Livro de Urantia

Grupo de Aprendizes da Informação Aberta

Contato

Índice Superior    Vai para o próximo: Capítulo 10

Arquivos de Impressão: Tamanho A4.

Livro em Texto (txt).

Capítulo 9
A Segunda Operação do Espírito


Métodos Lógicos e Dialécticos
Mário Ferreira dos Santos
I Volume
3a Edição (1962)
Enciclopédia de Ciências
Filosóficas e Sociais

Livro Original na Internet
A Segunda Operação do Espírito
    9.1  Das proposições
    9.2  Divisão das proposições segundo a forma
    9.3  Divisão da proposição segundo a quantidade
    9.4  Divisão da proposição segundo a unidade
    9.5  Da definição
    9.6  Leis da definição
    9.7  Do emprego da definição
    9.8  Algumas regras para as definições
    9.9  Via da definição
    9.10  Comentários dialécticos

9.1  Das proposições

     É o juízo a segunda operação do espírito, que é por nós expressa na proposição ou oração. Mas a proposição, que expressa pròpriamente e exclusivamente o juízo, é a proposição enunciativa. Trataremos posteriormente do juízo. Por ora, trataremos daquela.

     A proposição enunciativa possui três elementos: sujeito, predicado e o verbo.

     Matéria da proposição é o sujeito, ou seja o do qual algo é enunciado, e o predicado o que é enunciado de algo.

     Forma da proposição é o verbo (ou cópula), que afirma ou nega, e que é freqüentemente expresso pelo verbo substantivo ser, no modo indicativo e no tempo presente.

     Podemos tomar o verbo ser participativamente, quando lhe damos o sentido de existir. Assim, quando se diz "Deus é", diz-se o mesmo que "Deus existe".

     Tomado substancialmente, significa apenas o haver de identidade ou de conveniência entre o sujeito e o predicado. Neste caso, a afirmação funda-se no ser da coisa.

     Nas orações constituídas de um só têrmo, êsses três elementos estão ocultos, mas subentendidos. Assim: "chove" equivale "a chuva é aqui e agora". Em orações de dois têrmos, como "Pedro anda", esta equivale a "Pedro é andante agora".

     As orações, que são empregadas em tempos verbais outros que o indicativo presente, podem ser reduzidas a êste tempo. Assim: "os homens justos serão felizes", pode ser substituída pela eqüivalente: "os homens justos são felizes no futuro".

     Quanto ao fundamento, as proposições podem ser classificadas de modo inverso.

     1) Quando o fundamento da divisão é a verdade, a proposição pode ser verdadeira ou falsa.

     2) Quando o fundamento é a certeza, a proposição pode ser certa, incerta ou provável.

     3) Quando o fundamento é a fonte e o motivo de afirmar, pode ser mediata e imediata; sintética (ou a posteriori) e analítica (ou seja a priori). A posterioridade e a prioridade são consideradas em relação à experiência. Entre as proposições sintéticas, classificam os modernos diversos juízos, como o de existência ("Pedro existe"); o de valor ("A vale mais que B"); o declarativo ("este animal é um leão"); o de propriedade ("o céu tem nuvens"); o de gôsto ou de opinião ("para mim A é B"), etc.

     Os elementos da proposição, como já vimos, são o sujeito, o predicado e o verbo. E segundo êles, podem as proposições serem classificadas conforme a quantidade, a qualidade e segunda a forma.

     Segundo o modo de haver do predicado ao sujeito, que aponta a razão de matéria da proposição, estas podem ser:

     a) necessárias (ou de matéria necessária), quando o predicado se conexiona de modo necessário ao sujeito ("anterior é o que de certo modo tem prioridade");

     b) impossíveis (ou de matéria impossível), quando o predicado repugna ao sujeito ("o círculo é um quadrado");

     c) possíveis (contingentes) de matéria possível ou contingente, quando o predicado não convém em acto ao sujeito, mas pode convir ao sujeito; ou seja, quando convém e pode não convir ("o homem é sábio").

     Regra dessas proposições: As proposições afirmativas em matéria necessária são verdadeiras; as negativas são falsas; em matéria impossível, as afirmativas são falsas e as negativas são verdadeiras; em matéria contingente, as proposições universais em geral são falsas e as particulares, em geral, verdadeiras.

     Quanto aos têrmos, que compõem a proposição (elementos), elas se dividem:

     a) em proposições de terceiro adjacente, quando constam de sujeito, predicado e verbo ("o homem é mortal");

     b) de segundo adjacente, quando apenas de sujeito e verbo ("eu ando");

     c) de primeiro adjacente, quando apenas de verbo ("escrevo").

     Contudo, os elementos, nesta última proposição, estão implìcitamente contidos nela, não explìcitamente, como vimos.

9.2  Divisão das proposições segundo a forma

     A forma é dada pelo verbo. A proposição pode ser, portanto, afirmativa ou negativa. Chamam os lógicos de qualidade essencial a essa qualidade.

     É negativa a proposição, cujo verbo é negado (não é). Uma proposição como o homem tem não-asas, não é negativa, porque a negação é apenas do predicado, não do verbo.

     A proposição é afirmativa quando o verbo (é) é implícita ou explìcitamente enunciado.

     O predicado como o sujeito podem ser considerados na proposição segundo a sua extensão e a sua compreensão. Daí decorrem algumas regras que são de máxima importância, e fundamentais para o silogismo.

     1) Segundo a extensão:

     a) na proposição afirmativa, o predicado per se é têrmo particular. Só é tomado na total extensão do sujeito nas definições. Assim, quando dizemos: "homem é um animal", animal é tomado particularmente. Quando dizemos: "homem é animal racional", animal racional, como definição de homem, é tomado em toda a extensão de homem, ou seja é todo homem.

     b) Na negativa, o predicado é tomado universalmente. Quando dizemos: homem não é pedra, recusamos ao homem ser pedra em toda a extensão do predicado. Estas regras são de máxima importância no silogismo e devem ser sempre lembradas.

     2) Segundo a compreensão:

     a) na afirmativa, o predicado é atribuído ao sujeito, segundo todas as suas notas. Daí decorre que uma proposição não é verdadeira se alguma nota do predicado não convém ao sujeito.

     b) Na negativa, não se negam distributivamente todas as notas do predicado, mas apenas tomado colectivamente. Quando dizemos que homem não é planta, não se nega que seja vivente, substância, etc., nega-se apenas ao homem a carência da sensação e da intelecção. A proposição negativa afirma menos que a afirmativa, e a particular menos que a universal.

9.3  Divisão da proposição segundo a quantidade

     A quantidade de uma proposição depende do sujeito. E como êste pode ser universal, particular ou singular, a proposição será, conseqüentemente, universal, particular ou singular.

     Assim: "Todos os homens são mortais" é universal. Tomamos aqui homens em toda a sua extensão. Se se diz: "o homem é mortal", é universal também, mas homem está tomado em sua compreensão.

     "Alguns brasileiros são paulistas" é uma proposição particular.

     "Napoleão Bonaparte foi imperador dos franceses" é uma proposição singular.

     Eis o clássico paralelogramo das preposições, segundo a quantidade e a qualidade:

    

     Dois juízos contrários não podem ser ambos verdadeiros, mas podem ser ambos falsos; da verdade de um, segue-se a falsidade do outro, não ao contrário; dois juízos sub-contrários podem ser ambos falsos, mas podem ser ambos verdadeiros em matéria contingente. Da falsidade de um, segue-se a verdade do outro, mas da verdade de um nada se segue em matéria contingente (não essencial). Dois juízos contraditórios não podem ser ambos nem verdadeiros nem falsos, um será verdadeiro e o outro falso, não havendo lugar para um terceiro juízo; dois juízos subalternos podem ser ambos verdadeiros ou ambos falsos: a) da verdade universal conclui-se a verdade particular, não ao contrário; b) da falsidade particular infere-se a falsidade universal, não ao contrário.

     Considerando-se essas regras clássicas e verdadeiras, podemos estabelecer o seguinte: pode-se concluir por subordinação da verdade de um juízo universal a verdade do juízo particular subordinado, e da falsidade de um juízo particular subordinado a falsidade do juízo superior. É o princípio do dictu de omni ..., o que é verdadeiro para todos é verdadeiro para cada um da totalidade. Não se pode, contudo, concluir afirmativamente do particular ao geral, nem negativamente do geral ao particular. Essa evidência é esquecida, contudo, por muitos ao realizar a inducção.

     Pode-se ainda ao contrário concluir da verdade de um juízo universal a falsidade do juízo contrário; da falsidade de um juízo particular a verdade de um juízo sub-contrário; da verdade ou da falsidade de um juízo qualquer, a falsidade ou a verdade do juízo contraditório. Fundam-se essas conclusões, como as anteriores, nos princípios de identidade, de contradição e de contingência. Dêles usam até os cépticos para justificar seu cepticismo ou as diversas tomadas de posição que escolhem.

     Contudo, não se pode concluir da falsidade de um juízo universal a verdade do juízo contrário, nem da verdade de um juízo particular a falsidade do juízo sub-contrário, como vimos.

9.4  Divisão da proposição segundo a unidade

     Segundo a razão da unidade, as proposições podem ser simples ou compostas.

     A proposição é simples quando tem um predicado atribuído ou não a um sujeito. Ex.: "Pedro é homem".

     A proposição é composta quando é composta de várias proposições; ou seja, composta de muitos sujeitos ou de muitos predicados. Ex.: "Pedro e Paulo são homens e brasileiros".

9.5  Da definição

     Pode-se propor esta classificação das definições, mais consentâneas com os estudos clássicos, cujo esquema emprestamos de Salcedo:

     Definição

     A nominal é aquela proposição que explica brevemente a significação dos vocábulos. Esta será puramente nominal se explica apenas o vocábulo ou alguma acepção ignorada. Esta definição é importante como ponto de partida para o exame de alguma distinção. A definição nominal pode ser comum ou privada. Comum é a que declara que o vocábulo é de uso comum entre os homens. Privada ou arbitrária, quando tomada segundo alguma significação que lhe é dada. Simbólica diz-se da definição que declara a significação de algum símbolo.

     Definição real é a proposição que define a coisa por suas notas reais, que se distinguem de todas as outras. Esta pode ser essencial ou descritiva. Essencial, quando explica a coisa pelas notas que constituem a sua essência. Esta pode ser física, se define a coisa pelas notas essenciais que, real-realmente, se distinguem na coisa. Assim o homem é um composto de corpo orgânico e de uma alma racional. Será metafísica se explica a coisa por notas que se distinguem apenas por razão, como a definição que é feita pelo gênero próximo e pela diferença específica, proposta por Aristóteles. Ex.: homem é animal racional. Esta é a definição que se deve preferir na Lógica e na Filosofia.

     Definição descriptiva, a que explica a coisa não por sua estricta essência, mas pelas propriedades, ou pelos accidentes, ou pelas causas ou por qualquer outro modo, que seja pela enumeração de diversas notas não essenciais. Será, pois, própria, se explica a coisa pelas propriedades que se dizem emanar da essência da coisa, como as definições que encontramos nas Ciências Naturais, porque lhes escapa a essência íntima das coisas, embora se fundem nas propriedades captadas nas coisas.

     Definição accidental explica a coisa pelo complexo dos seus accidentes.

     Definição causal, quando a coisa é explicada por suas causas externas (predisponentes), como a eficiente, a final. "O relógio é um instrumento para indicar as horas" (causa final).

     Definição genética, a que explica a coisa indicando o modo e a razão de sua gênese, como se vê na geometria. Ex.: "o círculo é a figura plana que surge do movimento da linha recta, convertente para o seu extremo fixo." Outro exemplo é a definição do eclipse lunar. O que a distingue da definição causal é que não indica apenas a causa, mas também o modo como é gerada.

     Ao examinar tais definições, verifica-se que algumas são perfeitas e outras imperfeitas. Diz-se que é perfeita a definição que não admite outra maneira de definir. Na disputa filosófica são imensamente importantes as definições, pois facilitam a melhor compreensão das questões e do estado das mesmas.

9.6  Leis da definição

     A definição será mais clara quanto mais claro fôr o definido. Para tanto devem evitar-se:

     a) que os vocábulos, que entram na definição sejam obscuros, vagos, metafóricos, pois não se pode definir o que não se conhece pelo que se desconhece.

     b) Deve-se evitar o círculo vicioso; ou seja, definir o mesmo pelo mesmo, como repetir, na definição, o têrmo a ser definido. Assim definir a psicologia como ciência dos factos psicológicos.

     A definição deve ser a mais breve possível.

     Ter a máxima clareza.

     Devem-se evitar todos os têrmos desnecessários e inúteis.

     Ser recíproca com o definido. "Assim homem é animal racional", "animal racional é homem".

     Não ser meramente negativa, porque impede a reciprocidade. Há definições que são aparentemente negativas. Assim o ser infinito é o que absolutamente não é composto, pois o ser absolutamente não composto é o absolutamente simples.

9.7  Do emprego da definição

     Se tentássemos definir tudo, chegaríamos ao círculo vicioso. Há, pois, muitas coisas que não são definíveis, porque são reductíveis a outras por serem simples. Conseqüentemente, nem todas as coisas podem ser definidas.

     Nem todas as coisas podem ser definidas por definição essencial e até metafísica.

     Tal se dá pela simplicidade da coisa, como são os conceitos transcendentais, os gêneros supremos para Aristóteles, porque não constam de um gênero próximo e de uma diferença específica.

     Outras coisas não podem ser definidas em consequência da deficiência de nossa mente, como se dá ao tentarmos definir os indivíduos, os quais apenas podemos descrever.

     A definição alcança a perfeição na proporção do exame cuidadoso e longo. No uso vulgar, as definições são apenas descriptivas. O ideal filosófico é alcançar as definições mais perfeitas quanto possível.

9.8  Algumas regras para as definições

     O melhor método para alcançarem-se definições rigorosas consiste em:

     a) evitar têrmos equívocos;

     b) se substância, defini-la por si; se accidente, defini-la em relação à substância à qual inere;

     c) se fôr um hábito ou uma potência, defini-la pelo acto; o acto pelo seu objecto formal; se relação, pelos têrmos correlatos;

     d) se são privações ou negações, defini-las pelos opostos positivos.

9.9  Via da definição

     Pode ser realizada pela via analítica ou via ascendente. O melhor estudo desta via é feito ao tratarmos dos métodos. Contudo, pode dizer-se que consiste a via analítica na análise; ou seja, na separação das diferenças, partindo-se do todo para as partes. Diz-se que é uma via ascendente, porque, na árvore de Porfírio, ascende-se dos inferiores para os superiores, assim do indivíduo, sobe-se à diferença específica, desta à espécie, da espécie ao gênero próximo, dêste aos remotos, anotando-se as diferenças que se dão entre êles.

     Pela via sintética ou descendente, ao contrário, se vai da parte para o todo, dos componentes à componência. Diz-se descendente (descensus), porque dela se desce aos inferiores, do gênero às espécies, destas às diferenças específicas, destas aos indivíduos.

     A via analítica era pelos antigos chamada de collectivam logice, lògicamente colectiva, enquanto a sintética era chamada de divisam logice, lògicamente divisa, porque, na primeira, tende-se a coligir, e, na segunda, a dividir. Não é, pois, de admirar que se dê, em ambas, diferenças de inversão na extensão e na compreensão das idéias.

9.10  Comentários dialécticos

     Ora, como veremos, todo ente pode ser virtualizado segundo os factôres emergentes e predisponentes que cooperam para que êle seja. A definição aristotélica, que é a definição metafísica, fundamenta-se apenas nas causas intrínsecas do ser (factores emergentes), que são a matéria e a forma de um ser, o de que um ser é feito e o pelo qual um ser é o que êle é. Procurando-se ao que analògicamente corresponde à matéria e à forma, encontramos a definição de qualquer coisa ou objecto de pensamento.

     De que é feito o homem? De animalidade. O pelo qual o homem é homem? Pela racionalidade. Consequentemente: homem é animal racional.

     De que é feita a prudência? De virtude. Pelo qual a prudência é o que é? Por ser a capacidade de saber escolher os meios para determinados fins. Logo, a prudência é a virtude que consiste na capacidade de saber escolher os meios para determinados fins.

     A pergunta pelo de que é feito, ou de que consiste, não quer apenas, como resposta, a matéria próxima, mas a formalidade dessa matéria, e a forma que tem ou lhe dão. O avião é um veículo a motor; seu gênero próximo, pois, é classificado entre aqueles, cuja forma, por ser um artefacto, é indicado pela funcionalidade de sua constituição tendente para um fim: voar. É, portanto, um veículo a motor para voar. Para alcançar-se a definição, busca-se primeiramente o gênero próximo, que é a classe, na qual está incluído o conceito e, depois, o que o diferencia especìficamente dos outros. A definição aristotélica é uma definição metafísica, e apenas descreve os factôres emergentes. Uma definição dialéctica concreta incluiria também os factores predisponentes necessários previamente para dar ser ao ente. Não é que Aristóteles não soubesse disso, pois dizia que a melhor definição seria aquela que incluísse todas as suas causas. Contudo, julgava-se fraco para alcançá-la, e esperava que "outros mais robustos que eu possam, no futuro, realizá-la."