da virtual viuvez de sua esposa, ele me chamou para um canto e murmurou no meu ouvido: `Por que você se queixa? Não é mais possível; está tudo morto e desaparecido.' Outro dia como eu estivesse investindo contra essa parte do seu ensinamento e também, dizendo que nosso programa de trabalho no Brahmo Samaj inclui mulheres, que a nossa é uma religião social e doméstica e que desejamos dar educação e liberdade social para as mulheres, o santo ficou muito exaltado, como era seu jeito quando qualquer coisa contra sua convicção estabelecida era discutida - um traço que gostamos muito nele - exclamou: `Vá, seu tolo, e enterre-se no buraco que suas mulheres cavarão para você.' Então olhou para mim e disse: `O que um jardineiro faz com um brotinho? Não põe uma cerca para protegê-lo das cabras e do gado? E quando a plantinha tiver crescido e se transformado numa árvore e não mais puder ser pisoteada pelo gado, não retira a cerca e deixa-a crescer livremente?' Respondi: `Sim, esse é o costume dos jardineiros.' Então observou: `Faça o mesmo com sua vida espiritual: torne-se forte, completamente adulto e então poderá procurá-las.' A que respondi: `Não concordo com o senhor, dizendo que o trabalho das mulheres é como o do gado, destrutivo; são nossas associadas e ajudantes nas lutas espirituais e progresso social' - um ponto de vista com o qual ele não podia concordar e demonstrou sua reprovação, sacudindo a cabeça. Referindo-se à hora avançada, jocosamente comentou: `É hora do senhor ir embora; tome cuidado, não se atrase, caso contrário, `sua mulher não permitirá sua entrada no quarto.' Isso provocou uma risada calorosa."

     Pratap Chandra Mazumdar, braço direito de Keshab e pregador perfeito do Brahmo na Europa e América, criticava amargamente Sri Ramakrishna pelo uso de uma linguagem inculta e também, pela atitude em relação à esposa. Não podia, porém, escapar da magia da personalidade do Mestre. Num artigo a respeito de Sri Ramakrishna, Pratap escreveu no Theistic Quarterly Review: "O que há de comum entre nós? Eu, um homem à maneira européia, civilizado, autocentrado, um tanto céptico, um pretenso racionalizador educado, um discriminador, e ele, um devoto hindu, pobre, iletrado, impolido, meio idólatra, sem amigos? Por que haveria eu de me sentar longas horas para ouvi-lo, eu que ouvi Disraeli e Fawcett, Stanley e Max Müller e todo um vasto conjunto de eruditos e divinos? ... Não sou eu somente, mas dúzias de pessoas como eu, que fazem a mesma coisa. ... Ele adora Shiva, adora Kali, adora Rama, adora Krishna e é um confirmado defensor das doutrinas vedantistas. ... É um idólatra, contudo, um fiel e maior meditante nas perfeição do Uno Sem Forma, Absoluto, Divindade Infinita. ... Sua religião é o êxtase, seu culto significa visão interior transcendental, sua natureza inteira queima dia e noite com um fogo permanente e febre de uma estranha fé e sentimento ... Enquanto ele estiver conosco com alegria, sentaremos aos seus pés a fim de aprender os preceitos sublimes de pureza, não mundanismo, espiritualidade e inebriação no amor de Deus ... Ele, pela bhakti infantil, pelas suas fortes concepções da Maternidade, ajudou-nos a descobrir isto (Deus como nossa Mãe), de forma fascinante ... Ao nos associarmos com ele, aprendemos a compreender melhor os atributos divinos disseminados entre trezentos e trinta milhões de divindades da Índia mitológica, os deuses dos Puranas."

     Os dirigentes Brahmos receberam muita inspiração pelo seu contato com Sri Ramakrishna. Isto alargou seus pontos de vista religiosos e inflamou nos seus corações o anelo pela realização de Deus; fê-los compreender e apreciar os rituais e os símbolos da religião hindu, convencendo-os da manifestação de Deus em diversas formas e aprofundou seus pensamentos sobre a harmonia das religiões. O Mestre, também, estava impressionado com a sinceridade de muitos devotos Brahmos. Falou-lhes sobre suas próprias realizações e explicou-lhes a essência de seus ensinamentos, tais como a necessidade de renúncia, sinceridade em seguir seu próprio curso de disciplina, fé em Deus, execução dos deveres pessoais sem pensar nos resultados e discriminação entre o Real e o irreal.

     O contato com bengalis educados e progressistas abriram os olhos de Sri Ramakrishna para um novo campo de pensamento. Nascido e criado num simples vilarejo, sem educação formal e recebendo ensinamentos de santos ortodoxos da Índia, sobre a vida religiosa, não tinha tido oportunidade de estudar a influência do modernismo no pensamento e na vida dos hindus. Não havia podido estimar com precisão o impacto da educação ocidental na cultura indiana. Era o Hindu dos hindus, sendo a renúncia para ele, o único meio para a realização de Deus na vida. Dos Brahmos aprendeu que a nova geração da Índia havia firmado um compromisso entre Deus e o mundo. Os jovens educados sentiam mais a influência dos filósofos ocidentais do que seus próprios profetas. Sri Ramakrishna, porém, não desanimou, porque via nisso, também, a mão de Deus. Embora tivesse exposto aos Brahmos todas suas idéias a respeito de Deus e das disciplinas religiosas austeras, contudo, fazia-os aceitar de seus ensinamentos, apenas o que convinha aos seus gostos e temperamentos.

4.4  O Anelo do Mestre para Ter seus Próprios Devotos

     O contato com os Brahmos aumentou o desejo de Sri Ramakrishna de encontrar aspirantes capazes de seguir seus ensinamentos na forma mais pura. "Não havia limite", declarou ele certa vez, para o anelo que eu sentia naquela época. Durante o dia, de uma certa maneira, conseguia controlá-lo. A conversa das pessoas de mentalidade mundana me irritava e esperava com ansiedade, o dia em que meus próprios amados companheiros chegariam. Esperava encontrar consolo, conversando com eles e contando-lhes minhas próprias realizações. Qualquer pequeno incidente fazia-me lembrar deles e pensamentos sobre eles tomavam-me totalmente. Já estava mesmo planejado o que diria a um ou daria a outro etc. Ao terminar o dia, não podia mais controlar meus sentimentos. O pensamento de que mais um dia havia se passado e eles não haviam chegado, oprimia-me. Quando, durante o serviço da tarde, os templos soavam com o tocar dos sinos e conchas, eu subia ao terraço do kuthi no jardim, contorcendo-me de angústia no coração e gritava com o máximo e minha voz: `Venham, meus filhos! Ó, onde estão vocês? Não suporto viver sem vocês.' Jamais uma mãe ansiou tão intensamente para ver o filho, nem um amigo pelos seus companheiros, nem um amante por sua amada, como eu por eles. Ó, foi indescritível! Um pouco depois desse período de ânsia, os devotos começaram a chegar.

     Em 1879 alguns artigos esporádicos sobre Sri Ramakrishna escritos pelos Brahmos, em revista Brahmo, começaram a atrair os futuros discípulos entre os intelectuais bengalis da classe média e continuaram a chegar até 1884. Outros, entretanto, vieram, sentindo o poder sutil de sua atração. Era uma multidão sempre mutável de pessoas de todas as classes e credos: Hindus e Brahmos, vaishnavas e shaktas, letrados com diploma universitário e os incultos, velhos e jovens, maharajas e mendigos, jornalistas e artistas, pundits e devotos, filósofos e pessoas de mentalidade mundana, jnanis e yogis, homens de ação e homens de fé, mulheres virtuosas e prostitutas, empregados em escritório e desocupados, filantropos e buscadores, dramaturgos e bêbados, construtores e demolidores. Deu-lhes tudo, sem distinção, tirando do seu ilimitado estoque de realização. Ninguém saía de mãos vazias. Ensinava-lhes a sabedoria elevada da Vedanta e o amor abrasador dos Puranas. Das vinte e quatro horas, falava sem descanso ou pausa, vinte. Dava a todos sua simpatia e iluminação e tocava-os com aquele estranho poder da alma que não podia senão derreter até os mais empedernidos. E as pessoas o compreendiam de acordo com seu poder de entendimento.

4.5  Método de Ensino do Mestre

     Ele, contudo, permaneceu como sempre, um instrumento dedicado nas mãos de Deus, o filho da Divina Mãe, totalmente intocado pela idéia de ser um mestre. Costumava dizer que três idéias - a de que era um guru, um pai e um mestre - espetavam sua pele como se fosse espinhos. Foi um instrutor extraordinário. Atingia os corações de seus discípulos mais por sua influência sutil do que por ações ou palavras. Jamais proclamou-se o fundador de uma religião ou organizador de uma seita. Foi, porém, um dínamo religioso. Foi o contestador de todas as religiões e credos. Era um jardineiro experiente, que prepara o solo e remove as ervas daninhas, sabendo que as plantas vão crescer devido ao poder inerente das sementes, dando a cada uma, flores e frutos apropriados. Jamais impôs suas idéias a ninguém. Compreendia as limitações das pessoas e trabalhava em cima do princípio segundo o qual, o que é bom para um pode ser mau para o outro. Possuía o poder incomum de conhecer as mentes dos devotos, mesmo suas almas mais recônditas à primeira vista. Aceitava os discípulos tendo pleno conhecimento de suas tendências passadas e possibilidades futuras. A vida de uma pessoa maldosa não o assustava, nem os melindres religiosos faziam com que alguém subisse em sua estima. Via em tudo o dedo infalível da Mãe Divina. Até a luz que desvia, era para ele a luz que vinha de Deus.

     Para aqueles que se tornaram seus discípulos íntimos, o Mestre era um amigo, companheiro e parceiro de folguedos. Até mesmo as durezas das disciplinas religiosas ficavam leves ante sua presença. Os devotos ficavam tão inebriados de pura alegria na sua companhia, que não tinham tempo para perguntar se ele era uma Encarnação, uma alma perfeita ou um yogi. Sua simples presença era um ensinamento; as palavras eram supérfluas. Nos últimos anos os discípulos perceberam que enquanto estavam com ele, olhavam-no como um camarada, mas em seguida tremiam em pensar em suas frivolidades na presença de uma pessoa tão grande. Tinham a prova convincente de que o Mestre podia, por um simples desejo, acender em seus corações, o amor de Deus e conceder-lhe Sua visão.

     Através de suas brincadeiras e pilhérias, sua alegria e frivolidade, sempre mantinha diante deles o ideal luminoso da consciência de Deus e do caminho da renúncia. Prescrevia subidas íngremes ou suaves de acordo com a capacidade do escalador. Não permitia qualquer concessão aos princípios básicos da pureza. Um aspirante tinha que conservar o corpo, mente, sentidos e alma sem mácula; tinha que ter um amor sincero por Deus e um sempre crescente espírito de anelo por Deus. Todo restante seria feito pela Mãe.

     Havia dois tipos de discípulos: os chefes de família e os jovens, sendo que alguns deles vieram a ser mais tarde, monges. Havia também, um grupo pequeno de devotas.

4.6  Devotos Chefes de Família

     Para os chefes de família, Sri Ramakrishna não prescrevia o árduo caminho da renúncia total. Queria que cumprissem suas obrigações para com suas famílias. Sua renúncia tinha que ser mental. A vida espiritual não podia ser obtida fugindo-se das responsabilidades. Um casal deveria viver como irmãos depois do nascimento de um ou dois filhos, dedicando todo o seu tempo a conversas espirituais e contemplação. Encorajava os chefes de família, dizendo-lhes que suas vidas eram de uma certa maneira mais fácil do que a de um monge, pois, era vantajoso combater o inimigo de dentro de uma fortaleza do que em campo aberto. Insistia, entretanto, em sua retirada para a solidão de vez em quando, para fortalecer a devoção e fé em Deus, através da prece, japa e meditação. Prescrevia-lhe a companhia de sadhus. Pedia-lhes para fazerem seus deveres mundanos utilizando uma das mãos, enquanto segurava Deus com a outra e orassem a Deus, de tal forma que ao final, pudessem segurá-Lo com ambas as mãos. Desencorajava tanto nos chefes de família como nos jovens solteiros, qualquer tibieza em suas lutas espirituais. Não lhes pedia que seguissem indiscriminadamente o ideal de não-resistência, o que em termos finais, transforma um incauto num covarde.

4.7  Futuros Monges

     Para os jovens destinados a serem monges, contudo, sugeria que trilhassem o áspero caminho da renúncia tanto externa como interna. Deviam fazer voto de continência absoluta e abster-se todo pensamento de ganância e luxúria. Pela prática da continência, os aspirantes desenvolvem um nervo sutil através do qual compreendem os mistérios mais profundos de Deus. Para eles autocontrole é final, imperativo e absoluto. Os sannyasins são instrutores de homens e suas vidas deviam estar completamente livres de mácula. Não devem nem mesmo olhar para uma figura que possa despertar suas paixões ocultas. O Mestre selecionou seus futuros monges entre jovens não tocados por "mulher e ouro" e moldáveis a ponto de se adaptarem ao modelo espiritual. Quando os ensinava o caminho da renúncia e discriminação não permitia que os chefes de família ficassem por perto.

4.7.1  Ram e Manomohan

     Os dois primeiros chefes de família que chegaram a Dakshineswar foram Ramchandra Dutta e Manomohan Mitra. Praticante de medicina e química, Ram era céptico a respeito de Deus e religião e jamais havia experimentado paz de espírito. Desejava uma prova tangível da existência de Deus. O Mestre disse-lhe: "Deus realmente existe. Você não vê as estrelas durante o dia, mas isso não significa que elas não existam. Há manteiga no leite, mas pode alguém vê-la simplesmente olhando para o leite? A fim de obtê-la, uma pessoa deve bater o leite num lugar quieto e frio. Você não pode realizar Deus por um simples desejo; deve passar por algumas disciplinas mentais." Gradualmente o Mestre despertou a espiritualidade de Ram e este tornou-se um dos seus principais discípulos leigos. Foi Ram quem apresentou Narendranath a Sri Ramakrishna. Narendra era parente de Ram.

     Manomohan no início teve de enfrentar uma considerável oposição de sua esposa e outros parentes, que se ressentiam de suas visitas a Dakshineswar, mas por fim o amor desinteressado do Mestre triunfou sobre a afeição mundana. Foi Manomohan quem trouxe Rakhal para o Mestre.

4.7.2  Surendra

     Suresh Mitra, um amado discípulo a quem o Mestre dirigia-se como Surendra, recebeu uma educação inglesa e exercia um importante cargo numa firma inglesa. Como muitos outros jovens educados do seu tempo, orgulhava-se de seu ateísmo e levava a vida de um boêmio. Era chegado à bebida. Tinha uma idéia exagerada sobre o livre arbítrio do homem. Vítima de uma depressão nervosa foi levado a Sri Ramakrishna por Ramchandra Dutta. Ao ouvir o Mestre pedindo a um discípulo que praticasse a virtude de entregar-se a Deus, ficou impressionado. Embora tivesse tentado dali para frente agir dessa maneira, foi incapaz de largar suas antigas associações e bebida. Um dia o Mestre disse em sua presença: "Bem, quando uma pessoa vai a um lugar indesejável, por que ela não leva a Mãe Divina consigo?" E para o próprio Surendra, Sri Ramakrishna disse: "Por que você não bebe vinho como vinho consagrado? Ofereça-o à Kali e depois, tome-o como prasad, como vinho consagrado, mas veja que não fique embriagado; não deve cambalear, nem os pensamentos devem vagar. No princípio sentirá uma agitação comum, mas logo experimentará exaltação espiritual."

     Gradualmente sua vida inteira modificou-se. O Mestre designou-o como um daqueles comissionados pela Mãe Divina, para bancar a maior parte de suas despesas. A bolsa de Surendra estava sempre aberta para o conforto do Mestre.

4.7.3  Kedar

     Kedarnath Chatterji era dotado de temperamento espiritual e havia tentado vários caminhos religiosos, alguns não muito recomendáveis. Ao encontrar o Mestre em Dakshineswar, compreendeu o verdadeiro significado da religião. Dizia-se que o Mestre, cansado de dar instrução aos devotos que vinham a ele em grande número para orientação, havia uma vez orado à Deusa Kali: "Mãe, estou cansado de falar às pessoas. Por favor, dê poder a Kedar, Girish, Ram, Vijay e Mahendra para que eles dêem a elas a instrução preliminar, de forma que um pouco de ensinamento meu seja suficiente." Ele estava, contudo, atento ao apego que Kedar há muito tempo sentia pelas coisas do mundo e muitas vezes o havia prevenido contra isso.

4.7.4  Harish

     Harish, um jovem rico, renunciou à sua família e refugiou-se no Mestre, que o amava por sua sinceridade, vontade firme e natureza calma. Passava o tempo em oração e meditação, fazendo-se surdo aos rogos e ameaças de seus parentes. Referindo-se à sua paz de espírito imperturbável, o Mestre dizia: "Homens verdadeiros estão mortos para o mundo, embora vivos. Olhe para Harish. Ele é um exemplo." Quando o Mestre lhe pediu para que fosse um pouco mais delicado com sua esposa, Harish disse-lhe: "O senhor deve me desculpar nesse ponto. Esse não é o lugar para mostrar gentileza. Se eu for simpático com ela, há a possibilidade de me esquecer do ideal e ser enredado pelo mundo."

4.7.5  Bhavanath

     Bhavanath Chatterji visitou o Mestre quando ainda era adolescente. Seus pais e parentes consideravam Sri Ramakrishna insano e fizeram o possível para impedir que ele se tornasse íntimo do Mestre. O rapaz, porém, era muito obstinado e muitas vezes passou as noites em Dakshineswar. Era fortemente ligado a Narendra e o Mestre incentivava essa amizade. A sua simples visão muitas vezes ocasionava emoção espiritual em Sri Ramakrishna.

4.7.6  Balaram Bose

     Balaram Bose vinha de uma rica família vaishnava. Desde a juventude mostrou um temperamento religioso profundo e dedicava o tempo à meditação, oração e estudo das escrituras. Tinha ficado muito impressionado com o Mestre desde o seu primeiro encontro. Perguntou a Sri Ramakrishna se Deus realmente existia e se o homem poderia realizá-Lo. O Mestre disse: "Deus revela-Se ao devoto que O considera como o seu mais íntimo e querido. Pelo fato de que você não tenha recebido resposta à sua oração uma vez, não deve concluir que Ele não existe. Ore a Deus, pense n'Ele como sendo mais importante do que seu próprio eu. Ele é muito apegado a Seus devotos, aproxima-Se de uma pessoa antes mesmo que ela O procure. Não há ninguém mais íntimo e querido do que Deus." Balaram jamais havia ouvido falar de Deus com palavras tão cheias de força; cada uma delas parecia-lhe verdadeira. Sob a influência do Mestre, passou por cima das convenções do ritual vaishnava e tornou-se um dos mais queridos discípulos. O Mestre dormia em sua casa, sempre que passava a noite em Calcutá.

4.7.7  Mahendra ou M.

     Mahendranath Gupta, mais conhecido como "M.", chegou a Dakshineswar, em março de 1882. Pertencia ao Brahmo Samaj e era diretor do High School de Vidyasagarr em Syambazar, em Calcutá. À primeira vista o Mestre reconheceu nele um dos seus discípulos "marcados". Mahendra relatou em seu diário, as conversas de Sri Ramakrishna com os devotos. Essas são as primeiras palavras diretamente registradas, na história espiritual do mundo, de um homem reconhecido como pertencente à classe de um Buda e Cristo. O presente volume é uma tradução desse diário. Mahendra foi um instrumento, através de seus contatos pessoais, na disseminação da mensagem do Mestre entre muitas almas jovens e aspirantes.

4.7.8  Nag Mahashay

     Durgacharan Nag, também conhecido como Nag Mahashay, foi o chefe de família ideal entre os discípulos leigos de Sri Ramakrishna. Foi a personificação do ideal de vida do Mestre, não tocado pelo mundanismo. Apesar de ter intenso desejo de se tornar um sannyasin, Sri Ramakrishna pediu-lhe para viver no mundo com espírito de monge e o discípulo de fato levou em frente tal prescrição. Nasceu de uma família pobre e mesmo em sua meninice muitas vezes sacrificou tudo para diminuir os sofrimentos dos necessitados. Casou-se com tenra idade e, depois da morte da esposa, casou-se pela segunda vez, obedecendo ordem de seu pai. Mas um dia disse a ela: "O amor a nível físico não dura. É realmente abençoado aquele que pode dar seu amor a Deus com todo seu coração. Mesmo um pequeno apego ao corpo dura muitos nascimentos. Por conseguinte, não fique apegado a essa gaiola de ossos e carne. Refugie-se aos pés da Mãe e só pense n'Ela. Assim sua vida aqui e depois, será enobrecida." O Mestre referia-se a ele como uma "luz ardente". Acatava cada palavra de Sri Ramakrishna como uma verdade incontestável. Um dia ouviu o Mestre dizer que era difícil para médicos, advogados e corretores fazerem muito progresso na espiritualidade. Dos médicos dizia, "Se a mente agarra-se às pequenas gotas de remédios, como pode conceber o Infinito?" Isso foi o fim da carreira médica de Durgacharan que jogou sua caixa de remédios no Ganges. Sri Ramakrishna assegurou-lhe que não lhe faltaria comida simples e roupas. Ordenou-lhe que servisse os santos. Quando ele lhe perguntou onde encontraria santos de verdade, o Mestre respondeu-lhe que os próprios sadhus procurariam sua companhia. Nenhum sannyasin poderia ter vivido uma vida tão austera como Durgacharan.

4.7.9  Girish Ghosh

     Girish Chandra Ghosh nasceu um rebelde contra Deus, um céptico, um boêmio, um bêbado. Foi o maior ator dramático bengali de seu tempo, o pai do moderno teatro bengali. Como outros jovens, absorveu todos os vícios do Ocidente. Havia entrado numa vida de dissipação e estava convencido de que a religião era apenas uma fraude. Justificava a filosofia materialista como aquela que permitia a uma pessoa pelo menos, gozar um pouco a vida. Uma série de reveses abalaram-no e ele ficou ansioso para solucionar o enigma da vida. Havia ouvido falar que na vida espiritual, a ajuda de um guru era imperativa e que o guru deveria ser olhado como o Próprio Deus. Girish, contudo, estava bastante impregnado da natureza humana para ver perfeição num homem. Seu primeiro encontro com Sri Ramakrishna não o impressionou. Voltou para casa com tivesse visto uma aberração num circo porque o Mestre, em estado semiconsciente, havia perguntado se era noite, apesar de todos os lampiões estarem acesos no quarto. Seus caminhos, porém, cruzaram-se muitas vezes e Girish não pôde evitar encontros posteriores. O Mestre assistiu a uma apresentação de Girish no Star Theatre. Dessa vez, também, Girish não achou nada de extraordinário nele. Um dia, porém, por acaso Girish viu o Mestre dançando e cantando com os devotos. Sentiu o contágio e quis juntar-se a eles, mas controlou-se com medo do ridículo. Outro dia Sri Ramakrishna já estava prestes a dar-lhe instrução espiritual, quando Girish disse: "Não quero ouvir instruções. Eu mesmo escrevi minhas instruções. De nada servem. Por favor, ajude-me de uma maneira mais palpável, se puder." Isso agradou ao Mestre que pediu a Girish para cultivar a fé.

     À medida que o tempo passava, Girish começou a aprender que o guru é aquele que silenciosamente faz desabrochar a vida interior do discípulo. Tornou-se um devoto firme do Mestre. Muitas vezes enchia o Mestre de insultos, bebia em sua presença e tomava liberdades que chocavam os outros devotos, mas o Mestre sabia que no fundo do coração, Girish era terno, fiel e sincero. Não permitiu que Girish abandonasse o teatro e quando um devoto pediu-lhe para lhe falar para deixar de beber, severamente respondeu-lhe: "Isso não é da sua conta. Aquele que assumiu a responsabilidade dele, olhará por ele. Girish é um devoto do tipo heróico. Digo-lhe, a bebida não o afetará." O Mestre sabia que simples palavras não levam um homem a largar hábitos profundamente enraizados, mas que a influência silenciosa do amor operava milagres. Por conseguinte, jamais pediu-lhe para largar o álcool, o que teve como resultado, o fato de Girish por fim, abandonar esse hábito. Sri Ramakrishna fortalecera a resolução de Girish ao permitir que ele sentisse que era absolutamente livre.

     Um dia Girish sentiu-se deprimido pelo fato de não se sentir capaz de se submeter a qualquer rotina de disciplina espiritual. Em estado exaltado, o Mestre disse-lhe: "Está bem, dê-me sua procuração. Daqui para frente assumo suas responsabilidades. Você não tem que fazer nada." Girish deu um suspiro de alívio. Sentia-se feliz em pensar que Sri Ramakrishna havia assumido suas responsabilidades espirituais. O pobre Girish, porém, não havia compreendido que ele também, de sua parte, tinha que desistir de sua liberdade e tornar-se uma marionete nas mãos de Sri Ramakrishna. O Mestre começou a discipliná-lo de acordo com sua nova atitude. Um dia Girish disse a respeito de um assunto banal, "Sim, farei isso", "Não, não", o Mestre corrigiu-o: "Você não deve falar dessa maneira egoísta. Deve dizer, `Se Deus quiser, farei isso' ". Girish compreendeu. Daí por diante esforçou-se para abandonar toda idéia de responsabilidade pessoal e entregar-se à Vontade Divina. Sua mente começou a morar constantemente em Sri Ramakrishna. Essa meditação inconsciente ao longo do tempo, purificou seu espírito turbulento.

     Os devotos chefes de família geralmente visitavam Sri Ramakrishna nos domingos à tarde e nos feriados. Assim uma camaradagem fraternal gradualmente formou-se e o Mestre encorajava esse sentimento fraternal. De vez em quando aceitava um convite para ir à casa de um devoto, para o que outros devotos eram também convidados. Organizavam um kirtan e passavam horas dançando e entoando músicas devocionais. O Mestre entrava em transe ou abria o coração em narrações religiosas e contava suas próprias experiências espirituais. Muitas pessoas que não podiam ir a Dakshineswar participavam desses encontros e sentiam-se abençoados. Tal evento finalizava com uma festa suntuosa.

     Era, contudo, na companhia de jovens devotos, almas puras ainda não maculadas pelo mundanismo, que Sri Ramakrishna experimentava a maior alegria. Entre os jovens que mais tarde abraçaram a vida familiar, encontravam-se Narayan. Paltu, o jovem Naren, Tejchandra e Purna. Visitavam, às vezes, o Mestre com forte oposição de suas famílias.

4.7.10  Purna

     Purna era um rapazinho de treze anos que Sri Ramakrishna descrevia como um Isvarakoti, uma alma nascida com qualidades espirituais especiais. O Mestre dizia que Purna era o último do grupo de brilhantes devotos que uma vez vira em transe e que viriam a ele para receber iluminação espiritual. Purna disse a Sri Ramakrishna, em seu segundo encontro, "O senhor é o Próprio Deus encarnado em carne e sangue." Tais palavras vindas de um simples jovem, mostravam de que estofo ele era constituído.

4.7.11  Mahimacharan e Pratap Hazra

     Mahimacharan e Pratap eram dois devotos que se sobressaíam por suas pretensões e manias. O Mestre, entretanto, mostrou-lhes seu amor infatigável e doçura, embora ele estivesse ciente de suas limitações.

     Mahimacharan Chakvararty havia encontrado o Mestre muito antes da chegada dos outros discípulos. Ele havia tido a intenção de levar uma vida espiritual, mas um forte desejo de conquistar nome e fama constituía sua fraqueza. Afirmava ter sido iniciado por Tota Puri e costumava dizer que seguia o caminho do conhecimento segundo as instruções de seu guru. Possuía uma grande biblioteca de livros em inglês e sânscrito. Embora fingisse ter lido todos, a maior parte das páginas não haviam sido cortadas. O Mestre conhecia todas as suas limitações, embora apreciasse ouvi-lo citar os Vedas e outras escrituras. Sempre mandou que Mahima meditasse no significado dos textos das escrituras e praticasse disciplina espiritual.

     Pratap Hazra, um senhor de meia idade, era natural de um vilarejo perto de Kamarpukur. Não era completamente indiferente aos sentimentos religiosos. Num impulso de momento havia abandonado sua casa, mãe idosa, esposa e filhos para se refugiar no templo de Dakshineswar, aonde tinha a intenção de levar uma vida espiritual. Adorava discutir e o Mestre muitas vezes citava-o como um exemplo de argumentação estéril. Era extremamente crítico em relação aos outros e vangloriava-se de seu próprio adiantamento espiritual. Era malicioso e muitas vezes procurou perturbar as mentes dos jovens discípulos do Mestre, criticando-os por sua vida feliz e alegre e mandando que eles dedicassem seu tempo à meditação. O Mestre de modo provocante, comparava Hazra a Jatila e Kutila, as duas mulheres que sempre criavam aborrecimentos a Krishna em seu relacionamento com as gopis e dizia que Hazra vivia em Dakshineswar para "engrossar o caldo", acrescentando complicações.

4.8  Alguns Homens Importantes

     Sri Ramakrishna também relacionou-se com muitas pessoas dotadas de erudição e riqueza que as faziam ser respeitadas em todos os lugares. Poucos anos antes, havia encontrado Devendranath Tagore, famoso em toda Bengala, por sua riqueza, erudição, caráter santo e posição social. O Mestre, contudo, achou-o decepcionante, porque embora Sri Ramakrishna estivesse esperando encontrar um santo com renúncia completa do mundo, Devendrananth combinava sua santidade com uma vida de prazer. Sri Ramakrishna conheceu o grande poeta Michael Madhusudan, que havia aderido ao cristianismo "por bem do seu estômago". A ele o Mestre não pôde dar instrução porque a Mãe Divina "prendeu sua língua". Além deles, conheceu Maharaja Jatindra Mohan Tagore, um aristocrata de Bengala; Kristodas Pal, editor, reformador social e patriota; Iswar Vidyasagar, notável filantropo e educador; Pundit Shashadhar, grande expoente da ortodoxia hindu; Aswini Kumar Dutta, mestre, moralista e líder do nacionalismo indiano e Bankim Chatterji, magistrado, novelista, ensaísta e um dos criadores da prosa bengali moderna. Sri Ramakrishna não era homem de se deslumbrar pela aparência externa, glória ou eloquência. Um pundit sem discriminação era olhado por ele como uma simples palha. Buscava nos corações das pessoas, a luz de Deus e faltando isso, nada tinha a ver com eles.

4.9  Kristodas Pal e a Questão da Renúncia

     O europeizado Kristodas Pal não apreciava a ênfase dada por Sri Ramakrishna à renúncia e dizia: "Senhor, essa tendência à renúncia quase arruinou o país. É por esta razão que a Índia é hoje em dia uma nação subjugada. Fazer o bem às pessoas, trazer educação à porta do ignorante e sobretudo, melhorar as condições materiais do país - esse é o nosso dever agora. O grito de religião e renúncia iriam, ao contrário, enfraquecer-nos. O senhor deveria aconselhar os jovens de Bengala a lançarem-se somente em atos que elevem o espírito o país." Sri Ramakrishna lançou um olhar perscrutador e não encontrou luz divina dentro dele. "O senhor, homem de pouco entendimento!" disse Sri Ramakrishna asperamente. "Ousa desprezar com esses termos, renúncia e piedade, que nossas escrituras descrevem como as maiores de todas as virtudes. Depois de ter lido duas páginas em inglês, pensa que chegou a conhecer o mundo! Parece pensar que é onisciente. Bem, já viu esses pequenos caranguejos que nascem no Ganges assim que as chuvas começam? Nesse imenso universo você é ainda mais insignificante do que uma dessas pequenas criaturas. Como ousa falar de ajudar o mundo? O Senhor olhará por isso. Você não possui poder para fazer isso." Depois de uma pausa, o Mestre continuou:

     "Pode explicar-me como pode trabalhar pelos outros? Sei o que quer dizer por ajudá-los. Alimentar um certo número de pessoas, tratá-las quando estiverem doentes, construir estradas ou cavar um poço - não é tudo isso? Esses são atos bons, sem dúvida, mas como são insignificantes em comparação com a vastidão do universo! Qual a distância que um homem pode avançar nessa linha? Quantas pessoas você pode salvar da fome? A malária destruiu uma vila inteira; o que você pode fazer para cessar o seu assalto? Só Deus cuida do mundo. Que o homem primeiro O realize. Que o homem primeiro consiga a autoridade de Deus e seja dotado de Sua força somente então, pode ele pensar em fazer bem aos outros. Um homem deve primeiro ser destituído de todo egoísmo. Só assim a Bem-aventurada Mãe lhe pedirá para trabalhar pelo mundo." Sri Ramakrishna desacreditava na filantropia que pretendia ser considerada caridade. Prevenia às pessoas contra ela. Via na maioria dos atos filantrópicos apenas o egoísmo, vaidade, desejo de glória, um estéril passatempo para matar o tédio da vida ou uma tentativa de aliviar uma consciência culpada. Caridade verdadeira, ensinava, é o resultado do amor a Deus - serviço à humanidade, com espírito de adoração.

4.10  Discípulos Monásticos

     Os discípulos que o Mestre treinou para a vida monástica foram os seguintes:

4.10.1  Latu

     O primeiro desses jovens que chegou para o Mestre foi Latu. Nascido de pais desconhecidos em Belur, veio a Calcutá à procura de trabalho e foi empregado por Ramchandra Dutta como ajudante dos serviços domésticos. Tomando conhecimento da santidade de Sri Ramakrishna, visitou o Mestre em Dakshineswar e ficou profundamente tocado por sua cordialidade. Quando estava de saída, o Mestre pediu-lhe que aceitasse algum dinheiro para voltar para casa de barco ou de carruagem, mas Latu declarou que tinha uns trocados que fez tilintar em seu bolso. Sri Ramakrishna mais tarde pediu a Ram para permitir a Latu ficar com ele permanentemente. Sob a orientação de Sri Ramakrishna, Latu fez grande progresso na meditação e foi abençoado com êxtases, mas todos os esforços do Mestre para lhe dar uma educação rudimentar foram em vão. Latu era um amante do kirtan e outras canções devocionais, mas permaneceu iletrado toda sua vida.

4.10.2  Rakhal

     Mesmo antes da chegada de Rakhal a Dakshineswar, o Mestre havia tido visões dele como seu filho espiritual e como companheiro de Krishna em Vrindavan. Rakhal nasceu numa família rica. Na infância apresentou maravilhosos traços espirituais e costumava brincar de adorar deuses e deusas. Na adolescência casou-se com uma irmã de Manomohan Mitra, de quem ouviu falar do Mestre, pela primeira vez. Seu pai fez objeção à sua associação com Sri Ramakrishna, mas depois ficou mais tranquilo ao saber que muitas pessoas importantes visitavam Dakshineswar. O relacionamento entre o Mestre e seu amado discípulo era o de mãe e filho. Sri Ramakrishna permitia a Rakhal muitas liberdades negadas aos outros, mas não hesitava em castigar seu menino por suas ações erradas. Uma vez Rakhal sentiu um ciúme infantil porque achava que outros rapazes estavam recebendo afeição do Mestre, mas logo superou esse sentimento e compreendeu que seu guru era o Guru de todo o universo. O Mestre preocupou-se quando soube de seu casamento, mas ficou aliviado ao saber que a esposa era uma alma espiritualizada e que não seria entrave ao seu progresso.

4.10.3  Gopal Mais Velho

     Gopal Sur de Sinthi veio para Dakshineswar já numa idade avançada e por isso foi chamado Gopal Mais Velho. Havia perdido a esposa e o Mestre consolou-o na sua tristeza. Logo renunciou ao mundo e dedicou-se integralmente à meditação e à oração. Alguns anos mais tarde Gopal doou ao Mestre as roupas ocres com as quais esse último iniciou muitos dos seus discípulos na vida monástica.

4.10.4  Narendra

     A fim de espalhar sua mensagem pelos quatro cantos da terra, Sri Ramakrishna necessitava de um forte instrumento. Com o corpo delicado e pernas frágeis, não tinha condição de fazer viagens a grandes distâncias. Esse instrumento foi encontrado em Narendranath Dutta, seu querido Naren, mais tarde conhecido mundialmente como Swami Vivekananda. Mesmo antes de encontrá-lo, o Mestre o havia visto numa visão como um sábio, absorvido na meditação do Absoluto e que havia concordado, a pedido de Sri Ramakrishna em tomar um corpo humano para ajudá-lo em seu trabalho.

     Narendranath nasceu em Calcutá no dia 12 de janeiro de 1863, de uma família aristocrática kayastha. Sua mãe vivia mergulhada nos épicos hindus e seu pai, um grande promotor da Alta Corte de Calcutá, era agnóstico a respeito de religião, um amigo dos pobres, um zombador das convenções sociais. Mesmo em sua meninice e juventude, Narendra possuía grande coragem física e presença de espírito, imaginação viva, profundo poder de pensamento, inteligência aguda, memória extraordinária, amor pela verdade, paixão pela pureza, espírito de independência e coração terno. Músico exímio, também possuía bons conhecimentos em física, astronomia, matemática, filosofia, história e literatura. Ao crescer tornou-se um rapaz muito bonito. Mesmo quando criança praticava meditação e apresentava um grande poder de concentração. Embora livre e apaixonado em palavra e ação, tomou o voto de austera castidade religiosa e jamais permitiu que o fogo da pureza fosse extinto pela mais tênue mácula do corpo ou da alma.

     Como havia lido na universidade os filósofos ocidentais racionalistas do século XX, sua fé infantil em Deus e na religião ficou abalada. Não acreditava na religião por mera fé; desejava demonstração sobre a existência de Deus, mas logo sua natureza apaixonada, insatisfeita com uma mera abstração, necessitava de um apoio concreto para suas horas de tentação. Desejava um poder externo, um guru que, encarnando a perfeição, acalmaria a agitação de sua alma. Atraído pela personalidade magnética de Keshab, juntou-se ao Brahmo Samaj e tornou-se cantor no coro, mas no Samaj não encontrou o guru que podia dizer que havia visto Deus.

     Em estado de conflito mental e tortura d'alma, Narendra veio para Sri Ramakrishna em Dakshineswar. Tinha então dezoito anos de idade e estava no secundário há dois anos. Entrou no aposento de Sri Ramakrishna acompanhado de alguns amigos inconsequentes. A pedido de Sri Ramakrishna cantou algumas canções, despejando nelas toda sua alma e o Mestre entrou em samadhi. Alguns minutos mais tarde, Sri Ramakrishna subitamente levantou-se, pegou Narendra pela mão e levou-o até a varanda com telas, de seu quarto, ao norte. Estavam sós. Dirigindo-se a Narendra de forma terna, como se fossem amigos há muito tempo, o Mestre disse-lhe: "Ah! Você chegou muito tarde. Por que foi tão indelicado comigo a fim de me fazer esperar todos esses dias? Meus ouvidos estão cansados de ouvir palavras fúteis dos homens do mundo. Ó, como venho ansiando despejar todo meu espírito no coração de alguém capaz de receber minha mensagem!" Assim falava, soluçando o tempo todo. Então, de pé defronte de Narendra, com as mãos postas, dirigiu-se ao jovem como Narayana, nascido na terra a fim de remover a miséria da humanidade. Segurando a mão de Narendra, pediu-lhe para voltar sozinho e brevemente. Narendra estava estarrecido, "O que é isso que vim ver?" disse para si mesmo. "Ele deve estar completamente louco. Qual a razão disso, eu que sou filho de Viswanath Dutta. Como ousa falar comigo dessa maneira?"

     Quando voltaram para o aposento e Narendra ouviu o Mestre falando com os outros, ficou surpreendido em encontrar em suas palavras, uma lógica interior, uma sinceridade admirável e uma prova convincente de sua espiritualidade. Em resposta à pergunta de Narendra, "Senhor, já viu Deus?" O Mestre disse: "Sim, Vi-O e de forma mais tangível do que vejo você. Falei-Lhe de forma mais íntima do que aquela que estou falando com você." Continuando o Mestre disse: "Mas, meu filho, quem quer ver Deus? As pessoas choram jarros de lágrimas por dinheiro, esposa e filhos, mas se chorassem por Deus, somente por um dia, certamente O veria." Narendra estava extasiado. Não poderia duvidar dessas palavras. Era a primeira vez que ouvia um homem dizer que havia visto Deus. Mas ele não podia conciliar essas palavras do Mestre, com a cena que ocorrera na varanda apenas alguns minutos atrás. Concluiu que Sri Ramakrishna era um monomaníaco e voltou para casa ainda mais confuso.

     Durante sua segunda visita, que ocorreu um mês mais tarde, subitamente, a um toque do Mestre, Narendra sentiu-se tomado e viu as paredes do quarto e tudo em volta rodando e desaparecendo. "O que o senhor está fazendo comigo?" gritou aterrorizado. "Tenho pai e mãe em casa." Vi seu próprio ego e todo o mundo quase que tragado pelo vazio sem nome. Com uma risada, o Mestre facilmente o fez voltar ao seu estado normal.

     Narendra pensou que estivesse sido hipnotizado, mas não pôde compreender como um monomaníaco poderia ter lançado encantamento na mente de uma pessoa forte como ele. Voltou para casa ainda mais confuso do que nunca e resolveu que dali para frente, ficaria em guarda contra aquele estranho homem.

     Em sua terceira visita Narendra não se saiu melhor. Dessa vez, ao toque do Mestre, perdeu completamente a consciência. Enquanto ainda estava naquele estado, Sri Ramakrishna perguntou-lhe a respeito de seus antecedentes espirituais e origem, sua missão neste mundo e a duração de sua vida mortal. As respostas confirmaram o que o Mestre sabia e havia deduzido. Entre outras coisas veio a saber que Narendra era um sábio que havia atingido a perfeição e que, no dia em que conhecesse sua verdadeira natureza, abandonaria o corpo através da yoga, por um ato de vontade.

     Uns poucos encontros a mais removeram completamente da mente de Narendra os últimos traços de que Sri Ramakrishna pudesse ser um monomaníaco ou um hipnotizador hábil. Sua integridade, pureza, renúncia e ausência de egoísmo eram inquestionáveis, mas Narendra não podia aceitar um homem, um mortal imperfeito, como seu guru. Como membro do Brahmo Samaj, não podia aceitar que um intermediário humano fosse necessário entre o homem e Deus. Além do mais, abertamente ria das visões de Sri Ramakrishna, considerando-as alucinações. No fundo do coração, porém, nutria um grande amor pelo Mestre.

     Sri Ramakrishna estava grato à Mãe Divina por lhe ter enviado alguém que duvidava de suas realizações. Muitas vezes pedia a Narendra para testá-lo como os cambistas testam suas moedas. Ele ria da crítica mordaz de Narendra sobre suas experiências espirituais e samadhi. Quando as palavras sarcásticas de Narendra magoavam-no, a Própria Mãe Divina consolava-o, dizendo: "Por que você dá ouvidos a ele? Em poucos dias ele vai acreditar em cada uma das suas palavras." Mal podia aguentar as ausências de Narendra. Muitas vezes chorou amargamente para vê-lo. Às vezes Narendra achava que o amor do Mestre era constrangedor e um dia repreendeu-o asperamente, advertindo-o de que tal amor o levaria ao nível de seu objeto. O Mestre ficou amargurado e orou à Mãe Divina. Disse a Narendra: "Seu patife, não vou ouvi-lo nunca mais. A Mãe diz que o amo porque vejo Deus em você e que no dia em que eu não vir Deus em você, não poderei suportar sua presença."

     O Mestre queria transmitir para Narendra os ensinamentos da filosofia da Vedanta não-dualista. Narendra, porém, devido à sua educação Brahmo, achava uma blasfêmia considerar um homem uno com seu Criador.

     Um dia no templo, rindo, disse a um amigo: "Que bobagem! Esse suco é Deus! Essa xícara é Deus! Tudo o que vejo é Deus! E nós, também, somos Deus! Nada pode ser mais absurdo." Sri Ramakrishna saiu do aposento e gentilmente tocou-o. Fascinado, imediatamente percebeu que tudo no mundo era realmente Deus.

     Um novo universo abriu-se em sua volta. Voltando para casa num estado de torpor, aí também viu que a comida, o prato, o que comia, as pessoas em sua volta, era tudo Deus. Quando andava pela rua, viu que as carruagens, os cavalos, as pessoas, os edifícios eram todos Brahman. Mal pôde executar suas obrigações do dia. Seus pais, preocupados com ele, julgaram-no doente. Quando a intensidade da experiência diminuiu um pouco, viu o mundo como um sonho. Andando na praça pública, batia com a cabeça contra as grades de ferro a fim de constatar se eram reais. Levou vários dias até que recobrasse seu eu normal. Havia tido o vislumbre das grandes experiências ainda por ocorrerem e compreendeu que as palavras da Vedanta eram verdadeiras.

     No começo de 1884 o pai de Narendra morreu subitamente de um ataque de coração, deixando a família na mais extrema miséria. Havia seis ou sete bocas para comer em casa. Credores batiam à porta. Parentes que antes aceitavam a bondade ilimitada de seu pai, agora tornaram-se inimigos, alguns deles mesmo entraram na justiça para tirar de Narendra a casa ancestral. Agora faminto e descalço, Narendra procurou um emprego, mas sem sucesso. Começou a duvidar se em algum lugar desse mundo havia uma tal coisa como simpatia desinteressada. Duas mulheres ricas fizeram-lhe propostas indecorosas, prometendo-lhe livrá-lo de sua desgraça, mas ele as rejeitou com desprezo.

     Narendra começou a falar de sua dúvida sobre a verdadeira existência de Deus. Seus amigos pensaram que ele havia se tornado ateu e impiedosamente fizeram comentários aduzindo motivos escusos para sua descrença. Mesmo alguns discípulos do Mestre acreditaram em parte e Narendra disse-lhes diretamente que, somente um covarde acreditaria em Deus por medo do sofrimento ou do inferno. Ficou, porém, amargurado ao pensar que Sri Ramakrishna também pudesse acreditar em tais rumores falsos. Seu orgulho revoltou-se. Disse para si mesmo: "O que importa? Se o bom nome de um homem repousa em fundamentos tão fracos, não me importo." Mais tarde, porém, veio a saber com admiração, que o Mestre jamais perdera a fé nele. A um discípulo que se queixou da degradação de Narendra, Sri Ramakrishna respondeu: "Cale-se, seu tolo! A Mãe disse-me que jamais poderá ser assim. Não vou mais olhar para você, se continuar a falar dessa maneira." Chegou a hora em que o infortúnio de Narendra atingiu seu clímax. Tinha passado o dia todo sem comida. Como estava voltando para casa ao anoitecer, mal podia levantar as pernas cansadas. Sentou-se defronte a uma casa, exausto, tão fraco que nem podia pensar. A mente começou a divagar. Subitamente o poder divino levantou o véu que envolvia sua alma. Havia encontrado a solução para o problema da coexistência da justiça divina e miséria, a presença do sofrimento da criação de uma Providência Bem-aventurada. Sentiu o corpo reanimado, a alma banhada em paz e dormiu serenamente.

     Narendra então compreendeu que tinha uma missão espiritual a cumprir. Resolveu renunciar ao mundo, como seu avô havia feito e foi ter com Sri Ramakrishna para receber sua bênção. Mas mesmo antes de falar, o Mestre já sabia o que ele tinha em mente e chorou amargamente ao pensamento de separação. "Sei que você não pode levar uma vida mundana", disse ele, "mas por minha causa, viva no mundo enquanto eu viver".

     Um dia, pouco tempo depois, Narendra pediu a Sri Ramakrishna que orasse à Mãe Divina para remover sua pobreza. Sri Ramakrishna mandou que ele pedisse pessoalmente à Ela, uma vez que Ela certamente o atenderia. Narendra entrou no santuário de Kali. Assim que ficou de pé diante da imagem, viu-A como uma Deusa viva, pronta para lhe conceder sabedoria e liberação. Incapaz de lhe pedir pequenas coisas mundanas, apenas orou por conhecimento e renúncia, amor e liberação. O Mestre censurou-o por ter deixado de pedir à Mãe Divina que removesse sua pobreza e enviou-o de volta ao templo, mas Narendra novamente na presença da Mãe esqueceu-se do motivo de sua ida. Pela terceira vez foi ao templo, a pedido do Mestre e por três vezes regressou, tendo esquecido na presença da Mãe, porque havia ido. Estava conjeturando a respeito, quando subitamente brilhou em sua mente que tudo era obra de Sri Ramakrishna; agora pediu ao próprio Mestre para remover sua pobreza e foi-lhe prometido que sua família não mais teria falta de comida e roupa simples.

     Essa foi uma experiência rica e marcante para Narendra, que lhe ensinou que Shakti, o Poder Divino, não pode ser ignorado no mundo e que no plano relativo a necessidade de se adorar um Deus Pessoal é imperativa. Sri Ramakrishna não se continha de alegria por essa conversão. No dia seguinte, quase se sentando no colo de Narendra, disse a um devoto, apontando primeiro para si mesmo e em seguida, para Narendra: "Vejo que sou este e também esse. De fato não sinto qualquer diferença. Uma vara flutuando no Ganges parece dividir a água, mas na realidade, a água é uma. Compreende? Bem, tudo é a Mãe, não é?" Anos mais tarde, Narendra diria: "Sri Ramakrishna foi a única pessoa que conheci que acreditou em mim integralmente, o tempo todo. Até minha mãe e meus irmãos não agiram assim. Foi sua crença inabalável e seu amor por mim que me fizeram ficar ligado a ele para sempre. Só ele sabia amar. As pessoas do mundo somente dão um espetáculo de amor com intuitos egoístas."

4.10.5  Tarak

     Outros que estavam destinados a se tornarem discípulos monásticos, vieram para Dakshineswar. Taraknath Ghoshal havia sentido desde a meninice, o nobre desejo de realizar Deus. Keshab e o Brahmo Samaj atraíram-no, mas não satisfizeram seus anseios. Em 1882 encontrou pela primeira vez o Mestre na casa de Ramchandra e ficou impressionado ao ouvi-lo falar de samadhi, um assunto que sempre havia fascinado sua mente.

     Naquela tarde realmente viu uma manifestação do estado de consciência além dos sentidos do Mestre. Tarak tornou-se um visitante assíduo de Dakshineswar e recebeu a graça do Mestre com abundância. O jovem rapaz muitas vezes sentiu fervor extático durante a meditação. Também chorava profundamente enquanto meditava em Deus. Sri Ramakrishna disse-lhe: "Deus dá Sua graça àqueles que podem chorar por Ele. Lágrimas derramadas por Deus apagam os pecados das encarnações anteriores."

4.10.6  Baburam

     Baburam Ghosh veio para Dakshineswar acompanhado por Rakhal, seu colega de colégio. O Mestre, como acontecia muitas vezes, examinou a fisionomia do rapaz e ficou satisfeito com sua espiritualidade latente.

     Com a idade de oito anos, Baburam pensou em levar uma vida de renúncia, na companhia de um monge, numa cabana isolada da curiosidade pública por um espesso muro de árvores. A simples visão do Panchavati despertou em seu coração aquele sonho de menino. Baburam era terno de corpo e alma. O Mestre costumava dizer que ele era puro até o fundo de seus ossos. Um dia Hazra, com seu costumeiro jeito maldoso, aconselhou Baburam e alguns outros jovens, a pedir a Sri Ramakrishna alguns poderes espirituais e não desperdiçar suas vidas em simples brincadeiras. O Mestre pressentindo a malícia, chamou Baburam à parte e disse-lhe: "O que você pode me pedir? Tudo o que possuo já não é seu? Sim, tudo o que adquiri em forma de realização é para o bem de todos vocês. Deixe de lado, portanto, a idéia de pedir, que afasta criando distância. Ao contrário, realize sua afinidade comigo e ganhe a chave de todos os tesouros."

4.10.7  Niranjan

     Nitya Niranjan Ghosh foi um discípulo do tipo heróico. Chegou ao Mestre quando tinha dezoito anos. Era um médium de um grupo de espíritas. Durante sua primeira visita o Mestre disse-lhe: "Meu filho, se você pensar o tempo todo em fantasmas, você se tornará um fantasma e se você pensar em Deus, se tornará Deus. Agora, das duas atitudes, qual a que você prefere?" Niranjan cortou todas as suas relações com os espíritas. Durante sua segunda visita o Mestre abraçou-o e disse afetuosamente: "Niranjan, meu rapaz, os dias estão se esvaindo. Quando você vai realizar Deus? Sua vida terá sido em vão, se você não O realizar. Quando vai devotar a mente totalmente a Deus?" Niranjan estava surpreso com a grande ansiedade do Mestre pelo seu bem-estar espiritual. Era um jovem dotado de qualidades espirituais fora do comum. Sentia desdêm pelos prazeres do mundo e era completamente puro como uma criança. Tinha, porém, um temperamento violento. Um dia quando ia a Dakshineswar de barco, alguns passageiros começaram a falar mal do Mestre. Como não ligassem para seu protesto, Niranjan começou a balançar o bote, ameaçando afundá-lo na correnteza. Isso fez calar os ofensores. Ao contar ao Mestre o incidente, este recriminou sua inabilidade em controlar a raiva.

4.10.8  Jogindra

     Jogindranath, ao contrário, era gentil ao extremo. Um dia, sob circunstâncias semelhantes àquelas que provocaram a ira de Niranjan, controlou a raiva e ficou em paz, ao invés de ameaçar os ofensores de Sri Ramakrishna. O Mestre, tomando conhecimento de sua conduta, recriminou-o profundamente. Assim a falta de um foi considerada virtude para o outro. O guru estava tentando desenvolver no primeiro, tranquilidade e no segundo, ânimo. O objetivo desse treino era construir através de um reconhecimento tático das necessidades de cada caso, o caráter do devoto.

     Jogindranath vinha de uma família brahmin aristocrática de Dakshineswar. Seu pai e parentes compartilhavam da crença popular sobre a santidade de Sri Ramakrishna. Desde a mais tenra idade, o rapaz desenvolveu tendências religiosas, gastando duas ou três horas em meditação e seu encontro com Sri Ramakrishna aprofundou seu desejo de realizar Deus. Tinha um verdadeiro horror ao casamento, mas a pedido insistente da mãe, teve de ceder e então, pensou que seu futuro espiritual havia ficado comprometido. Por conseguinte, manteve-se afastado do Mestre.

     Sri Ramakrishna utilizou um estratagema para trazer Jogindra de volta para ele. Assim que o discípulo entrou no quarto, o Mestre precipitou-se ao encontro do jovem. Segurando a mão do discípulo, disse: "O que tem que você se casou? Não sou eu também, casado? De que ter medo?" Mostrando seu peito: "Se esse (referindo-se a si próprio) está de acordo, então mesmo cem mil casamentos não podem lhe fazer mal. Se desejar levar uma vida de chefe de família, traga sua esposa um dia aqui e farei com que ela se torne uma verdadeira companheira no seu progresso espiritual. Mas se quiser levar uma vida monástica, então tirarei seu apego ao mundo." Jogin ficou emudecido com essas palavras. Recebeu nova força e seu espírito de renúncia foi restabelecido.

4.10.9  Sashi e Sarat

     Sashi e Sarat eram dois primos que vinham de uma piedosa família de Calcutá. Desde tenra idade haviam se juntado ao Brahmo Samaj e tinham estado sob a influência de Keshab Sen. O Mestre lhes havia dito no primeiro encontro: "Se os tijolos e azulejos forem queimados depois que a marca de fábrica tiver sido estampada, a marca ficará ali para sempre. De maneira semelhante o homem deve estar marcado por Deus antes de entrar no mundo. Então ele não se apegará ao mundanismo." Como estivesse completamente consciente do curso de suas vidas, pediu-lhes para não se casarem. O Mestre perguntou a Sashi se ele acreditava em Deus com forma ou em Deus sem forma. Sashi respondeu que nem mesmo tinha certeza da existência de Deus; assim não poderia falar nem de uma coisa nem de outra. Essa resposta franca agradou muito ao Mestre.

     A alma de Sarat ansiava pela realização completa de Deus. Quando o Mestre lhe perguntou se havia uma forma particular de Deus que ele desejasse ver, o rapaz disse que gostaria de ver Deus em todos os seres vivos do mundo, "Mas", o Mestre objetou, "essa é a última palavra em realização. Não pode tê-la logo no começo". Sarat ponderou calmamente, "Não ficarei satisfeito com nada inferior a este estado. Caminharei ao longo de todo o caminho até que atinja esse estado abençoado." Sri Ramakrishna ficou muito satisfeito.

4.10.10  Harinath

     Harinath tinha levado a vida austera de um brahmachari desde a tenra juventude - banhando-se no Ganges todos os dias, cozinhando a própria comida, andando antes do sol nascer e recitando o Gita de cor antes de se levantar. Encontrou no Mestre a encarnação das verdades da Vedanta. Aspirando ser um seguidor do asceta Shankara, alimentava um grande ódio pelas mulheres. Um dia disse ao Mestre que não permitia que nem mesmo meninas pequenas se aproximassem dele. O Mestre o repreendeu e disse: "Você está falando como um tolo. Por que odeia as mulheres? Elas são as manifestações da Mãe Divina. Olhe-as como sua própria mãe e assim, jamais sentirá sua influência má. Quanto mais você as odiar, mais cairá nas suas armadilhas." Hari mais tarde disse que essas palavras mudaram radicalmente sua atitude em relação às mulheres.

     O Mestre conhecia a paixão de Hari pela Vedanta, mas não queria que nenhum de seus discípulos se tornasse um asceta seco ou um mero traça de livro. Pediu a Hari para praticar a Vedanta na vida diária, renunciando ao irreal e seguindo o Real. "Mas não é fácil", disse Sri Ramakrishna, "realizar o caráter ilusório do mundo. Apenas o estudo não adianta muito. É necessária a graça de Deus. Mero esforço pessoal é fútil. Afinal de contas, o homem é uma pequena criatura, de poderes muito limitados, mas ele pode atingir o impossível se orar a Deus pedindo Sua graça". O Mestre então entoou uma canção em louvor à graça. Hari ficou muito comovido, com lágrimas nos olhos. Mais tarde Hari conseguiu atingir uma síntese maravilhosa dos ideais do Deus Pessoal e da Verdade Impessoal.

4.10.11  Gangadhar

     Gangadhar, amigo de Harinath, também levou uma vida estrita de brahmacharya, alimentando-se de comida vegetariana, feita por suas próprias mãos e dedicando-se ao estudo das escrituras. Encontrou o Mestre em 1884 e logo tornou-se membro de seu círculo íntimo. O Mestre elogiava seus hábitos ascetas e atribuía-os a disciplinas espirituais em vidas passadas. Gangadhar tornou-se um companheiro íntimo de Narendra.

4.10.12  Hariprasanna

     Hariprasanna, um estudante secundário, visitou o Mestre na companhia de seus amigos Sashi e Sarat. Sri Ramakrishna concedeu-lhe grande privilégio, iniciando-o na vida espiritual. Enquanto viveu, Hariprasanna lembrou-se e conservou o conselho drástico do Mestre: "Mesmo se uma mulher for pura como ouro e rolar no chão por amor a Deus, é sempre perigoso para um monge, olhar para ela."

4.10.13  Kali

     Kaliprasad visitou o Mestre no final de 1883 dado à prática da meditação e do estudo das escrituras. Kali era particularmente interessado em yoga. Sentindo a necessidade de um guru na vida espiritual, veio ao Mestre e foi aceito como discípulo. O jovem possuía uma mentalidade racional e muitas vezes sentia-se céptico a respeito do Deus Pessoal. O Mestre lhe disse: "Suas dúvidas logo desaparecerão. Outros também passaram por esse estado mental. Olhe para Naren. Agora chora ao ouvir o nome de Radha e Krishna." Kali começou a ter visões de deuses e deusas. Logo elas desapareceram e, em meditação, começou a experimentar a vastidão infinita e outros atributos do Brahman Impessoal.

4.10.14  Subodh

     Subodh visitou o Mestre em 1885. Já no primeiro encontro, Sri Ramakrishna disse-lhe: "Você será bem sucedido. A Mãe diz isso. Aqueles que Elas nos envia, certamente alcançarão a espiritualidade." No segundo encontro o Mestre escreveu algo na língua de Subodh, tocou seu corpo desde o umbigo até a garganta e disse: "Desperta, Mãe! Desperta!" Pediu ao rapaz para meditar. Imediatamente a espiritualidade latente de Subodh foi despertada. Sentiu uma corrente percorrendo a coluna espinal até o cérebro. A alegria encheu sua alma.

4.10.15  Sarada

     Mais um jovem rapaz, de nome Sarada Prasanna, completa o pequeno grupo de discípulos do Mestre que mais tarde abraçaram a vida de monge errante. A exceção do velho Gopal, todos eram adolescentes ou um pouco mais. Vinham de famílias bengalis de classe média e a maioria era estudante da escola primária e secundária.

     Seus pais e familiares haviam planejado para eles carreiras brilhantes no mundo. Vieram a Sri Ramakrishna com os corpos puros, mentes vigorosas e almas não contaminadas. Todos haviam nascido com atributos espirituais fora do comum. Sri Ramakrishna aceitou-os à primeira vista, como seus filhos, parentes, amigos e companheiros. Seu toque mágico fê-los desabrochar e mais tarde cada um, conforme sua possibilidade, refletiu a vida do Mestre, tornando-os portadores de sua mensagem, por terra e mar.

4.11  Devotas

     Com as devotas, Sri Ramakrishna estabeleceu um relacionamento muito terno. Ele próprio personificava os traços suaves de uma mulher; estava estabelecido no mais elevado plano da Verdade, onde não há o menor traço de sexo e sua pureza inata despertava apenas a emoção mais nobre, igualmente nos homens e nas mulheres. Suas devotas muitas vezes disseram: "Raramente olhávamos Sri Ramakrishna como pertencente ao sexo masculino. Nós o considerávamos como uma de nós. Jamais nos sentíamos constrangidas em sua presença. Era o nosso melhor confidente." Elas amavam-no como seu filho, seu amigo e seu mestre. Na disciplina espiritual aconselhava-as a renunciar à luxúria e à ganância e especialmente prevenia-as contra as artimanhas dos homens.

4.11.1  Gopal Ma

     Nenhuma devota do Mestre igualou-se em riqueza de devoção e experiências espirituais à Aghoremani Devi, uma brahmin ortodoxa. Tendo ficado viúva em tenra idade, dedicou-se totalmente às atividades espirituais.

     Gopala, o Menino Krishna, era seu Ideal Escolhido, a quem adorava segundo a atitude vatsalya da religião vaishnava, olhando-O como seu próprio filho. Através d'Ele realizou o amor maternal, cozinhando para Ele, alimentando-O, banhando-O e colocando-O para dormir. Essa doce intimidade valeu-lhe o apelido de Gopala Ma ou Mãe de Gopala. Durante quarenta anos viveu às margens do Ganges, num cômodo pequeno e desnudo, tendo como companheiros somente uma velha cópia do Ramayana e um saquinho contendo seu rosário. Com a idade de sessenta anos, em 1884, visitou Sri Ramakrishna em Dakshineswar. Na segunda visita, assim que o Mestre a viu, disse: "Ó você veio! Dê-me alguma coisa para comer." Hesitando, deu-lhe alguns doces que havia comprado para ele no caminho. O Mestre comeu-os com satisfação e pediu-lhe que trouxesse "curries" simples ou doces preparados por ela mesma. Gopal Ma achou-o um monge estranho porque, ao invés de lhe falar de Deus, sempre lhe pedia comida. Não queria visitá-lo de novo, mas uma força irresistível trouxe-a ao templo. Trouxe alguns "curries" que ela mesmo havia cozinhado.

     Um ano mais tarde, bem cedo, às três horas, Gopal Ma estava prestes a terminar suas devoções diárias, quando viu, estarrecida, Sri Ramakrishna, sentado à sua esquerda, com a mão direita fechada, como a imagem de Gopala. Ficou maravilhada e segurou a mão, quando então a imagem desapareceu e em seu lugar, chegou o verdadeiro Gopala, seu Ideal Escolhido. Gritou de alegria. Gopala pediu-lhe manteiga. Ela desculpou-se por sua pobreza e deu-Lhe alguns doces secos de coco. Gopala sentou-se em seu colo, tirou seu rosário, pulou em seus ombros e andou por todo o quarto. Ao raiar o dia, apressou-se a ir a Dakshineswar, como uma louca.

     Naturalmente Gopala foi com ela, descansando Sua cabeça em seu ombro. Ela via claramente Seus rosados pés dependurados em seu peito. Entrou no aposento de Sri Ramakrishna. O Mestre havia entrado em samadhi. Como uma criança, sentou-se em seu colo e começou a alimentá-lo com manteiga, creme e outras guloseimas.

     Depois de um certo tempo, ele recobrou a consciência e voltou para a cama. A mente da Mãe de Gopala, contudo, ainda estava vagando em outro plano. Estava imersa em felicidade. Via Gopala entrando incessantemente no corpo do Mestre e novamente saindo dele. Ao voltar para sua cabana, ainda em estado de deslumbramento, Gopala acompanhou-a.

     Ela passou dois meses em comunhão ininterrupta com Deus e o Menino Gopala jamais a abandonou nem por um momento. Então a intensidade de sua visão foi diminuindo; se assim não tivesse ocorrido, seu corpo não teria resistido. O Mestre falou de forma muito elevada a respeito de sua condição exaltada e disse que tal visão de Deus era uma coisa rara para mortais comuns. O Mestre, que era brincalhão, confrontou o crítico Narendranath com aquela mulher de mentalidade simples. Duas pessoas não poderiam apresentar um contraste tão grande. O Mestre conhecia o desprezo arrogante de Narendra por todas as visões e pediu à velha senhora para contar a Narendra, suas experiências. Hesitante, contou-lhe sua história. De vez em quando interrompia sua conversa maternal para perguntar a Narendra: "Meu filho sou uma pobre mulher ignorante. Nada sei. Você é tão instruído. Agora, diga-me se essas visões de Gopala são verdadeiras." À medida que Narendra ouvia a história, ficava profundamente comovido. Disse: "Sim, Mãe, são verdadeiras." Por trás de seu cinismo, Narendra também possuía um coração cheio de ternura e amor.