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Capítulo 7
O Mito da Ideologia Igualitária


Por que o Brasil é um País Atrasado?
O que fazer para entrarmos de vez no século XXI
Luiz Philippe de Orleans e Bragança
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O Mito da Ideologia Igualitária

     Quem disse que a esquerda defende os pobres e a direita quer a volta da ditadura?

     Esse discurso da esquerda do bem e da direita má impregnou-se em nossa sociedade em razão da experiência traumática que o país teve entre 1964 e 1985. Enquanto as Forças Armadas ocuparam o poder, a militância de esquerda passou a dominar os meios de produção cultural, a imprensa, as universidades, a Igreja Católica e boa parte da elite pensante.

     Difundiu-se, em livros escolares do ensino fundamental, debates acadêmicos, sermões de domingo e discussões em mesas de bar, que o capitalismo só produz opressão, que a direita é antidemocrática e militarista e que cabe à esquerda, por meio do Estado, defender os desfavorecidos.

     Na Romênia, onde a ditadura de esquerda ruiu em 1989 depois de quatro décadas de atrocidades, os clichês inverteram-se. Quem é "de direita" passou a ser visto como defensor do povão. E o esquerdista é o sujeito pró-elite. Assim também em outros territórios que viveram sob o manto totalitarista do comunismo, como Polônia, República Tcheca, Ucrânia, Bósnia e Herzegovina ou Croácia. Entretanto, deve-se pontuar que no mundo ocidental, no mesmo período, a dialética foi oposta.

     Recentemente, no final do século XX e início do XXI, convencionou-se situar a esquerda como o espectro político que se ocupa da redução das desigualdades sociais com criações de programas sociais de Estado e a direita como a defensora das liberdades individuais e do mercado, a favor da redução da participação de Estado na sociedade e na economia. Esta é a lente contemporânea. Mas o conceito de esquerda e direita flutuou bastante desde sua origem, no século XVIII.

     O que se convencionou chamar de pensamento de esquerda impregnou a academia em todo o mundo. Mesmo nos Estados Unidos, cuja origem liberal vimos no capítulo 3, a dominância esquerdista é notável. Levantamento realizado em junho de 2016 constatou que, nos cursos de Ciências Humanas das universidades públicas e privadas do país, para cada um professor conservador, há nada menos que nove docentes de esquerda. Isso porque a chamada esquerda de hoje seduz facilmente e é especialista em ocupar cargos, aparelhar máquinas e se perpetuar no comando, adaptando-se a diferentes governos - enquanto os conservadores são mais fiéis aos seus princípios.

     Para começar a entender como a escolha de um modelo mais à esquerda ou mais à direita pode afetar o bem-estar de um país, é preciso identificar o escopo de possibilidades, desde as mais extremas, e classificá-las. Por muito tempo, cientistas políticos e historiadores usaram os termos "esquerda" e "direita" para delinear esse escopo. Hoje, no entanto, muitos acham que os termos já não são capazes de definir as posições políticas no século XXI.

     Quando os utilizamos, em geral estamos tentando torcer uma realidade complexa para que ela caiba em termos simples que já não dão conta da gama de posições políticas que um governo ou pessoa pode ter.

     O fato, no entanto, é que esses termos ainda são amplamente empregados na retórica política e muitos de nós utilizamos conceitos mal definidos e datados para analisar e compreender o poder político atual.

     Conforme o tempo passa e os contextos mudam, conceitos e palavras precisam ser aposentados ou redefinidos. É isso que acontece hoje com os termos esquerda e direita: eles são anacrônicos, dizem respeito a um contexto histórico que tem pouco a ver com o atual. Foram criados para designar agentes históricos que já não existem ou acabaram descaracterizados em sua essência. É interessante notar que os signos dos termos "esquerda" e "direita" não mudaram, mas as definições do que é "ser de esquerda" e do que é "ser de direita" têm sofrido ajustes significativos ao longo dos séculos.

     A origem dessas designações se dá na Revolução Francesa, no final do século XVIII. Na Assembleia Nacional francesa de então, os que se opunham ao "velho regime" e às suas instituições sentavam-se à esquerda do púlpito central. Os que defendiam as instituições de Estado tradicionais ficavam à direita. O simbolismo da Assembleia Nacional foi tão grande que a posição física que esses grupos ocupavam na sala passou a designar suas posições políticas.

     Acontece que os esquerdistas de então eram pequenos burgueses defendendo ideias liberais burguesas. Hoje, usamos esse termo para quê, exatamente? Alguns o utilizam para falar de qualquer grupo que esteja contra o governo. Outros, para designar líderes teoricamente mais vinculados ao povo, o que pode significar praticamente qualquer coisa. Frequentemente, o termo é usado para grupos extremistas, marxistas e autoritários que fariam os esquerdistas da Assembleia francesa se retirarem do debate.

     O enraizamento do liberalismo político na Inglaterra, a Revolução Francesa, as guerras napoleônicas e a independência dos Estados Unidos contribuíram para gerar mudanças drásticas no Ocidente durante o final do século XVII e por todo o século XIX. As monarquias absolutistas europeias se tornavam monarquias constitucionalistas com poderes limitados, passando a operar sob um Estado de direito, um conceito novo na época. Os mandatários políticos, se eleitos ou nomeados de acordo com uma linha sucessória, deveriam observar as leis promulgadas. Isso se opunha à ideia tradicional de soberania do rei, segundo a qual o regente faria o que julgasse melhor para a nação simplesmente porque ele era a lei.

     Depois da República romana da Antiguidade, a recriação de um modelo republicano sob um Estado de direito nos Estados Unidos em 1787 ofereceu aos vizinhos do Novo Mundo um exemplo moderno. Foi então provado que era possível ter um Estado de direito com chefe de Estado validado por voto popular, sem que este tivesse herança monárquica.

     Diante do exemplo bem-sucedido dos Estados Unidos, uma onda de liberalismo político assolou o Ocidente, fomentando o surgimento de Estados de direito em forma de repúblicas ou monarquias constitucionais, como foi o caso do Brasil.

     O liberalismo político se baseia na limitação das funções do Estado. Enquanto uma monarquia absolutista, um Estado socialista ou fascista preveem que o Estado terá tanto poder quanto necessário e poderá interferir naquilo que julgar pertinente, um Estado liberal é aquele que tem funções bem definidas e, de modo geral, bastante limitadas. Não existe apenas uma forma de liberalismo político - essa é uma ideia complexa que se configurou de vários modos em países distintos. Mas embora não seja tão simples definir o que é liberalismo, é bastante fácil definir o que não é: Estado interferindo na economia e na sociedade e se metendo na vida das famílias por meio de uma crescente e incontrolável burocracia nunca será liberalismo.

     No período da criação do Estado americano, o termo "esquerda" se referia aos preceitos liberais, de soberania popular, de defesa da participação do povo nas decisões políticas, de transparência de tudo que for público e de proteção de alguns direitos do indivíduo por meio de constituições. O posicionamento de "direita" permanecia associado à defesa do Estado, das tradições e das instituições de governo. Esses termos foram usados dessa forma até o final do século XIX.

     A partir do século XX, as teorias do filósofo alemão Karl Marx sobre capital e meios de produção influenciaram diversos países na sua concepção social, econômica e política. O conceito de Estado marxista se expande e ultrapassa os limites dos regimes absolutistas da Europa monárquica do século anterior. Com esse modelo, surgem variantes de regimes totalitários como o comunismo, o socialismo, o nazismo e o fascismo. Essas novidades forçaram a reclassificação dos termos "esquerda" e "direita" e geraram muita confusão.

     Desde a época de Marx até bastante tempo depois da Segunda Guerra Mundial, muitos entendiam que o nazismo e o fascismo seriam regimes "de direita" enquanto o comunismo e o socialismo seriam "de esquerda". Somente no final do século XX, com a queda do Muro de Berlim, essa visão pôde ser reavaliada com isenção. Afinal, aqueles regimes, que floresceram às vésperas da Segunda Guerra Mundial, foram altamente intervencionistas, na sociedade e na economia.

     Apesar de ainda sofrer grande resistência por parte de setores acadêmicos e também da imprensa, o ressurgimento do liberalismo político e econômico nas esferas intelectuais está forçando uma inevitável revisão de conceitos.

    

     Fonte: Elaborado pelo próprio autor.

     Nessa nova redefinição dos termos esquerda e direita no século XXI, liderada na maior parte pelos liberais, vemos que todos os regimes politicamente totalitários que controlavam os meios de produção da economia, ou tentavam controlá-los, devem ser classificados como de esquerda. São eles: comunismo, socialismo, nazismo, fascismo. A reclassificação também incluiria no mesmo bloco os governos militares do Brasil de 1964 a 1985 e os atuais regimes bolivarianos da América Latina. Uma surpresa, não é mesmo? Mas faz todo o sentido. Nessa nova definição, os liberais, muito a contragosto, estão ocupando o espaço semântico da direita.

     Houve, em suma, uma descaracterização conceitual das ideias acerca do que eram direita e esquerda ao longo do tempo. No século XIX, o termo "esquerda" era usado pelos partidários do liberalismo que pediam mais participação popular na política. No século seguinte, a mesma palavra era empregada para designar defensores de Estados marxistas totalitários que almejavam ditaduras do proletariado. De modo geral, no século XX, esquerda passou a representar um Estado marxista totalitário que envolveria a sociedade e a economia em sua teia, enquanto a direita representaria todos os que combatiam esse Estado.

     Acelerando o calendário para o século XXI, constatamos que a maioria dos regimes totalitaristas já desapareceu. Em seu lugar, os países adotaram o Estado de direito e abandonaram os modelos marxistas. Mas nem essa mudança fez com que desistíssemos de usar os termos "esquerda" e "direita", que passaram a se referir ao nível de interferência do Estado na sociedade e na economia. A esquerda manteve sua posição de Estado coletivista e interventor, tal qual no século XX. Mas isso não foi o que ocorreu com a direita.

     Curiosamente, a "direita", que no século XVIII era associada a posições de defesa de instituições tradicionais do Estado, passou, no final do século XX e no início do XXI, a ser associada ao liberalismo político e econômico, à defesa dos direitos e das liberdades individuais e de um modelo de Estado com pouca intervenção nas esferas sociais, econômicas e políticas. O quadro número 29 (parágrafo 7_21), mostra a classificação moderna dos termos esquerda e direita.

     Na representação gráfica vemos a ideia contemporânea dos espectros ideológicos. Esquerda passa a qualificar modelos políticos que defendem estados intervencionistas na sociedade e na economia, centralmente controlados, de preceito coletivista. Por sua vez, direita representa uma visão de Estado com pouca intervenção do governo, mais livre de controles, com administração descentralizada, firmemente calcado em valores meritocráticos do indivíduo.

     Como vimos, as definições mudaram desde a inserção dos conceitos no diálogo político, há quase 250 anos. Essas definições, no entanto, também se tornaram um tanto simplistas e limitadas para explicar certas sutilezas importantes do cenário atual. É necessário explorar uma nova dimensão dos termos.

     Indivíduos optam pelo seu próprio comportamento. Esse comportamento tem um reflexo na sua visão política de arranjo do Estado. Na evolução da teoria política, a onda de democratização global nos últimos 250 anos e a crescente participação de diversos novos grupos na política evidenciaram a necessidade de um novo parâmetro para classificar as posições e crenças de um indivíduo. Um parâmetro mais complexo e menos redutor do que aquele que considere apenas os termos esquerda e direita.

     Uma opção é a divisão dos posicionamentos políticos entre conservador, libertário, progressista e revolucionário. Essas qualificações passaram a ser utilizadas no final do século XX, sobretudo durante o período de Guerra Fria.

     Chamamos de conservador aquele que considera como valores importantes a preservação das tradições, a observância dos comportamentos herdados da família, a religião, o respeito às autoridades e aos símbolos. O conservador aceita as leis naturais como fator estabilizador e criador de harmonia. O conservador é, em suma, resistente a mudanças drásticas na sociedade e na economia e avesso à tomada de risco com os destinos da nação. Rejeita experimentos que possam criar algo desconhecido e instável. Prefere reformar sobre alicerces bem fundamentados do que destruir as bases convencionais e reconstruir do zero.

     O libertário, por sua vez, é aquele que aceita novos conceitos e experiências individuais. É reativo à autoridade e aos símbolos. Abraça mudanças de paradigmas das instituições tradicionais como um avanço. O libertário é um individualista, receoso de abdicar de parte de sua liberdade para uma organização ou a se submeter a preceitos e tabus. Ele reage contra qualquer forma de controle do indivíduo e não se baseia em tradições e em valores herdados para se equilibrar no jogo social.

     Já o progressista acredita na legitimidade das instituições tradicionais, mas deseja modificá-las lentamente para que reflitam uma nova visão, invariavelmente igualitária e coletivista da sociedade. O progressista crê no processo de mudança do pensamento do indivíduo e das instituições para validar essas ideias no coletivo e no Estado. Para ele, difundir os princípios marxistas em igrejas e universidades, na mídia e nos sindicatos é a melhor estratégica para a conquista de corações e mentes.

     O revolucionário, por fim, é reacionário a instituições públicas, tradições e preceitos sociais. Acredita que são utilizados para criação de opressão de classes menos favorecidas. Para que exista igualdade de classes, as instituições devem ser extintas ou modificadas completamente, assim como a sociedade e sua cultura. O revolucionário defende a ampla disseminação do marxismo cultural tal qual o progressista, mas vai muito além em sua sede por poder político.

     As quatro classificações advêm da concatenação dos adjetivos conservador, libertário, progressista e revolucionário ao dimensionamento esquerda e direita, criando quatro categorias distintas de pensamento político. Reflita antes de responder: em qual delas você se enquadraria?

     No quadro número 31 (parágrafo 7_42), pode-se notar a tendência de cada comportamento político.

     Considerando esses comportamentos políticos, como definiríamos o que caracteriza o Brasil? Em breve retrospectiva, pode-se dizer que o comportamento político do Brasil no século XIX era caracterizado pela direita conservadora; no século XX, pela esquerda progressista; no início do século XXI, até as eleições de outubro de 2016, éramos um país dominado pela esquerda revolucionária. Somente agora estamos em busca de uma redefinição. Ou seja, temos um comportamento político de esquerda há quase cem anos.

     Por que é necessário entender esse escopo e essas qualificações? Ora, porque a visão de Estado varia conforme a orientação e o comportamento político dos agentes que estão encarregados de organizar o Estado. Os resultados na concepção e na manutenção das instituições podem variar drasticamente. Infelizmente, para muitas nações, a visão dos agentes organizadores do Estado é diferente da aspiração do povo ou da vocação estratégica da nação.

    

     Fonte: Elaborado pelo próprio autor.

     A definição de que tipo de visão de Estado têm os agentes determina o tipo de força que age nas estruturas que compõem o Estado - as estruturas, como já vimos, são governo e burocracia. Essa força é invisível ao leigo ou ao jurista, mas é muito evidente para o cientista político. É necessário deixar claro que o Estado, tal qual definido no papel, raramente reflete o que de fato é. Isso porque a força política e a estrutura de poder por trás do governo e da burocracia podem alterar a organização do Estado radicalmente.

    

     Fonte: Elaborado pelo próprio autor.

     Em resumo, ao que consta, há um consenso de que a esquerda na contemporaneidade ficou identificada com a luta pela redução das desigualdades e a direita, com a luta pela manutenção das liberdades individuais. A esquerda tem dominado nosso comportamento político desde 1934, quando do advento da primeira Constituição socialista do Brasil. São quase cem anos de domínio do diálogo político e seguramente isso afetou as políticas de governo de Estado desde então. Nesse período o Brasil não avançou, não decolou. Ao contrário, permaneceu na medíocre. Cresceu abaixo da média mundial enquanto países com políticas de governo e de Estado mais liberais contribuíram para boa parte dos grandes avanços da humanidade, assegurando melhor qualidade de vida para seus cidadãos. Entender que temos um comportamento político de esquerda, o que isso significa e como limita nosso real avanço é essencial para criarmos a cultura da excelência de que tanto precisamos.