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A fim de podermos perceber claramente como os problemas mundiais estão relacionados com as falsas concepções de ser humano que fundamentam tanto o Liberalismo quanto o Marxismo (por não apreenderem satisfatoriamente os aspectos da unidade e da diversidade inerentes à humanidade), faz-se necessário criticarmos seus modelos de organização política.
Isto é necessário porque, como dissemos, estas falsas concepções se relacionam com os problemas concretos da humanidade por meio das principais instituições que organizam a vida social. Estas instituições se constituem em aplicações práticas, ou modelos que estruturam concretamente as nossas vidas diárias, que são, estes sim, diretamente derivados destes pressupostos abstratos, ou destas premissas filosóficas a respeito do ser humano.
Se quiséssemos ser um pouco mais precisos deveríamos dizer que esta intermediação ocorre em primeiro lugar através da influência sobre o comportamento da elite, na medida em que este comportamento é afetado por uma determinada visão de mundo e, consequentemente, por um determinado conjunto de valores éticos. E é este comportamento da elite que, por ser ela tão dominante (conforme vimos no capítulo sobre as diferenças de capacidade), se projeta inevitavelmente sobre o todo da sociedade, sob a forma de suas principais instituições (a exemplo do sistema de organização política).
Entre todas as principais instituições de uma sociedade, concretizadas através das idéias e dos padrões de comportamento que são dominantes ao nível da elite, a mais nevrálgica ou vital, aquela da qual necessariamente dependem as outras grandes instituições de uma sociedade, é o modelo ou a forma como o poder é organizado e distribuído dentro deste corpo social.
É claro que todas as grandes instituições de uma sociedade (econômicas, educacionais etc.) interagem e influenciam-se mutuamente e, portanto, a importância de nenhuma delas deve ser negligenciada. No entanto, todas as leis fundamentais, que em grande medida balizam a existência destas outras instituições, bem como os processos de tomada de decisões que envolvem imensas quantidades de recursos, dependem vitalmente da forma como o poder é organizado.
Isto porque é a estrutura política que regulamenta a maneira como serão escolhidos os principais legisladores e governantes. E são eles que decidirão a respeito das principais leis constitutivas, bem como são eles que decidirão a respeito da aplicação prática de gigantescos volumes de recursos.
A forma como se estrutura ou se organiza o poder é, portanto, crucial para o bem-estar de qualquer sociedade. A compreensão deste ponto não parece ser muito difícil e, talvez, seja uma coisa razoavelmente bem conhecida. No entanto, mesmo ao nível da elite as pessoas encontram enormes dificuldades para perceber que as grandes instituições que organizam e distribuem o poder, isto é, os sistemas políticos, tanto do Liberalismo quanto do Marxismo, são muito inconsistentes, ou muito incompetentes no cumprimento de sua função básica de organizar o poder numa sociedade. E, assim sendo, a maioria da elite falha em perceber que é precisamente a incompetência destas instituições que é diretamente responsável por grande parte dos graves problemas enfrentados por estas sociedades.
Essa dificuldade generalizada de perceber claramente o fracasso destes modelos tem como explicação o fato de que somente é possível esta percepção quando se leva em conta tanto a unidade quanto as enormes diferenças de capacidades mentais e morais (ou de caráter) - os dois aspectos absolutamente fundamentais em qualquer visão realista dos seres humanos coletivamente considerados - e que são justamente os pontos aonde, como vimos, falham tanto o Liberalismo quanto o Marxismo.
Por essa razão é tão importante a perspectiva da humanidade como uma fraternidade, uma vez que é a única que engloba e harmoniza estes dois aspectos fundamentais e aparentemente contraditórios da unidade e da diversidade. Também por esta razão nos preocupamos tanto em apresentar um claro panorama acerca da unidade e das diferenças entre os seres humanos.
Quando levamos em conta esses aspectos, fica muito claro que o sistema de organização política em qualquer sociedade deve responder, sobretudo, a duas grandes necessidades relativas à organização do poder. A primeira delas é oferecer um processo de escolha dos principais legisladores e governantes, por meio do qual possam chegar a estes cargos de maior responsabilidade dentro de uma sociedade os indivíduos realmente mais capacitados, tanto em termos ético-morais, quanto em termos técnicos. E a segunda necessidade é garantir que estes dirigentes sejam dotados dos meios de coerção adequados, isto é, de uma quantidade suficiente de poder ou força, de modo que eles sejam capazes de impor o respeito à norma legal, a qual é resultado das decisões emanadas destes legisladores e governantes.
É indispensável que haja uma compreensão bem clara a respeito da importância decisiva destas duas funções principais de um sistema político. Isto é decisivo tanto para que se possa elaborar um bom diagnóstico das falhas dos sistemas atuais e, assim sendo, para que se entenda como são gerados os problemas mundiais, quanto para que se vislumbre a possibilidade da construção de uma ordem social satisfatoriamente harmônica. Por esta razão examinaremos a seguir cada uma destas funções.
A primeira necessidade, portanto, é a de um eficaz processo de escolha dos governantes. Se levarmos em conta as enormes diferenças de capacidade e, assim sendo, de níveis de abrangência da consciência social dos seres humanos (expostas anteriormente) perceberemos imediatamente que este aspecto é absolutamente essencial e não pode deixar de ser equacionado com muita competência, sob pena de acarretar consequências simplesmente desastrosas.
Um competente processo de escolha das lideranças é imprescindível porque as questões atinentes a uma nação inteira, e ao seu relacionamento com outras, são muito vastas e complexas, tanto assim que apenas muito poucas pessoas, apenas aquelas mais capacitadas e mais altruístas é que estarão aptas para enfrentá-las apropriadamente. Ou seja, os requerimentos inerentes ao exercício competente dos cargos de maior responsabilidade em uma nação são muito grandes e, deste modo, exigem que o processo de escolha assegure que chegarão até estes cargos os indivíduos realmente capacitados, que serão certamente muito poucos. Tudo isto evidencia o fato de que este sistema de escolha dos dirigentes deve ser excepcionalmente bem estruturado, sob pena de facilmente comprometer o bem-estar de toda a sociedade que em torno dele vive.
Se examinarmos o exemplo muito mais simples de uma empresa, perceberemos com muita facilidade que o fato de não se colocar os mais capacitados nos postos de chefia implica num desperdício enorme de recursos. Que dizer então para o caso das nações, que são realidades muito mais complexas e, geralmente, muito mais vastas? Neste caso, não escolher aquelas poucas pessoas qualificadas para estas funções e responsabilidades, significa a certeza não apenas de imensos desperdícios, mas de catástrofes físicas e morais, que é bem o quadro que podemos observar no panorama mundial atual.
Quanto à segunda necessidade apontada - isto é, a da presença não apenas de pessoas capacitadas, mas também de suficiente poder de coerção em suas mãos, a fim de que suas decisões possam ser realmente postas em prática - isto também é algo de fundamental importância por causa, sobretudo, de uma das características básicas do mundo atual, que é a existência de gigantescas organizações, públicas e privadas, que detêm um poder incrivelmente grande em suas mãos, e que o usam para a realização dos seus interesses e objetivos privatistas (de corporações ou de grupos privados).
Como não é muito difícil de constatar, mesmo as organizações públicas desenvolvem um "espírito de corpo", isto é, interesses corporativos, e usam o seu poder enorme em prol destes interesses. Dentro deste cenário, se os dirigentes do Estado não estiverem dotados de um enorme poder de coerção, não haverá a menor chance de que estes interesses gigantescos possam ser regulados e harmonizados em prol dos interesses maiores do bem-estar coletivo.
O modelo de organização política do Liberalismo, a chamada democracia liberal, oferece respostas muito pouco satisfatórias a qualquer uma destas duas necessidades examinadas. De um lado, oferece um processo de seleção aos postos de maior responsabilidade que nem de longe seleciona aqueles poucos realmente capacitados para o exercício destas elevadas e pesadas responsabilidades. E, de outro, gera uma estrutura estatal débil, totalmente à mercê dos grandes interesses corporativos, isto é, das gigantescas organizações públicas e privadas, cuja existência, como vimos, é uma das características mais salientes das sociedades atuais.
Tentemos entender porque isto é assim. Imaginemos inicialmente um processo de seleção qualquer, um concurso público, por exemplo. Se quiséssemos que ele fosse um processo de seleção sério, justo e competente, isto é, que realmente tivesse uma boa chance de escolher os melhores de uma dada população, quais seriam as condições necessárias? Em primeiro lugar deveria existir liberdade para qualquer pessoa participar, a fim de que ninguém fosse de antemão excluído do concurso. Se uma parte da população fosse excluída a priori, digamos aqueles que têm a pele vermelha, nada nos garantiria que entre aquela parcela, pequena ou grande, da população que possui a pele vermelha, não houvesse alguém muito qualificado. Assim sendo, a liberdade é um ingrediente indispensável de um processo justo e competente de seleção.
Em segundo lugar, não deveria haver privilégios no processo de escolha, isto é, deveria haver igualdade de oportunidades na disputa, pois se alguém, por exemplo, tivesse o privilégio de saber antecipadamente as questões da prova, esta pessoa certamente obteria o primeiro lugar, mas isto não teria valor algum, não provaria coisa alguma. Isto viciaria irreparavelmente o processo de seleção, o tornaria injusto e incompetente em relação ao seu verdadeiro propósito que é selecionar os realmente capacitados.
Finalmente, deveria haver uma grande adequação entre o grau de dificuldade da prova, a função para a qual ela está selecionando, e a qualificação ou o nível de compreensão da população em questão. Se, por exemplo, a prova estivesse selecionando auxiliares de escritório, de nada adiantaria uma prova que contivesse apenas questões de cálculo integral. De um lado, este conteúdo não está adequado ao grau de dificuldade, ao tipo e à responsabilidade da função e, de outro, a população alvo pouco entenderia das questões, tornando o processo de seleção muito pouco significativo. Isto quer dizer que deve haver uma adequação entre o nível de dificuldade e responsabilidade da função e o nível de compreensão da população.
Essas condições são praticamente universais em relação a qualquer processo de seleção de recursos humanos, e o caso de um sistema político que busque ser justo e competente não se constitui em nenhuma exceção a estas regras. Examinemos, então, cada uma destas condições em relação ao processo de seleção das democracias liberais.
A liberdade de participação e expressão é um valor universal, inerente à dignidade humana, e qualquer cerceamento a priori da possibilidade de alguém, ou de algum grupo, participar do processo político viciará o processo de escolha por parte da população, e assim por diante. Falando apenas em termos gerais, a garantia desta liberdade de participação, de expressão, de organização etc., costuma ser razoavelmente bem atendida nas democracias liberais. Esta condição, portanto, não é um grande problema neste tipo de modelo de organização política.
Mas que dizer da segunda condição, que é da igualdade de condições na disputa pelos postos de maior responsabilidade política do país? Haveria igualdade de condições nas eleições de grandes massas que caracterizam os processos de escolha para os principais postos políticos nas democracias liberais? Evidentemente que não, nem de longe!
Os processos eleitorais de grandes massas, que geralmente chegam à casa dos milhões de pessoas, não raro muitos milhões de pessoas, caracterizam- se por campanhas caríssimas, as quais envolvem vultosos recursos (humanos, materiais, financeiros etc.) e envolvem necessariamente acesso aos meios de comunicação de massa. Ora, a maioria da população possui poucos recursos, e os meios de comunicação de massa são detidos por grupos privados! O que acontece na realidade deste cenário injusto é que a grande maioria fica completamente excluída de qualquer chance concreta de sucesso em uma disputa tão flagrantemente desigual.
E o resultado disto é bem evidente. A esmagadora maioria daqueles que se elegem pertencem a algumas categorias bem visíveis. Elegem-se, sobretudo, os ricos, ou aqueles financiados pelos que detêm grandes recursos materiais; elegem-se também aqueles que aparecem com frequência nos meios de comunicação de massa, sejam artistas, atletas ou comunicadores de massa de vários tipos. Cabe repetir que sendo os meios de comunicação empresas privadas, os interesses privados dessas empresas exercem uma "natural" censura, não apenas sobre aquilo que veiculam, mas muito especialmente sobre aqueles que empregam como seus comunicadores de todos os tipos.
Alguém já viu um comunicador do SBT criticando os interesses econômicos, ou políticos, ou de qualquer outro tipo do Sr. Sílvio Santos? Ou coisa análoga em relação à Globo e o Sr. Roberto Marinho? Bem ao contrário, o que se sabe é de comunicadores, artistas etc., que perdem seus empregos por discordarem das idéias de seus patrões. Do que se sabe bem, igualmente, é do poder imenso dos meios de comunicação de massa, sejam as redes de televisão, ou de rádio, ou mesmo dos grandes jornais e revistas, que em conjunto são frequentemente denominados de "quarto poder".
A última categoria que tem bastante "sorte" neste sistema são os demagogos de todos os tipos. São aqueles que, consciente ou inconscientemente iludem a massa com promessas que não poderão cumprir. É claro que alguns conseguem combinar duas destas categorias, ou mesmo as três, e aí então temos os fenômenos eleitorais.
Muitas pessoas não percebem claramente que este quadro tão injusto fica ainda muito agravado quando consideramos a terceira das condições de um bom processo de escolha, que diz respeito à necessária adequação entre o nível da função ou responsabilidade, e o nível de consciência da população. As informações do capítulo sobre as diferenças de capacidades nos mostraram o real perfil dos níveis de abrangência da consciência social da população.
O grau de inocência de grande parte desta população foi ali mostrado de forma clara. Sem uma visão nítida deste perfil e das enormes diferenças de abrangência na consciência social da população não é possível um diagnóstico sério acerca do quão injustas e incompetentes são as regras para a seleção dos governantes nos processos eleitorais das democracias liberais.
Tomemos um exemplo concreto. Qual o sentido da população inteira ser obrigada a escolher os constituintes, através do sufrágio direto universal e obrigatório, quando de acordo com uma pesquisa do IBOPE, antes mencionada, poucos meses antes das eleições, no Rio Grande do Sul, que é um dos estados com melhores índices educacionais do país, 70,5% da população não sabia sequer o que era uma Constituinte?
Seria de causar qualquer surpresa que num processo de escolha dos dirigentes deste tipo a população eleja um presidente corrupto? Que ela eleja como deputado federal, um dos postos de maior responsabilidade, um traficante de drogas, e assim por diante? E não se diga que isto é apenas no Terceiro Mundo. Basta ver o exemplo recente da Itália, com tantos escândalos de corrupção etc. E o do Japão, onde mais de um primeiro ministro foi deposto porque descobriram que haviam sido subornados por grandes empresas, como a Lockheed dos EUA. Ou o caso de Nixon nos EUA. Os exemplos são tantos e tantos que se tornam enfadonhos. E isto que são apenas os conhecidos.
O quadro abaixo, a respeito da credibilidade dos políticos, é bem nítido acerca dos resultados deste processo de escolha dos dirigentes políticos numa democracia liberal. Estes dados são sobre a credibilidade merecida por aqueles que deveriam ser o que uma nação tem de melhor, pois ocupam os postos de maior responsabilidade. A pesquisa é do IBOPE e foi publicada em Zero Hora, em 09/08/87. A pergunta apresentada foi a seguinte:
- "Você concorda ou discorda das afirmações abaixo usadas para descrever a atuação dos políticos?" A tabulação apresenta percentuais.
Afirmações | Concorda | Discorda | Não sabe ou |
não opinou | |||
Só fazem política em | 80% | 17% | 3% |
interesse próprio | |||
Se preocupam com os | 30% | 67% | 3% |
interesses do povo | |||
Mesmo os mais honestos | 66% | 26% | 8% |
acabam se corrompendo | |||
Não cumprem o que | 89% | 9% | 2% |
prometem na campanha | |||
Só defendem aqueles que | 73% | 23% | 4% |
os ajudaram a se eleger | |||
Desfrutam de muitas | 92% | 6% | 2% |
mordomias | |||
Só lembram do eleitor | 93% | 6% | 1% |
na hora da eleição |
Esse quadro é um claro atestado acerca da incompetência deste sistema de escolha dos dirigentes políticos. Talvez apenas o agravamento nos últimos dez anos do quadro de excludência social, de miséria e violência na sociedade brasileira (que já era intolerável) seja um atestado ainda mais inequívoco acerca da incompetência geral deste modelo de organização política.
No entanto, não apenas quanto ao processo de escolha dos governantes este modelo resulta incompetente. Também este modelo resulta incompetente no que diz respeito à sua capacidade de prover os governantes da necessária força de coerção, sobretudo, como vimos, para fazer frente ao enorme poder das grandes organizações.
Por que essas grandes organizações são tão poderosas? Em última análise, porque conseguem reunir de forma coesa os esforços de muitos milhares de pessoas, por vezes centenas de milhares de pessoas. Graças a esta reunião coesa de esforços, ainda que por motivações de cunho eminentemente privatista, estas organizações apropriam-se de imensas quantidades de recursos econômicos, financiam e subornam dirigentes políticos, e assim por diante. E estas façanhas organizacionais são possíveis porque os seus departamentos de pessoal, entre outros, aplicam com muita eficácia o conhecimento acerca das diferenças de capacidades!
Alguém conseguiria imaginar uma grande empresa, com dezenas de milhares de funcionários, escolhendo seus principais executivos, seu conselho de administração, enfim, seus postos de maior responsabilidade, por meio de um processo de eleições diretas com um voto para cada funcionário? Absolutamente não! Ou um exército escolhendo seus generais por eleições diretas de todos os componentes da força? De forma alguma! A própria Igreja Católica Romana, que do ponto de vista meramente organizacional é um dos exemplos mais bem sucedidos da história, e cujos bispos e cardeais, FORA DE CASA, apóiam a democracia liberal, não aplica, é claro, em sua própria casa um sistema tão ineficiente. Os seus fiéis não elegem o Papa, nem sequer os padres, e nem mesmo todos os bispos. Apenas os cardeais procedem à escolha do chefe da Igreja.
Ora, os problemas de uma grande nação são muito mais complexos do que os problemas administrativos de uma grande empresa, de uma força armada, ou de uma organização religiosa. Mas os mesmos líderes empresariais, militares, religiosos etc., que para fora de suas organizações pregam as maravilhas do modelo democrático liberal, jamais pensariam em aplicá-lo nas realidades muito mais simples de suas corporações! Esta é a miséria das elites. Isto é, a miséria das idéias que dominam ao nível das elites e que se projetam como as grandes instituições dos países e do mundo.
A fraqueza do Estado organizado sob a forma de uma democracia liberal foi atestada, várias vezes, na história recente do Brasil, e de tantas outras nações do Terceiro Mundo, ou mesmo da América Latina. Por que foram possíveis tantos golpes de estado, e por que serão possíveis tantos outros no futuro? Porque se trata de um modelo de estado débil, impotente ante a força das grandes organizações, das quais ele geralmente não passa mesmo de um fantoche. E o mesmo fator que explica a força destas corporações explica a fraqueza deste modelo.
Vimos que a força destas corporações reside no fato de conseguirem reunir, ou organizar, de forma coesa muitos milhares de pessoas. E perante a colossal força destas corporações unicamente a força gerada por uma boa organização de toda a população de um país poderia impor-se. E é exatamente isto que o modelo democrático-liberal não faz, pois nos sistemas de eleições de grandes massas a organização política é muito frouxa e a população permanece fragmentada, ou "atomizada", devido à grande distância que separa os representantes dos representados. E é a boa organização, a coesão, ou a união como se diz popularmente, aquilo que gera a força - não a fragmentação, a frouxidão quase amorfa.
Quando milhões de pessoas elegem diretamente um governante, seja legislativo ou executivo, este mesmo processo, além de muito incompetente como processo de escolha dos mais capacitados, gera um abismo entre a população e os seus dirigentes, do qual advém a fraqueza deste tipo de estado, em relação às gigantescas corporações, privadas ou públicas. Porque mesmo estas últimas desenvolvem um espírito de corpo e interesses privatistas, os quais, em um estado tão fraco, não há força capaz de controlar.
Desnecessário seria dizer que esta fraqueza apenas é reforçada pela ordem de contrapesos dos três poderes, cuja separação, de fato, enfraquece ainda mais o poder central. Este enfraquecimento, como vimos, é na realidade o objetivo visado, o qual é derivado da concepção de um "estado mínimo". Nestes pontos, em resumo, residem as falhas do modelo liberal.
Conforme citamos de Philip Converse anteriormente, são as correntes de pensamento que constroem a vida das nações. E do mesmo modo são elas que constroem a vida dos indivíduos - poderíamos acrescentar. Aquilo que domina as mentes da elite, aquilo que os líderes e os intelectuais proferem, aquilo que o poeta canta etc., nisto se converterá a vida de uma nação, uma vez que estes pensamentos também serão inevitavelmente aplicados como as principais instituições ou, no caso, como os modelos de organização sócio-política.