Livro de Urantia

Grupo de Aprendizes da Informação Aberta

Contato

Índice Superior    Vai para o próximo: Capítulo 11

Arquivos de Impressão: Tamanho A4.

Livro em Texto (txt).

Capítulo 10
Andando sobre a Água


A Cabana (Cura da Psique)
William P. Young
Livro Acessível na Internet
10  Andando sobre a Água

Novo mundo - grande horizonte.
Abra os olhos e veja que é verdade.
Novo mundo - do outro lado das assustadoras
ondas azuis.

- David Wilcox

     Jesus terminou de lixar o último canto do que parecia um pequeno baú que estava numa bancada da carpintaria. Passou os dedos pela borda lisa, sorriu satisfeito e pousou a lixa. Saiu pela porta espanando o pó do jeans e da camiseta enquanto Mack se aproximava.

     - Olá, Mack! Eu estava dando os últimos retoques no meu projeto para amanhã. Gostaria de dar uma volta?

     Mack pensou no tempo que haviam passado juntos na véspera sob as estrelas.

     - Se você vai, eu gostaria, sim - respondeu. - Por que vocês vivem falando sobre amanhã?

     - É um grande dia para você, um dos motivos pelos quais está aqui. Vamos. Há um lugar especial que quero lhe mostrar, do outro lado do lago, e o panorama é indescritível. De lá se podem ver alguns dos picos mais altos.

     - Deve ser fantástico! - respondeu Mack entusiasmado.

     - Parece que você pegou o lanche, então podemos ir.

     Em vez de se desviar para algum lado do lago, onde devia haver uma trilha, Jesus foi direto ao cais. O dia estava luminoso e lindo. O sol esquentava a pele, mas não demais, e uma brisa fresca e perfumada acariciava o rosto dos dois, suave e amorosamente.

     Mack imaginou que pegariam uma das canoas presas às estacas do cais e ficou surpreso quando Jesus não hesitou ao passar pela última, indo diretamente para o fim do píer. Ao chegar no final, ele se virou para Mack e riu.

     - Primeiro você - disse com um floreio e uma reverência.

     - Está brincando, não é? - reagiu Mack. - Achei que íamos andar e não nadar.

     - E vamos. Só pensei que atravessando o lago levaria menos tempo do que rodeando.

     - Não sou um nadador fantástico e, além disso, a água parece muito fria - reclamou Mack.

     - Bom - Jesus cruzou os braços -, nós dois sabemos que você é um nadador muito capaz e que já foi salva-vidas. A água está fria e o lago é fundo. Mas não estou falando em nadar. Quero atravessar andando com você.

     Mack finalmente se deu conta do que Jesus estava sugerindo. Tratava-se de andar sobre a água. Antecipando sua hesitação, Jesus afirmou:

     - Vamos, Mack. Se Pedro conseguiu ...

     Mack riu nervosamente. Para ter certeza, perguntou de novo:

     - Você quer que eu ande sobre a água até o outro lado. É isso que está dizendo, não é?

     - Você entende rápido, Mack. Tenho certeza de que ninguém consegue enganá-lo. Venha, é divertido! - Ele riu.

     Mack foi até a borda do cais e olhou para baixo. A água batia suavemente apenas uns 30 centímetros abaixo de onde ele estava, mas era como se fossem 30 metros. A distância parecia enorme. Mergulhar seria fácil, ele fizera isso mil vezes, mas como se desce de um cais para a superfície da água? Olhou para Jesus, que ainda estava rindo.

     - Pedro teve o mesmo problema: como sair do barco? É como descer de um degrau de escada. Nada de mais.

     De novo Mack olhou para a água e de volta para Jesus.

     - Então por que é tão difícil para mim?

     - Diga do que você tem medo, Mack.

     - Bem, vejamos. Do que tenho medo? Bem, tenho medo de parecer idiota. Tenho medo de você estar se divertindo às minhas custas e de afundar como uma pedra. Imagino que ...

     - Exatamente - interrompeu Jesus. - Você imagina. A imaginação é uma capacidade poderosa! É um poder que o torna muito parecido conosco. Mas, sem sabedoria, a imaginação é uma professora cruel. Quero lhe fazer uma pergunta: você acha que os humanos foram criados para viver no presente, no passado ou no futuro?

     - Bom - disse Mack, hesitando. - Acho que a resposta mais óbvia é que fomos criados para viver no presente. Estou errado?

     Jesus deu um risinho.

     - Relaxe, Mack, isso não é um teste, é uma conversa. Você está corretíssimo, por sinal. Mas agora me diga onde você passa a maior parte do tempo em sua imaginação: no presente, no passado ou no futuro? Mack pensou um momento antes de responder.

     - Acho que eu passo muito pouco tempo no presente. Passo grande parte dele no passado, mas na maior parte do tempo estou tentando adivinhar o futuro.

     - Você não é diferente da maioria das pessoas. Quando estou com vocês, vivo no presente. Não no passado, se bem que muita coisa pode ser lembrada e aprendida ao se olhar para trás, mas somente para uma visita, não para uma estada demorada. E certamente não vivo no futuro que você visualiza ou imagina. Mack, você percebe que sua imaginação do futuro, que é quase sempre ditada por algum tipo de medo, raramente me coloca lá com você, se é que me coloca?

     De novo Mack parou e pensou. Era verdade. Ele passava um bocado de tempo se aborrecendo e se preocupando com o futuro, e em sua imaginação o futuro geralmente era muito sombrio, deprimente e mesmo horrível. E Jesus também estava correto ao dizer que, do modo como Mack imaginava o futuro, Deus estava sempre ausente.

     - Por que faço isso? - perguntou Mack.

     É sua tentativa desesperada de conseguir algum controle sobre algo que você não pode controlar. É impossível ter poder sobre o futuro, porque ele não é real, e jamais será. Você tenta brincar de Deus imaginando que o mal que teme pode se tornar realidade e depois tenta fazer planos para evitar aquilo que teme.

     - É basicamente o que Sarayu esteve dizendo. Então por que tenho tanto medo da vida?

     - Porque não acredita. Não sabe que nós o amamos. A pessoa que vive dominada pelos medos não encontra liberdade no meu amor. Não estou falando de medos racionais, ligados a perigos reais, e sim de medos imaginários, e especialmente da projeção desses medos no futuro. À medida que dá lugar a esses medos, você não acredita que eu sou bom, nem sabe, no fundo do seu coração, que eu o amo. Você pode até falar disso, mas não sabe.

     Mack olhou de novo para a água e soltou um suspiro enorme, que saiu do fundo da alma.

     - Há um longo espaço para eu percorrer.

     - Só uns 30 centímetros, é o que me parece - riu Jesus, pondo a mão no ombro de Mack. Ele só precisava disso para descer do cais. Para tentar ver a água como sólida e não se atrapalhar com o movimento dela, olhou para a margem distante e levantou os sacos do lanche.

     O pouso foi mais suave do que ele havia pensado. Seus sapatos ficaram molhados no mesmo instante, mas a água não subiu nem mesmo até os tornozelos. O lago ainda se movia ao seu redor e ele quase perdeu o equilíbrio por causa disso. Era estranho. Olhando para baixo, parecia que seus pés estavam sobre algo sólido, mas invisível. Virou-se e viu Jesus ao seu lado segurando os sapatos e as meias numa das mãos e sorrindo.

     - Nós sempre tiramos os sapatos e as meias antes - disse ele rindo.

     Mack balançou a cabeça rindo também enquanto se sentava de novo na beira do cais.

     - Acho que vou fazer isso.

     Tirou os sapatos, espremeu as meias e enrolou as pernas da calça.

     Partiram levando os calçados e as sacolas e caminharam para a margem oposta, a cerca de 800 metros de distância. A água era fresca e revigorante e fazia subir arrepios pela coluna. Caminhar sobre a água com Jesus parecia o modo mais natural de atravessar um lago, e Mack ria de orelha a orelha só de pensar no que estava fazendo.

     - Isso é absolutamente ridículo e impossível, você sabe - exclamou finalmente.

     - Claro - confirmou Jesus, rindo também.

     Chegaram rapidamente à outra margem e Mack parou pouco antes de atingi-la. À esquerda viu uma linda cachoeira se derramando pela borda de um penhasco e caindo até o lago. Ao lado da cachoeira havia uma campina cheia de flores selvagens que se espalhavam ao acaso, semeadas pelo vento. Tudo era espantoso e Mack ficou um momento absorto. Uma imagem de Missy relampejou em sua mente, mas não se fixou.

     Uma praia de pedrinhas esperava-os e, atrás dela, uma floresta densa e rica erguia-se até a base de uma montanha encimada pela brancura da neve recém-caída. Mack saiu da água para as pedras pequenas, indo cautelosamente em direção a um tronco tombado. Ali sentou-se, torceu as meias de novo e colocouas ao lado dos sapatos para secar ao sol de quase meio-dia.

     Só então olhou para o outro lado do lago. A beleza era estonteante. Podia ver a cabana, com a fumaça subindo preguiçosamente da chaminé de tijolos vermelhos delineada contra os verdes do pomar e da floresta. Fazendo tudo parecer minúsculo, uma enorme cordilheira pairava acima e atrás, como sentinela montando guarda. Mack sentou-se ao lado de Jesus e impregnou-se da sinfonia visual.

     - Você faz um grande trabalho! - disse baixinho.

     - Obrigado, Mack, e você viu muito pouco. Por enquanto, a maior parte das coisas que existem no universo só será vista e desfrutada por mim como telas especiais guardadas nos fundos do ateliê de um pintor. Mas um dia ... E você pode imaginar o que seria se a Terra não estivesse em guerra, lutando tanto para simplesmente sobreviver?

     - O que você quer dizer exatamente?

     Nossa Terra é como uma criança que cresceu sem pais, não tendo ninguém para guiá-la e orientá-la. - Enquanto Jesus falava, sua voz se intensificava numa angústia contida. - Alguns tentaram ajudá-la, mas a maioria procurou simplesmente usá-la. Os seres humanos, que receberam a tarefa de guiar amorosamente o mundo, em vez disso o saquearam sem qualquer consideração. E pensaram pouco nos próprios filhos, que vão herdar sua falta de amor. Por isso usam e abusam da Terra e, quando ela estremece ou reage, se ofendem e levantam os punhos contra Deus.

     - Você é ecologista? - perguntou Mack, com um certo tom de acusação.

     - Esta imensa bola verde azulada no espaço negro, cheia de beleza mesmo agora, espancada, abusada e linda.

     - Conheço esta música. Você deve se importar muito com a Criação.

     - Bom, essa bola verde azulada no espaço negro pertence a mim - declarou Jesus enfaticamente.

     Depois de um momento eles abriram as sacolas do lanche. Papai as enchera de sanduíches e guloseimas e os dois comeram com grande apetite.

     - Então por que vocês não consertam? - perguntou Mack, mastigando o sanduíche. - Quero dizer, a Terra.

     - Por que nós a demos para vocês.

     - Não podem pegá-la de volta?

     - Claro que poderíamos, mas então a história acabaria antes de ser consumada.

     Mack deu um olhar vazio para Jesus.

     - Já notou que, mesmo que me chamem de Senhor e Rei, eu realmente nunca agi desse modo com vocês? Nunca assumi o controle de suas escolhas nem os obriguei a fazer nada, mesmo quando o que estavam fazendo era destrutivo para vocês mesmos e para os outros?

     Mack olhou de volta para o lago antes de responder.

     - Eu preferiria que às vezes você assumisse o controle. Teria economizado um bocado de dor para mim e para as pessoas de quem eu gosto.

     Forçar minha vontade sobre a de vocês é exatamente o que o amor não faz. Os relacionamentos verdadeiros são marcados pela aceitação, mesmo quando suas escolhas não são úteis nem saudáveis. Esta é a beleza que você vê no meu relacionamento com Abba e Sarayu. Nós somos de fato submetidos uns aos outros, sempre fomos e sempre seremos. Papai é tão submetida a mim quanto eu a ela, ou Sarayu a mim, ou Papai a ela. Submissão não tem a ver com autoridade e não é obediência. Tem a ver com relacionamentos de amor e respeito. Na verdade somos igualmente submetidos a você.

     Mack ficou surpreso.

     - Como pode ser? Por que o Deus do universo quereria se submeter a mim?

     - Porque queremos que você se junte a nós em nosso círculo de relacionamento. Não quero escravos, quero irmãos e irmãs que compartilhem a vida comigo.

     - E é assim que você quer que nós amemos uns aos outros, não é? Quero dizer, entre maridos e esposas, pais e filhos. Em qualquer relacionamento.

     - Exato! Quando sou sua vida, a submissão é a expressão mais natural do meu caráter e da minha natureza, e será a expressão mais natural de sua nova natureza dentro dos relacionamentos.

     - E o que eu mais queria era um Deus que simplesmente consertasse tudo para que ninguém se ferisse. - Mack balançou a cabeça ao se dar conta disso. - Mas não sou bom no campo dos relacionamentos, não sou como Nan.

     Jesus terminou de comer o sanduíche, fechou o saco do lanche e colocou-o ao lado, no tronco. Limpou algumas migalhas presas ao bigode e à barba curta. Depois, pegando um pedaço de pau ali perto, começou a desenhar na areia, enquanto continuava:

     - Isso é porque, como a maioria dos seres humanos, você procura realizar-se pelos seus feitos, e Nan, como a maioria das mulheres, pelos relacionamentos. É mais naturalmente a linguagem dela. - Jesus parou para contemplar uma águia pescadora mergulhar no lago a menos de 20 metros deles e, a seguir, lentamente elevar-se com as garras segurando uma grande truta que ainda lutava para escapar.

     - Isso significa que eu não tenho saída? Realmente quero o que vocês três compartilham, mas não faço ideia de como chegar lá.

     - Há muita coisa obstruindo o seu caminho agora, Mack, mas você não precisa continuar vivendo assim.

     - Sei que isso é mais verdadeiro agora que Missy se foi, mas nunca foi fácil para mim.

     - Você não está simplesmente lidando com o assassinato de Missy. Há uma reviravolta maior que torna difícil compartilhar da nossa vida. O mundo está partido porque no Éden vocês abandonaram o relacionamento conosco para afirmar a própria independência. A maioria dos humanos expressou isso voltando-se para o trabalho das mãos e para o suor do rosto em busca da identidade, do valor e da segurança. Ao optar por definir o que é bom e o que é mau, vocês buscam determinar seu próprio destino. Foi essa reviravolta que causou tanta dor.

     Jesus se firmou no pedaço de madeira para se levantar e parou enquanto Mack terminava de comer o sanduíche e se levantava também. Juntos, começaram a andar pela margem do lago.

     - Mas isso não é tudo. O desejo da mulher ... na verdade a palavra é a "virada". Assim, a virada da mulher não foi para a obra de suas mãos e sim para o homem, e a reação dele foi "dominá-la", assumir o poder sobre ela, tornar-se o governante. Antes dessa escolha, a mulher encontrava sua identidade, sua segurança e sua compreensão do bem e do mal apenas em mim, da mesma forma que o homem.

     - Não é de espantar que eu me sinta um fracasso tão grande com Nan. Não consigo ser isso para ela.

     - Você não foi feito para ser. E, ao tentar, estará brincando de Deus.

     Mack se abaixou, pegou uma pedra chata e atirou-a ricocheteando sobre o lago.

     - Há alguma saída para isso?

     - É simples demais, mas nunca é fácil para vocês. A saída é voltar-se para mim. Abrir mão de seus hábitos de poder e manipulação e simplesmente voltar-se para mim. - Jesus parecia estar implorando. - As mulheres, em geral, acham difícil dar as costas para um homem e parar de exigir que ele atenda às suas necessidades, que proporcione segurança e proteja a identidade delas. Acham difícil retornar para mim. Os homens, por sua vez, acham muito difícil dar as costas para as obras de suas mãos, para sua busca de poder, segurança e importância. Também acham difícil retornar para mim.

     - Sempre me perguntei por que os homens estão no comando - ponderou Mack. - Os homens parecem ser a causa de muita dor no mundo. Cometem a maior parte dos crimes e muitos são contra mulheres e - ele fez uma pausa - crianças.

     - As mulheres - continuou Jesus enquanto pegava uma pedra e também a fazia ricochetear na água - nos deram as costas em busca de outro relacionamento, ao passo que os homens viraram-se para eles mesmos e para o chão. O mundo, em vários sentidos, seria um lugar muito mais tranquilo e gentil se as mulheres governassem. Haveria muito menos crianças sacrificadas aos deuses da cobiça e do poder.

     - Então elas teriam realizado melhor esse papel.

     - Melhor, talvez, mas ainda assim não seria suficiente. O poder nas mãos dos seres humanos independentes, sejam homens ou mulheres, corrompe. Mack, você não vê que representar papéis é o contrário do relacionamento? Queremos que homens e mulheres sejam parceiros, iguais face a face, cada qual único e diferente, distintos em gênero mas complementares, e cada um recebendo o poder unicamente de Sarayu, de quem se origina todo o poder e autoridade verdadeiros. Lembre-se, minha identidade não se baseia em desempenho e eu não preciso me encaixar nas estruturas feitas pelos humanos. Eu tenho a ver com ser. À medida que você cresce no relacionamento comigo, o que fizer simplesmente refletirá quem você realmente é.

     - Mas você veio na forma de homem. Isso não significa alguma coisa?

     - Sim, mas não o que muitos imaginam. Vim como homem para completar a imagem maravilhosa de como fizemos vocês. Desde o primeiro dia escondemos a mulher no homem, de modo que na hora certa pudéssemos retirá-la de dentro dele. Não criamos o homem para viver sozinho. A mulher foi projetada desde o início. Ao tirá-la de dentro dele, de certa forma ele a deu à luz. Criamos um círculo de relacionamento como o nosso, mas para os humanos. Ela saindo dele e agora todos os homens, inclusive eu, nascidos dela, e tudo se originando ou nascendo de Deus.

     - Ah, entendi - exclamou Mack, interrompendo o gesto de atirar outra pedra. - Se a mulher fosse criada primeiro, não haveria um círculo de relacionamento e não se tornaria possível um relacionamento totalmente igual, cara a cara, entre o homem e a mulher. Certo?

     - Certíssimo, Mack. - Jesus olhou-o e riu. - Nosso desejo foi criar um ser que tivesse uma contrapartida totalmente igual e poderosa: o homem e a mulher. Mas sua independência, com a busca de poder e de realização, na verdade destrói o relacionamento que seu coração deseja.

     - Aí está de novo - disse Mack, procurando uma pedra mais chata. - A questão sempre volta ao poder e a como ele é oposto ao relacionamento que vocês têm entre si. Eu adoraria experimentar isso com vocês e com Nan.

     - E por essa razão está aqui.

     - Gostaria que ela estivesse também.

     - Ah, o que poderia ter sido! - meditou Jesus. Mack não teve ideia do que ele queria dizer.

     O silêncio se instalou por alguns minutos, interrompido pelo som leve das pedras ricocheteando na água.

     Jesus parou antes de jogar mais uma pedra.

     - Uma última coisa que eu quero que você lembre desta conversa, Mack, antes de você ir.

     Ele jogou a pedra. Mack levantou os olhos, surpreso.

     - Antes de eu ir?

     Jesus ignorou a pergunta.

     - Mack, assim como o amor, a submissão não é algo que você pode praticar, especialmente sozinho. Fora de minha vida dentro de você, você não pode se submeter a Nan, ou aos seus filhos, ou a mais ninguém, inclusive Papai.

     - Quer dizer - exclamou Mack, um tanto sarcástico - que eu não posso simplesmente perguntar: "O que Jesus faria?"

     Jesus deu um risinho.

     - Boas intenções, má ideia. Não deixe de me contar como a coisa funciona para você, se escolher esse caminho. - Parou e ficou sério. - É verdade, minha vida não se destinava a tornar-se um exemplo a copiar. Ser meu seguidor não significa tentar "ser como Jesus", significa matar sua independência. Eu vim lhe dar vida, vida real, minha vida. Nós viveremos nossa vida dentro de você, de modo que você comece a ver com nossos olhos, ouvir com nossos ouvidos, tocar com nossas mãos e pensar como nós. Mas nunca forçaremos essa união. Se você quiser fazer as coisas do seu jeito, tudo bem. O tempo está a nosso favor. E, por falar em tempo - Jesus virou-se e apontou para o caminho que levava até a floresta no fim da clareira -, você tem um compromisso. Siga aquele caminho e entre onde ele acaba. Vou esperar aqui.

     Por mais que quisesse, Mack soube que não adiantaria tentar prosseguir na conversa. Num silêncio pensativo, calçou as meias e os sapatos. Não estavam totalmente secos, mas ofereciam algum conforto. Levantou-se sem dizer mais nada, foi na direção do fim da praia, parou um minuto para olhar de novo a cachoeira, pulou por cima do córrego e entrou na floresta por um caminho bem cuidado e nítido.