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Capítulo 1
Você não é a Sua Mente


O Poder do Agora
Um Guia Para a Iluminação Espiritual
Eckhart Tolle

Re-editado à partir da tradução do original
Você não é a Sua Mente
    1.1  O maior obstáculo para a iluminação
    1.2  Libertando-se da sua mente
    1.3  Iluminação: elevando-se acima do pensamento
    1.4  Emoção: a reação do corpo à mente

1.1  O maior obstáculo para a iluminação

     Iluminação - o que é isso?

     Por mais de trinta anos um mendigo ficou sentado no mesmo lugar, debaixo de uma marquise. Até que um dia, uma conversa com um estranho mudou sua vida:

     - Tem um trocadinho aí pra mim, moço? - murmurou, estendendo mecanicamente seu velho boné.

     - Não, não tenho - disse o estranho. - O que tem nesse baú debaixo de você?

     - Nada, isso aqui é só uma caixa velha. Já nem sei há quanto tempo sento em cima dela.

     - Nunca olhou o que tem dentro? - perguntou o estranho.

     - Não - respondeu. - Para quê? Não tem nada aqui, não!

     - Dá uma olhada dentro - insistiu o estranho, antes de ir embora.

     - O mendigo resolveu abrir a caixa. Teve que fazer força para levantar a tampa e mal conseguiu acreditar ao ver que o velho caixote estava cheio de ouro.

     Eu sou o estranho sem nada para dar, que está lhe dizendo para olhar para dentro. Não de uma caixa, mas sim de você mesmo. Imagino que você esteja pensando indignado: "Mas eu não sou, um mendigo!"

     Infelizmente, todos que ainda não encontraram a verdadeira riqueza - a radiante alegria do Ser e uma paz: inabalável - são mendigos, mesmo que possuam bens e riqueza material. Buscam, do lado de fora, migalhas de prazer, aprovação, segurança ou amor, embora tenham um tesouro guardado dentro de si, que não só contém tudo isso, como é infinitamente maior do que qualquer coisa oferecida pelo mundo.

     A palavra iluminação transmite a idéia de uma conquista sobre-humana - e isso agrada ao ego -, mas é simplesmente o estado natural de sentir-se em unidade com o Ser. É um estado de conexão com algo imensurável e indestrutível. Pode parecer um paradoxo, mas esse "algo" é essencialmente você e, ao mesmo tempo, é muito maior do que você. A iluminação consiste em encontrar a verdadeira natureza por trás do nome e da forma. A incapacidade de sentir essa conexão dá origem a uma ilusão de separação, tanto de você mesmo quanto do mundo ao redor. Quando você se percebe, consciente ou inconscientemente, como um fragmento isolado, o medo e os conflitos internos e externos tomam conta da sua vida.

     Adoro a definição simples de Buda para a iluminação: "É o fim do sofrimento". Não há nada de sobre-humano nisso, não é mesmo? Claro que não é uma definição completa. Ela apenas nos diz o que a iluminação não é: não é sofrimento. Mas o que resta quando não há mais sofrimento? Buda silencia a respeito, e esse silêncio implica que teremos de encontrar a resposta por nós mesmos. Como ele emprega uma definição negativa, a mente não consegue entendê-la como uma crença, ou como uma conquista sobre-humana, um objetivo difícil de alcançar. Apesar disso, a maioria dos budistas ainda acredita que a iluminação é algo apenas para Buda e não para eles próprios, pelo menos, não nesta vida.

     Você usou a palavra Ser, Pode explicar o que quer dizer com isso?

     Ser é a eterna e sempre presente Vida Única, que existe além das inúmeras formas de vida sujeitas ao nascimento e à morte. Entretanto, o Ser não está apenas além, mas também dentro de todas as formas, como a mais profunda, invisível e indestrutível essência interior. Isso significa que ele está ao seu alcance agora, sob a forma de um eu interior mais profundo, que é a verdadeira natureza dentro de você. Mas não procure apreendê-lo com a mente. Não tente entendê-lo. Só é possível conhecê-lo quando a mente está serena. Se estiver alerta, com toda a sua atenção voltada para o Agora, você até poderá sentir o Ser, mas jamais conseguirá compreendê-lo mentalmente. Recuperar a consciência do Ser e submeter-se a esse estado de "percepção dos sentidos" é o que se chama iluminação.

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     Quando você diz Ser, está falando sobre Deus? Se estiver, por que não diz expressamente?

     A palavra Deus tornou-se vazia de significado ao longo de milhares de anos de utilização imprópria. Emprego-a ocasionalmente, mas com moderação. Considero imprópria a sua utilização por pessoas que jamais tiveram a menor idéia do reino do sagrado, da infinita imensidão contida nessa palavra, mas que a usam com grande convicção, como se soubessem do que estão falando. Existem ainda aqueles que questionam o termo, como se soubessem o que estão discutindo. Esse uso indevido dá origem a crenças, afirmações e delírios absurdos, tais como "o meu ou o nosso Deus é o único Deus verdadeiro, o seu Deus é falso", ou a famosa frase de Nietzsche, "Deus está morto".

     A palavra Deus se tornou um conceito fechado. Quando a pronunciamos, criamos uma imagem mental, talvez não mais a de um velhinho de barba branca, mas ainda uma representação mental de alguém ou de algo externo a nós e, quase inevitavelmente, alguém ou alguma coisa do sexo masculino.

     Tanto Deus quanto Ser são palavras que não conseguem definir nem explicar a realidade por trás delas. Ser, entretanto, tem a vantagem de sugerir um conceito aberto. Não reduz o invisível infinito a uma entidade finita. É impossível formar uma imagem mental a esse respeito. Ninguém pode reivindicar a posse exclusiva do Ser. É a sua essência, tão acessível como sentir a sua própria presença, a realização do Eu sou que antecede o "eu sou isso" ou "eu sou aquilo". Portanto, a distância é muito curta entre a palavra Ser e a vivência do Ser.

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     Qual o maior obstáculo para vivenciar essa realidade?

     Identificar-se com a mente, o que faz com que estejamos sempre pensando em alguma coisa. Ser incapaz de parar de pensar é uma aflição terrível, mas ninguém percebe porque quase todos nós sofremos disso e, então, consideramos uma coisa normal. O ruído mental incessante nos impede de encontrar a área de serenidade interior, que é inseparável do Ser. Isso faz com que a mente crie um falso eu interior que projeta uma sombra de medo e sofrimento sobre nós. Examinaremos esses pontos detalhadamente, mais adiante.

     O filósofo Descartes acreditava ter alcançado a verdade mais fundamental quando proferiu sua conhecida máxima: "Penso, logo existo". Cometeu, no entanto, um erro básico ao equiparar o pensar ao Ser e a identidade ao pensamento. O pensador compulsivo, ou seja, quase todas as pessoas, vive em um estado de aparente isolamento, em um mundo povoado de conflitos e problemas. Um mundo que reflete a fragmentação da mente em uma escala cada vez maior. A iluminação é um estado de plenitude, de estar "em unidade" e, portanto, em paz. Em unidade tanto com o universo quanto com o eu interior mais profundo, ou seja, o Ser. A iluminação é o fim não só do sofrimento e dos conflitos internos e externos permanentes, mas também da aterrorizante escravidão do pensamento. Que maravilhosa libertação!

     Se nos identificamos com a mente, criamos uma tela opaca de conceitos, rótulos, imagens, palavras, julgamentos e definições que bloqueia todas as relações verdadeiras. Essa tela se situa entre você e o seu eu interior, entre você e o próximo, entre você e a natureza, entre você e Deus. E essa tela de pensamentos que cria uma ilusão de separação, uma ilusão de que existe você e um "outro" totalmente à parte. Esquecemos o fato essencial de que, debaixo do nível das aparências físicas, formamos uma unidade com tudo aquilo que é. Por "esquecermos" quero dizer que não sentimos mais essa unidade como uma realidade evidente por si só. Podemos até acreditar que isso seja uma verdade, mas não mais a reconhecemos como verdade. Acreditar pode até trazer conforto. No entanto, a libertação só pode vir através da vivência pessoal.

     Pensar se tornou uma doença. A doença acontece quando as coisas se desequilibram. Por exemplo, não há nada de errado com a divisão e a multiplicação das células no corpo humano. Mas, quando esse processo acontece sem levar em conta o organismo como um todo, as células se proliferam e temos a doença.

     Se for usada corretamente, a mente é um instrumento magnífico. Entretanto, quando a usamos de forma errada, ela se torna destrutiva. Para ser ainda mais preciso, não é você que usa a sua mente de forma errada. Em geral, você simplesmente não usa a mente. É ela que usa você. Essa é a doença. Você acredita que é a sua mente. Eis aí o delírio. O instrumento se apossou de você.

     Não concordo muito com isso. É verdade que penso muito sem um objetivo definido, como a maioria das pessoas, mas ainda posso escolher como usar a minha mente para ter e conseguir coisas, e faço isso o tempo todo.

     Só porque podemos resolver palavras cruzadas ou construir uma bomba atômica não significa que estejamos usando a mente. Assim como os cães adoram mastigar ossos, a mente adora transformar dificuldades em problemas. É por isso que ela resolve palavras cruzadas e constrói bombas atômicas. Mas essas coisas não interessam a você. Pergunto então: você consegue se livrar da sua mente quando quer? Já encontrou o botão que a "desliga"?

     A idéia é parar de pensar completamente? Não, não consigo, a não ser por um ou dois segundos.

     Então, é porque a mente está usando você. Estamos tão identificados com ela que nem percebemos que somos seus escravos. É quase como se algo nos dominasse sem termos consciência disso e passássemos a viver como se fôssemos a entidade dominadora. A liberdade começa quando percebemos que não somos a entidade dominadora, o pensador. Saber disso nos permite observar a entidade. No momento em que começamos a observar o pensador, ativamos um nível mais alto de consciência. Começamos a perceber, então, que existe uma vasta área de inteligência além do pensamento, e que este é apenas um aspecto diminuto da inteligência. Percebemos também que todas as coisas realmente importantes como a beleza, o amor, a criatividade, a alegria e a paz interior surgem de um ponto além da mente. É quando começamos a acordar.

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1.2  Libertando-se da sua mente

     O que você quer dizer exatamente por "observar o pensador"?

     Quando alguém vai ao médico e diz: "Ouço uma voz dentro da minha cabeça", provavelmente será encaminhado a um psiquiatra. De uma forma ou de outra, praticamente todas as pessoas ouvem uma voz, ou algumas vozes, o tempo todo dentro da cabeça. São os processos involuntários do pensar - que acreditamos que não podemos interromper -, manifestando-se como monólogos ou diálogos contínuos.

     Você já deve ter cruzado na rua com pessoas "doidas" falando sem parar ou resmungando consigo mesmas. Isso não tem nada de diferente do que acontece com você e com outras pessoas "normais", exceto que vocês não falam alto. A voz comenta, especula, julga, compara, desculpa, gosta, desgosta, etc. A voz não precisa ser relevante para a situação do momento, pois ela pode estar revivendo o passado recente ou remoto, ou ensaiando, ou imaginando possíveis situações futuras. Neste último caso, ela imagina sempre as coisas indo mal e com resultados desfavoráveis. É o que se chama de preocupação. Às vezes, essa trilha sonora e acompanhada de imagens ou "filmes mentais".

     Mesmo que tenha alguma relação com o momento, a voz será interpretada em termos do passado. Isso acontece porque a voz pertence à mente condicionada, que é o resultado de toda a nossa história passada, bem como dos valores culturais coletivos que herdamos. Assim, vemos e julgamos o presente com os olhos do passado e construímos uma imagem totalmente distorcida. Não é raro que a voz se torne o pior inimigo de nós mesmos. Muitas pessoas vivem com um torturador em suas cabeças, que as ataca e pune sem parar, drenando sua energia vital. Essa é a causa de muita angústia e infelicidade, assim como de doenças.

     A boa notícia é que podemos nos libertar de nossas mentes. Essa é a única libertação verdadeira. Dê o primeiro passo nesse exato momento. Comece a prestar atenção ao que a voz diz, principalmente a padrões repetitivos de pensamento, aquelas velhas trilhas sonoras que você escuta dentro da sua cabeça há anos. É isso que quero dizer com "observar o pensador". É um outro modo de dizer o seguinte: ouça a voz dentro da sua cabeça, esteja lá presente, como uma testemunha.

     Seja imparcial ao ouvir a voz, não julgue nada. Não julgue ou condene o que você ouve, porque fazer isso significaria que a mesma voz acabou de voltar pela porta dos fundos. Você logo perceberá: está a voz e aqui estou eu, ouvindo-a e observando-a. Sentir a própria presença não é um pensamento, é algo que surge de um ponto além da mente.

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     Assim, ouvir um pensamento significa que você está consciente não só do pensamento, mas também de você mesmo, como uma testemunha daquele pensamento. Isso acontece porque uma nova dimensão da consciência acabou de surgir. Quando você ouve o pensamento, sente uma presença consciente, que é o seu eu interior mais profundo, por trás ou por baixo do pensamento. O pensamento, então, perde o poder que exerce sobre você e se afasta rapidamente, porque a mente não está mais recebendo a energia gerada pela sua identificação com ela. Esse é o começo do fim do pensamento involuntário e compulsivo.

     Quando um pensamento se afasta, percebemos uma interrupção no fluxo mental, um espaço de "mente vazia". No início, esses espaços são curtos, talvez apenas alguns segundos, mas, aos poucos, se tornam mais longos. Quando esses espaços acontecem, sentimos uma certa serenidade e paz interior. Esse e o começo do estado natural de nos sentirmos em unidade com o Ser, que normalmente é encoberto pela mente. Com a prática, a sensação de paz e serenidade vai se intensificar. Na verdade, essa intensidade não tem fim. Você também vai sentir brotar lá de dentro uma sutil emanação de alegria, que é a alegria do Ser.

     Não se trata de um estado de transe. Nada disso. Se o preço da paz fosse a perda da consciência e o preço da serenidade, uma falta de vitalidade e de vivacidade, então não valeria a pena. É exatamente o oposto. Nesse estado de conexão interior, ficamos muito mais alertas. Estamos presentes por inteiro.

     Ao penetrarmos mais profundamente nessa área de "mente vazia", como ela às vezes é chamada no Oriente, começamos a perceber o estado de pura consciência. Nesse estado, sentimos a nossa própria presença com tal intensidade e alegria que os pensamentos, as emoções, nosso corpo, o mundo exterior - tudo se torna insignificante comparado a ele. No entanto, não é um estado egoísta, e sim generoso. Ele nos transporta para um ponto além do que antes julgávamos ser o nosso "eu interior". Essa presença é essencialmente você e, ao mesmo tempo, muito maior do que você.

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     Em vez de "observar o pensador", podemos também criar um espaço no fluxo da mente, direcionando o foco da nossa atenção para o Agora. Torne-se consciente do momento. Isso é profundamente gratificante de se fazer. Agindo assim, desviamos a consciência para longe da atividade da mente e criamos um espaço de mente vazia, em que ficamos extremamente alertas e conscientes, mas sem pensar. Essa é a essência da meditação.

     Na vida diária é possível pôr isso em prática dando total atenção a qualquer atividade rotineira, normalmente considerada como apenas um meio para atingir um objetivo, de modo a transformá-la em um fim em si mesma. Por exemplo, todas as vezes que você subir ou descer as escadas em casa ou no trabalho, preste muita atenção a cada passo, a cada movimento, até mesmo à sua respiração. Esteja totalmente presente. Ou, quando lavar as mãos, preste atenção a todas as sensações provocadas por essa atividade, como o som e o contato da água, o movimento das suas mãos, o cheiro do sabonete, e assim por diante. Ou então, quando entrar em seu carro, pare por alguns segundos depois que fechar a porta e observe o fluxo da sua respiração. Tome consciência de um silencioso, mas poderoso, sentido de presença. Para medir, sem errar, o seu sucesso nessa prática, verifique o grau de paz dentro de você.

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     Portanto, o passo mais importante na caminhada em direção à iluminação é aprendermos a nos dissociar de nossas mentes.

     Todas as vezes que criamos um espaço no fluxo do pensamento, a luz da nossa consciência fica mais forte.

     Um dia você pode se surpreender sorrindo para a voz dentro da cabeça, como sorriria para as travessuras de uma criança. Isso significa que você não está mais levando tão a sério o que vai pela mente, Pois o seu eu interior não depende dela.

1.3  Iluminação: elevando-se acima do pensamento

     O pensamento não é indispensável para sobrevivermos neste mundo?

     Nossa mente é um instrumento, uma ferramenta. Está ali para ser usada em uma tarefa específica e depois ser deixada de lado. Sendo assim, eu poderia afirmar que 80% a 90% dos pensamentos não só são repetitivos e inúteis, mas, por conta de uma natureza frequentemente negativa, são também nocivos. Observe sua mente e verificará como isso é verdade. Essa atitude causa uma perda significativa de energia vital.

     Esse tipo de pensamento compulsivo é, na verdade, um vício. O que caracteriza um vício? Simplesmente não termos mais a opção de parar. O vício parece mais forte do que nós. Proporciona ainda uma falsa sensação de prazer, um prazer que, quase sempre, se transforma em sofrimento.

     Por que temos de ser viciados em pensar?

     Porque estamos identificados com esse processo, já que a percepção do eu interior tem origem no conteúdo e na atividade de nossas mentes. Acreditamos que deixaríamos de existir se parássemos de pensar. No processo de crescimento, construímos uma imagem mental de nós mesmos, baseada em nosso condicionamento pessoal e cultural. Podemos chamar isso "o fantasma pessoal do ego". Consiste em uma atividade mental e só pode ser mantido através do pensar constante. A palavra ego tem sentidos diferentes para pessoas diferentes, mas aqui significa um falso eu interior, criado por uma identificação inconsciente com a mente.

     Para o ego, o momento presente dificilmente existe. Só o passado e o futuro são considerados importantes. Essa total inversão da verdade explica por que, para o ego, a mente não tem função. O ego está sempre preocupado em manter vivo o passado, porque pensa que sem ele não seríamos ninguém. E se projeta no futuro para assegurar a continuação de sua sobrevivência e buscar algum tipo de escape ou satisfação lá adiante. Ele diz assim: "Um dia, quando isso ou aquilo acontecer, vou ficar bem, feliz, em paz". Mesmo quando o ego parece estar preocupado com o presente, não é o presente que ele vê, porque constrói uma imagem completamente distorcida, a partir do passado. Ou então reduz o presente a um meio para obter o fim desejado, um fim que sempre consiste em um futuro projetado pela mente. Observe sua mente e verá que é assim que ela funciona.

     O momento presente tem a chave para a libertação. Mas você não conseguirá percebê-lo enquanto você for a sua mente.

     Não quero perder a minha capacidade de analisar e criticar. Não me importo em aprender a pensar de forma mais clara, com um sentido mais direcionado, mas não quero perder esse dom, que considero o bem mais precioso que temos. Sem ele, seríamos apenas mais uma espécie animal.

     O predomínio da mente é apenas um estágio na evolução da consciência. Precisamos, urgentemente, passar ao próximo estágio, senão seremos destruídos pela mente, que se transformou em um monstro. Falarei sobre isso em detalhes, mais adiante. Pensamento e consciência não são sinônimos. O pensamento é um pequeno aspecto da consciência. O pensamento não consegue existir sem a consciência, mas a consciência não necessita do pensamento.

     A iluminação significa chegar a um nível acima do pensamento, e não em ficar abaixo dele, ao nível de um animal ou de uma planta. No estado iluminado, continuamos a usar nossas mentes quando necessário, mas de um modo mais focalizado e eficiente. Assim, utilizando nossas mentes com objetivos práticos, não ouvimos mais o diálogo interno involuntário e sentimos uma enorme serenidade interior. Quando usamos de fato nossas mentes e, em especial, quando necessitamos de uma solução criativa, há uma oscilação, de segundos, entre o pensamento e a serenidade, entre a mente e a mente vazia. O estado de mente vazia é a consciência sem o pensamento. Só assim é possível pensar criativamente, porque somente desse modo o pensamento tem alguma força real. O pensamento sozinho, quando não mais conectado com a área da consciência, que é muito mais ampla, rapidamente se torna árido, doentio e destrutivo.

     A mente é, em essência, uma máquina de sobrevivência. Ela executa muitas coisas boas quando, por exemplo, ataca e se defende de outras mentes, coleta, armazena e analisa uma informação, mas não é nada criativa. Todo artista verdadeiro, quer tenha ou não consciência disso, cria a partir de um lugar de mente vazia, que se origina de uma serenidade interior. A mente então dá forma ao impulso criativo, ou insight. Até mesmo os grandes cientistas têm relatado que as suas descobertas mais originais aconteceram em um momento de serenidade mental. Uma pesquisa nacional realizada com alguns dos matemáticos mais preeminentes que já atuaram nos Estados Unidos, incluindo Einstein, para estudar seus métodos de trabalho, mostrou que o pensamento "é apenas uma parte secundária da fase breve e decisiva do ato criativo em si". Logo, eu poderia dizer que a maioria dos cientistas não é criativa, não porque não sabe pensar, mas sim porque não sabe como parar de pensar!

     Não foi a mente, nem o pensamento, que criou o milagre da vida ou nossos corpos. É claro que existe uma inteligência, de uma dimensão muito maior do que a da mente, trabalhando para manter tudo isso funcionando. Como uma simples célula humana, que mede [1/1.000] de 25,4 mm, pode conter instruções dentro do DNA que encheriam 1.000 livros de 600 páginas cada um? Quanto mais aprendemos sobre o funcionamento do corpo, mais percebemos como é vasta a inteligência que age dentro dele e como sabemos pouco a esse respeito. Quando a mente se relaciona com o corpo, transforma-se na mais maravilhosa das ferramentas. Serve, então, a alguma coisa que é maior do que ela mesma.

1.4  Emoção: a reação do corpo à mente

     E quanto às emoções? Elas me dominam muito mais do que a minha mente.

     A mente, no sentido em que emprego o termo, não é apenas pensamento. Ela inclui nossas emoções, assim como todos os padrões de reações mentais e emocionais inconscientes. A emoção nasce no lugar onde a mente e o corpo se encontram. É a reação do corpo à nossa mente ou, podemos dizer, um reflexo da mente no corpo. Por exemplo, um pensamento agressivo ou hostil vai acumulando, aos poucos, uma energia no corpo - a raiva. O corpo está se preparando para lutar. Já a idéia de que nos encontramos sob uma ameaça física ou psicológica faz com que o corpo se contraia, o que é a manifestação física daquilo que chamamos medo. As pesquisas têm demonstrado que as emoções fortes causam até mesmo mudanças na bioquímica do corpo. Essas mudanças bioquímicas representam o aspecto físico ou material da emoção. Em geral, não temos consciência de todos os nossos padrões de pensamento. Só é possível trazê-los à consciência quando observamos nossas emoções.

     Quanto mais identificados estivermos com nosso pensamento, com as coisas que nos agradam ou não, com nossos julgamentos e interpretações, ou seja, quanto menos presentes estivermos como consciência observadora, mais forte será a carga de energia emocional, tenhamos ou não consciência disso. Se você não consegue sentir as suas emoções, se as mantém à distância; terminará por senti-las em um nível puramente físico, como um sintoma ou um problema físico. Muito se tem escrito a respeito disso nos últimos anos, portanto não precisamos nos aprofundar no assunto.

     É possível que um forte padrão emocional inconsciente venha a se manifestar como um acontecimento externo, algo que parece acontecer só com você. Por exemplo, tenho observado que as pessoas que guardam muita raiva dentro de si mesma - mesmo sem ter consciência e sem falar sobre o assunto - são mais propensas a ser atacadas verbalmente, ou até mesmo fisicamente, por outras pessoas cheias de raiva. Com frequência, sem qualquer motivo aparente. A razão é que elas desprendem uma raiva tão forte que acaba sendo captada de forma subconsciente por outras pessoas, e isso aciona a raiva latente que essas trazem dentro de si.

     Se você tem dificuldade de sentir suas emoções, comece concentrando a atenção na área de energia interior do seu corpo. Sinta o seu corpo lá no fundo. Essa prática colocará você em contato com as suas emoções. Aprofundarei o assunto mais adiante.

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     Você diz que a emoção é o reflexo da mente no corpo. Mas, às vezes, ocorre um conflito entre os dois quando a mente diz "não" e a emoção diz "sim", ou vice-versa.

     Se quisermos conhecer mesmo a nossa mente, o corpo sempre nos dará um reflexo confiável. Portanto, observe a sua emoção, ou melhor, sinta-a em seu corpo. Se houver um aparente conflito entre os dois, a verdade estará na emoção e não no pensamento. Não a verdade definitiva sobre quem você é, mas a verdade relativa ao estado da sua mente naquele momento.

     É bastante comum ocorrerem conflitos entre os pensamentos superficiais e os processos mentais inconscientes. Mesmo que você ainda não seja capaz de trazer a sua atividade mental inconsciente para um estado de consciência sob a forma de pensamento, ela estará sempre refletida no seu corpo como uma emoção, e isso você pode passar a perceber. Observar uma emoção por esse ângulo é basicamente o mesmo que ouvir ou observar um pensamento, como descrevi anteriormente. A única diferença é que o pensamento está na sua cabeça, enquanto a emoção, por conter um forte componente físico, se manifesta em primeiro lugar no corpo. Você pode permitir que a emoção esteja ali, sem deixar que ela assuma o controle. Você não é mais a emoção. Você é o observador, a presença que observa. Ao praticar isso, tudo o que está inconsciente será trazido à luz da sua consciência.

     Então, observar nossas emoções é tão importante quanto observar nossos pensamentos?

     Sim. Habitue-se a perguntar o que está acontecendo com você nesse exato momento. Essa questão lhe indicará a direção certa. Mas não analise, apenas observe. Concentre sua atenção dentro de você. Sinta a energia da emoção. Se não há emoção presente, concentre sua atenção mais fundo no campo da energia interna do seu corpo. Essa é a porta de entrada para o Ser.

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     Uma emoção, em geral, representa um padrão de pensamento amplificado e energizado. Por conta da carga energética quase sempre excessiva que ela contém, não é fácil, a princípio, termos condições para observá-la. A emoção quer assumir o controle, e quase sempre consegue, a menos que você esteja presente e alerta. Se você for empurrado para uma identificação inconsciente com a emoção, ela se tornará, temporariamente, "você". É comum se estabelecer um círculo vicioso entre o pensamento e a emoção porque um alimenta o outro. O padrão do pensamento cria um reflexo amplificado de si mesmo na forma de uma emoção, fazendo com que a frequência vibratória desta permaneça alimentando o padrão de pensamento original. Ao lidar mentalmente com a situação, acontecimento ou pessoa que é identificada como causadora da emoção, o pensamento fornece energia para a emoção, a qual, por sua vez, energiza o padrão de pensamento, e assim por diante.

     Basicamente, todas as emoções são modificações de uma emoção primitiva não diferenciada, cuja origem é a perda da percepção de quem somos por trás do nome e da forma. É difícil encontrar um nome que descreva essa emoção primitiva. A palavra "medo" é muito próxima, mas, além do sentido de ameaça permanente, ela pode ser entendida como um profundo sentimento de abandono e incompletude. Por isso, talvez seja melhor usar uma palavra que não se confunda tanto com aquela emoção básica e chamar isso simplesmente e "sofrimento". Uma das principais tarefas da mente, uma das razões da sua atividade incessante, é a de combater ou eliminar o sofrimento emocional, embora ela invariavelmente só consiga encobri-lo por um tempo. De fato, quanto mais a mente tenta se livrar do sofrimento, mais ele aumenta. A mente nunca pode achar a solução, nem pode permitir que encontremos a solução, porque é, ela mesma, uma parte intrínseca do "problema". Imagine um chefe de polícia tentando achar um incendiário, quando o incendiário é o próprio chefe de polícia. Não nos livraremos desse sofrimento enquanto não extrairmos o sentido de eu interior da identificação com a mente, ou seja, do ego. A mente é, então, derrubada da sua posição de poder, e o Ser se revela em si mesmo, como a verdadeira natureza da pessoa.

     Já sei o que você vai perguntar agora.

     Eu ia perguntar: O que acontece com as emoções positivas, como o amor e a alegria?

     Elas são inseparáveis do estado natural de conexão interior com o Ser. Sempre que houver um espaço no fluxo dos pensamentos, podem ocorrer lampejos de amor e alegria, ou breves instantes de uma paz profunda. Para a maioria das pessoas, tais espaços raramente acontecem, e mesmo assim por acaso, nas ocasiões em que a mente fica "sem palavras", instigada por uma beleza estonteante, uma exaustão física extrema, ou mesmo um grande perigo. De repente se instala uma serenidade interior. E dentro dessa serenidade existe uma alegria sutil, mas intensa, existe amor, existe paz.

     Normalmente, tais momentos têm vida curta, pois a mente logo reassume essa atividade barulhenta a que chamamos pensar. O amor, a alegria e a paz não conseguem florescer, a menos que tenhamos nos livrado do domínio da mente. Mas eu não os chamaria de emoções. Eles estão por baixo das emoções, em um nível mais profundo. Portanto, precisamos nos tornar plenamente conscientes de nossas emoções e sermos capazes de senti-las, antes de sermos capazes de sentir aquilo que está além delas. A palavra emoção significa, literalmente, "desordem". A palavra vem do latim emovere, que significa "movimentar".

     Amor, alegria e paz são estados profundos do Ser, ou melhor, três aspectos do estado de ligação com o Ser. Assim, não possuem opositores pela simples razão de que surgem por trás da mente. As emoções, por outro lado, sendo uma parte da mente dualística, estão sujeitas à lei dos opostos. Isso quer dizer, simplesmente, que não se pode ter o bom sem que haja o mau. Portanto, numa condição não iluminada de identificação com a mente, aquilo que algumas vezes é erroneamente chamado de alegria é o lado geralmente breve do prazer, dentro da alternância contínua do ciclo sofrimento/prazer. O prazer sempre se origina de alguma coisa externa a nós, ao passo que a alegria nasce do nosso interior. A mesma coisa que proporciona prazer hoje provocará sofrimento amanhã, ou nos abandonará, e essa ausência causará sofrimento. Do mesmo modo, o que se costuma chamar de amor pode ser prazeroso e excitante por um tempo, mas é um apego adicional, uma condição de necessidade extrema, que pode vir a se transformar no oposto, em um piscar de olhos. Muitas relações "amorosas", passada a euforia inicial, oscilam entre o "amor" e o ódio, a atração e a agressão.

     O amor verdadeiro não permite que você sofra. Como poderia? Não se transforma em ódio de repente, assim como a verdadeira alegria não se transforma em sofrimento. Antes de atingirmos a iluminação, antes mesmo de nos libertarmos de nossas mentes, podemos ter lampejos de alegria autêntica, de um amor verdadeiro ou de uma profunda paz interior, tranquila, mas intensamente viva. Esses são aspectos da nossa verdadeira natureza, em geral obscurecida pela mente. Mesmo dentro de uma relação "normal" de dependência, é possível haver momentos onde podemos sentir a presença de algo genuíno, incorruptível. Mas serão somente lampejos, a serem logo encobertos pela interferência da mente. Você poderá ficar com a impressão de que teve alguma coisa muita valiosa, mas a perdeu, ou a sua mente pode lhe convencer de que tudo não passou de uma ilusão. A verdade é que não foi uma ilusão e você também não perdeu nada. Esse algo valioso é parte de seu estado natural - pode estar encoberto, mas nunca ser destruído pela mente. Mesmo quando o céu está totalmente coberto, o sol não desapareceu. Ainda está lá, por trás das nuvens.

     Buda diz que a dor ou o sofrimento surge através de desejos ou anseios, e que para se libertar da dor necessitamos romper as amarras do desejo.

     Todos os anseios nascem da busca da mente por salvação ou satisfação nas coisas externas e no futuro, como substitutos da alegria do Ser. Se somos nossas mentes, somos aqueles anseios, aquelas necessidades, desejos, apegos e aversões. Fora deles não existe o eu, exceto como uma mera possibilidade, um potencial não preenchido, uma semente que ainda não germinou. Nessa condição, até mesmo o desejo de nos tornarmos livres ou iluminados não passa de mais um desejo a ser realizado ou concluído no futuro. Portanto, não busque se libertar do desejo ou "adquirir" a iluminação. Torne-se presente. Esteja lá, como um observador da mente. Em lugar de citar Buda, seja Buda, seja "O Iluminado", que é o que a palavra buda significa.

     Os seres humanos têm vivido enredados pelo sofrimento por séculos, desde que decaíram do estado de graça, penetraram no domínio de tempo e da mente, e perderam a percepção do Ser. Nesse momento, começaram a se perceber como fragmentos sem sentido em um universo estranho, sem conexão com a Fonte e com o seu semelhante.

     Enquanto estivermos identificados com as nossas mentes, o que significa dizer, enquanto estivermos inconscientes espiritualmente, o sofrimento, será inevitável. Refiro-me aqui, ao sofrimento emocional, que é também a causa principal do sofrimento físico e da doença. O ressentimento, o ódio, a autopiedade, a culpa, a raiva, a depressão, o ciúme e até mesmo uma leve irritação são formas de sofrimento. E qualquer prazer ou forte emoção contém em si a semente do sofrimento. É o inseparável oposto, que se manifestará com o tempo.

     Quem já tomou bebidas alcoólicas ou drogas para ficar "alto" sabe que o alto se transforma em baixo, que o prazer se transforma em alguma forma de sofrimento. A maioria das pessoas também sabe, por experiência própria, como uma relação íntima pode se transformar, de modo fácil e rápido, de fonte de prazer em fonte de sofrimento. Vistas de uma perspectiva mais ampla, tanto a polaridade negativa quanto a positiva são lados de uma mesma moeda, são partes de um sofrimento que está oculto, inseparável do estado de consciência identificado com a mente.

     Existem dois níveis de sofrimento: o que você cria agora e o que tem origem no passado que ainda vive em sua mente e no seu corpo. Deixar de criar sofrimento no presente e dissolver o sofrimento do passado - é sobre isso que desejo falar com você agora.