Índice Superior Vai para o próximo: Capítulo 7
Arquivos de Impressão: Capítulo 6 em Tamanho A4, Capítulo 6 em Tamanho A5.
A urgente necessidade de redefinição do modelo econômico brasileiro
Após analisarmos o percurso histórico que nos trouxe até aqui, só nos falta avaliar os atributos do sistema brasileiro atual. O Brasil das últimas décadas se caracteriza claramente como uma variante do modelo econômico socialista - ou, talvez, devêssemos usar o termo economia oligarquista. Seja qual for a semântica, ela irá definir um conjunto de fatos, direcionamentos econômicos e ideologias políticas que, cada qual a seu modo, construíram a realidade brasileira contemporânea:
1. Monopólios estatais - Em 1934, a Constituição nacionalizava o subsolo, as fontes hídricas, as seguradoras, os bancos e vários outros segmentos. Alguns setores foram privatizados em diferentes momentos desde então, mas houve também ondas de nacionalizações e criações de novas estatais, especialmente durante o período do regime militar, de 1964 até 1985. Em 2015, o Brasil detém o maior número de monopólios estatais dentre as maiores economias do mundo Ocidental. Esses monopólios distorcem toda a cadeia produtiva nacional: a inflação, o emprego e o custo de bens e serviços oferecidos ao povo. E, o que é igualmente danoso, distorcem todas as decisões estratégicas do governo.
Fonte: Ministério do Planejamento do Brasil e respectivo de cada país.
2. Bancos estatais - Essa categoria é colocada em separado, pois os bancos estatais, como o BNDES, detêm o controle passivo de várias grandes empresas brasileiras. Também por meio do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, o governo controla boa parte das linhas de crédito de pequenas e médias empresas, assim como de boa parte da população. Em 2015, os bancos estatais representaram 41% do total de ativos de todos os bancos no sistema brasileiro.
3. Tributação concentrada - Atualmente, 70% de todos os tributos coletados em qualquer região são enviados para o poder central do Estado brasileiro. O pouco que resta é separado entre estados e municípios. Isso dá um poder econômico desproporcional à Federação. Via de regra, o total em tributos da somatória de todos os municípios deveria ser maior do que as agregações superiores, mas no Brasil essa pirâmide é invertida.
Na verdade, ela sempre foi assim, pois nunca alteramos a nossa pirâmide tributária desde a época do Brasil Império, quando nosso Estado era unitário, com províncias meramente administrativas. Esse ponto demonstra a falência das tentativas federativas ao longo de nossa história. Veja abaixo a distribuição tributária do século XIX até início do século XX:
4. Carga tributária - A tributação, como percentual do PIB brasileiro, só aumentou, denotando uma interferência crescente e irrestrita do Estado na economia, bem como a incapacidade de gerir recursos. Atualmente, estamos no limite, já que os recursos que o governo suga da economia não geram resultados e os contribuintes precisam pagar duas vezes para obter serviços que o Estado se propõe a fazer, mas não faz.
FONTE: Gama (1823), Carreira (1889), Cavalcanti (1890) e Ipeadata (2013). *NOTA: Valores em Contos de Réis. **NOTA: Valores interpolados.
5. Controle de preços - Como efeito perverso da existência de estatais, temos o controle de preços, que distorce dados de inflação. Em períodos de inflação e de demanda alta, o governo não reajusta preços de serviços oferecidos por estatais para manter sob controle os efeitos de repasse na economia. Em períodos de economia aquecida, reajustes são possíveis e as estatais repassam preços de seus serviços, gerando uma base inflacionária para a cadeia produtiva. Em um mercado livre, o ajuste de preços não é controlado pelo governo, mas sim pela demanda de mercado e, por isso, frequentemente vemos distorções de como o mundo precifica commodities como petróleo e como essa flutuação no mercado mundial não tem nada a ver com a flutuação de preços dessas mesmas commodities no Brasil. Esse controle de preços é um desincentivo a investimentos no setor, pois os investidores sabem que a sinalização de rentabilidade que o preço oferece não é clara.
Fontes: IBGE/ Conta Nacional e Ministério da Fazenda
6. Direito à propriedade - Artigos da Constituição e tributos sobre a propriedade como o registro de posse, controle e venda tornam a propriedade no Brasil violável.
Isso faz com que agências internacionais avaliem o Brasil como um país de risco para investidores, pois não há garantias plenas para a propriedade.
Fonte: Elaborado pelo próprio autor.
7. Regulamentação trabalhista - A Constituição de 1934 introduziu no Brasil os mal denominados "direitos trabalhistas", que nada mais eram do que impostos adicionais na folha de pagamento do empregador e do empregado para criar um sistema previdenciário nacional. Esse sistema cresceu e se aprimorou ao longo do século XX, assumindo proporções gigantescas na Constituição de 1988. Convém pontuar que, em todo o mundo, não há registro de sistema previdenciário nacional que tenha funcionado adequadamente. Então, por que mantê-lo? Alguns países mais avançados não permitem que esses sistemas sejam implementados no nível nacional, mas apenas que um estado ou província crie sua própria previdência local. Dessa forma, trabalhadores podem optar por viver em um estado que não tenha sistema previdenciário obrigatório ou mesmo leis trabalhistas.
Fonte: Freedom Index, Heritage Foundation/ Wall Street Journal, 2016
8. Sistema previdenciário nacional - É uma característica fulcral de uma agenda socialista de controle estatal da economia e da sociedade. O Estado que opera um sistema previdenciário nacional é forçado a fazer engenharia social e econômica para equilibrar as contas previdenciárias e evitar rombos. Constantemente, o Estado se desgasta com a sociedade ao tentar achar a equação "justa" de idade média para aposentadoria e valor de retirada. Na verdade, não há equação justa e o Estado comete excessos em períodos eleitorais, que geram rombos crescentes. Atualmente no Brasil, a demanda da Previdência nacional corresponde a mais de 35% da arrecadação de impostos federais. Mas há distorções brutais na distribuição de pagamentos de pensões. Via de regra, o funcionalismo público detém privilégios dessas distribuições, enquanto o trabalhador contribuinte aposentado que nunca atuou na máquina pública é penalizado. Como já mencionado, o sistema obrigatório de Previdência e as leis trabalhistas são um ônus ao trabalhador e não uma rede de proteção. Ao eliminar o conteúdo emocional dessa avaliação, o leitor terá mais clareza das conclusões.
9. Programas sociais - Tais programas, num autêntico Estado de direito, não são muito populares, ao passo que em modelos socialistas são a norma. Do ponto de vista de um Estado descentralizado, são um custo, muitas vezes, desnecessário. Os programas sociais, do ponto de vista de um regime centralizado, são uma tentativa de engenharia social. Isso porque Estados socialistas com sociedade e economia planejadas são dependentes da centralização de poder jurídico e da arrecadação de impostos. Para justificar essa concentração, criam "causas nacionais", rapidamente traduzidas em programas sociais. Esses programas são uma tentativa muitas vezes insustentável de elevar as condições de vida de algum segmento percebido como desamparado ou "vitimizado" pela economia de mercado. Estados de direito, por outro lado, com sistema tributário descentralizado e com o grosso dos recursos arrecadados sendo administrado localmente, por estados ou municípios, podem fazer muito mais pelos mais carentes do que qualquer programa social nacional. Muitas vezes, empresas e associações não governamentais locais já mitigam necessidades de intervenções do poder público. Em um Estado descentralizado, o legislador e administrador local, dotado de recursos gerados localmente, sabe o risco de promover programas sociais em sua cidade porque os mesmos atraem mais causadores do problema, o que acarreta na perpetuação do mal. Em Estados de direito descentralizados, o foco está em prover qualidade de vida para os cidadãos de sua cidade e a justa alocação de recursos para que isso seja possível e sustentável.
10. Protecionismo - Com um sistema tributário extremamente oneroso da economia interna, o governo viu-se compelido a adotar medidas para proteger os geradores de impostos, criando barreiras igualmente altas no comércio externo. Em outras palavras: encarece o produto importado para proteger a economia interna. Esse tipo de medida causa atrasos evolutivos e garante ao consumidor produtos caros. Durante o regime militar, quando a substituição de importação foi iniciada para promover a indústria nacional, tudo passou a ser feito no Brasil. Com a derrocada do muro de Berlim e a abertura econômica testemunhada pela maioria dos países, o Brasil se abriu um pouco para o mercado externo, mas não reduziu suas cotas de importação. A extrema distorção de preços que isso causa tem efeitos negativos até hoje.
Uma tabela comparando as variantes dos sistemas capitalistas com as variantes dos sistemas socialistas deixa claro para que lado do pêndulo nós estamos nesse momento:
Fonte: Elaborado pelo próprio autor.
Se analisarmos os pontos mencionados acima e compará-los a dados que encontramos nos diversos modelos econômicos citados, vemos que o Brasil precisa de uma redefinição. O Brasil de 2016 se enquadra perfeitamente na definição de um sistema socialista de economia centralmente planejada, com muito controle sobre os mercados e os meios de produção. Diz o cientista político norte-americano Steven Brams, do Departamento de Política da Universidade de Nova York:
O Brasil foi sendo transformado por dentro, as estruturas do Estado foram sendo modificadas de forma lenta e gradual. Hoje, praticamente o Estado se encontra totalmente pavimentado e pronto para assumir um papel político totalmente voltado para o socialismo.4
Brams aponta parte da responsabilidade para Fernando Henrique Cardoso, ironicamente definido pelas esquerdas como "neoliberal". Diz o cientista político:
Muitas das transformações foram implementadas nos governos FHC. O ex-presidente tentou introduzir um modelo político bem próximo do socialismo adotado na França, com mudanças radicais que permitiram a edificação dos pilares marxistas. Foram criados diversos sindicatos, financiamentos de grupos de esquerda, ONGs e políticas sociais que fortaleceram o socialismo. O sistema político e a estrutura econômica também foram modificados com a criação de uma carga tributária muito pesada, que serviria para sustentar os programas sociais. Desta forma, houve uma forte concentração da renda gerada no país nas mãos do governo. Há também o controle do Estado sobre a sociedade com a adoção de leis, normas e regimentos. Um exemplo foram as centenas de agências de controle e regulação sobre diversos setores do Estado.5
Muitos historiadores e economistas de esquerda discordariam dessas afirmações. Alegariam que não estamos nem próximos de um modelo socialista porque não temos 100% dos meios de produção nas mãos do Estado. Sim; talvez, ainda não. Por isso, esses "intelectuais" definem nosso país como um "capitalismo de Estado", "capitalismo social", "capitalismo de coronéis" ou "capitalismo keynesiano". Já os liberais, por sua vez, não podem aceitar nenhuma variante do termo "capitalismo" que esses historiadores usam para definir nosso sistema, pois, como vimos, capitalista o nosso país claramente não é.
Sendo assim, é necessário definir um novo termo que represente nosso sistema econômico. Um sistema definido pela divisão de poder político e econômico nas mãos de oligarquias mutuamente dependentes. Um sistema no qual essas oligarquias controlam o Estado e fazem de tudo para que o Estado controle a economia e a sociedade. Utilizam-se da retórica socialista como meio de preservar o controle, pois o discurso dos heróis (Estado) e vilões (capital) encanta o imaginário coletivo, criando mitologias que eliminam do diálogo os liberais, que seriam um justo contraponto a essa lógica.
Gosto do termo "oligarquismo" para definir nosso modelo econômico. Esta expressão, embora dura, resume um problema histórico de estrutura política e econômica que temos de combater e encerra o debate sobre termos um modelo capitalista ou socialista.
Sei que não passa de uma tentativa retórica de redefinir socialismo. Mas, para fazer progredir o debate político, serei um dos primeiros a usá-lo. A verdade é que o sistema econômico interventor que o Brasil tem desenvolvido de 1934 até os dias de hoje é o grande culpado por nosso atraso econômico. Nunca houve chances para maturar em nossas terras um sistema capitalista de verdade, que cria mais oportunidades por meio da livre competição dos agentes econômicos, maximiza benefícios para o consumidor e permite a oferta de produtos e serviços cada vez melhores e mais baratos.
Associado a isso, temos um sistema de governo que concentra poderes e centraliza cada vez mais as decisões. Poucos se beneficiam desse arranjo, a não ser aqueles que detêm o poder, os que estão próximos ao poder ou ainda os que pretendem criar um poder totalitário Brasil. Em seu interesse de maximizar o lucro, fomentam controles de mercado que lentamente matam a livre iniciativa e a competição, deixando somente grandes empresários oligarcas e o governo como criadores de emprego e das poucas oportunidades.
Os grandes grupos econômicos desejam a competição capitalista tanto quanto populistas desejam compartilhar poder num Estado de direito. Ou seja, nunca. Por esse motivo, os interesses desses dois grupos estão quase sempre alinhados e, quando há um Estado oligárquico ou populista, o resultado é um sistema controlado centralmente, nos moldes de uma economia socialista.
Fonte: Elaborado pelo próprio autor.
Uma economia capitalista nos moldes do liberalismo econômico passa por ajustes de preços e expectativas econômicas periodicamente, o que pode causar desemprego e certa instabilidade e insegurança social por um determinado período. O keynesianismo surgiu como opção para manter a base capitalista, mas permitiu intervenções do Estado nos períodos em que esses ajustes de mercado causam desemprego. Por outro lado, os custos de manter o pleno emprego eram absorvidos pelo Estado, o que mais tarde viria a comprometer todo o sistema econômico. Em outras palavras: quando se abandona o liberalismo econômico em favor de qualquer forma de intervenção de Estado na economia, limita-se o ajuste de curto prazo em prol de um risco de colapso no longo prazo. É o equivalente a trocar a gripe de hoje pela pneumonia de amanhã.
Todavia, como vimos anteriormente, até 2017 o Brasil não viveu os efeitos negativos do capitalismo em nenhuma das duas formas descritas acima, pois o Brasil não é um país com o sistema capitalista tal qual definimos nesta obra. O Brasil, até 2017, viveu uma crise do seu sistema interventor de base oligárquica. O que esperar do futuro, caso se mantenha o sistema oligarquista? O resultado para o nosso povo será o que sempre foi, a perpetuação da mediocridade. Todos os nossos índices comparativos com os demais países expõem essa mediocridade.
Perdemos oportunidades globais importantes por ficar de fora da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE. Os países membros têm acesso ao grupo por uma combinação do IDH com a renda per capita.
Fonte: Human Development Report, 2015
Fonte: OCDE Organização para Cooperação Desenvolvimento Econômico
O Brasil é um país vasto, com inúmeras riquezas naturais e humanas. Mas, por causa de consecutivas escolhas de modelos econômicos socialistas feitas desde a década de 1930, não conseguiu até agora transformar a riqueza natural em benefícios para a sociedade. O povo foi sucessivamente excluído da vantagem de viver e trabalhar no Brasil pelas constituições que colocam o Estado à frente de tudo. Como observamos em todos nossos indicadores apresentados nas tabelas que ilustram este capítulo, nosso país é medíocre. Mas o é unicamente em razão das péssimas escolhas de modelos de governo e de modelos econômicos.