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Por que acreditamos que só a esquerda tem respostas à pobreza
Em maio de 2016, fui buscar meu carro na concessionária onde fazia revisão. Fui muito bem atendido pelo gerente de serviço e logo iniciamos uma conversa. Apesar da crise, eu estava bem disposto e otimista com as coisas em geral, ao contrário dele. Imaginei se seu pessimismo seria causado pela crise que afetava brutalmente o setor automobilístico. Perguntei como andavam as coisas, me referindo à economia. Para minha surpresa, ele respondeu dizendo que estava infeliz porque o país agora estava entregue aos corruptos.
Naquela época, a presidente Dilma Rousseff tinha acabado de ser afastada do cargo. O triunvirato composto por Michel Temer, Renan Calheiros e Eduardo Cunha - a cúpula do PMDB que assumira o comando da nação - estava longe de ser isento de qualquer esquema de corrupção. Muito pelo contrário. Eram intrinsecamente ligados aos arranjos de poder espúrios. Mesmo assim, fiquei perplexo porque aquelas três autoridades não eram figuras tão conhecidas do povo em geral e o gerente não me parecia um ávido consumidor do noticiário político. Perguntei se ele não via o progresso da Lava Jato e as desarticulações dos esquemas de corrupção aparentemente criados por Lula como fenômenos positivos. Para meu choque, o gerente respondeu que não estava nem aí para isso.
Naquele momento, o meu tom mudou e fui mais a fundo na conversa. Queria entender melhor aquela postura tão "misteriosa" - ao menos sob meu ponto de vista. Ele me falou de como Lula ajudou as classes menos favorecidas, a exemplo de sua própria família, que morava no Nordeste e havia melhorado de padrão graças aos programas sociais do governo petista. Mesmo assim, indaguei se não o incomodava o fato de que Lula supostamente seria o líder do maior esquema de corrupção do mundo, de que a crise que vivíamos seria em parte motivada por esse esquema e de que toda essa benesse social não era sustentável financeiramente. Obtive a mesma resposta em tom displicente, diminuindo a importância da minha pergunta.
"Como é que você pode falar uma coisa dessas?", perguntei, indignado. Ele me dispara, então, discurso igualmente indignado: "Lula combatia os empresários. O que os empresários têm feito para melhorar a vida dos que têm pouco, enquanto eles têm de sobra? O que os ricos têm feito pelos pobres no Brasil? Se não colocar um cara como Lula no poder, tudo fica nas mãos desses empresários e volta a ser como antes".
Futilmente tentei rebater dizendo que, na verdade, precisávamos era de mais empreendedores e empresários gerando cada vez mais empregos e riqueza. Desse modo, a faixa salarial naturalmente subiria, pois haveria competição por mão de obra. Insisti que era bom que os empresários fizessem dinheiro no Brasil, assim a renda poderia circular aqui, gerando novos projetos no país e facilitando para que outros empresários criassem ainda mais oportunidades de negócios e, consequentemente, mais empregos. Prossegui com o meu monólogo afirmando que gostaria de ver ele, o gerente, com vontade de se tornar um empresário também. E concluí pontuando que toda melhoria na qualidade de vida dos brasileiros viria de produtos e serviços criados pelos empreendedores e não pelo governo.
Ao final do meu pequeno discurso, percebi que o gerente me olhava com certa estranheza. Ele gentilmente me explicou quais serviços haviam sido efetuados no meu carro e se despediu. Ficou óbvio que minha retórica calcada na lógica da teoria da "mão invisível" do mercado de Adam Smith não era páreo para as milhares de evocações emocionais da narrativa de Karl Marx que permeiam a psiquê do brasileiro.
No caminho de casa, fiquei pensando no abismo que existia entre a minha visão de mundo e a dos brasileiros que preferem acreditar que empreendedores e empresários são pessoas maldosas interessadas apenas em explorar o trabalhador e os mais pobres. Depois de uma longa reflexão sobre o porquê disso, ficou claro que na minha realidade os princípios do liberalismo econômico não são tão visíveis quanto os princípios de igualdade que a maioria das pessoas adotou. Notei o quanto a narrativa marxista, responsável por essa percepção, é baseada na realidade observável e na predisposição do ser humano de buscar simetria. Em outras palavras, é mais fácil perceber o desemprego, a pobreza e a desigualdade social por serem observáveis diariamente a revelia do fato de convivermos e tolerarmos grande diversidade no nosso meio.
Em contraste, o conceito de liberdade de mercado é baseado no raciocínio e na experiência de como as pessoas se comportam financeiramente, ambos de difícil visualização para a maioria. Para acentuar esse problema, o liberalismo econômico não foi um conceito desenvolvido para "resolver" o problema da pobreza observável diretamente, mas sim para superá-lo por tabela, após ter gerado mais oportunidades de emprego.
Vale lembrar que somente com a experiência de mais de 250 anos de história econômica, desde o final do mercantilismo até hoje, é que podemos concluir que o sistema de livre mercado descrito por Adam Smith foi o melhor modelo para combater a pobreza, mesmo que essa não seja sua "razão de ser" como teoria econômica. Vamos lembrar também que, na prática, nenhum país atinge de fato um livre mercado, pois todos sofrem algum grau de intervenção do governo ou de grupos econômicos monopolísticos. O que podemos dizer é que há países que se aproximam mais de uma economia de livre mercado do que outros e os que mantiveram essa proximidade por mais tempo têm registrado ótimos resultados no combate à pobreza.
Durante todo o século XX, disseminar as constatações de Adam Smith foi a missão de alguns notáveis filósofos que vieram depois dele, como Friedrich August von Hayek, Ludwig von Mises, Murray Rothbard e Milton Friedman. Mas o marxismo também evoluiu como retórica. O linguista, filósofo e cientista cognitivo norte-americano Noam Chomsky, por exemplo, tem inovado na retórica marxista com muita perspicácia desde os anos 1970 até os dias de hoje. De modo semelhante ao fenômeno do oligarquismo no Brasil, Chomsky tem observado como as grandes empresas nos Estados Unidos estão cada vez mais acopladas às agências reguladoras, nomeando dirigentes e criando regulamentações para mitigar competição. Na sua linha de argumentação, no entanto, Chomsky critica o modelo americano, chamando-o de "neoliberal". Ele define "neoliberalismo" como um sistema no qual os ricos e poderosos têm regulamentações e financiamentos favoráveis do governo enquanto os demais operam dentro de leis de oferta e demanda de mercado.
Note o leitor que essa é uma definição próxima daquela que propus para a ideia de oligarquismo. Mas, na minha visão, o fato de um grupo de influência conseguir regular o jogo em seu próprio benefício elimina qualquer possibilidade de existência de um livre mercado. Portanto, não se pode associar o termo liberalismo ou capitalismo ou qualquer variante de um cenário oligárquico. Assim, é absolutamente inapropriada a definição utilizada por Chomsky e repetida à exaustão por intelectuais de esquerda.
Do mesmo modo, um sistema oligárquico não pode ser considerado socialista; talvez, apenas, neossocialista, uma vez que os meios de produção não estão cem por cento nas mãos do Estado - apesar de serem controlados por ele por meio de regulamentações equivalentes àquelas utilizadas num modelo socialista.
Não é por acaso que Chomsky escolhe o termo "neoliberal": seu objetivo com essa escolha lexical é atacar o liberalismo e todas as suas variantes, mesmo que de forma imprecisa. Na sua argumentação, Chomsky tenta estabelecer uma relação de causalidade entre a desigualdade social causada pela concentração dos meios de produção e a instabilidade política que ela pode gerar. Chomsky usa o termo desigualdade social para criar desconforto e um senso de urgência em seus seguidores e para validar mais controles e impostos sobre os mais ricos.
O quadro 45 (parágrafo 10_13) mostra a desigualdade social de acordo com o Coeficiente de Gini, que mede disparidade de renda relativa. Esse índice não mede pobreza, mas a diferença entre ricos e pobres em cada país.
Não é surpresa alguma que no Brasil, assim como nos demais países da América Latina, exista muita desigualdade social. Mas, o fato de os Estados Unidos aparecerem como um país mais comprometido com esse indicador do que nações europeias, Austrália e Japão pode ser uma novidade para o leitor - e é baseado nisso que Chomsky postula sua conclusão mais retumbante.
O intelectual que se tornou uma das vozes mais festejadas pela esquerda postula que desigualdade social causa instabilidade política e é uma ameaça à democracia. Segundo seu pensamento, quando há desigualdade social é necessário "estabilizar" a democracia. E Chomsky diz que, para isso, é necessário limitá-la, a fim de que somente poucos possam exercer o poder político, ou diminuir a desigualdade social. Como limitar a democracia não é um caminho fácil, muito menos popular e prático, o pensador propõe a criação de um Estado assistencialista (Welfare State) como única alternativa para atacar a desigualdade e estabilizar e preservar a lei e a ordem.
Como o leitor pode notar, é uma conclusão similar àquela do gerente da concessionária, que me disse que "se não consertarmos essa tal da desigualdade, isso pode afetar o sistema político". Ou seja, a tarefa de "estabilizar a democracia" do país de economia e sociedade mais livres do mundo, os Estados Unidos, passaria pela criação de um Estado assistencialista que opere sob um modelo econômico próximo do sistema comunista. Chomsky leva seus seguidores a acreditarem que, para combater o oligarquismo na América, a única alternativa é o estabelecimento de um Estado assistencialista.
Tolerar o oligarquismo e implementar um sistema assistencialista é a solução? O fomento de um mercado livre, não regulamentado, não aparece no escopo de opções de marxistas como Chomsky. De fato, seria a opção de menor custo e de menor intrusão na economia e na sociedade para atacar o oligarquismo e a pobreza. Mas, de alguma maneira, para Chomsky, a criação do Welfare State é fundamental, já que, para ele, a concentração de poder econômico é tão inevitável quanto a desigualdade social é fatal para a democracia.
Chomsky talvez ache que a criação de uma economia de livre mercado seja impossível. Talvez não acredite que o livre mercado possa desmontar o poder das oligarquias e combater a pobreza. Se esse for o caso, ele se esquece ou convenientemente negligencia a própria história dos Estados Unidos. Vejamos.
Ao final do século XIX, os Estado Unidos se encontravam em uma situação estrutural pior do que a do Brasil atual. Não havia a crise econômica que vivemos aqui hoje, mas o país era totalmente dominado por oligarquias e havia corrupção em todos níveis de governo. Os oligarcas elegiam prefeitos, deputados, senadores, governadores e até mesmo presidentes da República. A violência política predominava de um jeito que faria o Brasil de hoje parecer o país mais civilizado do mundo.
A partir de 1890, no entanto, uma onda de ativismo político varreu o país com o intuito de resgatá-lo das mãos dos oligarcas. Os ativistas passaram a ocupar cargos públicos e criaram legislação e estruturas para fragmentar o poder das oligarquias políticas e econômicas em todos os níveis. Foram implementados mecanismos de democracia direta, como recall de mandato, referendo popular e leis de iniciativa popular. A sociedade assistiu, então, à queda de monopólios, como o da Standard Oil Rockefeller, em 1911.
Ao final dos anos 1920, importantes reformas já haviam sido feitas e o sucesso econômico dos Estados Unidos no século XX é em grande parte resultado desses ajustes. Fica a dica para os ativistas brasileiros que se levantaram contra corrupção e foram a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016.
Talvez Chomsky, assim como todo marxista, não faça menção àquele período histórico por tratar-se de uma época em que predominaram os movimentos orientados por princípios liberais. Os liberais eram os "progressistas" de então - designação mais tarde sequestrada pelos marxistas, que a redefiniram para seu próprio uso.
Chomsky sabe que, para alcançar o comunismo, é indispensável a concentração de poder político e econômico nas mãos do Estado. Tolerar a concentração que ele critica é um passo no plano de poder marxista. É por isso que ele não ataca diretamente as causas do oligarquismo. Ao contrário, deflete para a luta contra a desigualdade social. Dessa maneira, aproveita-se da concentração dos meios de produção por meio do ressurgimento de oligarquismo nos Estados Unidos, algo que facilitará o controle dos meios de produção pelo Estado num segundo momento.
Independentemente da razão real pela qual Chomsky não abraça o livre mercado como uma alternativa contra a concentração de poder econômico, ele concentra seu argumento na desigualdade social como fator desestabilizador. Mas será que a desigualdade social causa isso mesmo?
A desigualdade social existe de fato, mas afirmo que ela não tem maiores consequências políticas em sistemas com alto índice de liberdade econômica e política. Pense na seguinte falácia: o próprio argumento de Chomsky diz que somente 1% das pessoas mais ricas do mundo detém a maior parte do patrimônio e da renda mundial. Assumindo que isso seja um fato, então por que os cidadãos do mundo aceitam tal "injustiça" por tanto tempo? Por que deixaram que houvesse tamanha concentração e não se rebelaram quando somente 20%, 10% ou 5% da humanidade detinham a maior fatia do patrimônio mundial? Em que ponto o povo vai se rebelar? Quando a concentração atingir meio por cento, talvez?
Na verdade, as pessoas naturalmente toleram e convivem com a diversidade e com a desigualdade sem maiores consequências. É claro que ninguém gosta de ver outro ser humano viver na miséria. Ninguém tem orgulho de ver uma cidade ou um país com muita pobreza. Porém, isso não desestabiliza o convívio da forma como muitos marxistas propõem. Tanto que diversas regiões na África, China, Índia ou mesmo nos Estados Unidos e no Brasil têm disparidades extremas de renda e não apresentam um contexto de instabilidade política.
O que causa descontentamento e instabilidade política não é a desigualdade social, mas sim a falta de acesso aos meios de produção que garantem a ascensão social e o combate à pobreza pelos próprios indivíduos. Em outras palavras, para um indivíduo, enquanto ele puder ter opções e alternativas para sair da pobreza ou para obter ascensão social por meio de seus próprios recursos e trabalho, ele não demandará mudanças políticas.
Essa é uma nuance muito importante de se entender. Não é o fato de existirem alguns poucos bilionários capazes de extravagâncias mil que causa descontentamento político. A causa para tal descontentamento é a falta de oportunidades e liberdades do cidadão comum poder realizar projetos, grandes ou pequenos, para melhorar sua própria qualidade de vida e para ascender socialmente.
Observe o leitor que a liberdade de empreender permite o combate em dois fronts: de um lado, oferece mecanismos para a ascensão social; de outro, reduz a pobreza.
Sob uma perspectiva histórica, podemos argumentar que foi essa limitação de ascensão social que causou frustração aos pequenos proprietários de terra em Atenas antes de Dracon. Foi essa mesma falta de acesso aos meios de produção que travou toda uma classe social na pobreza e deu início à derrocada da República Romana da antiguidade. Foi essa limitação de ascensão e mobilidade social que causou distúrbios sociais e políticos na Europa ao longo de todo o período medieval e renascentista e culminou com o fim do mercantilismo. Igualmente, foi a falta de instrumentos que permitissem a ascensão social que causou o enorme mercado negro durante o comunismo da União Soviética e foi a falta de acesso aos meios de produção que limitou o combate à pobreza e causou o fim do comunismo nos diversos países europeus no final do século XX, mesmo após gerações de pessoas terem nascido no sistema mais assistencialista que já existiu.
Recentemente, vimos a saída do Reino Unido da União Europeia (UE). Sim, apesar de o referendo popular ter sido impactado principalmente por questões de soberania nacional e cultural e pela nova onda migratória de refugiados muçulmanos, houve também um posicionamento firme contra a burocracia da UE. Bruxelas, o centro administrativo do bloco econômico, estabeleceu um cipoal de normas e regulamentações que em nada contribui para o livre comércio. O recado do Reino Unido foi: "Queremos o liberalismo que sempre orientou a nossa história. Queremos livre mercado. Queremos de volta os mecanismos que nos permitem melhorar de vida".
A causa da frustração dos britânicos com o sistema político foi inteiramente comportamental e situada num momento histórico específico, embora a necessidade de liberdade e o desejo por ascensão social sejam comuns a toda a humanidade, em qualquer tempo e lugar.
Permita-me um exemplo. Imagine trabalhadores numa fábrica. Há o dono e os operários. Imagine que todos os trabalhadores recebam o mesmo salário e executem as mesmas tarefas. O dono tem o benefício de todo o lucro, mas é o único que corre o risco de perder os bens pessoais e ficar pendurado em empréstimos bancários caso o negócio venha a quebrar. Todos os trabalhadores, no entanto, são bem remunerados - portanto, não há pobreza.
Há uma enorme desigualdade social, pois somente um possui todos os bens e fica com todo o lucro, enquanto os demais contam apenas com o salário. O convívio é pacífico até que um belo dia um grupo de operários mais qualificados e ambiciosos decide que merece melhorar sua qualidade de vida. O grupo é composto por empregados que economizaram e estudaram muito no seu tempo ocioso e querem ser livres para empreender. Na visão do grupo, o caminho para melhorar de vida é criar uma nova fábrica, na qual o conhecimento acumulado seria aplicado. Assim, esses operários de primeira linha passariam a obter os benefícios diretos de seu próprio trabalho e conhecimento.
Em um contexto de mercado livre e desregulamentado, esse ímpeto natural que qualquer ser humano possui não seria um problema, pois o grupo dissidente teria acesso a diversos meios de produção para materializar suas ambições. Haveria investidores e bancos dispostos a bancá-los, mão de obra de colegas que gostariam de mudar de emprego e encarar o risco de uma nova empresa e fornecedores ávidos por um novo cliente para suas máquinas e materiais de escritório. A distância entre o desejo de empreender e a realização do projeto é tão somente o conhecimento e a capacidade de execução.
Já em uma sociedade oligarquista a coisa não funciona assim. O dono da fábrica tem influência no governo e cria toda sorte de empecilho regulamentar para que o custo de criação de uma empresa rival seja demasiadamente caro e burocrático. Como num sistema oligárquico cada líder de setor convive com outros líderes setoriais, o financiamento da nova empresa é extremamente limitado. Quando a possibilidade de abrir o próprio negócio fica difícil, as oportunidades de ascensão social para os operários ambiciosos são limitadas. Logo, esses trabalhadores compreendem que já que não têm como empreender e permanecer no atual emprego parece uma boa opção.
A ambição por melhorar de vida, entretanto, persiste. Se o oligarca não atender às demandas por maiores salários e mais benefícios, o trabalhador recorre aos sindicatos e ao governo. O governo pode ajudar, criando novos "direitos socais" para o trabalhador, mas isso afugenta o empresário, dado que o custo para empreender torna-se proibitivo. Daí, o poder público acaba equilibrando a situação com alguma outra benesse regulamentar em favor do empresário. Se o governo não ajudar, estará sob o risco de não ser reeleito.
Note que, no oligarquismo, o foco da resolução do problema mudou. Um desafio que poderia ser solucionado unicamente com a capacidade de execução dos novos empreendedores, torna-se agora uma encrenca regulamentar da burocracia e do governo. Por isso a ascensão social é um fator desestabilizador do cenário político. Pode-se argumentar que um bilionário, numa economia de mercado, livre de oligarquismo, não é capaz de limitar a ascensão social de ninguém.
Nessas sociedades, todos têm a chance de executar suas ideias e instrumentos para se tornar um dia grandes empresários, se assim desejarem. A contrapartida é não existir assistencialismo em demasia, pois é exatamente o assistencialismo que cria burocracia e tributação, roubando poder econômico de quem produz e transferindo esse poder para o Estado.
Já numa economia oligarquista como a brasileira, a dinâmica é bem diferente. O jogo é manter o povo contente, alheio ao fato de que suas opções de mobilidade e ascensão social são muito limitadas pela burocracia e pela tributação. Países como o Brasil têm muito assistencialismo e alto nível de tributação e regulamentação. Esse nefasto conjunto de fatores termina por cercear a criação de oportunidades e a ascensão social e causa frequentes instabilidades políticas.
Fonte: Liberty Index, Heritage Foundation/ Wall Street Journal
Gráfico do Liberty Index (Índice de Liberdade) publicado todos os anos pelo Wall Street Journal que determina a liberdade econômica de todos países baseado nas leis trabalhistas, corrupção, direitos de propriedade, liberdade financeira, nível de investimento, política monetária, assistencialismo, equilíbrio fiscal, comércio exterior e facilidade para empreender.
Os quatro quadros a seguir mostram que mesmo não atacando a desigualdade social como um problema primordial, as economias abertas, livres e menos regulamentadas como as dos Estados Unidos, do Canadá, de partes da Europa, do Japão e da Austrália são as mesmas que mais geram desenvolvimento humano, as que sofrem menos com pobreza e, em consequência, são as que apresentam maior estabilidade política.
Chomsky argumenta que num contexto de desigualdade social extrema, o sistema político pode entrar em colapso. Como vimos, isso é mera especulação - portanto, não verificável por experimento. O que se pode afirmar, isso sim, é que uma sociedade livre e politicamente madura, com uma economia de mercado que garante a todos a possibilidade de ascensão social, é capaz de gerar riqueza, reduzir a pobreza e manter um sistema político estável independentemente das medições de desigualdade social.
Fonte: ONU/ Human Development Index, 2015
Frequentemente, o liberalismo é acusado de ignorar aqueles que precisam de assistência. Talvez seja desnecessário pontuar que a ex-premiê britânica Margaret Thatcher pode ser listada entre as conservadoras mais relevantes da história. Pois bem. Em vários discursos, Thatcher reiterou que, sim, é dever do Estado cuidar dos idosos, das crianças e daqueles que, temporariamente - temporariamente, repita-se - estejam incapacitados de arrumar emprego.
Mas não é isso o que o sistema brasileiro criou? De modo algum. Há tantas atribuições auferidas ao Estado brasileiro na Constituição de 1988 que as premissas fundamentais se perderam. Quando cabe ao Estado defender direitos trabalhistas, de moradia, de saúde, de educação, de emprego, de transporte público, de lazer etc., fica difícil cumprir a contento a sua função básica.
Fonte: Liberty Index, Heritage Foundation/ Wall Street Journal
Gráfico do Banco Mundial de 2014 mostrando o número % de pessoas por abaixo do limite mínimo de pobreza de US$ 1,25 de renda per capita por dia.
E o que os governos podem fazer? Governos, por definição, não podem criar nenhum programa permanente, mas podem propor programas temporários com objetivos de solucionar alguma questão que se apresente num momento específico. Por exemplo, treinamento de mão de obra para novas oportunidades para as quais não há gente capacitada no mercado, caso o mercado já não ofereça essa capacitação. No entanto, no caso brasileiro, o desafio de qualquer governo é desarticular o envolvimento do Estado em áreas não condizentes aos princípios básicos do Estado, tais como petróleo, eletricidade, correios, portos, transportes, saúde, educação, trabalho, lazer e bancos.
Fonte: Liberty Index, Heritage Foundation/ Wall Street Journal, 2015
Gráfico mostra a instabilidade política por país em 2015. Sendo as cores vermelho e rosa as áreas mais instáveis e as cinzas e pretas as mais estáveis.
Nós, brasileiros, acreditamos na falsa narrativa de que é preciso criar um Estado assistencialista para se progredir como sociedade rumo a melhores índices de desenvolvimento. Conforme o que foi exposto neste capítulo, isso é absolutamente falso. Como chegamos a crer que a esquerda, que propõe um Estado interventor e limitador do poder empreendedor do indivíduo, é a vertente ideológica capaz de apresentar soluções para a redução da pobreza? Eis mais uma contradição brasileira alimentada dia a dia pela esquerda, nas escolas, nas igrejas, na imprensa. É uma contradição contra a qual precisamos lutar.