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Capítulo 5
Neossocialismo (ou Oligarquismo)


Por que o Brasil é um País Atrasado?
O que fazer para entrarmos de vez no século XXI
Luiz Philippe de Orleans e Bragança
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Neossocialismo (ou Oligarquismo)

     A economia nacional, altamente regulada e controlada, remete-nos aos tempos da Cortina de Ferro

     No início de 2016, prestávamos muita atenção a palestrantes fiéis ao governo se dirigindo aos sindicatos de trabalhadores. Eles estavam divulgando seu programa de desenvolvimento nacional. Naquele momento, as tramitações do impeachment da então presidente Dilma Rousseff já estavam maduras e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia sido levado à Polícia Federal para prestar depoimento relacionado a um inquérito. O verniz de legitimidade que mantinha o governo havia desaparecido e o tom dos palestrantes era combativo. Mais uma vez, a retórica dos palestrantes sintetizava a narrativa que há décadas dominou e que ainda ecoa em boa parte do pensamento político e da sociedade brasileira. Trata-se de uma narrativa marxista. Vamos a ela.

     Os palestrantes demonstraram grande preocupação com o retorno do liberalismo econômico no mundo. Declararam que o filósofo e economista escocês Adam Smith, pensador considerado pai intelectual do liberalismo econômico, queria eliminar as camadas mais pobres do operariado e dos trabalhadores para que esses não tivessem condições de lutar contra os burgueses, donos do capital. Também citam como, no século XX, o mundo evoluiu quando, após a Segunda Guerra Mundial, a maioria dos países passaram a se preocupar com as questões trabalhistas e os direitos dos trabalhadores, com os direitos humanos, com a sustentabilidade e com a natureza. Ressaltam que esses "avanços" foram conquistas sociais da classe trabalhadora. Em seguida, ressaltam que a lua de mel acabou recentemente, quando o "dinheiro especulativo" resolveu se reorganizar contra o "Estado social" e contra os trabalhadores.

     Em determinado momento, alardearam que o capital, no Brasil, quer acabar com o Estado por meio da independência do Banco Central e em nome da estabilidade financeira. Essas vozes referem-se, com frequência, ao "aluguel" do parlamento pelo financiamento de partidos e de campanhas e destacam que esse processo faz com que os parlamentares "eleitos pelo capital" defendam bandeiras como a reforma da Previdência e a flexibilização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em favor de acordos livres entre empresas e funcionários. Apelam por sentimentos nacionalistas, dizendo que a privatização de empresas que são "brasileiras por direito", como a Petrobras, precisa ser combatida.

     Para lutar contra o "assalto ao Estado", o governo de Dilma propunha um planejamento público centralizado e impositivo; criação de um sistema bancário público; incentivo às estatais estratégicas para executar o planejamento básico e para "incitar" e "puxar" empresas privadas; e a utilização da dívida pública como ferramenta para o desenvolvimento. Em outras palavras, estavam propondo a nacionalização dos poucos bancos privados que restam, a estatização de empresas particulares e a ampliação dos gastos crescentes e insustentáveis com programas sociais mal desenvolvidos.

     A narrativa continua quando os apoiadores do governo se disseram favoráveis ao controle do câmbio e das taxas de juros e à imposição do imposto de renda progressivo. Curiosamente, enalteceram ações de intervenção no sistema financeiro, como as que ocorreram durante a Alemanha nazista (1933-1945), e concluíram que os interesses do capital não devem voltar a predominar num país como o Brasil.

     Os sindicalistas presentes na plateia ovacionaram esse posicionamento já familiar, mas tiveram seus propósitos revigorados e fizeram juras de que lutariam em defesa do governo da presidente Dilma, contra o capital e seus representantes. Pena que aquela apresentação para sindicalistas não era um debate, pois mesmo entre aquela audiência de pelegos dependentes e leais ao Estado era possível que surgissem algumas vozes capazes de questionar a mitologia e, quem sabe, desmascarar o volume absurdo de desinformação que se oferecia ao público.

     Esse tipo de discurso é padrão da ideologia que leva ao comunismo. Escutamos variações mais e menos competentes dessa narrativa desde a queda do muro de Berlim, em 1989, de modo que já fincou raízes na nossa formação intelectual. Mesmo aqueles brasileiros que posteriormente questionaram essa abordagem e aderiram a uma visão lógica e científica da história e da economia, se formaram ouvindo esse discurso, vendo o mundo e a história sob a lógica binária da luta de classes. Sendo assim, é especialmente difícil para nós nos contrapormos a essa visão de mundo. Mas difícil não significa impossível, e podemos escapar dessa mitologia quando analisamos seus pressupostos por etapas.

     Primeiro, afirmar que Adam Smith pregava a opressão das classes desfavorecidas pelo capital é um descalabro histórico monumental. Adam Smith era contra o mercantilismo, o sistema de acúmulo de riqueza pelo Estado despótico dos reis absolutistas, e narrava suas observações a respeito do mercado negro, que se forma sempre que há um regime que controla tudo.

     Smith via que inúmeras oportunidades de troca se apresentavam quando o mercado não sofria controle ou tributo do Estado. Portanto, ele não era contra ou a favor de classe nenhuma, mas sim, um defensor da liberdade de trocas como mecanismo capaz de gerar mais oportunidades a todos - e nesse processo removê-los da pobreza.

     As observações de Adam Smith libertavam as pessoas, não as oprimiam. Segundo ele, o mercado trabalhará para o bem da sociedade se deixado a sós, guiado somente pela "mão invisível" de suas vontades do que pelo "punho de aço" do Estado. É de Smith a frase: "Nenhum país é próspero se a maior parte de sua sociedade é pobre ou miserável". Afirmar que Smith queria o oposto é um grande ato de desinformação e desconstrução histórica de um legado.

     Segundo, a ideia de que o Estado de bem-estar social trouxe conquistas históricas ao longo do século XX e que essas conquistas estão sendo ameaçadas pelo "capital especulativo" é outra grande falácia regurgitada reiteradamente no Brasil desde o pós-Guerra. O fim do ciclo que esses ideólogos chamam de Estado social - ou seja, o de países que adotaram o socialismo e se tornaram comunistas - se deu em 1989 na Europa, por força de sua própria inviabilidade financeira e econômica, e não por ação de agentes financeiros do mal, adeptos do liberalismo econômico e dispostos a derrubar os Estados sociais até então.

     No Brasil, entre 2002 e 2016, aventuramo-nos a incorrer nos mesmos erros que alguns países da Europa no século anterior. Aliás, foram os mesmos erros que o próprio Brasil cometeu até o fim do regime militar, em 1985. Portanto, estamos tendo o segundo colapso econômico do nosso Estado social.

     Essa derrocada se iniciou em 2014 e segue até o presente momento, nos primeiros meses de 2017. Essa crise atual no Brasil, assim como o colapso do fim do Estados sociais no século XX, não foi causada pelos "interesses do capital" e especuladores; ela foi causada pela própria falência do chamado Estado social.

     Essa narrativa omite o fato de que as nações que sempre limitaram a criação de um Estado naqueles moldes, como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália, Japão e Suíça, reduziram a pobreza e aumentaram a renda per capita de seus cidadãos muito além da dos países que caíram na armadilha de criar alguma variante do chamado "Estado de bem-estar social" - como veremos em outro capítulo. Há mais o que ponderar. Nesses mesmos países com pouca intervenção estatal, a qualidade do meio ambiente foi melhor durante o século XX e assim permanece até hoje. Somente a omissão de todos esses fatos permite que alguém afirme ter havido "avanço social" nas nações que adotaram o modelo denominado Estado de bem-estar social.

     Na verdade, o século XX trouxe um grande retrocesso para a evolução política e para o progresso da sociedade. Desde a Revolução Gloriosa na Inglaterra, em 1688, o Ocidente experimentou o ciclo virtuoso da prosperidade, enquanto o despotismo político definhava. Ao final do século XIX, o liberalismo político já havia influenciado a maioria dos países a adotar constituições que limitavam a atuação do governo e criavam Estados de direito com validações democráticas através do voto. Novas leis deram mais controle da coisa pública para a sociedade e também contribuíram para o aumento da transparência.

     No século XX, com o ressurgimento dos modelos totalitaristas - dessa vez, não mais com reis no comando central, mas sim lideres fascistas, nazistas, socialistas ou comunistas -, esse processo evolutivo da sociedade organizada no comando compartilhado da coisa pública se estancou e se reverteu. Nessas novas propostas totalitaristas de Estado, em nome do bem-estar social e da redução das desigualdades, os governos voltaram a ter menos limites, tornaram-se menos transparentes e o povo perdeu participação no sistema político.

     Sob a grande mentira de que o Estado estava libertando o trabalhador dos grilhões do capital, criaram-se poderes socialistas despóticos. Esses regimes eram de jura e de fato patrimonialistas e, em grande parte, mais totalitários do que aqueles regimes monárquicos absolutistas do século XVII, representando um nítido retrocesso.

     Terceiro, os defensores do governo de Dilma mencionavam que o capital burguês quer a independência do Banco Central para controlá-lo. Nessa passagem, eles fazem uma deturpação grosseira do liberalismo econômico para validar suas propostas intervencionistas. Para boa parte dos economistas liberais, não deveria sequer haver um Banco Central no controle da moeda - quanto mais uma instituição sob controle de grandes empresários que pudessem utilizá-la em seu próprio benefício. O controle da moeda sempre foi uma proposta marxista, como descrito pelo próprio Karl Marx em seu livro O Capital. Segundo os liberais, a taxa de juros deveria ser determinada de maneira espontânea e diária pelo mercado financeiro e não em função de uma reunião periódica de poucos "notáveis" nomeados, como acontece hoje no Brasil com o Comitê de Política Monetária (COPOM).

     A causa de todos os problemas decorrentes dos ciclos de aumento e redução de taxa de juros, no Brasil e em outros países que possuem instituições financeiras equivalentes ao Banco Central - independente ou não -, resume-se ao fato de que poucas pessoas tomam decisões erradas sobre o custo do dinheiro, ou seja, os juros. Quando o mercado ajusta naturalmente as taxas, evita as diversas bolhas e distorções que abundam em economias controladas ao longo do tempo.

     Quarto, a apelação pelo sentimento nacionalista, no que se refere ao petróleo sendo patrimônio do Estado brasileiro é outra grande falácia. O petróleo tem seus dias contados. Até 2050, prevê-se drástica redução de consumo e de produção desse combustível. Exaustão de reservas, tecnologias de propulsão novas e fontes alternativas de energia já se fazem presentes, de maneira significativa, em quase todos os países modernos. E a projeção é de crescimento acentuado nas próximas três décadas.

     Os países de economia dependente do petróleo já investem suas reservas desesperadamente para diversificar sua produção de energia em antecipação desse cenário inevitável. A proposta desses palestrantes de proteger algo que não terá valor e nem mercado é, portanto, falaciosa - sem contar o fato evidente de que consumidor brasileiro sempre pagou por combustível mais caro para manter essa proteção. Considerando que o transporte de bens e capacidade de locomoção ainda é dependente do petróleo, monopólios estatais como o da Petrobras sempre fizeram parte do controle total da economia, sem o qual o comunismo não se materializa plenamente.

     Quinto e último contraponto: Os defensores do governo Dilma afirmam que o capital comprou campanhas e "alugou" partidos para representarem seus interesses. Implicitamente, afirmam que a pauta do liberalismo econômico é igual à das oligarquias econômicas. Grande inverdade. Mais uma vez, há um ponto central de dissimulação que é preciso ser exposto. As oligarquias econômicas não são adeptas do liberalismo. Como já vimos anteriormente, as oligarquias econômicas, assim como as políticas, querem controlar o país e se perpetuar no comando. Para obter esse controle, o melhor modelo para elas é alguma variante de Estado interventor, tal qual o modelo socialista.

     Isso mesmo. Oligarcas da economia convivem muito bem com os oligarcas políticos criados pelo Estado social. Quando notamos que boa parte dos novos magnatas empresariais vem de países controlados, como a Rússia e China, isso não é nenhuma contradição; é, apenas, uma questão de lógica.

     Um Estado com modelo econômico de alta intervenção regulamentar e tributária, a exemplo dos fascistas, nazistas, socialistas e comunistas, tem economia planejada centralmente, o que os torna ideais para que os poucos grandes empresários e oligarcas econômicos controlem todo o sistema. A troca é simples, mas invisível ao leigo, ao pagador de impostos normal.

     Funciona assim: os oligarcas, por serem contra a competição de livre mercado, articulam a criação de uma regulamentação altamente restritiva para o mercado interno. A medida elimina a competitividade de pequenas e médias empresas nacionais e o protecionismo inviabiliza as importações. Em troca de regulamentações favoráveis e de financiamento público extensivo a taxas camaradas - como se viu com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, por exemplo -, os oligarcas aceitam normas trabalhistas que encarecem seus custos e garantem benefícios maiores aos trabalhadores escolhidos pelos sindicatos. Escondida nesse jogo, está a demanda dos oligarcas políticos por sucessivos aumentos de renda, patrocínio a campanhas políticas e por cada vez mais empregos para seus correligionários.

     Oligarquias políticas, como o partido e os sindicatos trabalhistas, garantem os interesses das oligarquias econômicas e são sustentadas por elas. Oligarcas políticos e econômicos vivem, em suma, em perfeita simbiose, eleição após eleição. Com um braço no poder político, outro no econômico, ambos conspiram contra o Estado de direito e os anseios da sociedade. Assim se fecha o modelo de oligarquismo que temos no Brasil.

     Com minha recente experiência no Movimento Acorda Brasil, tenho constatado o quanto esse oligarquismo colaborou para o Estado brasileiro tornar-se um monstro indomável, com governo e burocracia emaranhados com poucas empresas que financiavam todo o esquema político de manutenção de poder. Esse esquema foi potencializado pelos governos socialistas recentes de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e Dilma Rousseff (2011-2016), embora suas origens venham da estrutura de poder que abrange todo o período republicano.

     O liberalismo econômico é basicamente o oposto de tudo o que os defensores do Estado máximo afirmam. Nele, o mercado tem de se manter livre, de forma que nenhuma empresa, governo, indivíduo ou grupo de interesse possa controlá-lo. As tentativas de controle de qualquer segmento da economia por parte de uma grande empresa que atue em conluio com políticos é sempre mais fácil em um governo interventor do que num modelo político não interventor. Por definição, o Estado liberal não pode intervir em demasia na economia, assim como não pode intervir em demasia na sociedade.

     A esquerda mundial e a esquerda brasileira sabem empregar a retórica política sem nexo com a realidade - e, quando convém, alteram a história e fatos para criarem novas realidade e retórica. Na retórica em questão o povo é iludido a crer que só existem duas opções: ou o Estado (o bonzinho) fica no controle de tudo, ou a oligarquia econômica do capital (grandes empresários malvados) se torna o controlador. Nessa visão, não há sequer menção da verdadeira opção defendida pelos defensores do livre mercado como Smith, Hayek e Mises. É justamente a omissão dessa opção na retórica populista da esquerda marxista que precisa ser combatida, no Brasil e no mundo.

     Se nos demos o trabalho de dissecar essa narrativa aplicada ao grupo de sindicalistas é porque a dinâmica aqui exposta é uma regurgitação da narrativa em voga no Brasil há cem anos. O país encontra-se, hoje, sem um contraponto aos descalabros racionais e históricos. Consequentemente, quase todos os partidos políticos existentes no Brasil contemporâneo têm estatutos e quadros que refletem essa ideologia.

     Considerando que essa retórica socialista tenha sido hegemônica em todos os partidos brasileiros e na sociedade em geral desde o século XX, é de se esperar que esse discurso tenha gerado consequências práticas em nossa política econômica e em nosso modelo econômico, certo? Esse impacto de fato existe - e o objetivo deste capítulo é justamente elucidar que vivemos o resultado dessa retórica: temos hoje, no Brasil, uma variante do modelo socialista de economia, que aqui denomino de oligarquismo.

     Através do ativismo político, tenho constatado o quanto esse oligarquismo colaborou para o Estado brasileiro tornar-se um monstro indomável, com governo e burocracia emaranhados com poucas empresas que financiavam todo o esquema político de manutenção de poder. Esse esquema foi potencializado pelos governos socialistas recentes de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e Dilma Rousseff (2011-2016), embora suas origens venham da estrutura de poder que abrange todo o período republicano.

    

     Fonte: Elaborado pelo próprio autor.

     Se o Brasil quiser promover a real ascensão social, enriquecendo seu povo de maneira sustentável, terá de evitar as arapucas políticas que o levam reiteradamente a querer controlar a economia de um lado para distribuir migalhas do outro. Implementar uma economia verdadeiramente liberal é um ideal que parece distante em nosso país. Diante de todas essas dificuldades, é preciso lembrar que essa mudança não vai demandar um salto no desconhecido, mas sim, a retirada de um tapa-olhos nacional.

     Décadas de comportamento político imposto pelos meios de ensino e comunicação nos convenceram a vilanizar o capitalismo e seus agentes e confiar na ação paternalista de um Estado, que se coloca como o único meio de redução das desigualdades de renda e da pobreza. "Capital agindo contra o povo e o Estado agindo contra o capital" se tornou a visão-padrão formadora do discurso da ideologia que leva ao comunismo.

     A opção que ficou fora dessa dicotomia é de um mercado livre de intervenções tributárias e regulamentares excessivas, e livre da ação predatória de oligarquias políticas e econômicas. Essa é a forma mais segura de garantir produtos e serviços de qualidade a preços acessíveis ao consumidor. Tal opção é também a forma mais saudável de proteger os trabalhadores com um mercado de trabalho diversificado, amplo e dinâmico.

     Esse sistema proposto pelo liberalismo econômico não é imune a oscilações e crises; certamente, não o é e nunca o foi. Mas já está comprovada a tragédia maior das alternativas que tentam controlar as forças de mercado e subjugar as forças políticas.

     Acontece que o Brasil tem caminhado na contramão desse ideal há quase cem anos. O país encontra-se hoje sem um contraponto racional e bem divulgado às falácias socialistas. Consequentemente, nenhum dos partidos existentes no espectro político nacional têm estatutos e quadros que refletem essa a retórica liberal - e isso inclui tanto as legendas ditas de direita como as consideradas de centro.

     Como não houve argumentação política contra o poder do Estado durante todo esse tempo, vivemos, hoje, com uma estrutura de Estado e de modelo econômico o resultado dessa carência. Temos uma variante do modelo socialista de economia, que aqui denomino de oligarquismo.

     Para compreender esse arranjo de Estado, temos que rever quais influências foram mais marcantes no Brasil desde sua primeira Constituição, em 1824, até hoje. Podemos estabelecer o momento de nascimento jurídico e efetivo do Brasil como nação naquele ano, pois foi somente com a primeira Carta, elaborada exclusivamente por um Conselho de Estado brasileiro, que se teve pela primeira vez uma visão nacional para ordenar aquilo que seria o Império do Brasil.

     A primeira Constituição brasileira abraçava nitidamente os preceitos liberais políticos vigentes na época. Ela previa a separação e a limitação dos poderes, as eleições democráticas, o governo de leis e os princípios traçados por John Locke (* 1632 - f 1704), um dos ideólogos do liberalismo, como os direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade.

     Essa primeira Constituição foi a que mais durou, vigorando de 1824 até 1889. Os princípios e ideais liberais também permeiam a criação da primeira Constituição da República, em 1891. Igualmente influenciada por princípios políticos e econômicos liberais, essa primeira Carta republicana foi a segunda Constituição mais longeva da história do Brasil. Vigorou de 1891 até 1930, até ser abolida com o início da ditadura de Getúlio Vargas.

     De 1824 até 1930 - ou seja, durante 106 anos -, o Brasil foi uma nação de política e economia liberais, com um mercado aberto desregulamentado, Estado de Direito não intervencionista e, consequentemente, pequeno, custando somente o equivalente a 13% do produto interno bruto (PIB) em tributos. O direito à propriedade era pleno e inviolável, e o acúmulo de riqueza não era visto como um problema a ser controlado ou tributado pelo Estado.

     Em 1930, forças que trabalhavam nas sombras havia algum tempo surgem para mudar as regras vigentes. Na conjuntura internacional, a Revolução Russa de 1917 introduziu o mundo ao modelo comunista, firmemente calcado no coletivismo e no qual o Estado detém toda a propriedade. No Brasil, os tenentes do Exército brasileiro começaram uma revolta em 1922. O movimento Tenentista visava ao reconhecimento político e a melhores condições de trabalho para o Exército profissional. Mas boa parte dos tenentes brasileiros eram influenciados pelas ideias comunistas recém-lançadas ao mundo.

     Outro fator importante na época era a exclusão política causada pela oligarquia agropecuária que se instaurara no poder desde 1891. Os proprietários rurais limitaram a renovação e a inclusão política de novos setores da sociedade, notadamente banqueiros, comerciantes e militares. Esses grupos importantes para a economia mas excluídos do espectro de influência política formaram uma nova oligarquia voltada a destituir a oligarquia agropecuária.

     Quando a ditadura getulista surge, em 1930, essa nova oligarquia se apresenta como patrocinadora. Outros segmentos da sociedade brasileira tacitamente aprovavam Vargas ao enxergá-lo como um salvador do Brasil contra a ascensão do comunismo. Ironicamente, Vargas trouxe consigo as ideias favoráveis a um Estado intervencionista que começavam a dominar o mundo na época.

     Vargas extingue a primeira República brasileira e convoca uma Assembleia Constituinte para a criação de uma nova Carta. O ponto fundamental para entender a história do Estado brasileiro é o momento em que, para compor essa constituinte, Vargas permite que segmentos fortemente influenciados por ideais socialistas, fascistas e por visões comunistas de Estado influenciassem na criação da nova Constituição.

     O resultado foi a Constituição de 1934, que marca o fim do liberalismo no Brasil e o início do ciclo de centralizações e inchaços da máquina estatal que dura até hoje. Influenciada fortemente pelos sindicatos, a constituinte inclui novos direitos trabalhistas, nacionaliza bancos, seguradoras e todo o subsolo nacional, limitando o direito à propriedade individual. As novas leis possibilitam a criação de diversas estatais e de monopólios. A economia passa a ter controle de preços, protecionismo e forte regulamentação em quase todos os setores. Além disso, várias tarefas sociais passam a ser dever e função do Estado central. Todos esses novos direitos geram necessidades orçamentárias e a tributação aumenta, passando a representar 15% do PIB entre 1930 e 1946. E ela só não aumentou mais porque o sistema de coleta de impostos ainda estava se desenvolvendo.

     Em 1937, Vargas promulga uma nova Constituição para eliminar por completo as liberdades políticas e se perpetuar no poder. Aquela Carta durou mais nove anos, chegando até o final da chamada Era Vargas. Já em 1946, surgem forças populistas e o Brasil se vê compelido a, mais uma vez, fazer uma nova Constituição - a terceira da República.

     À época da elaboração da Constituição de 1946, o mundo ocidental testemunhava o fim do fascismo e do nazismo, e a vitória do capitalismo keynesiano e do comunismo. Uma Guerra Fria se estabelecia entre os lados vitoriosos da Segunda Guerra Mundial, representados pela União Soviética e suas nações-satélites e pelos Estados Unidos e sua esfera de influência no Ocidente. A Constituição de 1946 nasce dessa esquizofrenia de ideias que dividiam o mundo, mantendo os artigos que possibilitavam uma alta intervenção na sociedade e que já estavam presentes na carta de 1934 (a que teve mais curta duração na história brasileira) e acrescentando algumas novas vertentes keynesianas de intervenção na economia. Em paralelo, o documento mantinha uma organização federalista, que não conseguiu se materializar plenamente pois o planejamento central da economia e o nível de intervenção do governo da União nos estados membros era muito alto. Dessa ambiguidade ideológica do Estado brasileiro, inicia-se o período na história do Brasil chamado de Populismo.

     Nesse período, o que ocorre é uma sucessão de presidentes que buscavam popularidade por meio de programas de Estado. Eles usavam o poder Executivo como veículo de intervenção do Estado na sociedade e na economia com programas insustentáveis e descabidos. Observe-se ainda que, apesar de ter o propósito de criar um Estado descentralizado, os artigos constitucionais de viés socialista municiavam o poder Executivo central, mantendo-o forte e com poucos limites.

     Uma vez que o poder Executivo era a força política dominante e o quadro político era constituído por uma miríade de tendências, uma competição extrema pelo poder Executivo se sucedeu. A cada eleição, a nação se redefinia inteiramente. O único ponto de estabilidade entre um governo e outro era o Estado, que só crescia, tornando-se cada vez mais onipresente e oneroso.

     Essa falta de rumo institucional e o poder centralizado e concentrado no Executivo causaram instabilidades políticas. Diversas maneiras ilícitas de financiamento de campanha foram utilizadas, pois o poder em questão valia o risco. O Estado era utilizado como uma máquina eleitoreira, não como um garantidor dos interesses do povo. A consequência inevitável desse processo era um descontrole cada vez maior de gastos, o que produzia inflação e criava a necessidade de aumentar a arrecadação. Os impostos passaram a engolir, em média, 17% do PIB.

     Tal instabilidade do período populista culminou no confronto de ideias de Estado em 1964, quando o vice-presidente João Goulart, sucessor do populista Jânio Quadros, passa a postular, no auge da Guerra Fria, ideias comunistas para agradar suas bases políticas e evitar os rigores impopulares de ter de cortar custos do Estado. Goulart tenta passar o que ele chamava de reformas de base: medidas de desapropriação de terras e de propriedades urbanas, aumento de impostos e confisco de interesses multinacionais.

     Apesar de o Estado brasileiro de 1964 já ser, na época, uma instituição interventora, com várias estatais, monopólios e regulamentações protecionistas e de controle central da economia muito além do modelo capitalista keynesiano, a propriedade privada ainda persistia, mesmo que num âmbito mais limitado. As medidas de Goulart, no entanto, entornariam o caldo e passariam a definir o Brasil como um país comunista, de propriedade coletivizada.

     Isso desagradou a vários setores da sociedade brasileira, que passaram a defender a tomada do poder central por uma junta militar. Em 1964, isso se materializa; Jango foge do país e o Congresso determina vago o cargo de presidente. Quem assume é o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. E, logo em seguida, Castello Branco veste a faixa presidencial e uma junta militar passa a administrar por decreto.

     Finalmente, em 1967, é criada uma nova Constituição para legitimar o controle militar e evitar a ascensão comunista na política brasileira.

     Curiosamente, o regime militar que vigorou entre 1964 e 1985 não quebrou o ciclo intervencionista. Pelo contrário; aquele foi um período de grande intervenção do Estado na economia e na sociedade. O protecionismo, o número de controles regulamentares sobre a propriedade, o controle de preços, a criação de novos monopólios e de empresas estatais se multiplicaram exponencialmente, mais do que em qualquer outro período da história do Brasil. A nova dimensão agigantada do Estado se fez visível na tributação, que passou a abocanhar 27% do PIB nacional.

     Ao final do regime militar, em 1985, o Brasil se apresentava ao mundo como uma economia atrasada, planejada centralmente, estatizada, protecionista, pouco competitiva e altamente regulada. Naquela época, muitos eram os paralelos entre nosso país e as nações do Leste Europeu, que viviam sob ditaduras comunistas.

     Espantosamente, diversos setores acadêmicos, jornalísticos e filantrópicos de então consideravam que o Brasil durante o regime militar havia sido um país controlado por um "capitalismo de Estado" ou mesmo por um "capitalismo keynesiano". Mas os paralelos com os países do leste europeu eram fortes demais para que o Brasil pudesse sequer ser chamado de capitalista. Se fosse capitalista, seria o capitalismo mais regulamentado que já existiu. Mais até do que o sistema que vigorou na Itália fascista, mais estatizado e protecionista do que a Alemanha nazista.

     O Brasil de 1985 era muito mais parecido com um típico país controlado por uma ditadura socialista do que com qualquer variedade de país capitalista. A narrativa da esquerda da época impregnou no consciente coletivo do brasileiro com a máxima de que os militares eram de direita e que eram capitalistas. E essa mesma narrativa é mantida até hoje.

     Quando o regime militar se encerra no Brasil, os ventos do liberalismo econômico já sopravam forte no Ocidente. Com aquela nova onda de liberalismo econômico, voltaram à pauta econômica global ideias como desregulamentação, abertura de mercados, baixa tributação, mais competição, extinção de monopólios e privatização. Essas ideias, entretanto, não são aplicáveis num ambiente político totalitário e centralmente dirigido. Os militares brasileiros conviviam com a mesma exaustão do sistema estatal que se observava nos países do leste europeu, com alta inflação, sucateamento de indústrias e descontrole orçamentário.

    

     Fonte: Elaborado pelo próprio autor.

     Em 1985, a transição de poder do regime militar para um governo civil ocorre de modo tranquilo e fica evidente a necessidade de uma nova Constituição, que àquela altura já seria a sexta da República. Por infelicidade do momento histórico, o ciclo de ideias socialistas e de sistemas comunistas inspirados na Rússia e no leste europeu ainda estava muito vivo quando uma nova constituinte foi convocada para fazer a sexta Carta Magna do Brasil. Por esse motivo, a nova Constituição do país, promulgada em 1988, seguia o ciclo de constituições estatizantes e socialistas que fora iniciado com a Constituição de 1934.

     A nova Constituição de 1988 contém artigos que representam todo o acúmulo de anseios por um sistema mais participativo que foram sufocados pelo regime militar, mas também traz consigo artigos que auferem direitos sociais excessivos, muito além das cláusulas utópicas contidas nas constituições de 1934 e de 1946. Mas o ponto que tornou a Constituição de 1988 a mais interventora entre todas as outras que já vigoraram na história do Brasil e que a colocou na contramão dos eventos históricos é o fato de que ela sepultou qualquer possibilidade de liberalismo econômico no Brasil.

     Isso porque os direitos universais à vida, à liberdade e à propriedade são sistematicamente limitados por vários artigos, quando deveriam ser ilimitados, segundo os preceitos do liberalismo político e econômico. O fato de tornar o direito à propriedade privada violável pelo Estado quando este assim desejar eliminou o último direito universal do indivíduo que ainda sobrevivia no Brasil e que criava alguma barreira à criação de um Estado totalitário.

     Nas constituições de Estados de direito modernos, nenhuma lei é criada para limitar direitos à vida, à liberdade e à propriedade. Já a Constituição do Brasil de 1988 e em voga até hoje permite a total desvirtuação desses princípios quando os sujeita aos limites impostos por emendas constitucionais coletivistas e leis complementares.

     Caso nossa Constituinte de 1987 tivesse esperado mais um ou dois anos até a queda do muro de Berlim, em 1989, vários artigos que viabilizam a forte intervenção do Estado na sociedade e na economia certamente não constariam na "Constituição Cidadã" de 1988. Ironicamente, a extinção do direito à propriedade plena era o ponto que viabilizaria a agenda comunista de João Goulart e que causou forte reação popular em 1964.

     Na nova Carta Magna de 1988, no entanto, os artigos que tornam a propriedade privada violável aparecem em todo o seu esplendor, sem nenhum alarde ou comoção popular contrária. A razão mais plausível para isso é a falta de divulgação qualificada e a ignorância coletiva da sociedade civil em relação à importância de uma Constituição.

     Mas, depois de 1988, o Brasil embarcou em campanhas liberalizantes da economia, correto? Sim, mas sem grande convicção e na contramão da Constituição. Vejamos: Por uma questão de coerência política com a onda de liberalismo econômico que reconquistava a Europa e os Estados Unidos no final do século XX e por força da caótica situação econômica em que o país se encontrava após ter estatizado a economia durante o regime militar, os governos de Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992- 1995) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) viram-se forçados a se alinhar com as ideias do liberalismo econômico de abertura de mercado, redução do protecionismo, privatização e desregulamentação.

     A transição para uma economia de mercado não foi fácil para nenhum país socialista do Leste Europeu. Para o Brasil, esse processo também não foi um mar de rosas. Enquanto alguns países ex-comunistas aceleravam suas desregulamentações e privatizações, o Brasil optava por processos graduais de redução do campo de atuação do Estado. Políticos de esquerda usavam alegações nacionalistas para limitarem as privatizações. Muitas vezes, esse nacionalismo apenas escondia os ideais socialistas que perderam fôlego durante os anos 1990.

     Por esse motivo, os ajustes na economia brasileira durante aquele período foram brandos e cunhou-se o termo "década perdida". Muito porque a velocidade de reforma econômica, limitada em boa parte pela Constituição de 1988, não estava atingindo os resultados em tempo político hábil.

     Somado à lentidão e à falta de profundidade de reformas no sistema brasileiro, o liberalismo econômico no mundo ocidental estava para sofrer um baque.

     Em 2002, nos Estados Unidos, o governo de George W. Bush (2001-2008) optou por intervir na economia contra os ajustes naturais de mercado produzidos pelas crises da bolha das ações de tecnologia e dos atentados terroristas de 2001. As medidas de Bush abalaram os países do Ocidente que abraçavam conceitos liberais - como o de não intervir em crises - e todos passaram em um momento ou outro a seguir o exemplo dos Estados Unidos.

     No mesmo período, no Brasil, os ajustes iniciados nos anos 1990 se encontravam estagnados. Várias empresas ainda permaneciam sob controle do Estado e a regulamentação e a tributação ainda eram altas. O Brasil não chegou a tornar-se uma economia de livre mercado e permanecia uma economia dirigida e estatizada, ainda que com uma máquina estatal levemente mais enxuta.

     Em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva assume como presidente da República com um programa de poder e de Estado na contramão dos ajustes ainda necessários para implementar o liberalismo econômico no país. A vitória de Lula encerra nosso já paquidérmico processo de modernização. De modo similar ao que fizeram tantos presidentes populistas do século XX, Lula usa a máquina do Estado para promover um bem-estar econômico maquiado e insustentável com o propósito de conquistar poder político. Mais tributos, regulamentações e novas empresas estatais são criadas.

     A digitalização da Receita Federal aumentou a arrecadação e limitou qualquer tentativa de se desvencilhar da carga fiscal crescente. Todas as leis tributárias do país, se impressas, produziriam um livro de inacreditáveis 6 toneladas. O Estado brasileiro, que no ano 2000 custava menos de R$ 500 bilhões em tributos (em valores correspondentes a 2015), passou a custar mais de R$ 1,4 trilhão no final de 2014. Sim, o Estado brasileiro aumentou em três vezes sua arrecadação de impostos nos primeiros quinze anos do século XXI e em 2015 se apresentou financeiramente quebrado e incapaz de atender às demandas mais básicas da sociedade.

     A conclusão é que o Brasil viu, desde sua primeira Constituição, várias adições de direitos individuais postulados como função permanente do Estado. À exceção de duas constituições ditatoriais (a de 1937, que legitimava Vargas como ditador; e a de 1967, que legitimava a permanência dos militares no poder), os direitos individuais e políticos assegurados só aumentaram. Com o aumento de "direitos" que o Estado deveria garantir, aumentaram-se os impostos, as regulamentações e a burocracia.

     Esse é um ponto crítico na compreensão do motivo pelo qual as constituições brasileiras desde 1934 criaram uma cultura de Estado que antes não existia. Também é um ponto crucial para o entendimento de como o Estado brasileiro, que custava aos contribuintes 13% do PIB durante o Império e até a Primeira República em 1930, passa a custar 35% do PIB em 2015 e mesmo assim não é capaz de honrar suas obrigações constitucionais.

     Contada do ponto de vista da evolução de ideias, a história do Brasil é muito clara e simples: o país nasceu em 1824 com uma Constituição liberal e os princípios de Estado passivo, limitado, de economia livre e que tributava pouco permaneceram presentes até 1930. Em 1934, uma nova Constituição de viés socialista iniciou um ciclo de aumento contínuo do poder do Estado, que criou para si deveres intervencionistas na sociedade e na economia. As constituições subsequentes de 1946 e de 1988 só adicionaram mais legislação a favor do Estado e contra o liberalismo político e econômico, dando legitimidade legal à criação de um Estado totalitário e interventor na economia fechada que temos hoje no Brasil.