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Capítulo 10
Exame Dialéctico das Relações entre o Sujeito e o Predicado


Métodos Lógicos e Dialécticos
Mário Ferreira dos Santos
I Volume
3a Edição (1962)
Enciclopédia de Ciências
Filosóficas e Sociais

Livro Original na Internet
10  Exame Dialéctico das Relações entre o Sujeito e o Predicado
    10.1  Os predicamentos
    10.2  Da relação

     Desde início, deve-se distinguir o sujeito lógico de o sujeito físico. O sujeito lógico, na Lógica Formal, é o que é denominado pela forma, ou capaz de receber a forma de razão. Lògicamente, é o de que se afirma ou se nega alguma coisa (predicado, o que se predica do sujeito). É o conceito-sujeito. Todo objecto pode ser sujeito de um juízo. Logo se vê que, ontològicamente, todo objecto pode ser sujeito de um juízo. Inclusive o que, num juízo, é predicado, pode ser sujeito doutro juízo. Assim "A é B" ou "B é A", quando há univocidade formal entre predicado e sujeito. Também o que constitui elemento de uma predicação pode tornar-se sujeito de outro juízo. Assim: "A supera a B" e "B é superado por A". "A" é sujeito no primeiro juízo, e "B", que era elemento predicamental no primeiro, passa a ser sujeito no segundo juízo, enquanto passa a ser elemento predicamental de B, o que era sujeito no primeiro juízo.

     O sujeito lógico não deve, pois, ser confundido com o sujeito gnosiológico, nem o psicológico, nem o sociológico, nem o gramatical.

     Na Lógica Formal, sujeito é o actualizado no juízo ao receber a atribuição de um predicado. Quando dizemos: "O livro que está sôbre a mesa é verde", livro é sujeito. Quando dizemos: "o verde do livro que está sôbre a mesa", verde passa a ser sujeito. Em ambos os casos, nota-se que há uma actualização, ora de livro, ora de verde, caindo, ora sôbre um, ora sôbre outro, o jecto predicamental.

     O acto de predicação consiste, pois, em enunciar o atributo de um ente, que lhe corresponde, ou em recusar-se-lhe um atributo. Desta forma, predicado e sujeito distinguem-se formalmente, embora em dois juízos, o que é predicado, ou o que é sujeito possam inverter seus papéis.

     Os conceitos universais são considerados pelos lógicos de duas maneiras: pelo seu conteúdo esquemático, que é o conteúdo eidético, e também pela maneira como são predicados do que se referem.

     Conforme o conteúdo eidético, sua agrupação e classificação se faz pelas categorias, que apontam a tal conteúdo.

     Quanto aos modos, são êles classificados em cinco, que tomam o nome de predicáveis, como vimos.

     E enquanto entram nessas classes, são êles também chamados de predicáveis. Segundo a reflexão, tomaram as categorias o nome de primeiras intenções, e os predicáveis, de segundas intenções ou universais reflexos, classificações que têm grande importância nos estudos escolásticos.

     As categorias, por sua significação, são tema de estudo na Ontologia, enquanto os predicáveis cabem à Lógica.

     Como há apenas cinco modos de predicar, há cinco predicáveis: gênero, espécie, diferença, próprio e accidente.

     Como vimos, êsses predicáveis são modos universais de predicação, pois todos os conceitos são classificáveis entre êles. Há tantos predicáveis quantos modos de predicação, que são os modos de conexão dos extremos, do sujeito e do predicado.

     O que se predica da totalidade, quanto à sua essência determinada, é a espécie. A essência de maneira determinada da totalidade das espécies é o gênero (assim o gênero animal abarca várias espécies, como homem, cavalo). Há, contudo, o que divide as espécies de um gênero; isto é, o que as diferencia umas das outras, como racional diferencia a espécie homem de outras espécies. Pròpriamente, o gênero não é dividido em diferenças, mas por estas é dividido em espécies. Quando a determinação, que diferencia, está fora do conceito da espécie, temos o próprio; e quando é meramente accidental, temos o accidente.

     Tais predicáveis são tudo quanto se pode predicar de muitos, univocamente, como dizia Tomás de Aquino. O indivíduo não é um predicável, porque não é universal, como vimos.

     Portanto, tudo quanto se predica de um sujeito cabe em uma dessas classificações.

     É o gênero - na definição de Aristóteles - o que é predicado de muitos, que são especìficamente diferentes em algo material (potencial), assim como o gênero animal se predica de muitas espécies. Refere-se mais o gênero à parte material (potencial) da espécie, pois esta se refere à forma. A espécie é o correlativo do gênero.

     Dos predicáveis, que são examinados nos manuais de Lógica, é de máxima importância, para a metodologia dialéctica, o próprio (a propriedade).

     A propriedade é uma forma de determinação, mas é uma determinação que pertence necessàriamente a um sujeito, que pode ser um indivíduo, uma espécie, um gênero. E quando tais propriedades excluem quaisquer outras, chamam-se de propriedades características. Assim, um ser, quando é o que é, tem suas determinações necessárias, actuais ou potenciais, que constituem suas propriedades, como o rir no homem. Algumas são exclusivas, como a que citamos, enquanto outras não o são, como o ser bípede, que é próprio do homem, não, porém, exclusivamente. Assim, há propriedades que são exclusivas de uma espécie, mas que não se dão em todos os indivíduos da espécie, como o ser gramático; há as que pertencem a toda a espécie e a todos os indivíduos, como o ser bípede; a que pertence a toda a espécie e a todo indivíduo, não sempre, como o falar e, finalmente, a que cabe a toda espécie, a todos os indivíduos sempre, e só, como o poder rir no homem.

     Nesse último sentido é que, em geral, se considera a propriedade (próprio) por ser a que constitui a propriedade máxima.

     Para alcançar-se a classificação das categorias (predicamenta, na Lógica Formal), há certos pré-requisitos que devem ser considerados, a fim de facilitar a ordenação daquelas. Êstes eram classificados em quatro antepredicamentos.

     O primeiro antepredicamento é dividido em unívocos, equívocos e denominativos, como vimos.

     O segundo decorre da distinção entre complexos e incomplexos. O terceiro antepredicamento é a distinção desses que estão no sujeito, que nêles são inerentes, enquanto accidentes, e os que se dizem do sujeito. Daí surgem quatro combinações propostas por Aristóteles: 1) entre os que se dizem do sujeito, mas que não estão no sujeito (substâncias universais, que são predicáveis dos sujeitos, não inerentes a êstes); 2) os que estão no sujeito, mas que não se dizem do sujeito (accidentes singulares, nêle inerentes); 3) os que se dizem do sujeito e que não estão no sujeito, como homem (que são as substâncias singulares); e 4) os que se dizem do sujeito e estão no sujeito, entre os quais temos os accidentes universais, como branco, no homem.

     No exame metodológico, que realiza a dialéctica concreta, não se pode esquecer (e isto é imprescindível) a análise da predicação, classificando-a entre os predicáveis, e a análise antepredicamental.

     O predicado ou é tomado genericamente, ou especificamente, ou é uma diferença específica, ou uma propriedade ou um accidente, com suas diversas classificações. Antepredicamentalmente, a classificação dos conceitos em complexos e incomplexos é importante. O conceito homem branco é complexo, enquanto homem é incomplexo, porque decorre de uma simples apreensão, e é constituído por uma só essência, e seu conteúdo é apenas essencial, enquanto em homem branco, o accidente universal branco entra na classificação sem pertencer à essência; por isso homem branco é um conceito complexo. Mas, a complexidade deve ser vista em si mesma e segundo o modo como é concebida. Por isso, os antigos lógicos, como vimos, classificavam os conceitos incomplexos, segundo o modo de conceber, e em si mesmos (voce et re, em voz e quanto à coisa, ao conteúdo) como homem; segundo o modo de conceber, porém, não em si mesmos (incomplexos voce non re): assim filósofo, como vox, é incomplexo, mas como conteúdo in re é amante do saber (philos e sophia). Como complexos, segundo o modo de conceber, não, porém, em si mesmos (voce non re), temos animal racional, pois êste conceito é complexo quanto ao enunciado verbal, mas em si mesmo é um só, em seu conteúdo, já que a racionalidade inclui a animalidade, no homem pelo menos.

     Os complexos, segundo o modo de conceber e em si mesmo (voce et re), temos por exemplo o homem da perna de pau.

     Considerando-se, por exemplo, um conceito como racional, temos um incomplexo quanto ao enunciado e quanto ao conteúdo in re. Ora, na análise dos predicados, essa classificação assume importância, pois facilita a caracterização das distinções que possam ser visualizadas no conceito.

     Ao caracterizar a analogia ou a equivocidade ou univocidade entre o predicado e o sujeito, surgem naturalmente muitos esclarecimentos dialécticos.

     Assim, o predicado mortal ao sujeito homem não indica univocidade entre ambos, porque não é apenas o homem que é mortal; não se pode estabelecer uma equivocidade, porque o têrmo mortal, aqui, não é tomado equivocamente, mas ambos se analogam num logos analogante, pois o homem é um ente mortal. Já não estamos aqui na Lógica Formal de origem aristotélica, mas, na de origem pitagórica, porque o modo de exame dialéctico do predicado em relação ao sujeito, exige que, desde logo, se busque o logos analogante próximo de ambos, pois todos os conceitos têm sempre um logos analogante que os análoga entre si, próximo ou remoto, mesmo os opostos, que são analogados na espécie. A lógica pitagórica, cujos laivos exotéricos conhecemos através da dialéctica socrático-platônica, e que está sendo reconstruída por nós (como mostramos em nossos livros especializados, e em grande parte neste), exige que se busque a relação que conexiona o predicado ao sujeito. Se o logos analogante é muito distante, remoto, pode haver o disparate, como a que se dá numa oração que se formulasse assim; "o homem é chapéu", pois não há nenhuma analogia próxima entre chapéu e homem. Mas, a que se dá entre homem e mortal provém do logos analogante, que é a classe dos sêres mortais, na qual se inclui também homem. Segundo as classificações da analogia, surgem as classificações que se podem estabelecer na predicação. Pode ser ela extrínseca ou intrínseca. É a mortalidade do homem, extrínseca ou intrínseca? É algo que se pode predicar como propriedade, ou um mero accidente, universal ou particular? É a mortalidade uma necessidade hipotética, ou absolutamente inevitável? Surgem aqui, sem dúvida, graças a essa análise, campo para várias investigações filosóficas.

     Vejamos agora esta proposição: o homem é um animal social. Há analogia, porque não é só o homem que é animal, mas o homem inclui-se entre os sêres que vivem em sociedade. Mas, de que modo se predica essa analogia? De modo intrínseco ou extrínseco? Se de modo intrínseco, a sociabilidade humana pertence à sua natureza como uma propriedade, ou como um accidente universal? Essa problemática decorre da análise dialéctica, ou, seja, da conquista dos pontos de suficiência explicativa que surgem pouco a pouco, à proporção que a análise se aperfeiçoa.

     A analogia pode ainda ser de proporcionalidade imprópria, como a metafórica (êste homem é uma tempestade, ou um furacão), ou de proporcionalidade própria, como a analogia de atribuição. Pode ainda a analogia ser meramente funcional, que é ainda uma espécie de proporcionalidade, ou ainda por homologia, como a que se dá entre as asas de um pássaro e as aletas de um peixe.

     Na univocidade, a voz refere-se ao mesmo conteúdo eidédico. Ora, o predicado pode univocar-se com o sujeito. Na definição, busca-se essa univocação, ou melhor, toda definição deve tender a dar o predicado que univocamente seja adequado ao sujeito. Assim, a definição aristotélica: homem é animal racional, animal racional se unívoca com homem, pois pretende-se, quando se diz animal racional, dizer-se o mesmo que homem, e vice-versa.

     Contudo, dialècticamente, há aqui um problema que surge da necessidade do esclarecimento dos têrmos. Que pretendemos dizer com homem? Essencialmente, é o ser que julga, que valoriza, que é capaz de realizar juízos de valor e raciocinar. Naturalmente, o têrmo refere-se a êste ser físico que chamamos homem, a cuja espécie pertencemos. Se houver um outro ser animal que seja capaz de valorizar, de julgar, de emitir juízos e realizar raciocínios, também seria êle um ser que valoriza, que pensa. Nesse caso, tomado em sua essência meramente formal, seria homem, também. Se um ser animal dêste ou de outro planêta tiver racionalidade será êle, portanto, também homem, sob êsse aspecto. Mas, quanto à natureza (quanto à sua fisicidade) impunha-se uma distinção importante. Assim, o ser homem, a cuja espécie pertencemos, seria essencialmente unívoco com êsse outro ser racional, mas, quanto à natureza haveria apenas analogia entre ambos. A distinção entre essência e natureza, que é fundamental em nossa dialéctica, permite compreender perfeitamente a luta que se travou e se trava entre os escolásticos no que se refere à univocidade e à analogia, sobretudo ao tratar-se dos atributos divinos, que são formalmente unívocos, enquanto tomados em sua essência, aos que se dão no homem (como o saber, do qual o homem participa), mas são de natureza diferente (pois o saber do ser divino é infinito, e é êle mesmo, enquanto no homem é deficiente).

     Deste modo, impõe-se metodològicamente, ao examinar o predicado, verificar se a sua univocidade, ou analogia em relação ao sujeito, se referem ao aspecto formal ou à sua fisicidade, ou, seja, em nossa linguagem, à sua eideticidade ou à sua fisicidade.

     Após êsses exames, seguem-se os que pertencem à quarta classificação aristotélica, que se refere à distinção entre os predicamentos, a distinção que se pode estabelecer entre êles.

10.1  Os predicamentos

     Os predicamentos são as categorias, estudadas na Lógica e na Ontologia, segundo a classificação aristotélica, ou segundo as de outros autores, e se referem, como já vimos, à classificação que se pode fazer quanto ao conteúdo eidético dos conceitos, enquanto os predicáveis referem-se aos modos.

     Os dez predicamentos de Aristóteles são: substância, quantidade, qualidade, relação, habitus, quando (tempo), ubi (lugar), sítio, acção e paixão (passio), como já vimos.

     No exame dos conceitos, a classificação em tais categorias se impõe, porque enquanto a primeira, referindo-se à substância, é perdurante, as outras nove, por serem accidentais, podem não o ser.

     A substância pode referir-se à substância primeira (matéria) da coisa e à substância segunda (a forma). Pode ser composta ou simples, segundo a parte essencial. No Organon aristotélico e na obra lógica dos escolásticos, o exame das propriedades da substância já foi realizado. Todas essas contribuições são de grande valor para o exame dialéctico concreto. Contudo, o conceito de ousia (substância) para a dialéctica concreta, distingue-se sob vários aspectos da concepção clássica. Não que consideremos esta falha, mas apenas julgamos que a dialéctica concreta contribui com precisões que facilitam a melhor compreensão do que apenas formalmente havia sido examinado por Aristóteles e os escolásticos.

     A ousia da coisa é constituída pela sua emergência, que é, como sabemos, constituída pelos factores intrínsecos de um ser, no que se refere ao de que é constituído, e ao pelo qual é o que é, que são, na linguagem aristotélica, a matéria (de que) e a forma (pelo qual). Toda coisa, quando é, é alguma coisa, e é por uma certa proporcionalidade intrínseca que é o que é, e não outra coisa. Uma coisa começa a ser o que é, no precípuo momento em que começa a ser. Sua emergência não a antecede, pois então ela existiria antes de existir, mas é constituída no momento em que vem a ser. Ora, a sua emergência, tomada formalmente, não é mais nem menos, porque não seria o que é se fosse mais do que é ou menos do que é. Não possui um contrário, porque o não-homem não é uma substância, uma ousia, mas apenas uma indeterminação, e refere-se a tudo quanto substancialmente não podemos classificar como homem. A ousia, a emergência portanto, está sujeita a accidentes antinômicos, que são constituídos pelos seus graus de intensidade e extensidade. Ora, sabemos, através de nossos estudos dialécticos, que a emergência se apresenta com variância e invariância. Sua invariância é constituída pela presença emergente, tomada como lei de proporcionalidade intrínseca, mas sua variância surge da sua capacidade accidental de sofrer a influência dos factores predisponentes e dos próprios emergentes em sua mútua actuação. Assim, no homem, o seu componente biológico e fisiológico, que constitui o seu aspecto material, da matéria humana substancial, na linguagem clássica, e o seu componente formal, que subordina a parte psíquica e também a sua espiritualidade, constituem a sua substância. Mas, a sua constituição psíquica tem raízes fisiológicas, como se vê pela fisiologia do sistema nervoso, e também biológica, e há uma interectuação inegável. Mas, como todo ser finito se caracteriza por uma capacidade potencial, e é apto a receber determinações, a emergência humana não é algo que se dá de per si, mas algo que se dá decorrente dos factores predisponentes que o antecedem, acompanham e sucedem, como sejam o factor ecológico, tomado em tôda a sua amplitude, e o histórico-social de sua ascendência específica, e também do ambiente histórico-social, que é constituído pelos grupos sociais de que faz parte. Ora, êstes actuam sôbre a sua emergência proporcionadamente à capacidade de determinação que esta oferece, segundo os graus de actualização de sua variância, o que nos explica a heterogeneidade dos sêres. O invariante é aí a parte meramente formal, que corresponde ao arithmós eidético in re dos pitagóricos, e a variância corresponde à capacidade de determinação e de ser determinado (acto potencial e potência activa), de que dispõe o ser em sua intrínseca constituição.

     Se a Lógica Formal clássica trabalha com as categorias aristotélicas, a dialéctca, que preconizamos, usa também as categorias pitagóricas, as dez categorias que já examinamos em nossos trabalhos, que correspondem às dez leis que regem toda existência, que são as de ousia, de oposição, relação, reciprocidade, proporcionalidade intrínseca, harmonia, evolução, transimanência específica, totalidade e integração transcendental, sem que essas categorias, que são propriamente leis, pretendam renegar a classificação aristotélica. De modo algum, a dialéctica concreta quer abandonar a contribuição aristotélico-escolástica, mas quer precisar o aspecto dinâmico que é inseparável da dialéctica como aplicação mais natural da Lógica Formal. Assim, as categorias de qualidade e quantidade surgem da relação formada pela oposição do que é imanente ao ser, pois, dessa oposição, a relação, que surge, é qualificadora, determinadora, e inclui nessa determinação a quantidade, que é o que corresponde ao quantum da determinação qualitativa. O resultado dessa determinação, provocada pelo agir-sofrer proporcional dos opostos (reciprocidade), realiza a estabilização de uma proporcionalidade intrínseca que perdura (a forma), que é reveladora da adequação dos opostos analogados a um logos analogante, que lhe dá a normal do proceder do ontos (ente) realizado (harmonia). O homem, por exemplo, surge da oposição entre a sua animalidade e a sua espiritualidade, que cooperam na formação de relações intrínsecas, segundo uma lei de proporcionalidade decorrente da reciprocidade estabelecida entre tais opostos, a qual revela sempre uma harmonia, que é estabelecida pela analogia dos contrários (pois a espiritualidade é analogada à animalidade do homem), e obediente a uma normal, que se manifesta pelo interesse da totalidade dêste homem, sua conservação, etc.

     Ora, a oposição não exige separabilidade absoluta, mas apenas distinção funcional. Não podemos aqui avançar mais, porque a exigência de outras análises impõe outros exames para que se possa estabelecer uma análise dialéctico-concreta da hominilidade, que não é tarefa difícil, depois de havermos precisado todos os elementos imprescindíveis para a crítica dialéctica.

     A substância primeira, o de que a coisa é, aponta à individualidade do ontos, enquanto o pelo qual (formal) é aponta a substância universal. Ambas constituem o modo de ser da coisa (modi essendi), que são a universalidade e a singularidade. O de que (quod) indica a singularidade, e o pelo qual (quo) a universalidade. Mas, note-se que, dialècticamente, o de que tem um pelo qual, pois a animalidade do homem é a animalidade do homem, e não qualquer animalidade. A substancialidade primeira do homem já tem uma forma. A carne do homem é carne humana. A substancialidade segunda, que é aristotèlicamente a sua forma, tem também um de que, porque a forma do homem é a forma humana.

     Se examinamos emergentemente um outro têrmo, podemos caracterizar êsses aspectos. Tomemos, por exemplo, trabalho. A primeira pergunta dialéctico-concreta nos interroga: de que é feito o trabalho? A resposta é: do esforço físico ou mental (erg). Pelo qual o trabalho é trabalho e não qualquer esforço? Pela presença da racionalidade humana, que dá uma direcção, uma finalidade. Neste sentido, os animais não trabalham; mas só um ser inteligente, racional, trabalha. Nem qualquer esforço humano seria trabalho, como não o é o andar, o comer. Mas, no esporte, há um esforço, e há uma direcção inteligente. É trabalho, portanto? Se considerarmos apenas como enunciamos acima, será trabalho, mas se dermos ao trabalho mais uma determinação, como seja a de produzir bens material ou espirituais, teremos o trabalho (humano) econômico. Estaremos, já, numa espécie de trabalho. Ora, a dialéctica concreta não se satisfaz com as classificações meramente fundadas em asserções lógicas. Todo o seu empenho se dirige à busca do significado ontológico, porque só aí alcançaria a apoditicidade. Precisamos, pois, para alcançar a apoditicidade, chegar a um enunciado do trabalho, do qual se possa dizer: necessàriamente, trabalho é P, e nada mais que P. Teremos, assim, que alcançar a uma predicação necessária. E essa predicação é o conteúdo ontológico do conceito trabalho. É necessário ao trabalho esforço (erg)? Sim. É necessária uma presença racional? De certo modo, sim. É necessária uma direcção determinada, ou não? Não, salvo quando queremos determinar as espécies de trabalho. Portanto, pode-se dizer: Trabalho humano é necessàriamente todo o esforço dirigido e criado pela inteligência, tendente a um fim determinado (a determinação do fim classificá-lo-á como esportivo, económico, social, etc).

     Se considerarmos apenas o esforço que tende para algo, teremos o seu sentido genérico, o qual incluirá o esforço físico inorgânico, o qual se realiza, por exemplo, numa combinação ou numa operação físico-química. Teremos alcançado o conceito universal de trabalho, o eidos do trabalho. Necessàriamente trabalho é eidèticamente todo esforço que tende para algo. Nesse enunciado ontológico eidético, temos a universalidade, e o trabalho humano seria apenas uma espécie de trabalho, a humana.

     Então, em sentido genérico, há trabalho entre os animais, o qual se realiza à semelhança do trabalho do homem, mas apenas quanto à sua universalidade, não quanto à sua especificidade. Se falamos no campo antropológico, temos que tomar trabalho em seu sentido específico; se falamos no campo da ciência natural, temos de tomá-lo em seu sentido genérico.

     A não-precisão de tais aspectos pode gerar diversas falácias (sofismas), quando intencionalmente realizadas.

     Tudo quanto é material é quantitativo, porque decorre do que está contido na materialidade determinada. O conceito de quantidade implica haver partes fora de outras partes numa substância, tomada em si mesma. Só há quantidade, onde uma substância pode ser considerada em sua componência, e, enquanto nesta, como contendo partes fora de outras. Esta é a quantidade predicamental, e implica multidão. Transcendentalmente, pode a quantidade ser considerada como abstraída dessa ordem, como o número para a matemática comum, que é a quantidade transcendental.

10.2  Da relação

     O conceito de relação implica a ordem de algo para algo (unius ad aliud). Mas êsse é um conceito lato. Há relação, quando há um relatum, um referir-se de um a outro, um ad aliquid, um para algo. Na relação, temos a própria relação, o sujeito ao qual se refere, o têrmo ao qual se refere o sujeito, e o fundamento no qual resulta a relação.

     Entre João triste e Pedro triste, há uma relação de semelhança, pois triste é o têrmo, e a tristeza é o fundamento. O tema da relação pertence à Ontologia, mas na dialéctica concreta, é de importância, sobretudo no que se refere à predicação, porque esta é a relação que se forma entre o sujeito e o predicado.

     No exame da relação entre sujeito e predicado, segundo a dialéctica concreta, não nos afastamos das contribuições da Lógica Formal, embora não possamos seguir o seu roteiro, mas, sim, colocando, sempre que possível, o que é positivo, e que permanece válido.

     A dissociação da proposição em seus três elementos fundamentais é uma realização da análise. Na verdade, a proposição é uma totalidade, uma tensão, com sua estructura coerente e coesa, na qual estão, coactamente colocados, os elementos que poderão posteriormente ser distinguidos pela análise, como sejam sujeito, predicado e modo de predicar.

     Na verdade, psicològicamente considerados, a proposição, ou o juízo, são estabelecidos em primeiro lugar, e dados como totalidade. Assim, quando alguém tem fome, essa apreensão psicológica é dada como uma totalidade, que, logicamente, é expressada pela proposição: Tenho fome. A proposição, psicològicamente, é um todo, que é desdobrado em conceitos na exposição lógica.

     Quando temos uma idéia, um sentimento, e o expressamos verbalmente, fazemo-lo por proposições lógicas, como poderíamos, e podemos fazer, por gestos significativos. Desse modo, é inseparável da proposição psicológica a sua significação; ou, seja, o que pretende dizer, o conteúdo psicológico da mesma.

     É por meio de conceitos, que verbalmente o ser humano expressa suas idéias, seus desejos, suas emoções diversas, suas opiniões. E elas podem ter, como têrmos significativos, gestos, sinais e vozes, que são as palavras faladas.

     Com a linguagem falada, abre-se fatalmente o caminho da lógica. Noo-genèticamente, a formação dos ante-conceitos e dos conceitos, que examinamos em "Noologia Geral", e o fazemos com mais abundância de pormenores em "Tratado de Esquematologia", é posterior à formação da proposição psicológica, como examinamos em "Psicologia". Só após a formação dos ante-conceitos e dos conceitos, e de seu desdobramento nas categorias conceituais, seria possível o surgimento da Lógica, como disciplina, pois só então há todos os elementos imprescindíveis para que a Lógica se construa. É, pois, de admirar que haja a confusão comum que se encontra no sector dos estudos lógicos entre o aspecto psicológico e o aspecto meramente lógico da expressão do pensamento humano.

     Quando o ser humano expressa em palavras as suas vivências sensíveis, intelectuais ou afectivas, êle o faz por meio de conceitos que já estão estructurados. A expressão lógica tem certo estaticismo, mas sua significação pretende obter a máxima dinamicidade, e reprodução do que há de heterogêneo na vivência noética.

     Reduzir a Lógica à Psicologia é confundir estructuras diferentes, como poderemos observar em poucas análises.

     As vivências noéticas em geral, incluindo as sensíveis, as afectivas e as intelectuais, são dadas como totalidades. Elas, por sua vez, revelam nexos noéticos. Também os factos do mundo exterior ao mundo vivencial humano revelam nexos em seu acontecer, e repetições fenomênicas, que são apontadoras de estructuras eidéticas, pois esta pedra, aquela ali, e aquela outro acolá, apontam a uma estructura eidética, que é pedra.

     A conceituação humana lógica é obra posterior. O gesto defensivo e significativo de um conteúdo conceitual: defesa. Mas também o é o gesto defensivo dos acúleos das plantas, ou o esgar e o recuo do animal açulado.

     Há entre êles algo em comum que os unifica num mesmo conteúdo significativo, pois todos apontam para uma mesma intenção: a defesa.

     A necessidade da comunicação e a complexidade constante da vida social, que se heterogeneiza, levou o homem a uma conceituação vária. E os têrmos verbais, que usou, têm uma significabilidade, apontam a um conteúdo intencional.

     Dêste modo, pode-se dizer que há uma lógica universal, uma pan-lógica, que é expressada por todos os gestos por todas as vozes, por todas as atitudes significativas, que em toda natureza se expressam. E essa linguagem significa, no homem, o apontar das suas vivências. Não é a Psicologia que cria a Lógica; esta não se deriva daquela, como também não é da Lógica que se deriva a Psicologia.

     Os conceitos surgem da necessidade de expressão que se caracteriza pela significabilidade de um conteúdo vivencial. Mas êsse conteúdo vivencial não constitui o único conteúdo da linguagem, porque há também uma significação nos gestos, nas atitudes e nas vozes da natureza, que apontam a outros conteúdos.

     Se observarmos a vida psicológica humana, encontramos similar na vida psicológica animal. O espanto, o terror, o medo, o desejo, o anseio, a atracção, a repulsa, a ira, etc, expressam-se por sinais. Há, na natureza, sêres que se distinguem, se assemelham, aspectos, que se opõem, forças que convergem, associações, disassociações, reproduções. As coisas repetem aspectos das outras, assemelham-se, classificam-se segundo essas semelhanças. A linguagem humana expressa a vivência intelectual, sensitiva e afectiva do homem. As palavras são sinais dessas vivências, e também dos factos que acontecem no mundo exterior, das semelhanças, dos aspectos que se distinguem e se opõem. Há sempre um logos que a palavra aponta, assinala, significa. Êsse logos não se dá isolado, só, mas acompanhado de outros, e entre êles há nexos de dependência, de oposição, de relação. A linguagem procura expressar tais conteúdos. A lógica não é apenas do homem, mas de todo o existir. Há pensamentos em todas as coisas, que o acto psicológico pode captar. O acto psicológico não cria o pensamento, mas capta o pensamento, e o expressa através de sinais que o apontam. Aquele mar azul não é uma criação da nossa sensibilidade, pelo simples facto de que ela capte o azul. Êle é, em si, e na relação que forma com a nossa capacidade cognoscitiva, azul em sua coloração. Quando expressamos a proposição: Êste mar é azul, expressamos uma vivência sensível, que é assinalada por têrmos verbais significativos daqueles conteúdos existenciais.

     Há uma lógica na natureza, porque, do contrário, não haveria a Matemática, a Física, a Ciência. Seria ingenuidade pensar que a Matemática, a Física, a Ciência, em suma, fossem meras imposições assinalativas de nossas vivências, sem correspondências exteriores. E por que houve filósofos que pensaram assim? Porque êles reduziram a Lógica à Psicologia, apenas às nossas vivências, como se não houvesse também um assinalar das coisas a conteúdos eidéticos, embora não noéticos, não pertencentes ao nosso nous (ao nosso espírito), mas apontadores de estructuras eidéticas, de leis de proporcionalidade intrínseca, que as coisas também expressam.

     A simbólica seria impossível sem êsse significar, embora o símbolo já exija um sinal específico, pois tal sinal é aquele que participa de uma qüididade da coisa simbolizada, como o demonstramos no "Tratado de Simbólica".

     Não são nossos esquemas que coordenam a natureza. As coisas não sucedem segundo a nossa Lógica, como se houvesse uma lógica que fosse exclusivamente nossa e separada e estranha aos nexos da natureza. Nossa Lógica é e foi constantemente construída através dos nexos que as coisas revelam. Nossas experiências permitiram que ligássemos uma significabilidade com outra. Quando nossos ouvidos ouviam o trovão, já nossos olhos haviam visto o raio. Só depois poderíamos compreender que além do nexo de sucessão, havia um nexo de dependência. Todo o mundo animal, vegetal e humano davam-nos lições lógicas.

     Nossos conceitos foram expressando nossas vivências que, por sua vez, eram significativas dos factos. Nesse sentido, seguindo essa via, os conceitos, como expressões verbais, são sinais das nossas vivências, mas estas assinalam também os factos e os nexos que entre êles podemos captar. A Lógica, que criamos, não foi imposta por nós à natureza. Nós é que, pouco a pouco, captamos o nexo dos conceitos, e construímos a Lógica, mas êsses conceitos, que assinalam nossas vivências, estão impregnados da significação do que acontece e do que é.

     E assim, como em outro mundo, um ser inteligente, ao examinar o triângulo, captaria as propriedades dêste, e seria capaz de construir uma geometria, também seria capaz de construir uma matemática. A lei da triangularidade não é algo que exista apenas no homem, mas algo que se dá nas coisas. E na triangularidade estão todos os pensamentos que ela pode apontar. Nós apenas captamos, pelo acto de pensar, êsses pensamentos.

     Vê-se, dêste modo, quão rica e importante é a distinção que se tem de fazer entre pensamento e acto de pensar.

     Um pouco de filosofia nos encaminharia fàcilmente por roteiros importante. Tudo quanto é, foi ou será era uma possibilidade de ser, porque, do contrário, não se daria agora, nem nunca se teria dado, nem nunca poderia dar-se.

     Assim, podemos captar as possibilidades que podem actualizar-se, segundo nossa capacidade cognoscitiva. Mas, como tudo quanto é e pode ser é inteligível, é passível de ser captado por um ser inteligente, todas as possibilidades actualizadas no passado, no presente ou que se actualizarão no futuro são inteligíveis, embora nem sempre o sejam por nós, por alguns de nós.

     Todas essas possibilidades são pensamentos, são captáveis por um acto de pensar. Desse modo, todos os pensamentos já estão de certo modo dados. Uma mente infinita, como teològicamente se dá a Deus, pode captar, num só acto intelecto, todos os pensamentos, porque, realmente, dela, dentro do âmbito teológico, são todos êsses pensamentos.

     De um facto dado, uns captam êstes ou aqueles pensamentos, enquanto outros podem captar diferentes e opostos, do mesmo modo que ante esta planta uma criança, um poeta, um botânico captam pensamentos tão diferentes e tão vários.

     Mas, todos êsses pensamentos não são átomos diacriticamente separados por um abismo. Há entre êles nexos diversos, nexos de dependência, de subordinação, etc. Que são as classificações lógicas dos conceitos senão o apontar dessas relações e desses nexos que os pensamento mantêm entre si?

     Há, sim, uma lógica universal, há uma conexão dos logoi de todas as coisas e de todos os pensamentos. Nossa Lógica é apenas um capítulo, o estágio dessa lógica universal. É deficiente, afirmarão. Ninguém o nega, mas ninguém pode negar que tem havido um progresso no processamento da Lógica como disciplina culta. E êsse progresso tem revelado que o conexionamento de nossos conceitos corresponde ao conexionamento dos pensamentos que somos capazes de captar entre as coisas. Se a nossa Lógica não dá exaustivamente a verdade de todas as coisas, ela não nos engana. Gnosiològicamente, já o provamos em "Teoria do Conhecimento", nosso conhecer é verdadeiro totum et non totalíter. Podemos saber, como verdade, que êste objecto é uma pedra, sem que saibamos como é a lei de proporcionalidade intrínseca que coerência a estructura do que chamamos pedra. Mas sabemos que, nessa pedra, há uma lei de proporcionalidade intrínseca (forma), que coerencia a sua estructura. O nosso conceito pedra assinala a existência dessa lei nesse ser, sem que saibamos ainda, e exaustivamente, o que a faz ser pedra. E sabemos também que aquele outro ser é pedra, porque repete caracteres iguais ao que revela êste objecto. E não erramos, pois sabemos que em ambos há a mesma lei de proporcionalidade intrínseca que coerencia as suas estructuras.

     Quando, após o desenvolvimento de nossos conhecimentos, chegamos a saber que a fórmula esquemática da água é H2O; ou, seja: que a sua estructura molecular é formada pela proporção de dois átomos de hidrogênio para um de oxigênio, ainda não sabemos tudo sôbre a água, mas já sabemos mais do que sabíamos antes do progresso de nossos exames químicos. E é de presumir que o desenvolvimento de nossos conhecimentos, graças a futuras investigações, possa dar-nos um saber mais amplo sôbre a estructura intrínseca da água. E, nesse momento, em cada um dos estágios desse conhecimento, essa lei de proporcionalidade intrínseca se nos vai revelando cada vez mais.

     E onde encontramos outra vez água, sabemos que nesse ser deve haver a mesma lei que nêle se repete.

     É a natureza que afirma haver uma lógica. A nossa é o produto de uma cooperação da nossa esquemática noético-eidética aplicada e estimulada pelos factos da mesma natureza.

     Cremos ter sido suficientemente claros, e quem meditar sôbre nossas palavras há de concluir que se houver outros sêres inteligentes, que não o homem, no universo, êles também terão uma Lógica, e essa não será uma contradição da nossa, não excluirá a nossa, pois toda contradição é excludente, embora possa ser distinta da nossa, talvez mais ampla e mais capaz, mas nela se há de obedecer ao mesmo rigor das significações, dos conteúdos eidéticos e dos nexos que a nossa já tem conseguido em parte conquistar.

     Perscrutando a natureza exterior e a de si mesmo, o homem capta pensamentos, e capta seus nexos, e graças a êsse acúmulo de conhecimento é capaz de construir a Lógica e, com ela, a Ciência e a Filosofia. Quando Aristóteles a chamava o Organon, o instrumento, compreendia em toda a sua extensão o seu papel. Ciências auxiliares foram chamadas a Lógica e a Matemática, e êsse título bem a mereciam, pois sem a Lógica como haver a Filosofia, e sem a Matemática como construir a Ciência Natural?

     É a Matemática apenas uma lógica dos números e a Lógica uma matemática dos conceitos? Essa afirmação é esteticamente bela, já o mostramos, porém, não diz tudo, porque esta Matemática como esta Lógica estão subordinadas, por sua vez, a uma Mathesis Suprema, que é o saber mais elevado, o saber a que aspira o filósofo, êsse viandante do conhecimento, êsse buscador afanoso, pois a filosofia é todo o processar desse afã em busca da Mathesis Suprema, como a concebiam os pitagóricos de grau mais elevado.

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     Volvendo ao que dizíamos, com referência à proposição psicológica, a transformação desta em proposição lógica se realiza quando a conceituação já se estructura. Nós procuramos os conceitos que assinalam o conteúdo proposicional psicológico, que é dado como um todo.

     Êste-livro-que-está-sôbre-a-mesa é um todo psicologicamente captado, que passa a ser expressado por êsses sete conceitos ordenados.

     É êsse processamento lógico que conclui no juízo, pois este já é lógico, uma vez que nêle há o assentimento mental de que corresponde a um ou mais conceitos a outro ou outros conceitos (predicação do predicado ao sujeito).

     O que a nossa proposição psicológica actualiza é uma totalidade, mas, lògicamente, buscamos o que recebe a conceituação; ou, seja, o sujeito e o predicado, que lhe correspondem. Nesse acto lógico, já há um relacionamento, que é a predicação que surge de um assentimento, pois, ao predicar-se, assentimos em atribuir a um conceito outro conceito, ao conceito-sujeito o conceito-predicado. Êstes três têrmos elementares constituem o juízo lógico, e são os componentes da sua estructura física, da sua matéria, para usarmos uma expressão clássica da Lógica Formal.

     Na relação de predicação, há um julgamento (juízo), porque se diz o que está ou o que se pode acrescentar, juntar ou afastar do que se conceitua.

     Como vimos, há nessa relação de predicação certa analogia, ou não, entre o conceito-predicado e o conceito-sujeito. Se atribuirmos um predicado afirmativamente, é mister que entre êle e o sujeito haja um nexo de predicação, que, como vimos, é um logos analogante próximo ou remoto, pois, do contrário, a predicação é disparatada, ela dis-para da outra, como se dá na proposição Homem é chapéu. Na proposição negativa, em que a predicação é negada, não há disparate, como quando se diz Homem não é chapéu. Não se pode confundir a proposição negativa com o predicar negativo. Quando digo: nenhum homem é pedra estou em face de uma proposição que pretende dizer que se excluem os homens dos entes que são pedra, e que, não se pode predicar o ser pedra a homem algum. Mas, ao dizer O homem não é pedra, negamos de modo diferente, pois não excluímos o sujeito, mas a predicação. É muito subtil a distinção, mas de valor em certos pensamentos como ainda veremos.

     Se todos os homens do mundo se tornassem cegos poderíamos dizer: Todos os homens actuais são cegos, mas se se desse que alguém, nesse instante, desconhecendo que houvera homens com a visão, dissesse: Todos os homens são cegos, nesta proposição afirmaria que o eram tanto os actuais como os passados e também os futuros.

     Vejamos outro exemplo, para daí tirarmos as conclusões: Nenhum homem é pássaro. Temos um juízo negativo universal, que pretende dizer que todos os homens excluem-se da classe dos pássaros. Com a proposição: nenhum homem tem asas, queremos dizer que todos os homens excluem-se da classe dos sêres que têm asas. Quando dizemos "O homem não tem asas", negamos que seja de sua natureza ter asas. A ausência de asas é carência e não privação. Assim quando dizemos "Todos os S são P", tomamos S em sua extensão, e quando dizemos O homem não tem asas, tomamos homem em sua compreensão.

     Temos, pois, três maneiras de realizar a negação: 1) negação do sujeito (nenhum); 2) negação da predicação (não é); 3) negação do predicado (não-P).

     Há uma diferença, ao dizer: Nenhum homem tem asas - O homem não tem asas e O homem tem não-asas. No primeiro caso, o sujeito é excluído da predicação; no segundo, o predicado é negado, porque é negada a predicação; no terceiro, nega-se um predicado determinado, mas deixa-se a porta aberta à indeterminação. Dizer-se que o homem tem não-asas, quer dizer que tem algo que não é asas, mas êsse algo está indeterminado, podendo ser tudo quanto o homem pode ter, menos asas.

     Tomemos o juízo universal negativo: nenhum homem tem asas e o particular negativo: alguns homens não têm asas, no primeiro há exclusão do sujeito, no segundo, da predicação a alguns, pelo menos, na Lógica Formal, a particular está subordinada à universal, tanto a negativa como a afirmativa.

     O valor destas distinções subtis se revelará oportunamente, como teremos oportunidade de ver.

     Observados os dois têrmos fundamentais da proposição, pode-se desde logo notar que, em suas relações, e tomados em si mesmos quando nessa relação, apresentam os têrmos acepções diversas, correspondentes ao universo de discurso das diversas disciplinas, planos e esferas do conhecimento humano. Assim o têrmo homem, na Psicologia, na Antropologia, na Filosofia, na Sociologia, na Política, na Anatomia, etc, toma acepções distintas, várias. A Lógica procura naturalmente tomá-lo em sua acepção mais abstracta. Assim o homem da Zoologia, que é um primata, é, na Lógica, apenas um animal racional, que metafisicamente é um ser que tem animalidade e racionalidade, constituindo uma unidade.

     Um mesmo têrmo, num juízo, pode ter uma acepção e, noutro juízo, outra acepção. São comuns os sofismas que surgem do emprego vário dos têrmos, mesmo quando não são meramente equívocos, como cão, que é o nome de uma constelação e também de um animal, mas análogos, como o é homem para Zoologia, e homem para a Metafísica.

     Foi por êsse motivo que os antigos lógicos, ao estudarem as propriedades que decorrem das proposições, distinguiram as propriedades referentes às partes das proposições (sujeito, predicado e a cópula), e as propriedades que se referem à proposição tomada como totalidade.

     Entre as que se referem às partes, temos a suppositio, a ampliação, a restricção, a alienação, a diminuição e a apelação. E entre as que se referem à proposição como totalidade, temos a oposição, a conversão e a eqüipolência.