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Concentrar renda não é o problema; o problema é concentrar oportunidades
Todo sistema de governo sabe que tem de atender às expectativas de sua população. Mesmo as autocracias mais tradicionais pagam, de uma maneira ou de outra, para se manter no poder. A politização da pobreza é um fator potencialmente desestabilizador mesmo nos sistemas mais bem controlados e legítimos. Mas o que gera o descontentamento com a pobreza varia conforme a época e o contexto.
Questões como a desigualdade social, a má distribuição de renda e a reivindicação por reforma agrária não geram no século XXI o mesmo grau de descontentamento que geravam até o início do século XX. O que produz a percepção de pobreza e o descontentamento atualmente é o difícil acesso aos meios de produção e às oportunidades. Vou explicar essa afirmação partindo de uma experiência pessoal.
Em agosto de 2014, atingi uma encruzilhada em minha pequena distribuidora de autopeças. Em abril daquele ano, minha empresa teve o melhor desempenho de sua história e eu acreditava que após a Copa do Mundo, o comércio retornaria com a mesma força demonstrada em abril. Foi então que ... Surpresa! Quase metade de meus clientes ficou inadimplente em maio, junho e julho.
Como minha carteira de clientes é pulverizada e composta de pequenos empresários - geralmente, lojistas - espalhados por todo o Brasil, o quadro tornou-se rapidamente preocupante. Não se tratavam de casos pontuais. Fiquei intrigado. Quando contrastava meus números com os dados da economia, a taxa de desemprego se mostrava baixa, perto dos 4%, e o PIB crescia pouco acima de 1%. Como também tenho experiência no mercado financeiro, notei que Copom havia aumentado os juros duas vezes consecutivas no período. Aquilo, aparentemente, não fazia sentido: pequenos empresários fechando as portas ou tendo dificuldades em acertar as contas e o governo subindo juros para conter a inflação? Será que outros segmentos da economia estavam indo tão bem assim para alavancar aquele aumento de preços? Será que o mercado estava vendo algo que eu ainda não via?
Dúvidas a parte, no próprio mês de agosto tomei providências para reduzir custos fixos e administrativos e travei toda recompra de produtos que não girassem no mês. Eliminei vendas a prazo e passei a aceitar somente depósitos em conta ou pagamentos com cartões de crédito.
Dois meses depois, registrei que a empresa tinha reduzido seus custos em mais de 70% e o faturamento havia despencado para menos de 40%. O negócio, que era pequeno, regrediu para a condição de microempresa em questão de dois meses. O único dado positivo era que eu havia atingido um novo ponto de equilíbrio sustentável e poderia mantê-la operando com reposição mínima de produtos de alto giro e margem.
Tomei as decisões necessárias para sobreviver sem refletir tanto sobre o contexto geral já que muitos dos meus clientes tomavam as mesmas providências. Apesar da drástica redução, estava aliviado de ter me antecipado a um cenário que para mim era óbvio desde aquele momento: o Brasil estava entrando em crise econômica. Com mórbida satisfação, encarei minha contabilidade calculando o quanto havia poupado comparando com o caso hipotético de ter mantido a mesma estrutura de custos frente a baixa demanda que meu segmento já registrava.
Então resolvi prestar mais atenção ao cenário político. Até aquele momento, estava alienado das questões políticas brasileiras. Acompanhava por alto as evoluções do caso Mensalão. Intuitivamente, como todo brasileiro, pensava que tudo poderia, como se diz popularmente, "terminar em pizza", como em diversos outros casos de corrupção de governos anteriores.
Mas aquele escândalo dava sinais de ser diferente. Àquela altura, a Operação Lava Jato, deflagrada em abril de 2014 por procuradores da República e investigadores da primeira instância da Justiça Federal do Paraná, já contava com 46 indiciados por crimes de formação de organização criminosa, contra o sistema financeiro nacional, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro e com 30 presos, entre eles um doleiro ligado à então ministra da Casa Civil e um ex-diretor da Petrobras. O simples fato de que pessoas importantes estavam sendo presas e indiciadas, corriqueiro na maior parte dos países, soava surpreendente no Brasil.
Há tempos eu acreditava que o Brasil, tendo formado instituições independentes nas últimas décadas, começaria a ver evoluções naturais em seu sistema político. A Lava Jato parecia indicar que essas evoluções estavam em curso.
Um recém-empossado Ministro do Supremo Tribunal Federal, no entanto, escolhido a dedo pela então presidente, deu um banho de água fria em meu otimismo. Ele libertou todos os envolvidos no esquema do Mensalão apenas uma semana após sua posse. Naquele momento, tudo o que eu havia aprendido, admirado e resguardado como sagrado na Ciência Política me retornou à cabeça como um flashback e um alerta.
"Não temos um estado de direito!", pensei imediatamente. "Há uma nítida concentração de poder no Executivo!", indignei-me. "Será? Como os outros não estão vendo isso? Jornalistas, cientistas políticos, onde estão vocês? Ninguém vai fazer nada?", questionei para, logo, em seguida, relativizar: "Devo estar errado, não deve ser tão grave assim".
Refleti a respeito do que minha empresa passava naquele momento e me indaguei se os fatos não poderiam estar relacionados. Pensei o seguinte: suponhamos que não temos um governo de leis, um Estado de direito. Se isso for verdade, é óbvio que não temos também um sistema de livre mercado. Foi aí que me alarmei. Naquele momento, fiquei de fato, pasmo. Todo cientista político sabe que o livre mercado só existe e só se sustenta se for regido por um de Estado de direito, governado por leis e com instituições públicas independentes, transparentes e repletas de freios e contrapesos entre si.
Mas por que tanto alarde? Porque sem isso o que nos resta é a antítese: um sistema político oligárquico, de economia controlada e planejada centralmente. Ou seja, uma espécie de socialismo que tanto descrevi em capítulos anteriores. Minha experiência empresarial me dava sinais de que eu poderia estar certo. Não é de hoje que pequenos empresários com quem tive contato se queixam da burocracia, da alta tributação, da baixa rentabilidade e do baixo crescimento de seus negócios mesmo com o Brasil registrando um alto crescimento do PIB. Muitos lamentavam não poder expandir e abraçar oportunidades por causa da legislação trabalhista ou por falta de acesso a um financiamento competitivo mesmo nos momentos em que o país registrava taxas de inflação e de desemprego bastante baixas.
Em outras palavras, alguém estava crescendo e contratando, e não eram os pequenos e médios empreendedores. Em conversas com grandes empresários e organizações próximas, eu constatava que esse problema parecia distante. Na medida em que a crise aumentava e os escândalos passaram a envolver toda a cúpula do governo, notamos que diversos grandes empresários se manifestaram para defender a manutenção do quadro político. Eles não viam necessidade de impeachment mesmo diante de um Executivo desastroso.
O presidente do conselho da COSAN, Rubens Ometto, por exemplo, deu uma entrevista "reconhecendo méritos" da presidente Dilma Rousseff. A COSAN é um conglomerado diversificado em logística, energia, alimentos e combustíveis. Ometto pontuou que a presidente era "mulher patriota, correta e de fibra", e que foi essencial para interlocução com o governo quando era ministra de Minas e Energia no governo Lula. Em 2015, a COSAN continuava confiante com a presidente Dilma e inaugurou uma nova refinaria com financiamento do banco estatal BNDES. Depois da derrocada do governo Dilma e o aprofundamento dos escândalos, essa opinião pública de Ometto mudou. Vários grandes empresários como Ometto tiveram que se reposicionar publicamente para evitar o escárnio. Dos males, o menor.
Em outro setor da economia, uma variação do mesmo tema se repete, mas com raízes muito mais profundas. Wesley e Joesley Batista, donos da JBS, uma das maiores empresas de alimentos do mundo, fizeram muito mais do que lobby em prol dos governos de Lula e Dilma. Como as investigações da Lava Jato depois de 2015 mostraram, assim como a Petrobras e a Odebrecht, a JBS configura como uma das empresas mais envolvidas e dependentes de relacionamento com o governo. Grandes esquemas de propina para ganhos políticos e obtenção de financiamento público ocorreram.
Infelizmente a lista de grandes empresários dependentes envolvidos com o governo não se resume a esses poucos mencionados. Também, pudera: a concentração de depósitos em bancos estatais e a capacidade de financiamento de grandes projetos com juros muito abaixo do que é praticado ao público em geral torna a dependência de todos grandes empresários nos mandos e desmandos do governo.
No quadro 43 (parágrafo 9_25), a lista (incompleta) de grandes empresas com financiamento do BNDES que estão envolvidas na Operação Lava Jato.
Fica o registro de como a interdependência de grandes empresários e o governo os forçam a se posicionar e agir em prol de agentes públicos que os favorecem. O que é importante notar é que a mudança para um sistema competitivo de livre mercado não é a melhor opção para esses grandes empresários. E mesmo diante da gritante divergência ideológica que aparentemente possa existir entre um líder empresarial e um sindicalista defensor do socialismo à moda petista, ambos estavam lado a lado no apoio a Lula, Dilma e assemelhados no que tange aos controles exercidos sobre a economia.
Para quem entende como o sistema oligárquico de economia planejada funciona, essa aparente contradição faz todo o sentido. Em um sistema oligárquico, as oligarquias asseguram privilégios para si por meio do Estado. Grandes empresários, sindicatos, funcionários públicos (eleitos e nomeados) constituem as oligarquias mais comuns.
Em tese, se um país oligárquico registrar taxa de emprego crescente, é muito provável que essa injeção de força produtiva tenha origem em oligarquias econômicas "amigas" do governo ou em oligarquias políticas criadas pela Constituição. Enquanto isso, empresas menores, fora do "canal de valor" oligárquico, crescem menos, estagnam ou fecham.
Seguindo a teoria, a maior parte da regulamentação criada pelo governo visa ao aumento de controle das oligarquias políticas ou à eliminação de competição contra as oligarquias econômicas. Tudo isso se traduz em mais burocracia e tributos sobre aqueles que estão fora desse arranjo: ou seja, a classe média trabalhadora, profissionais liberais e os micros, pequenos e médios empresários.
* Lista atualizada Maio de 2017
Fonte: Elaborado pelo próprio autor.
A distorção desse sistema fica clara quando notamos que as grandes empresas do Brasil frequentemente registram taxas de crescimento superiores às de pequenas empresas. A regra no mercado global é justamente o oposto: é mais normal uma pequena empresa crescer proporcionalmente muito mais do que uma grande empresa já estabelecida. Numa situação de livre mercado, por terem estruturas mais enxutas e contar com gestão menos burocrática, empresas pequenas geralmente demonstram taxas de crescimento superiores. Fica a sugestão para que economistas se debrucem de modo mais aprofundado sobre essa distorção.
Fonte: Elaborado pelo próprio autor.
Seria possível que, por serem as únicas que detêm privilégios regulamentares e acesso a financiamentos subsidiados pelo governo via BNDES, somente as grandes empresas fossem capazes de viabilizar a maioria das oportunidades, alijando boa parte dos empreendedores e pequenos empresários do acesso ao jogo do mercado? Em caso positivo, isso caracterizaria a concentração dos meios de produção e seria mortífero para qualquer modelo de governo democrático. Eu diria que essa concentração de crédito, poder e influência nas mãos de uns poucos empresários é mais fatal para a democracia do que a própria concentração de poder político.
Até o final de 2014, essa era uma tese empírica que eu compartilhava com alguns outros pequenos empresários. Eles achavam que fazia todo o sentido, mas nenhum de nós podia validar a teoria com dados concretos. Foi então que percebi que embora fosse necessário um estudo mais alentado sobre a relação desigual de acesso ao crédito e as regulamentações claramente favoráveis às grandes empresas, uma outra forma de validação da tese caía em nosso colo. Os escândalos do Mensalão, do Petrolão e do BNDES estavam estourando na mídia. E todos os conceitos oriundos de teorias visitadas há muito tempo se materializavam diante de mim. Eu não queria acreditar que aquilo fosse verdade, pois seria o colapso dos sistemas político e econômico do Brasil. Ou seja, uma nova ruptura institucional do modelo republicano.
Exagero? Para um leigo, pode parecer que seja, mas a Ciência Política já coletou exemplos o bastante, em diversos momentos históricos em diferentes países, para notar aí certo padrão.
A concentração da renda ou dos meios de produção (capital) nas mãos de poucos é sempre uma constante. Todas as cidades do mundo tem concentração de renda e não por isso vivem no caos. O que inevitavelmente causa o colapso dos sistemas econômico e político é a falta de acesso às oportunidades que possibilitam a ascensão social. As oportunidades e não necessariamente a renda ou o capital é que precisam estar acessíveis a uma massa crítica de pessoas para se criar a percepção de que todos podem sair da pobreza através de seus próprios esforços. Caso contrário, as pessoas sentem que existem obstáculos intransponíveis travando suas vidas. Desenvolvem a percepção de que estão presos à pobreza ou à mediocridade por mecanismos que nada têm a ver com seus esforços ou talentos. Essa percepção torna-se um risco para a estabilidade de um país.
É muito importante distinguir o debate acerca da concentração de oportunidades em contraposição aos temas de desigualdade social, reforma agrária ou distribuição de renda. Essas três últimas bandeiras são meros desincentivos contra a livre iniciativa e o livre mercado. Já a concentração de oportunidades a que me refiro é uma tentativa de redefinir o termo "capital" como acesso a chances que abrem as possibilidades de ascensão social. Ou seja: a injustiça fundamental e perigosa não é a desigualdade de renda, mas a desigualdade de acesso a oportunidades que faz com que a desigualdade de renda seja um fato intransponível pelo indivíduo.
Na economia moderna, o conceito de meio de produção (capital) encontra-se em transição. Entre economistas e cientistas políticos sérios, o termo "capital" já não significa o mesmo daquele utilizado na arcaica narrativa marxista. Hoje, os meios de produção (ou o capital) estão mais vinculados ao acesso às oportunidades e à capacidade de materializá-las. Em um passado recente, a definição restringia-se a bens tangíveis, tais como propriedades, moeda, máquinas, mão de obra etc.
Pontue-se aqui que você não tem razão para se afligir caso seja essa a ideia que ainda tem de "capital". Ocorre que as coisas tornaram-se mais complexas depois das revoluções tecnológicas e de informação da virada do milênio para cá. O valor de mercado de muitos bens concretos - como carros ou minas de diamante - pode ser inferior ao potencial de ideias e cérebros criativos. Qual é o maior capital disponível, por exemplo, no Vale do Silício, na Califórnia? O ativo imobilizado das empresas físicas lá instaladas ou o patrimônio intelectual das lideranças de companhias como Apple, Google e Microsoft? Caso os Estados Unidos venham a se tornar um país menos viável para negócios e as principais mentes da indústria da tecnologia decidam migrar, por exemplo, para a Islândia, em qual das duas nações estará o maior capital do segmento? É fácil concluir que, no passado, os bens mais tangíveis tinham valor por si só. Hoje, o valor deles é relativo e outras coisas ganharam valor.
Voltemos a 2014, para aquele momento em que eu contrastava a realidade árdua que vivia todo o setor em que atuava minha empresa com a relativa saúde da economia nacional.
Passei a notar que as oportunidades não estavam se materializando para muitos dos pequenos empresários e que somente os grandes estavam satisfeitos. Isso significa várias coisas ruins. Significa que diversas oportunidades nunca se materializarão no Brasil se não forem do interesse do Estado ou das oligarquias econômicas. Significa que menos empreendedores terão oportunidades de ascensão social. Significa que um número maior de pequenos empresários tenderão a ficar pequenos para sempre, independentemente de seus méritos, esforços ou do quão boas sejam suas ideias. Significa que haverá menos empresas atingindo status de grandes empresas. Significa um mercado menos dinâmico e aquecido, com menos oportunidades e diversidade de postos de trabalho. Significa que menos trabalhadores confiarão seu futuro e seu bem-estar ao empreendedorismo. Significa que haverá menos inovação criada por brasileiros no ecossistema econômico global. Significa que haverá menos competição e, consequentemente, mais preços altos praticados por grandes empresas, em prejuízo dos consumidores.
Mas a pior consequência dessa limitação de acesso a esse "novo capital" é o fomento do populismo e da instabilidade política e econômica, justamente os maiores inimigos da prosperidade. É esse o grande motivo pelo qual precisamos nos opor ao arranjo oligárquico de economia centralmente controlada. Seguramente os grandes empresários que dão sustento a tal arranjo perceberiam eles mesmos os riscos que criaram para o país caso tivessem alguma consciência histórica e política. Mas boa parte deles não tem esse discernimento e é essa uma das missões deste livro.
Em um paralelo histórico, vemos que o Estado de direito moderno criou mecanismos para se proteger de efeitos similares. Atualmente, todos os Estados de direito modernos combatem, de uma forma ou de outra, monopólios e oligopólios. Instituições independentes monitoram a concentração de poder político e econômico, dado seu potencial de desestabilizar o Estado.
O povo precisa crer que tem acesso a oportunidades de ascender socialmente, politicamente e economicamente. Essa percepção só é fomentada por meio das diversas histórias de sucesso de cidadãos comuns chegando ao pico do poder econômico e político. Se o Estado ou agentes econômicos ligados a ele, concentram essas oportunidades, sendo os únicos que dispõem de meios para usufruir das mesmas, cria-se o início da ilegitimidade das instituições públicas e o consequente fomento do populismo.
A história da estrutura de poder da República Romana da Antiguidade nos oferece um grande aprendizado, uma lição que serviu de guia para a maioria dos historiadores do mundo ocidental.
A República Romana nasceu da mais alta pureza que o espírito humano havia concebido até então com o propósito de criar um Estado desencarnado, menos dependente de déspotas esclarecidos. Seria o governo que os gregos chamariam de governo das boas leis, a perfeita eunomia - o Estado de Direito.
Se tivermos que recontar essa história pelo prisma do tema inicial, poderíamos recontá-la da seguinte maneira: os senadores romanos, por não observarem a concentração das oportunidades nas mãos de poucos não perceberam o desequilíbrio social e de forças políticas, produzindo a ruína de seu sistema. O Estado de Direito que orgulhara os romanos deteriorou-se numa democracia populista sem mecanismos de limites e controle dos poderes, produzindo frequentes abusos. Em consequência, a legitimidade das instituições foi corrompida, a República enfraqueceu-se e todo o sistema foi posto em xeque. Nesse cenário, uma nova força oligárquica assumiu o controle. Como a sucessão de poder entre oligarquias é sempre instável, houve clamor popular pela volta de uma oligarquia ainda mais forte e controladora - ou seja, uma tirania.
Muitos acham que o Império Romano, que sucedeu a República Romana em 29 a.C., foi um período glorioso. Engano. Sem dúvida houve avanços em algumas instituições sob o comando de alguns Césares, mas a concentração de poder, à la tirania grega de mil anos antes, garantiu a instabilidade política e a lenta e total ruína do império. O que sobrou de conhecimento sobre esse período foi mais tarde resgatado por historiadores da Igreja e de outros países, pois em 395 d.C. não restava nenhuma instituição pública ou sociedade romana consciente para contar sua própria história.
Esse ciclo de derrocada nos permite entender por que é importante para um Estado de direito resolver de maneira efetiva a questão do acesso às oportunidades e em segundo plano acesso aos meios de produção para o povo em geral.
Na história da humanidade, sistemas de leis promissores como o de Sólon na Grécia, 594 a.C. e da República Romana 509 a.C., falharam no mesmo ponto e sofreram as mesmas consequências. Como primeiro sintoma de sua ineficiência, surgem os populistas. De Pisístrato, em 561 a.C, em Atenas, passando por Gracchus, em 133 a.C., e Júlio César, em 46 a.C., em Roma, as tentativas de se criar uma eunomia (boas leis) no mundo antigo sucumbiram. Na raiz do problema, líderes populistas abraçando a narrativa de distribuição de renda para consertar a concentração de oportunidades.
Diga-se de passagem que a concentração de oportunidades e a busca natural para sair da pobreza contribuiu a derrocada do modelo feudal entre os séculos IX e XV, sem os líderes populistas, mas pelos mesmos sintomas.
A verdade é que o Estado de direito romano era sofisticado e superior a vários sistemas de governo que surgiram do século XIX em diante. Contudo, somente alguns poucos países souberam aplicar os aprendizados e evoluir. A maioria, infelizmente, segue repetindo os equívocos dos antigos gregos e romanos.
Nos últimos cem anos, o Brasil vem sendo um desses países. A ameaça que sofremos hoje é a mesma que Grécia e Roma viveram na Antiguidade. Nosso anseio de criar, preservar e progredir sob um governo de leis foi limitado pelo populismo e pela concentração dos meios de produção. A ausência de estabilidade é tão frequente que a instabilidade política tornou-se a norma no país. Quando entendermos que limitar as chances de prosperidade a uns poucos eleitos é um fator de risco social, começaremos a lutar por uma sociedade mais justa, em que todos sintam que podem chegar aos níveis mais elevados da pirâmide dependendo apenas de seus esforços e talentos. Quando entendermos que a falta de acesso às oportunidades e aos meios de produção são um risco constante à estabilidade da nossa ordem institucional, começaremos a combater seriamente essa injustiça. E esse será o primeiro passo para uma estabilidade duradoura e legítima.