Métodos Lógicos e Dialécticos Mário Ferreira dos Santos I Volume 3a Edição (1962) Enciclopédia de Ciências Filosóficas e Sociais Livro Original na Internet ****** Sumário ****** 1 Preliminares 1.1 Obras de Mário Ferreira dos Santos 1.2 Índice original 1.3 Prefácio 2 A Lógica e a Dialéctica 3 A Primeira Operação do Espírito 3.1 O conceito 4 Do Conceito 5 Do Têrmo 5.1 Divisões dos termos 5.2 Do nome e do verbo 6 Dos Universais 6.1 Dos predicáveis 6.1.1 Do gênero 6.1.2 Da espécie 6.1.3 Da diferença 6.1.4 Do próprio 6.1.5 Do accidente 7 Das Categorias (A Substância) 7.1 A substância 7.2 Accidente predicamental 8 Da Qualidade Predicamental 8.1 Do hábito 8.2 Da paixão (passio) 8.3 Da relação predicamental 8.4 Da acção e da paixão predicamental 8.5 Do ubi (do onde) predicamental 8.5.1 Do lugar predicamental 8.6 Do quando predicamental 8.7 Do hábito predicamental 8.8 Dos postpredicamentos 9 A Segunda Operação do Espírito 9.1 Das proposições 9.2 Divisão das proposições segundo a forma 9.3 Divisão da proposição segundo a quantidade 9.4 Divisão da proposição segundo a unidade 9.5 Da definição 9.6 Leis da definição 9.7 Do emprego da definição 9.8 Algumas regras para as definições 9.9 Via da definição 9.10 Comentários dialécticos 10 Exame Dialéctico das Relações entre o Sujeito e o Predicado 10.1 Os predicamentos 10.2 Da relação 11 Da Suplência 12 Exame Dialéctico dos Conceitos Universais 13 Dialéctica do Conceito 14 Da Terceira Operação do Espírito 15 Do Silogismo - Exame Sintético 16 Exame Analítico do Silogismo 17 Primeira Figura 18 Segunda Figura 19 Terceira Figura 20 Quarta Figura 21 Quinta Figura 22 Reducçao a Primeira Figura 23 Métodos Práticos do Silogismo 24 Comentários Finais 25 Alguns Silogismos Defeituosos Quanto à Forma 26 Da Eqüipolência 26.1 Das ilações 27 Das Conversões das Proposições (Juízos) 28 Reducção Indirecta ao Impossível 28.1 Da divisão 28.2 Fundamento e regras da divisão 29 Dos Juízos Modais 29.1 Outros esquemas das proposições modais 30 Dos Silogismos Hipotéticos 30.1 Das proposições condicionais 31 Os Chamados Silogismos Disjuntivos 32 Do Dilema 33 Do Método 34 Exemplo do Método Heurístico 35 Classificação do Método 35.1 Dos métodos analíticos e sintéticos ****** Capítulo 1 Preliminares ****** MÉTODOS LÓGICOS E DIALÉCTICOS MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS MÉTODOS LÓGICOS E DIALÉCTICOS I VOLUME 3a edição LIVRARIA E EDITÔRA LOGOS LTDA. Rua 15 de Novembro, 137 - 8° andar - Telefone: 35-6080 SÃO PAULO 1a edição - outubro de 1959 2a edição - maio do 1962 3a edição - novembro de 1962 ADVERTÊNCIA AO LEITOR Sem dúvida, para a filosofia, o vocabulário é de máxima importância e, sobretudo, o elemento etimológico da composição dos têrmos. Como, na ortografia atual, são dispensadas certas consoantes, mudas, entretanto, na linguagem de hoje, nós a conservamos apenas quando contribuem para apontar étimos que facilitem a melhor compreensão da formação histórica do têrmo empregado, e apenas quando julgamos conveniente chamar a atenção do leitor para êles. Fazemos esta observação sòmente para evitar a estranheza que possa causar a conservação de tal grafia. MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS ***** 1.1 Obras de Mário Ferreira dos Santos ***** Enciclopédia de Ciências Filosóficas e Sociais de Mário Ferreira dos Santos VOLUMES PUBLICADAS 1. Filosofia e Cosmovisão 2. Lógica e Dialéctica 3. Psicologia 4. Teoria do Conhecimento 5. Ontologia e Cosmologia 6. Tratado de Simbólica 7. Filosofia da Crise 8. O Homem perante o Infinito 9. Noologia Geral 10. Filosofia Concreta I vol. 11. Filosofia Concreta II vol. 12. Filosofia Concreta III vol. 13. Sociologia Fundamental e Ética Fundamental 14. Pitágoras e o Tema do Número 15. Aristóteles e as Mutações 16. O Um e o Múltiplo de Platão 17. Métodos Lógicos e Dialécticos I vol. 18. Métodos Lógicos e Dialécticos II vol. 19. Métodos Lógicos e Dialécticos III vol. 20. Filosofias da Afirmação e da Negação 21. Tratado de Economia I vol. 22. Tratado de Economia II vol. 23. Filosofia e História da Cultura I vol. 24. Filosofia e História da Cultura II vol. 25. Filosofia e História da Cultura III vol. 26. Análise de Temas Sociais I vol. 27. Análise de Temas Sociais II vol. 28. Análise de Temas Sociais III vol. 29. O Problema Social NO PRELO: 30. Tratado de Esquematologia 31. As Três Críticas de Kant 32. Problemática da Filosofia Concreta A SAIR: 33. Temática e Problemática da Cosmologia Especulativa 34. Teoria Geral das Tensões I vol. 35. Teoria Geral das Tensões II vol. 36. Temática e Problemática da Criteriologia 37. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais I vol. 38. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais II vol. 39. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais II vol. 40. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais IV vol. 41. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais V vol. Os volumes subseqüentes serão oportunamente anunciados. OUTRAS OBRAS DO MESMO AUTOR: - "O Homem que foi um Campo de Batalha." - Prólogo de "Vontade de Potência", de Nietzsche - Esgotada - "Curso de Oratória e Retórica" - 8a ed. - "O Homem que Nasceu Póstumo" - (Temas niestzscheanos) - "Assim Falava Zaratustra" - Texto de Nietzsche, com análise simbólica - 3a ed. - "Técnica do Discurso Moderno" - 5a ed. - "Se a Esfinge Falasse ..." - Com o pseudônimo de Dan Andersen - Esgotado - "Realidade do Homem" - Com o pseudônimo de Dan Andersen - Esgotado - "Análise Dialéctica do Marxismo" - Esgotada - "Curso de Integração Pessoal" - (Estudos caracterológicos) - 5a ed. - "Práticas de Oratória" - 2a ed. - "Assim Deus Falou aos Homens" - 2a ed. - "Vida não é Argumento" - "A Casa das Paredes Geladas" - 2a ed. - "Escutai em Silêncio" - "A Verdade e o Símbolo" - "A Arte e a Vida" - "A Luta dos Contrários" - 2a ed. - "Certas Subtilezas Humanas" - 2a ed. - "Convite à Estética" - "Convite à Psicologia Prática" - "Convite à Filosofia" - "Páginas Várias" A PUBLICAR: - "Hegel e a Dialéctica" - "Dicionário de Símbolos e Sinais" - "Discursos e Conferências" - "Obras Completas de Platão" - comentadas - 12 vols. - "Obras Completas de Aristóteles" - comentadas - 10 vols. - "A Origem dos Grandes Erros Filosóficos" TRADUÇÕES: - "Vontade de Potência", de Nietzsche - "Além do Bem e do Mal", de Nietzsche - "Aurora", de Nietzsche - "Diário Íntimo", de Amiel - "Saudação ao Mundo", de Walt Whitman ***** 1.2 Índice original ***** Prefácio 13 A Lógica e a Dialéctica 19 A Primeira Operação do Espírito 29 Do Conceito 40 Do Têrmo 47 Dos Universais 51 Das Categorias (A Substância) 57 Da Qualidade Predicamental 62 A Segunda Operação do Espírito - Das Proposições 69 Exame Dialéctico das Relações Entre o Sujeito e o Predicado 81 Da Suplência 105 Exame Dialéctico dos Conceitos Universais 124 Dialéctica do Conceito 135 Da Terceira Operação do Espírito do Raciocínio 163 Do Silogismo - Exame Sintético 166 Exame Analítico do Silogismo 173 1a Figura 177 2a Figura 183 3a Figura 185 4a Figura 187 5a Figura 189 Reducção à Primeira Figura 191 Métodos Práticos do Silogismo 193 Comentários Finais 200 Alguns Silogismos Defeituosos Quanto à Forma 204 Da Eqüipolência 208 Das Conversões das Proposições (Juízos) 211 Reducção Indirecta ao Impossível 217 Dos Juízos Modais 221 Dos Silogismos Hipotéticos 226 Os Chamados Silogismos Disjuntivos 235 Do Dilema 238 Do Método 241 Exemplo do Método Heurístico 243 Classificação do Método 251 ***** 1.3 Prefácio ***** Esta obra nasceu da convicção de uma necessidade peculiar à nossa época. Ninguém pode negar, ao examinar o espetáculo moderno, que a inteligência humana afunda-se nas brumas da confusão que invade todos os sectores. Nunca se pensou de modo tão heterogêneo e tão vário, nunca as idéias mais opostas estiveram tão vivas em face umas de outras, e também nunca opiniões tão descabeladas conseguiram impor-se a vastos círculos intelectuais, como se verifica em nossos dias. Na verdade, se observarmos com cuidado as causas de factos que tanto entristecem os que desejam uma humanidade mais sã, temos que debitar tal estado de coisas a fraca maneira de pensar do homem modemo, que fàcilmente se enleia nas teias de aranha de abstrusas ou de falsas idéias, e acaba por perder o norte, e desviar-se por caminhos que cada vez mais o afastam do que desejaria alcançar. Êsse estado de crise intelectual, que delineamos em "Filosofia da Crise", é a causa, sem dúvida, do desespêro que domina muitas consciências. O surgimento desta obra tem, entre muitos, o intuito de contribuir, dentro das nossas fôrças, para sanear o pensamento e os modos de pensar, a fim de permitir que cada um possa guiar a si mesmo na busca do que há de mais elevado, e que tanto lhe oprime o coração e desafia a inteligência. Esta obra, que é simultâneamente de Lógica e de Dialéctica, de Lógica porque examina o que há de positivo na velha lógica clássica, e de Dialéctica, porque traz as mais sólidas contribuições que o raciocinar de nossos dias construiu, tem a finalidade, também, de permitir a construcção de um raciocinar concreto, mas fundado na solidez do que de maior a humanidade já conquistou. Tratamos, nela, dos conceitos, dos juízos, do raciocinar discursivo, das oposições, tão importantes na Lógica, das relações que se formam entre os métodos lógico-formais e as dialécticos-ontológicos, sempre com o intuito de fornecer ao leitor os meios já condensados, seleccionados para um uso mais fácil, dentro, naturalmente, dos limites que o raciocinar humano permite. Demoramo-nos, sobretudo, no estudo das distinções, que tanto celebrizaram os escolásticos, e o fizemos por razões ponderáveis. É sem dúvida o uso das distinções uma das grandes conquistas da lógica escolástica e pertence ao cabedal das grandes realizações filosóficas do ocidente. Não há a menor dúvida de que o emprêgo das distinções exige uma acuidade capaz das mais profundas e raras subtilezas. A verdade é que todo saber, como tôda ciência, é um hábito que se adquire, e o exercício continuado permite que a acuidade seja constantemente despertada e desenvolvida, favorecendo a capacidade de distinção. Aquêles que são dotados de mente filosófica têm naturalmente maior facilidade para ver distintamente onde outros vêem confusão. Contudo, essa capacidade, que parece inata, pode ser alcançada também através do esfôrço pessoal. A pouca familiaridade do homem moderno, pretenciosamente culto, com a escolástica, é a causa, sem dúvida alguma, do pensar ser tão deficiente, e de alguns se julgarem outros colombos, quando, na verdade, são apenas descobridores de velhas formas, já valorizadas pela ancianidade. As chamadas contribuições modernas à Lógica não têm o valor exagerado que lhes emprestam seus autores. E encontramos maior segurança, maior âmbito e maior firmeza no emprêgo do velho modo de pensar, que em muitos métodos modernos, que não podem sequer prescindir dêles. Contudo, não queremos negar certa contribuição moderna. Inegàvelmente, a Dialéctica, como é entendida hoje, tem oferecido meios para evitar o raciocinar abstractista, e permitir um mais sólido raciocinar concreto. Mas, tais contribuições vêm envolvidas com muitos erros, com muitas falsas proposições, e métodos deficitários e insuficientes, que foram superados, com antecedência, por métodos que o tempo guarda em seu passado, e que a ignorância de muitos não permite dêles tomar conhecimento, nem sequer saber usá-los. Êste livro surgiu com a finalidade de oferecer ao estudioso moderno o que havia de mais sólido e aproveitável para o recto pensar. Sabemos que o homem de hoje, ante o frenético de sua vida, não dispõe do tempo de que dispunham os antigos para dedicar-se a um estudo mais demorado dos métodos de raciocinar, de reflectir. Esta a razão por que julgamos que seria de bom alvitre reunir, numa obra manuseável, o máximo das regras úteis, procurando, sempre que possível, a demonstração imediata, a fim de favorecer a realização de um desejo que anima vivamente a todos. Por outro lado, não é de admirar a ignorância que exibem muitos sôbre as grandes contribuições do passado. Basta que se examine a França, que é um país tido como imensamente culto, e por alguns até como o mais culto do mundo. Pois bem, aí, cêrca de 90% dos professores das escolas superiores são ateus declarados. Como tais, afastam-se sistemàticamente do estudo da obra dos medievalistas, com um gesto despectivo e de suma auto-suficiência. A maior parte, ante a impossibilidade de conseguir qualquer fundamento para as suas afirmações, falhos de um exame mais sólido do que constitui o campo do saber, tornam-se agnósticos, ou cépticos, e insuflam na juventude um cepticismo que já está dando seus frutos. Essa juventude sem firmeza em suas idéias é prêsa fácil de qualquer barbarismo cultural (perdoem a aparente contradição), e sem fé, nem confiança em si mesma, entrega-se ao imediatismo mais torpe e, o que é mais deplorável, torna-se inapta a realizar obras superiores. Não é, pois, de admirar que mais de duzentos anos de pregação céptica e agnóstica tenham de alcançar o estado a que assistimos: um deserto que cresce cada vez mais, dentro dos homens e à sua volta, uma ausência quase completa das obras de valor que enobreceram o passado. Nunca houve tantas universidades, tantas escolas; nunca se publicaram tantos livros, também nunca uma literatura foi tão frágil, tão sem expressão como a de nossos dias. Desapareceram do cenário da filosofia os gigantes que ponteavam os caminhos do passado. Alguns, deficitários, atiçam-se numa luta sem quartel contra a Filosofia, negando-lhe valor, porque não lhes dá ela o conhecimento da verdade integral, expressão que anda em tantos lábios. Antes de falarem na verdade integral, deviam êles perguntar a si mesmos que entendem por verdade. E o mais espantoso, em tudo isso, é que se tal pergunta lhes é feita, logo respondem que não sabem o que é, e alguns, para revelar maior talento, aproveitam a passagem do Novo Testamento, quando Pilatos perguntou a Cristo o que era verdade. Cristo não respondeu, nem poderia responder. A pergunta de Pilatos denunciava-o. Quem faz tal pergunta, revela, desde logo, ignorância. A melhor resposta só poderia ser o silêncio e o volver do rosto. Foi o que Cristo fêz. O que temos de fazer hoje é construir. Na realidade, o espírito destructivo, o demoníaco, vence em quase todos os sectores dêste período histórico que vivemos e, sobretudo, nêste século, que talvez será cognominado pelos vindouros "século da técnica e da ignorância", porque se há nêle um aspecto positivo, que é o progresso da técnica, que chega até as raias da destruição, a ignorância aumenta desesperadoramente, alcançando limites que a imaginação humana nem de leve poderia prever. Mas, o que é mais assombroso é a auto-suficiência do ignorante, o pedantismo da falsa cultura, a erudição sem profundidade, a valorização da memória mecânica, do saber de requintes superficiais, a improvisação das soluções já refutadas, a revivescência de velhos erros rebatidos e apresentados com novas roupagens. Tudo isso é de espantar. Por essa razão estamos certos de que nossa obra cumpre um papel: a de oferecer meios aos bem-intencionados para que possam seguir, pelos caminhos mais seguros, em busca de conhecimentos mais sérios, e para que possam mais fàcilmente encontrar melhores soluções para os problemas intelectuais que os afligem. E êsses meios constituem, constructivamente, o que chamamos de dialéctica concreta.{1} Mário Ferreira dos Santos ****** Capítulo 2 A Lógica e a Dialéctica ****** No sentido aristotélico-tomístico, a Lógica é a arte de dirigir o próprio acto da razão, no que se refere ao homem, de modo a ordená-lo a fàcilmente proceder sem erros. Existe, assim, uma lógica natural, a qual decorre do poder natural do intelecto humano, em sua actividade raciocinadora, e uma lógica artificial (ou artificiosa), que é constituída pelos hábitos adquiridos pelo intelecto já por êstes classificados, divididos, ordenados para a consecução dos bons raciocínios. Para atingir uma ciência em estado perfeito, é impressindível a Lógica. Sem ela, o homem alcança apenas uma ciência em estado imperfeito. O conceito de ciência implica um conhecimento certo e evidente. Pelo simples acto de raciocinar, essa ciência não nos está garantida. Para que alcancemos a ciência em estado perfeito - porque não basta apenas a plena notícia do objecto pertencente ao conhecimento, mas a capacidade de discorrer sôbre êle sem receio de erros - impõe-se o estudo da arte de pensar. A ciência em estado imperfeito pode levar a conclusões falsas, embora partindo de princípios de per si evidentes e certos. Todos êsses percalços, que sofre o homem no seu peregrinar através das idéias, levou-o a preocupar-se com os meios mais hábeis que lhe permitam o exame seguro do pensamento, e palmilhar o caminho do bom raciocínio, sem o perigo dos erros que possam afastá-lo da verdade. Para os escolásticos, a Lógica é necessária para alcançar a ciência em estado perfeito. Alguns afirmam que pode o homem alcançar a verdade sem a Lógica, como, por exemplo, os conimbrenses; mas os tomistas afirmam que, sem ela, é impossível um conhecimento em estado perfeito. Ora, desde logo, surge-nos uma pergunta, cuja resposta permitirá concluir com segurança quanto aos postulados que acima descrevemos. A pergunta é a seguinte: existe realmente a Lógica? E se existe, é realmente necessária, ou não? Como êste livro é uma obra de metodologia dialéctica, e pretende dar a quem o consulte os meios hábeis para examinar os pensamentos, analisar os raciocínios e os meios de conhecimento neste âmbito, poucas serão as vêzes em que seremos forçados a penetrar no sector teórico, a fim de demonstrar a validez de nossas afirmativas, pois, do contrário, transformaríamos êste livro numa Filosofia da Lógica e da Dialéctica, e nos afastaríamos do fim almejado. Contudo, é inegável que, no proceder raciocinativo do homem, surgem inúmeras ocasiões em que o pensamento não só vacila como claudica, a ponto de erros parecerem aos menos avisados como verdades definitivas. O aspecto subjectivo da evidência, que se funda numa convicção, na adesão firme do nosso espírito sem vacilações e sem temor de errar, e que muitos confundem com a fé, termina, em face do suceder dos factos ou do próprio raciocínio, por revelar que a verdade que vivêramos ocultava um grave êrro. Tudo isso justifica e valoriza o imenso trabalho através da ronda dos séculos, que empreenderam os grandes filósofos na busca afanosa de encontrar regras e normas seguras que permitissem um raciocínio isento, tanto quanto possível, de erros. A Lógica justifica-se pela própria deficiência humana. E seria ingenuidade afirmar que êsse conjunto de conquistas não constituisse já um corpus logicum tão útil ao homem que se dedica à perscrutação do que a natureza, e êle mesmo, lhe ocultam aos olhos e até à inteligência. Não é, assim, a Lógica um mero hábito, mas a reunião coordenada das regras e normas alcançadas, justificadas pela experiência. É um hábito operativo, regulado por normas certas e determinadas, e tendente a um fim: o raciocínio sem erros. É inegável, como se vê na teoria do silogismo, que, obedecidas as regras fundamentais, é impossível o êrro, o que demonstra haver um conhecimento certo e evidente na Lógica, que é o que lhe dá as características de ciência. É ela uma arte, e também uma ciência. Aristóteles a considerava a arte de inquirir, a qual, fundando as demonstrações, tornava-se, afinal, uma ciência demonstrativa. Como ciência, a Lógica tende a estabelecer normas universais de raciocínio. Clàssicamente, o seu objecto é o ente da razão. Êste objecto formal existe objectivamente no intelecto, mas fundamentado nas coisas. Os escolásticos consideravam como ente de razão aquêle que apenas existe objectivamente no intelecto, assim como o conceito de espécie, de gênero. Mas, tais conceitos têm um fundamento in re, porque se são carentes de uma entidade própria, se não existem de per si, não se lhes pode negar positividade, pois referem-se ao que há em comum na natureza. Há, ainda, outros conceitos de razão, com fundamento in re, que se caracterizam pela privação de ser, como, por exemplo, os conceitos treva, sombra, nada, os quais não têm nenhuma existência, senão na razão, mas possuem positividade por referência, com fundamento in re, consistente aquela na carência, na privação de alguma coisa que é. O conteúdo concreto de tais conceitos da razão foram por nós devidamente examinados em Filosofia Concreta, e esta maneira de visualizá-los é de magna importância para o exame dialéctico, como veremos. A Lógica Formal ordena os conceitos de modo meramente formal, abstraíndo-os da matéria, enquanto a Lógica Material ordena-os, repondo-os na matéria. A Lógica é uma ciência prática e especulativa para muitos, e apenas especulativa para outros. Diz-se que é prático o que tende para a obtenção de um fim eficiente; por sua vez, o especulativo tende apenas para uma cognição. Enquanto o prático faz, o especulativo tende ao saber. Nesse sentido, a Lógica seria especulativa. É inegável que é ela uma arte prática, mas eminentemente especulativa. O objecto da Lógica é o ente de razão lógico. Ora, o ente de razão é o que existe apenas no intelecto. Mas se tal ente não tem um correspondente fundamento in re, é êle passível de dúvida quanto à sua validez. Esta é a razão por que a Lógica Formal exige providências analíticas posteriores, sob pena de perder-se num logicismo perigoso. Êsse fundamento surge na lógica clássica com o nome de segundas intenções. Essas segundas intenções do ente são pròpriamente, o lógico, o objecto formal da Lógica, que se funda na relação de razão. Entre essas segundas intenções, podemos distinguir: os conceitos, que surgem da primeira operação do espírito; o juízo, que constitui a segunda operação; o raciocínio e a argumentação, que são a terceira operação. Podemos agora comparar a Lógica com a Dialéctica no sentido que a usamos, pois a demonstração da sua validez já foi por nós realizada em "Lógica e Dialéctica". A segunda não exclui a primeira, como o demonstramos na obra citada. Contudo, tem ela um outro papel, que consiste em procurar outras vias para o raciocínio, sem deixar de aplicar as normas da Lógica Formal. A Dialéctica realiza, assim, uma operação através de diversas vias pensamentais, e busca dar uma solidez concreta a Lógica, evitando os perigos do logicismo. Pròpriamente tem ela essa finalidade, porque o logicismo, devido à acentuação do abstractismo, pode levar o homem a tomar como ente real, e existente de per si, o ente puramente de razão. A aplicação da Dialéctica é assim completiva e eminentemente concreta. É o que demonstraremos a seguir, depois de analisar o conceito para a Lógica Formal. É um dos preconceitos mais arraigados na modernidade o de julgar-se que os trabalhos lógicos, realizados pelos medievalistas, foram superados pelas contribuições que lógicos modernos ofereceram. Essa ingênua (se é que há ingenuidade) confusão deve-se, em grande parte, à maior ou menor ignorância sôbre os trabalhos do passado. É um grave êrro confundir o processo filosófico medievalista como sendo apenas um processo da filosofia católica. Realmente, se os filósofos dêsse período devotavam-se preferentemente à justificação filosófica dos dogmas da Igreja, é preciso, no entanto, não esquecer que a Filosofia, como tal, prosseguia, e realizava a mais completa análise que o homem jamais fêz em qualquer tempo. Se o filosofar se deu, nesse período, dentro do âmbito da Igreja Católica, é preciso não esquecer, sobretudo aqueles que dela se afastam ou que a combatem, que a filosofia continuava, e não sofreu nenhuma solução de continuidade. Se Tomás de Aquino, como católico, pode causar arrepios ao moderno descrente e adversário da Igreja, não pode êste, se honestamente se preocupar com os temas de filosofia, deixar de reconhecer o grande valor como filósofo daquele que foi, sem dúvida, um dos maiores que a humanidade conheceu. Nota-se, em obras de autores modernos, como enciclopédias filosóficas, dicionários, etc., um tratamento simplesmente absurdo quando se referem às seguras figuras do passado, em paralelo às duvidosas mentalidades modernas. Espanta a quem se dedica ao estudo da Filosofia, e não apenas de um período dêsse processar, que figurem em dicionários um Bergson ou um Gabriel Marcel ou um Schopenhauer com proporções mais avantajadas que um Tomás de Aquino, ou um Duns Scot, ou um Suarez, ou um São Boaventura. O desconhecimento quase total da obra de tais autores é a culpa da confusão e da ingênua afirmativa de alguns modernos, que apresentam como novas contribuições velhas verdades já sabidas desde os gregos, ou, então, afirmam, como novos problemas, velhos erros já refutados com a antecedência de séculos. Ao examinar as contribuições modernas feitas à Lógica, por autores como Stuart Mill, Hamilton, Goblot, Husserl, para citar apenas alguns, espanta-nos a nova messe de erros e confusões, pois essas contribuições, quando novas, são falsas e, quando verdadeiras, são apenas velhas verdades já estabelecidas. Basta observar-se a obra de um autor moderno, cuja notoriedade é inegàvelmente grande, e que revela completa ignorância das contribuições medievais. Trata-se de Husserl, cuja obra "Investigações Lógicas" teve tanta repercussão, e sôbre a qual queremos nos referir{2}. Husserl proclama sua ignorância quanto aos trabalhos lógicos dos medievalistas, cujo conhecimento só teve através, quanto muito, de Wolf, ou de duvidosos autores, que sôbre os mesmos trataram, e que não estavam sempre à altura de entendê-los. Diz, por exemplo, que "não haviam os antigos alcançado a uma lógica pura, e isto se devia por não terem compreendido nem definido retamente seus conteúdos e sua extensão". Desconhece, sem dúvida, os trabalhos que tomistas e escotistas realizaram na busca de uma lógica especulativa, assim como Alberto Magno, os conimbrenses, Suarez e Vasquez dedicaram-se à construção de uma lógica prática (utens). Quando procura afirmar que a Lógica é uma ciência, como se tal afirmativa fôsse nova, alega que os antigos haviam-na construído apenas como uma arte, e chega a concluir que a definição mais justa que se pode dar é a do Schleiermach: "a arte do conhecimento científico". Desconhece que há séculos atrás, já se dizia que a lógica: "est scientia speculative et ars liberalis ordinativa conceptum ad veritatem attingendam." E encontramos em Tomás de Aquino in Boeth, de Trin. q.5 a.1 ad 2, e nos comentários à Metafísica de Aristóteles lect. 4 n 476 sq. e nos comentários aos Tópicos I 18 e VIII 14, claríssimas declarações sôbre o caracter científico da Lógica, e não apenas como um "Organon", como um instrunento do conhecimento. Por outro lado, é um êrro afirmar que os escolásticos cingiam-se apenas à lógica aristotélica, e que julgassem que ela não fosse sujeita a ampliações e contribuições, pois muitas foram as inovações que aqueles fizeram. Não queremos com isso negar qualquer valor ao trabalho de Husserl, mas apenas queremos situá-lo dentro do âmbito dos estudos lógicos, não como uma obra de superação, mas sim como a contribuição de quem ignorava o que já havia sido feito, e que, em sua candura, acreditava estar trazendo novas contribuições, que, na verdade, no que têm de legítimas, já haviam sido incorporadas ao campo dos estudos lógicos medievalistas. Assim quando diz: "Ignoravam, pois, os lógicos formalistas a diferença entre as leis teoréticas, os princípios lógicos puros, que só regulam o conhecimento por virtude daquela conversão em normas, à qual estão predestinadas, e as leis normativas, que já têm por si mesmas, e essencialmente, o carácter de preceitos", sem dúvida quer referir-se aos formalistas que êle conhecia, que não eram os medievais. Não é de admirar que, com ingênuo espanto, pergunte em certa ocasião: "Mas se perguntará como foi possível que a Lógica, seguindo caminhos extraviados, tenha chegado a ser uma das disciplinas filosóficas mais desenvolvidas, seguras e perfeitas", nem que na mesma obra faça uma afirmação como esta: "em sentido geral, aceitamos a distinção entre lógica pura e lógica aplicada, já feita por Kant", como se essa distinção não fosse muito mais antiga. Desconhece, pois, Husserl que há uma lógica proemialis, que inclui a logica materialís (utens), a predicamentalis e a demonstrativa. Não queremos, com isso, afirmar que não se deva ler a obra de Husserl. Ela oferece certa utilidade, mas impõe-se tomar as devidas precauções para que não se faça um juízo falso das realizações do passado. * * * Freqüentemente, considera-se como origem da palavra dialéctica a palavra grega dialektikê, formada do prefixo diá e de logos, de onde dialogê, discussão, e o verbo dialegeyn, que significa terçar palavras ou razões, conversar, discutir, como também o adjectivo dialektikós, o que é concernente a discussão por meio do diálogo. O prefixo diá, se indica reciprocidade, troca, também indica através de, aliás o mais usado, como vemos em palavras como diáfano, diâmetro, diagonal, diástese, etc. Também é empregado como passagem através de ... Dêste modo, podemos distinguir várias acepções do têrmo dialéctica: |Sentidos pejorativos |Sentidos eminentes | |arte de enganar; |arte de esclarecer; | |arte de discutir apenas com palavras;|arte de descobrir a verdade através das| | |idéias; | |arte de persuadir apenas; |arte da discussão; | |arte do raciocinar absurdo. |e também lógica concreta (lógica | | |total). | Tomamo-la em seu sentido eminente, como arte de esclarecer e descobrir a verdade através das idéias, e como lógica concreta (lógica total). E dizemos esclarecer, porque a alétheia, a verdade dos gregos, que não deve ser confundida com o nosso conceito fáustico de verdade, nem com o aristotélico de adequação, significava a iluminação, o clareamento, o iluminar do que está em trevas{3}. Revelar a verdade era vê-la, era penetrar por entre as sombras, e ver plenamente, com os olhos do espírito, a beleza real das coisas. Tal era a verdade para os gregos. E como o espírito (nous) tem a razão (logos), era através desta (diá), que a luz poderia surgir, dissipando trevas, e revelar a alétheia, que todas as coisas guardam em seu âmago. A Dialéctica, portanto, trabalhando entre trevas e luz, entre opiniões boas e más, sopesando valôres, opiniões, não podia ter melhor concretização que na discussão, no discorrer, no correr daqui para ali, destas idéias para aquelas, portanto no diálogo, em que as partes colocadas em posições diferentes, em pontos opostos, enfrentariam as opiniões diversas para, através delas (diá), esclarecer. E da oposição, do pôr-se em face do outro (e posição em grego é thesis, e oposição antithesis), não seria difícil que surgisse muitas vêzes um esclarecimento com-posto de ambas as posições opostas (e syn-thesis é composição). Compreendendo assim, não nos será difícil penetrar nos seus grandes temas, desde que aceitemos: a) Dialéctica é a arte de esclarecer por meio de idéias; b) todo método dialéctico é o de pôr e opor opiniões para observar os resultados do choque das idéias opostas, contrárias, contraditórias ou distintas; c) pode a Dialéctica ser aplicada no campo das idéias, e também no campo da natureza, bem como constituir uma cosmovisão, no que consistiria em considerar o ser finito como devir (num constante vira-ser), o que revelaria uma razão interna de oposição de ordens, etc., como nós o realizamos em nosso "Teoria Geral das Tensões". ****** Capítulo 3 A Primeira Operação do Espírito ****** ***** 3.1 O conceito ***** A simples apreensão, que é a primeira operação do espírito, é o acto pelo qual êle capta noèticamente alguma coisa. E o que a mente capta (de capio, ceptum, daí cum-ceptum) é o conteúdo do conceito, que é construído pela mente e expresso na mente. Assim, quando mentamos casa, pedra, sapiente, realizazamos actos de simples apreensão. A cognição é tema de Psicologia. Consiste, genèricamente, no acto imanente, consciente e intencional, da notícia de alguma coisa, que se jecta ante (ob-jecta), adquirida por similitude ou representação do objecto. Na cognição há, pois: a) um acto, uma actuação, que consiste numa modificação de alguma capacidade subjectiva (intelectual), acção imanente, que permanece (permanere) no próprio sujeito; b) é consciente, porque é notado pelo sujeito, como algo que é notado; c) é intencional, porque o acto cognitivo tende in, para o objecto, porque tende, apontando o objecto; d) por similitude, por semelhança, por uma representação do objecto; ou seja, por uma orientação esquemática que se assemelhe ao objecto, permanecendo sujeito, mas apontando o objecto, não fisicamente, mas intencionalmente, noèticamente, uma expressão viva do objecto, uma imitação esquemático do mesmo, uma representação, uma nova apresentação, uma semelhança, uma imagem (imago). Daí a definição de Tomás de Aquino: "Omnis cognitio fit secundum similitudinem cogniti in cognoscente", tôda cognição se realiza segundo uma semelhança do conhecido no cognoscente; e) o conhecido (cognitum) é construído pela mente e expresso na mente, porque é uma imagem do objecto, construída com elementos mentais, mas permanecendo na mente. Não é a cognição uma incorporação física do objecto, mas uma representação, uma imago, que imita, por meios mentais, o que o objecto apresenta, por meio de uma assemelhação dos esquemas, que a mente dispõe em face do que o objecto apresenta. Há, assim, uma cognição sensitiva e uma cognição intelectual. A primeira é comum aos homens e aos animais. A segunda é própria do ser inteligente e do homem como ser inteligente. A cognição sensitiva se realiza através dos órgãos dos sentidos, segundo as diversas reacções fisiológico-psicológicas, que cabem à Psicologia descrever e estudar. A cognição intelectual, também chamada simplesmente intelecção, distingue-se da primeira pela ausência de um órgão e por características que são totalmente próprias. Realiza-se através de uma operação, que consiste em extrair da coisa o que ela aponta de eidético através das notas que expressa, semelhantes as notas esquemáticas que a mente acomoda aos objectos. O objecto apresenta em bruto uma série de semelhanças aos esquemas acomodados. Dos objectos, são extraídas, intencionalmente, notas semelhantes aos esquemas e ordenadas segundo ordens, que tivemos oportunidade de estudar no "Tratado de Esquematologia". O que permanece na capacidade sensitiva é o phantasma, o sensível dado em bruto aos sentidos, mas já diferenciado por êstes, segundo a gama sensível, a capacidade sensível dos mesmos. Desse phantasma, extrai (abstrai) as notas, segundo a capacidade intelectual; ou seja, adequadas aos esquemas noéticos. A apreensão, a noção já esquematizada (species) repetida na mente, segundo o modo de ser, da mente, e nesta expressa, é o verbum mentis, o verbo mental, que os antigos também chamavam terminus mentalis, intentio. (Species, que vem do antigo specio, que significa contemplar, ver, tem o mesmo radical de speculum, espelho. Specula, em latim, significa atalaia, lugar de observação. A species é o que é observado na coisa pela mente na mente, mas já esquematizada, ordenada. Specto é olhar, observar, ver. Também ideyn, em grego é ver, daí idea, idéia e também eidos, no plural eide, sinônimo de species). A idéia e a similitude do objecto expressa na mente cognoscente, sem ulterior afirmação ou negação. Não se deve confundi-la com o phantasma, que é o conjunto da intuição sensível, captada pelos sentidos. A idéia não é algo material, retirado da coisa e incorporado na mente. É imaterial. É a apreensão, noção, espécie expressa, verbum mentis, terminus mentalis, intentio. Contudo, todos êsses têrmos têm significados próprios. A apreensão é o acto pelo qual captamos intencionalmente o objecto; noção (notio) o que é notado da coisa; a espécie expressa é a similitude expressa ou formal-actual da coisa na mente percipiente; verbum mentis é a expressão, manifestação, a locução interna, que a mente propõe a si mesma do objecto; terminus mentalis é o no qual ou o em que termina a operação do espírito (têrmo); intentio o que do objecto para o qual tende a mente; a forma inteligível, a similitude que representa o objecto; razão (ratio) o que é princípio inteligível da coisa. Todos êsses vocábulos têm significados próprios e eram muito usados peles antigos escolásticos. Não perderam nem perderão nunca o seu valor, pois auxiliam a mais nítida compreensão do conceito, do qual passaremos a tratar em breve. O objecto da idéia é o que se jecta ante a mente (o que se objectiva na mente). Êsse objecto pode ser material ou formal. Material é o que pertence à coisa com todas as suas notas, que são os atributos, as propriedades, etc., que são cognoscíveis e podem manifestar-se. Formal é o complexo das notas que estão representadas hic et nunc (agora e aqui) na mente. A compreensão da idéia é o objecto formal da mesma, o conjunto das notas que são representadas ou podem ser representadas; extensão da idéia são todos os objectos aos quais pode convir a compreensão e que podem ser representados na compreensão. Há uma relação inversa relativa entre a compreensão e a extensão. Em geral, quanto maior a compreensão, menor é a extensão, e quanto maior a extensão, menor é a compreensão. Assim a idéia de ente é a de maior apreensão, pois inclui tudo quanto ao qual não se pode dizer que é nada, mas é a de mínima compreensão, porque só se pode dizer o que se disse acima. O acto apreensivo da idéia implica: atenção, que é o acto pelo qual a mente é dirigida para uma coisa; abstracção, acto pelo qual a mente, de entre muitos objectos cognoscíveis, capta um, representando-o mentalmente sem outros. Vê-se que a abstracção não é em si uma falsa cognição, embora seja uma cognição imperfeita, se considerada a coisa na sua totalidade como sendo apenas a maneira abstraída. A abstracção é uma tomada da coisa separadamente, mas apenas mental. Graças à capacidade abstractiva, pode-se compreender a imaginação criadora, pela qual se forma a síntese entre objectos cognoscíveis, constituindo com êles uma nova estructura esquemática, noética, como a montanha de ouro, o centauro. A acção abstractiva, que revela a actividade precisiva (que realiza precisões) da nossa mente, tem um papel analisador, sem a qual não se poderia compreender a síntese da imaginação criadora. Se, por outro lado, considerarmos os sentidos em seu funcionar, verificamos que, na intuição sensível, nos é possível, pela intenção, precisar crescentemente nossa capacidade intuitiva, dando maior intensidade a um aspecto de uma coisa que a outro. Assim, podemos prestar mais atenção e precisar sensivelmente mais uma qualidade, ou o figurativo de uma coisa. A capacidade abstractiva intelectual da nossa mente tem um fundamento na capacidade abstractiva sensível. O que distingue uma de outra é o aspecto reflexivo (a reflexão). A reflexão é o acto pelo qual a mente atenta para o próprio objecto mentado já (re-flectere, re-flexum). É um spectare o próprio acto. Psicològicamente, é o próprio acto da mente considerado como uma afecção e modificação qualquer do sujeito. Mas, quando a reflexão considera êsse acto próprio da mente, enquanto representação do objecto, como o conceito objectivamente spectatum, temos a reflexão ontológica. Não termina aí a acção da mente na apreensão. Há mais: há o acto pelo qual a mente atende (ad tensio, dirige sua tensão para) as diversas idéias, para inquirir suas relações, pô-las de par em par, para captar semelhanças e diferenças. É a chamada apreensão da comparação, que é ou não actualizada pela consciência. Temos aqui os meios para evitar a confusão entre idéia subjectiva e idéia objectiva, que é tão comum encontrar-se entre os autores modernos. A idéia subjectiva é a afecção do sujeito, o conceito spectatur subjectivamente. A idéia objectiva, enquanto representação, com seu conteúdo, é o conceito objectivamente spectatur. Impõe-se aqui uma série de comentários importantes. O papel abstractista dos nossos sentidos consiste numa intensificação da atenção intuitiva sôbre um aspecto da realidade exterior. Podemos actualizar mais um aspecto que outro, considerar mais intensistamente o branco dêste papel. Mas, pensar sôbre a sua brancura, tomada separadamente pela mente, é o que caracteriza a ação abstractora mental. A mente, na abstração mental, realiza uma separação mental do que não é separado na realidade. Essa. função abstractora é metafísica, dá-se além da física. O vício abstractista consiste, portanto, no tomar tais operações mentais sem o cuidado de considerar que devem sempre ser tomadas como tais, como pertencentes a uma concreção. O papel concrecionador de nossa mente consiste na atenção que se deve devotar a êsse aspecto de nosso espírito. O racionalismo foi vicioso, porque, abstractista como é, permaneceu apenas na consideração das idéias metafisicamente consideradas. Dêsse defeito não se podem acusar os grandes escolásticos. Contudo, êsse defeito fundamental é a causa da maioria dos grandes erros filosóficos do pensamento moderno, que celebrizaram tantos filósofos de renome, como Descartes, Leibnitz, Spinoza, Kant, que mais contribuíram para aumentar os erros filosóficos e provocar uma problemática que surge apenas de deficiências do que pròpriamente resolverem magnos problemas da Filosofia, que estavam colocados desde os gregos e que permaneceram a desafiar a argúcia dos escolásticos. É o que mostraremos em nossa obra "Origem dos Grandes Erros Filosóficos". Considerada a acção abstractora da nossa mente, responde-se de uma vez por tôdas aos preconceitos e juízos mal fundados dos anti-intelectualistas modernos, que, por não terem uma nítida visão da apreensão mental, que caracterizaram, ou por ignorância ou por má-fé, puseraram-se a atacar moinhos de vento e a negar qualquer validez à ciência humana, como se todo o nosso saber, cujos frutos estão a atentar o seu poder, não refutassem de modo categórico tais preconceitos. A função separadora (abstractora) da nossa mente distingue-se claramente da mera abstractio sensibilis, que é mais uma acentuação sôbre os dados intuitivos. A abstractio mentalis realiza uma separação, mas mental, a qual consiste em considerar separadamente pela mente, entre muitos aspectos do objecto, um ou alguns, tomados sem os outros, como vimos. Essa capacidade tem similar na captação intuitiva. Tem, assim, um fundamento experimental importante, o que dá validez a Metafísica bem fundada, a que nunca esquece a concreção. Foi o que não compreendeu Kant. E quando êste pôs-se a atacar a Metafísica foi outro magro Quixote, de menor estatura, a atacar moinhos de vento que tomou como gigantes. Era fácil a Kant destruir a metafísica dos racionalistas, mas a sua ação não roçou nem de leve a metafísica bem fundada dos escolásticos, salvo para aquêles que a desconhecem e julgam que é a mesma construída pelos racionalistas. Quanto à origem das idéias, conforme as examinamos, não se pode, portanto, afirmar que há idéias inatas como alguns filósofos modernos proclamaram, fundando-se no pensamento platônico. Considerando-se a operação que realiza a mente para alcançar a idéia, não seria possível admitir que houvesse em nós idéias inatas, como as que acabamos de descrever. Mas, há alguma positividade no pensamento platônico que merece ser salientada. O cognoscente não penetra vazio no acto cognitivo. Leva já consigo uma organização psíquica, que é constituída de uma esquemática que se acomoda aos factos sensíveis. A construcção de idéias pelo nosso espírito, pela nossa mente, fundamenta-se nos dados empíricos da intuição sensível. A actividade de nossa mente trabalha sôbre materiais empíricos para dêles extrair, por captação, estructuras eidéticas, que constituem as idéias. Como se poderia realizar uma captação desproporcionada ao agente? Como pode êste construir estructuras eidéticas se não tem já, potencialmente, algo semelhante ao que está na coisa, para poder realizar-se a assimilação, que é necessária a tôda cognição? Há estructuras prévias sem as quais seria impossível a cognição. É a ausência de tais estructuras que muito bem nos podem explicar por que sêres puramente materiais não são capazes de conhecer. Ademais, demonstramos na Filosofia Concreta que todo ser finito, em seu actuar, depende diretamente de sua emergência e indiretamente de sua predisponência. O que Platão afirmou, ou pelo menos o que é consentâneo com o seu pensamento, é que não há de modo algum a tabula rasa dos modernos. A mente humana já revela uma aptidão a construir as estructurus eidéticas, que são coordenadas pelo homem como um despertar do que estava adormecido, como um recordar. Não há, psiquicamente, acquisições de elementos totalmente novos, mas apenas novas ordenações dos elementos preexistentes. Dêste modo, a nova ordenação era uma possibilidade fundada em elementos virtuais. As estructuras noético-eidéticas do ser humano não são inatas, em sua ordenação estructural, mas são possibilidades estructurais, fundadas no que há de preexistente no ser humano. Diz-se que uma idéia é primitiva, quando é ela apenas intuitiva, experimental. Pode ser ela directa ou reflexa. Directa, quando dada pelo objecto externo, e reflexa, quando o objecto é interno, como os que constituem os factos íntimos do sujeito cognoscente. Diz-se que uma idéia é factícia, quando a mente humana a constrói com as idéias primitivas, que podem ser: arbitrárias, as que dependem em sua formação do nosso arbítrio, por meio de novas abstracções ou de sínteses de idéias já dadas, como o conceito de éter, na Ciência; e discursivas (ou deductivas), quando surgem de operações judicatórias, como a idéia de Deus; e fictícias as meramente ficcionais, as produzidas pela imaginação criadora do homem, como montanha-de-ouro, centauro. Assim temos: Idéia (segundo a origem). * primitiva (intuitiva, experimental) o directa o reflexa * factícia o arbitrária o discursiva o fictícia Quanto à sua perfeição, uma idéia pode ser obscura, quando em sua compreensão as notas não são suficientes para separá-la de outras; clara quando as notas são capazes de discerni-la de outras; estas podem ser distintas quando, além de claras, permitem, no mesmo objecto, discernir duas notas, como na idéia de vivente a de animal racional, quanto ao homem, e podem ainda ser confusas, quando não oferecem, apesar de claras, o discernimento de duas notas, como o conceito de ente, que, embora sendo uma idéia clara, é ainda confusa, porque, nela, estão fundidos todos os entes, apesar de suas distinções. Note-se, porém, que o têrmo confuso, na filosofia, não tem a mesma acepção da linguagem comum, quotidiana. Uma idéia distinta pode ser ainda: completa, quando tôdas as notas do objecto são distinguidas; incompleta, quando nem tôdas o são. Assim temos o esquema: Idéia * obscura * clara o distinta # incompleta # completa o confusa Quanto à compreensão, uma idéia pode ser simples, quando constituída apenas de uma única nota; composta, quando de várias; concreta, a idéia que representa um sujeito qualquer com a sua forma ou perfeição, como a idéia de sábio, que indica alguém que possui a sapiência. Esta pode ser dividida em metafísica, física e lógica. Metafísica, quando a forma não se distingue realmente do sujeito, como homem; física, quando se distingue realmente, como cogitante; e lógica, quando extrínseca ao sujeito, como amado. A idéia concreta pode ser substancial e adjectiva, segundo a distinção entre o sujeito e a forma é mais ou menos acentuada. A idéia concreta pode ser ainda abstracta, quando se refere a uma forma, que é totalmente separada do sujeito, como humanidade. Pode parecer a alguns haver aqui contradições em têrmos. A concreção de uma idéia decorre da presença da forma no sujeito, mas essa forma pode ser real-realmente distinta dêle ou não. Quando não o é, temos a idéia concreta metafísica; quando o é, temos a idéia concreta física. Mas, a humanidade está totalmente separada real-realmente do sujeito. É ela uma idéia abstracta, mas que tem uma concreção no facto de o sujeito participar formalmente dela. Assim João é homem e tem humanidade (por participação). A idéia concreta pode ser ainda positiva, quando representa alguma realidade ou propriedade real, como homem. E é negativa, quando representa apenas a negação da realidade, como não-ser (em sentido relativo), não-homem, que indica indeterminadamente tudo quanta não é homem. Há, contudo, idéias que são apenas etimològicamente negativas, ou aparentemente negativas, como a idéia de infinito, que, contudo, apontam aspectos positivos. Temos, assim, o esquema: Idéia (segundo a compreensão) * simples * composta * concreta o metafísica o física o lógica o substancial o adjectiva o abstracta o positiva o negativa Quanto à extensão as idéias podem ser: singulares, particulares e universais. Singular é a idéia que representa determinado indivíduo, cujas notas, tomadas simultâneamente, convêm a um só indivíduo, como Napoleão Bonaparte. Particular é a idéia universal contraída apenas a uma parte determinada de sua extensão, como alguns homens sábios. Universal, a que representa uma totalidade tomada indivisamente: homem. A idéia universal pode ainda ser directa ou reflexa. Directa é a que sugere o objecto tomado directamente, sem regressão, enquanto a reflexa é a que surge de uma reflexão da mente sôbre os dados do conhecimento, produto, assim, de uma regressão do intelecto sôbre o próprio objecto do conhecimento, como o são os predicáveis, como veremos. O esquema que cabe é o seguinte: Idéia (segundo a extensão) * singular * particular * universal o directa o reflexa ****** Capítulo 4 Do Conceito ****** Pròpriamente, o exame que fizemos da idéia corresponde, por sua vez, ao conceito, pois tais têrmos são tomados, na Lógica, como sinônimos. Dêsse modo, tudo quanto propusemos à idéia corresponde ao que se pode dizer quanto ao conceito. As classificações que oferecemos não são as únicas que propõem os lógicos. Há outras, sôbre as quais passaremos a tratar. A origem psicológica do conceito é matéria que pertence à Psicologia e à Noologia, e não merecerá de nós, nesta obra, exames correspondentes. Nas relações entre si, os conceitos apresentam as seguintes divisões: são êles diversos ou idênticos. São idênticos, quando significam a mesma coisa; do contrário, são diversos. Mas, a identidade pode referir-se a compreensão ou à extensão. Quando idênticos à compreensão chamam-se estrictamente idênticos, embora diversos na extensão; quando apenas à extensão, chamam-se eqüipolentes. Assim 2 na segunda potência é estrictamente idêntico a 4, enquanto animal racional é eqüipolente a animal bípede, implume. Dizem-se ainda impertinentes e pertinentes, os primeiros quando não se inferem nem se excluem, como verde e sábio, e pertinentes os que se inferem, como homem e animal, pois homem pertence a animal, ou se excluem, como homem e asno, que, embora pertinentes a animal, ambos se excluem. São opostos, quando há repugnância entre êles. São iguais, quando permitem convertibilidade entre êles, como racional e risível, e desiguais, quando não convertíveis, que mùtuamente não se inferem, como homem e animal, embora homem infira animal, e não o inverso. Quanto à oposição dos conceitos, podemos ainda salientar uma nova classificação. Diz-se que são opostos os conceitos que, na mesma coisa e sob o mesmo respeito, não podem simultâneamente ser e não ser. A oposição pode ser própria e imprópria (ou disparatada). A oposição própria é a que se dá entre conceitos opostos, contudo correspondentes, que oferecem repugnância um ao outro, como virtude e vício. Imprópria ou disparatada, quando não há essa correspondência, como entre virtude e metal. A oposição própria pode ser contraditória, como a que se se dá entre a coisa e a sua negação, a qual não admite meio têrmo, como homem e não-homem; privativa, a que se dá entre a coisa e a sua privação. A privação se dá pela carência de uma perfeição num sujeito apto a tê-la, como a oposição entre vidente e cego. Há lugar para um têrmo médio, como não-vidente. Assim uma pedra nem é vidente nem é não-vidente (cega). Tal defeito, na pedra, não é uma privação, porque não é uma carência devida a natureza da pedra, pois não é esta apta a ver. Contrária dá-se entre conceitos que, sob o mesmo gênero remoto ou próximo, distanciam-se màximamente e que, no mesmo sujeito, repugnam, como os extremos das côres, como entre vertebrados e invertebrados. Admitem, porém, têrmo médio, como o amarelo entre o vermelho e o azul, as côres intermediárias. Quando a oposição contrária se dá dêsse modo, chama-se mediata; do contrário, chama-se imediata, ou seja, quando não há têrmo médio, como entre honestidade e desonestidade. Relativa diz-se da oposição entre conceitos que dizem respeito um ao outro, como pai e filho, escravo e senhor, pois o pai é pai do filho, e o filho, filho do pai. Chamam-se também correlativos. Segundo essa oposição, os conceitos são classificados em suas relações entre si, como opostos contraditórios, privativos, contrários e relativos. * * * Uma idéia é um ente de razão (ens rationis) quando só pode existir na mente, a qual pode ser ainda por privação ou negação, como cegueira, nada ou meramente lógicas como a afirmação, ou meramente matemáticas como o número irracional. O contrário do ser de razão é o ser real, o qual pode ser possível ou actual. O ser real é aquêle que pode existir real-realmente. É possível, quando sua existência é possível, existe real-realmente, como casa, chapéu. * * * Há idéias simples e indivisíveis em si mesmas, como a de homem, vermelho, animal racional, que formam uma essência, da qual nada podemos extrair, sob pena de lhes tirarmos a essência, transformando-as em outras coisas. Tais idéias ou conceitos chamam-se incomplexos, ou indivisíveis. Outros, porém, chamados complexos ou divisíveis, são os possuidores de várias essências ou conteúdos noético-eidéticos, tais como "a casa amarela da serra". Os antigos observavam, contudo, que os conceitos complexos e os incomplexos podem-no ser quanto aos têrmos que os constituem, ou quanto ao conteúdo ao qual se referem. Assim, poderiam ser complexos ou incomplexos in re (quanto ao conteúdo) ou in voce (de vox, voz, nos têrmos). Poder-se-iam, pois dar quatro combinações: 1. incomplexos in re et voce, incomplexos em si mesmos e segundo o modo de conceber, como homem, que se apresenta como uma única essência ao espírito e numa única apreensão inteligível. 2. Incomplexos re non voce, incomplexos em si mesmos e complexos segundo o modo de conceber, como animal racional, que é, como essência, uma só, mas apresentada à mente em duas apreensões inteligíveis. 3. Complexos re non voce, complexos em si mesmos e incomplexos segundo o modo de conceber, como psicólogo, o que estuda a psique, embora com uma única apreensão inteligível. 4. Complexos re et voce, em si mesmos e segundo o modo de conceber, como técnico em engenharia mecânica, onde são apresentadas várias essências, expressas por várias apreensões inteligíveis. Essas classificações são pouco usadas modernamente, o que é de lamentar, pois, como se verá oportunamente, inúmeros erros de raciocínio surgem da não nítida distinção entre a complexidade ou não em si ou em têrmos de um conceito, a que evitaria fàcilmente tais erros. Note-se, apenas, que um conceito como animal racional, que é expresso em dois têrmos em nossa língua, constitui, porém, uma única essência e uma única apreensão, segundo o modo de conceber. Animal racional não é uma totalidade de composição, ou seja duas essências actuais formando um novo ser, mas um ser com uma única essência, que corresponde a homem. * * * Na Lógica, observam-se duas tendências: a dos que procuram reduzi-la apenas à extensidade, os extensistas, e a dos que procuram reduzi-la à intensidade, os compreensistas. Partindo-se do exame do conceito, notamos que a sua compreensão consiste nas notas essenciais ou qüiditativas do mesmo, enquanto a sua extensão é entendida como o conjunto dos indivíduos aos quais se pode predicar o conceito. Assim, homem, compreensivamente, é animal racional; extensivamente, todos os indivíduos humanos. Para uma posição nominalista, a única realidade está nos indivíduos aos quais se pode predicar o conceito; ou seja, está apenas na extensão. Todos os lógicos, eivados de nominalismo, são, quando conseqüentes, extensistas. Mas, na verdade, o conceito apresenta-se à mente como uma essência, uma natureza, uma qüididade, que representa alguma coisa real. Alguns lógicos modernos afirmam que pertencem à compreensão do conceito todas as notas que lhe são proporcionadas ou meramente atribuíveis, o que é um erro. Deste modo, poder-se-ia dizer que o conceito homem compreende o estar sentado, o estar andando, o estar em pé, que são meramente accidentes (per accidens). Na verdade, deve-se compreender, no conceito, apenas o que é da essência, o que é necessário ao conceito. Dêste modo, as propriedades, se são essenciais, pertencem virtualmente ao conceito, não, porém, actualmente, como o ser gramático é uma propriedade da essência do homem, mas é virtual a ela, não actual. Evitar tais confusões, que perturbam a Lógica e a firmeza dos raciocínios é uma necessidade, em face da finalidade que deve ter essa disciplina, qual seja a de favorecer a melhor aplicação da inteligência ao exame das idéias. Ademais, é mister distinguir as notas que constituem um conceito quanto a nós e quanto a si mesmo. Se certos objectos não os podemos apreender senão segundo certas notas, estas não devem ser consideradas como constituintes de sua legítima compreensão, a qual deve conter apenas as notas essenciais. Essa deficiência decorre do estado de nosso conhecimento. É o que observamos, para exemplificar com a Zoologia, onde nossos conceitos dos animais são formados de notas, segundo o que observamos nos mesmos, sem podermos alcançar-lhes a essência. Dêste modo, quando o lógico inglês Keynes, seguido na França por Goblot, distingue, na compreensão de um conceito, a conotação (conjunto das notas) e a compreensão em sentido restricto (strictu sensu), considerando a primeira o conjunto das notas com as quais nós definimos o objecto do conceito, e compreensão apenas as propriedades que podemos reconhecer nesse objecto, essa divisão é genuìnamente nominalista. Ela afirma que nossos conceitos não alcançam a essência das coisas, ricas de inúmeras propriedades. Como salienta Maritain, "esta distinção é errônea, pois opõe as propriedades não à essência, ou aos caracteres que definem em si o objecto de conceito, mas aos caracteres que o definem para nós, que nos servem para defini-lo e que, no caso das definições descritivas, não são os elementos constitutivos da essência, mas exatamente as propriedades." O têrmo conotação seria empregado apenas para indicar o que pensamos, actual e explìcitamente, de algumas notas ou caracteres que empregamos para definir um conceito. Goblot vai além, afirmando que na compreensão se incluem todos os conceitos contidos, quer como espécies ou sub-espécies, bem como todas as propriedades. Desse modo, inclui a compreensão na extensão, aumentando aquela na proporção que aumenta esta. Mas, esquece Goblot que essas propriedades não estão contidas em acto no conceito, mas apenas potencialmente (em potência). Não se deve incluí-las na compreensão do conceito, porque, nesta, deve estar apenas o que lhe convém necessàriamente (per se) e não per accidens. Dêste modo, o que diz de um conceito, o que dêle se predica, deve ser examinado se é accidental ou necessário (essencial). Na extensão, devem ser compreendidos apenas os indivíduos que cabem no âmbito do conceito; ou seja, aquêles em número indeterminado aos quais se lhe pode predicar o conceito. Oportunamente, trataremos dêste tema, de tanta importância no exame do silogismo e, na Dialéctica, ao tratar da plena aplicação das regras à Lógica Concreta, que é pròpriamente esta quando totalmente aplicada à totalidade. ****** Capítulo 5 Do Têrmo ****** Manifesta o homem os seus conceitos através de sinais vocais (vocabulários), que constituem a sua linguagem oral. Expressa o que pensa e o que sente por sinais significativos orais, que constituem os têrmos orais, e por sinais escritos, que se chamam têrmos escritos. Diz-se sinal do que, pelo qual, algo se torna conhecido de outro. O sinal indica, aponta a algo que se torna conhecido por êle, sem ser êle. Desse modo, está em lugar de outro, ao qual aponta, indica. O sinal, portanto, requer: a) alguma coisa significante; b) a coisa significada; c) o nexo entre êle e a coisa significada; d) o sujeito cognoscente, apto a compreender o que aponta o sinal. Dêste modo, o sinal une por meio de algo uma coisa significada ao cognoscente. O têrmo oral é um sinal constituído de uma voz significativa (vocábulo) para comunicar uma idéia, uma emoção, alguma coisa. A divisão dos sinais em naturais e arbitrários deve ser considerada. Natural é o sinal que se dá na natureza, como a fumaça, que é sinal do fogo. Arbitrário ou convencional é o estabelecido pela vontade de um ser inteligente. Êste pode ser especulativo e prático, segundo a sua intencionalidade. O têrmo oral é, pois, uma voz (um som), ou não, articulado, que significa alguma coisa. O têrmo oral é expresso na linguagem escrita pelos têrmos escritos. ***** 5.1 Divisões dos termos ***** Chamavam os antigos lógicos de têrmos categoremáticos os que tinham em si mesmos plena significação, que significam de per si, como homem, casa, árvore; sincategoremáticos, aqueles que não possuem de per si significação, mas modificam algum têrmo significante, como todo, algum, com, pois, e, daí etc., chamados pelos modernos funcionais. Esta classificação tem grande importância, sobretudo se considerarmos que uma idéia pode ser tomada categoremàticamente ou não. Categoremàticamente, quando tem um conteúdo positivo de per si, e poder-se-ia dizer que o Ser Supremo é infinito, sendo a infinitude a sua natureza. Tomado sincategoremàticamente, a infinitude seria funcional, um modo de ser. Nas discussões filosóficas, esta distinção é importante. Os têrmos podem ser unívocos, análogos e equívocos. Unívoco é o que significa um conceito simplesmente (simpliciter) um e uma razão simpliciter uma, como homem. Análogo é o que significa um conceito relativamente (secundum quid) ou proporcionalmente um e com uma razão objectiva relativamente uma, ou, em outras palavras, o que se predica de muitos, segundo uma significação em parte a mesma e em parte diversa (analogia intrínseca), ou significa muitas razões entre si coerentes (analogia extrínseca) ... . O têrmo ente é análogo do primeiro modo, porque significa intrinsecamente, enquanto o têrmo são se diz da medicina ou do alimento extrinsecamente, como ridente, que se pode dizer de um rosto e de um prado. Têrmo equívoco é o têrmo ambíguo, de dúplice significação, que significa simplesmente muitas coisas, como o têrmo cão, que pode significar o animal, uma peça de arma, uma constelação, etc. Note-se, porém, que se os têrmos podem ser equívocos, não o podem ser os conceitos, que são apenas unívocos ou análogos, porque um conceito equívoco seria outro conceito. Assim o têrmo cão, que é, como têrmo oral e escrito, o mesmo, quanto ao seu conteúdo conceitual é vário, e cada conceito é outro conceito, e não o mesmo. Os têrmos significam os conceitos, mas êstes significam a si mesmos. Não confundir o têrmo com o conceito é fundamental na Lógica, e poder-se-á ver, mais adiante, quantos sofismas surgem dos têrmos equívocos, não pròpriamente dos conceitos. Segundo a compreensão da idéia significada, segundo o conceito, os têrmos podem ser positivos ou negativos, quando significam alguma coisa positiva, ou a privação de uma perfeição. Assim homem e não-homem, sábio e ignorante. Há, contudo, têrmos que são aparentemente negativos, mas significam alguma coisa positiva, como Não-eu e átomo. O têrmo negativo é chamado também indefinido, quando sua significação é indeterminada, como não-homem, que significa indeterminadamente tudo quanto não é homem. Têrmo concreto é o que significa o sujeito com a forma, como homem, sábio. Têrmo abstracto o que significa apenas a forma como humanidade, sapiência. Têrmo simples é o que é composto de um só vocábulo; complexo, o que consta de muitos. No primeiro caso, temos casa; no segundo, engenheiro mecânico. O têrmo é explicativo, quando convém ao conceito em toda a sua extensão, como homem mortal; e restrictivo, ao contrário, como homem sábio. Segundo a extensão das idéias (dos conceitos), o têrmo é próprio, quando significa apenas uma coisa singular, como Sócrates. É comum, quando significa vários, segundo a mesma significação, como é o conceito universal, como mesa, árvore; colectivo, quando não se refere a indivíduos singulares mas tomados simultâneamente numa coleção, como batalhão. ***** 5.2 Do nome e do verbo ***** Define-se nome como a voz significativa para a comunicação falada, sem tempo (intemporal), da qual nenhuma parte tem significação separada, finita, recta. Por ser sem tempo, distingue-se do verbo, que é com tempo, exclui a oração e têrmos complexos; é finita, porque exclui os têrmos infinitos e indefinidos; recta porque excluí os casos oblíquos, que são sincategoremáticos. Verbo é, pois, a voz significativa com tempo, possuindo as outras mesmas características do nome. O verbo, na oração, exerce o papel de medium que une, a expressa a existência actualmente exercida ou possível nos juízos afirmativos; ou o contrário, nos negativos. O verbo ser é chamado freqüentemente cópula, quando realiza uma função copulativa entre o sujeito e o predicado; do contrário, é meramente um verbo substantivo, que afirma o acto de ser actual ou possível do sujeito. ****** Capítulo 6 Dos Universais ****** Etimològicamente, o têrmo universal (universalis, universum, uni-versum) indica um que versa sôbre muitos, um que diz respeito a muitos. Conseqüentemente, tudo quanto é um na qüididade, que versa sôbre muitos, toma o nome de universal. E como há variados modos de versar um sôbre muitos, podemos assinalar o universal significante (in significando), que é o têrmo universal, e universal representante (in repraesentando), que é o conceito universal; universal causante (in causando), como Deus, e universal em ser (in essendo), que é uma natureza que se refere a muitos, existente nêles, e que pode ser predicado dêles, também chamado de universal predicante (in praedicando). Chamam-se inferiores os que são predicados pelo universal in praedicando, como os indivíduos humanos são inferiores em relação ao universal homem. O universal em ser é um, uma natureza, que é comunicada a muitos, que se dá em muitos (inest in multis), e que com êle se identifica e com êles se multiplica. A natureza do universal é abstracta em relação aos inferiores, como homem o é em relação aos indivíduos humanos. Essa natureza se multiplica nos diversos indivíduos, mas é uma unidade, enquanto tal, de abstracção, que se comunica (de comum) com êles. É freqüente a confusão entre universal e comum. Mas, há uma distinção importante: comum diz-se do que de certo modo convém a muitos, mas universal é o que convém a muitos também, mas que se identifica com êstes, e nestes se multiplica. A justificação filosófica do universal foi por nós realizada, em outros trabalhos. Universal em ser (in essendo) é definido como um (uma natureza) em muitos e de muitos (in multis et de multis); ou seja, uma natureza que está em muitos por identidade com êles, e que é predicada de muitos. A definição implica os seguintes elementos constitutivos do universal: 1) o sujeito, ao qual é dirigida a intenção natural (intentio-natura); 2) o fundamento próximo dessa intenção-uma; 3) a própria intenção de universalidade, ou seja, a relação aos inferiores; 4) a própria passionem universal, ou seja a predicabilidade de muitos. O universal em ser pode ser distinguido: a) universal material, que, como natureza, é denominado universal; b) universal fundamental, que é o fundamento próximo da relação de universalidade, que é a unidade precisa, com aptidão ou não-repugnância a ser nos inferiores; c) universal formal, que é a própria forma relativa, cuja natureza abstracta dá-se em acto nos inferiores. Daí podem-se distinguir: universal metafísico, o universal que usa toda ciência, tomado abstractamente dos singulares, que é um universal fundamental nêles; universal lógico, que se refere à intenção ou forma, que é chamada universal, que é uma segunda intenção, e relação de relação. Esta é fundada na primeira. ***** 6.1 Dos predicáveis ***** Os conceitos universais, tomados formalmente, em sua intenção de predicabilidade e de universalidade, podem ser divididos em cinco classes. O conceito universal formalmente considerado é o que os escolásticos chamavam de universale reflexum, que já examinamos. As cinco classes, que tomam o nome de predicáveis (em latim predicabilia, e que correspondem ao grego categorema) são o gênero, a espécie, a diferença específica, o próprio e o accidente. Ora, todo conceito, como se pode fàcilmente ver, em sua referência intencional, aponta uma dessas classes universais, ou seja, considerado em sua universalidade, o conceito aponta uma dessas cinco classes. Essa classificação não é arbitrária e, ademais, é de suma importância para a análise lógica, pois favorece a melhor compreensão do habitas (do haver) entre o conceito-sujeito e o conceito-predicado. São, pois, êsses predicáveis cinco modos de universalidade do conceito tomado formalmente. Mas o conceito não é tomado apenas formalmente, mas também materialmente. E materialmente se diz do universal directum que está na coisa, em sua natureza, como vimos. Êsse universale directum permite outra classificação, que são as categorias, que eram dez para Aristóteles. Dizia Tomás de Aquino que o predicado unìvocamente de muitos é o gênero, ou a espécie, ou a diferença, ou o próprio ou o accidente. São, pois, os predicáveis os modos de universalidade ou de predicação. Tantos são os modos de predicação quantos são os modos de conexão dos extremos (sujeito e predicado). Portanto, a predicação consiste formalmente na conjunção ou conexão dos extremos. E a predicação é essencial, total ou parcial, é accidental intrínseca ou necessária, ou, então, extrínseca ou contingente. O predicado, quando significa a essência do sujeito ou a significa parcialmente apenas quanto à sua parte material (potencial), temos, então, o gênero; ou significa a essência totalmente, temos a espécie; ou significa apenas a formal (actual), temos a diferença. Se significa algo adveniente à essência, pode ser ela necessária, e é então o próprio; ou contingente, e temos o accidente, tomado aqui o têrmo em sensu stricto. Não se inclui o indivíduo entre os predicáveis por não ser êle um universal. O universal lógico como o metafísico dividem-se também nesses cinco predicáveis. Foram êles estudados por Porfírio em sua famosa Isagoge eis tás kategorias, "Introdução ao estudo das categorias", de Aristóteles, obra clássica no assunto. **** 6.1.1 Do gênero **** Definia Aristóteles o gênero como o que é predicado de muitas espécies diferentes no que se refere à sua qüididade. O que se predica de muitos não é a sua natureza, mas a sua universalidade. O gênero predica "in quid", porque enuncia a qüididade a muitos especìficamente diferentes. Assim animal predica-se de muitas espécies diferentes. O gênero contém, formalmente, suas espécies. O gênero é um todo potencial, porque inclui, indeterminadamente, todas as suas espécies. **** 6.1.2 Da espécie **** Correlativo ao gênero é a espécie. Quando dois têrmos universais estão contidos em extensão um no outro, o menor é chamado espécie e o maior de gênero. Assim homem é uma espécie do gênero animal; o triângulo é uma espécie do gênero polígono. **** 6.1.3 Da diferença **** Diz-se diferença específica o carácter pelo qual uma espécie se distingue de outras pertencentes ao mesmo gênero. Assim racional é uma diferença específica de homem, que, por êste modo, se distingue das outras espécies que pertencem ao gênero animal. A diferença pode ser essencial ou accidental. A accidental pode ser inseparável ou separável. A diferença essencial é a principal, como racional em homem. Se é accidental, mas inseparável, temos o próprio (proprium). **** 6.1.4 Do próprio **** É o accidente inseparável de uma espécie, como a risibilidade (a capacidade de rir) no homem. Mas, o próprio pode emanar também do gênero. Se emana da espécie é um próprio específico; se do gênero, é um próprio genérico. No primeiro caso, temos o exemplo dado da risibilidade; no segundo, a mortalidade, que é próprio do gênero animal, portanto, também, no homem. **** 6.1.5 Do accidente **** É o que sobrevêm, o que não é nem constante nem essencial ao sujeito. "Pedro está sentado", o estar sentado é apenas um accidente que acontece com Pedro. ****** Capítulo 7 Das Categorias (A Substância) ****** ***** 7.1 A substância ***** Pode-se tomar a substância em sentido lato, e como tal significa a essência, e em sentido restricto como o fundamento que sustenta em si mesmo, como portadora de accidentes, como fundamento dos accidentes, o que subestá. Uma substância pode ser completa ou incompleta. A primeira é a simples, a segunda é a composta. Divide-se, ainda, a substância em primeira e segunda. A primeira é a que está no sujeito; a segunda, a que se diz do sujeito. Assim, na divisão aristotélica, a matéria é a substância primeira (ousia prote, substantia prima), e a forma, a substância segunda (ousia deutera, substantia secunda). A primeira é individualizante, a segunda é universalizante. À substância convém pois ser por si ou subsistir, e subestar aos accidentes. Ser por si significa independência no ser (in essendo), embora não absoluta. Significa, pois, independência do sujeito da inesão e independência do co-princípio intrínseco substancial. A substância, que é sujeito, chama-se na Lógica, substância predicamental. A substância transcendental pode ser finita (criada) ou infinita (incriada), e segundo a razão da completação, pode ser completa ou incompleta. A completa pode ser simples ou composta, simples como homem; composta, como filósofo. A substância incompleta ora o é em razão da espécie apenas (como a alma humana), ou em razão da espécie e da substancialidade, como a matéria prima e a forma substancial recebida na matéria. Accidentalmente, a substância predicamental divide-se em razão do modo de ser (universalidade e singularidade), e substância primeira e segunda. A substância primeira é o indivíduo, e a segunda é substância universal. Em sua essência, divide-se em composta (composta de partes essenciais), e simples (não composta de partes essenciais). Propriedades da substância. Anota Aristóteles as seguintes propriedades: 1) não está num subjectum, não inere em outro. Esta propriedade convém tanto à substância primeira como à segunda. A substância primeira é o subjectum lógico da segunda, e esta se predica da primeira, que não é sujeito físico ou inesão. 2) Significar ou ser um algo qualquer, quer dizer algo por si subsistente e substantivamente expresso, diferente dos accidentes, que apenas significam adjectivamente. 3) Não ser sujeito a mais e menos; quer dizer que a essência substancial não pode tornar-se mais intensa ou menos intensa, como por exemplo o calor. Contudo, uma substância pode ser mais nobre do que outra. 4) Não ter contrários. Dizem-se contrários aqueles que, no mesmo sujeito, se repelem, como a substância não está no sujeito não pode expelir alguma coisa do sujeito. A razão das qualidades contrárias não impede que as substâncias lutem entre si. 5) Ser susceptível de contrários. Como a substância é sujeita de inesão dos accidentes, pode permitir accidentes contrários. 6) A substância segunda pode ser predicada unívocamente da primeira, porque aquela está contida nesta. ***** 7.2 Accidente predicamental ***** O accidente predicamental define-se como aquele cuja qüididade consiste em ser não em si, mas em outro, que é sujeito de inesão. O que caracteriza, portanto, o accidente é ser inerente em outro ou seja inesse (em outro). No inesse temos: atribui-se formalmente algum ser secundário, que supõe um ser primeiro consubstancial, e dependência em ser de um sujeito. Da quantidade predicamental se define a ordem das partes no todo. Sendo que o têrmo ordem significa posição das partes extra partes, o que quer dizer, que a quantidade é o accidente atribuído ao sujeito por ter partes extra partes quanto a si. A ordem é o fundamento da relação, na qual consiste a essência da qualidade, e não é relação da ordem. Desta maneira, a ordem fundamental é o fundamento da relação, segundo prioridade e posterioridade. A quantidade, portanto, contém multidão de partes, e desta multidão, ordem, segundo a posição em que as partes são colocadas extra partes, segundo prioridade e posterioridade. A quantidade transcendental é aquela que abstrai esta ordem, e é apenas a multidão dos entes tomados conjuntamente como número transcendental, ou, então, é tomado indivisamente, como a plenitude de uma potência, quando se diz quantidade de virtude. A quantidade predicamental é também a extensão chamada quantidade dimensível, que é accidente das coisas materiais, e é medida da matéria. A quantidade predicamental se divide em contínua e discreta. É contínua, quando suas partes continuam entre si, e descontínua, ao contrário. A quantidade contínua chama-se linha quando tem uma única dimensão; superfície, quando tem duas; corpo, quando tem três. Chamam-se unidades predicamentais as últimas partes de um número de uma quantidade. O número predicamental é o que decorre da quantidade discreta, que surge da divisão da quantidade contínua, que é multidão de partes entre si discretas, em que cada uma é uma quantidade contínua, extensa. O número predicamental é a verdadeira e própria espécie da quantidade, porque ela mesma ordena as partes discretas, as unidades, extra partes. Deste modo, não é êle apenas a colecção de muitos, mas a sua ordem quantitativa, ordem segundo prioridade e posterioridade. Da unidade resulta o número; ou seja, a ordem da posição discreta, que é o novo accidente realmente distinto da substância tomada singularmente, como também da sua quantidade contínua. O número é um per se, unidade da ordem, que é um accidente. O número é, portanto, uma ordem de posição das partes discretas, e ordena muitos sôbre uma ordem. Não se pode dizer que é um o que não tem um sujeito. Tomado nas coisas da natureza, o número, considerado meramente numérico, é um. O número diversifica segundo a diversidade essencial. O número é terminado e determinado pela última unidade. A linha, a superfície e o corpo matemático são verdadeiras espécies da quantidade. O lugar, o movimento e o tempo não são espécies da quantidade, mas são quanta, por accidente. Assim, o lugar é a superfície ambiente, que contém o locado, o que não significa especial razão de extensão, mas sim algo que é fora do conceito de quantidade, e que nêle acontece. O um, tomado em si, não é número, porque o número implica multidão. O um transcendental nada de real acrescenta ao ente, mas significa o próprio ser enquanto é concebido como num indiviso, enquanto que o um predicamental acrescenta algo ao ente, pois não significa apenas o ente, mas o ente como um quantum. Propriedades das quantidades - Assim, na Física são conhecidas as propriedades como a extensão local, a impenetrabilidade, a mensurabilidade, a divisibilidade. Como propriedades lógicas, temos: 1) não ter contrários, de contrariedade pròpriamente dita. A razão é simples: os contrários, que estão no mesmo sujeito, repelem-se mutuamente. Mas, a quantidade não repele a quantidade. Pois uma quantidade não produz outra quantidade, mas a quantidade retirada é extraída da quantidade. Grande e pequeno, muito e pouco são opostos não contrários, apenas relativamente, pois se diz que uma coisa é grande em relação a uma menor, e se diz que é menor em relação à maior. Assim duzentos é grande em relação a três, e é pequeno em relação a dois mil. 2) Não estar sujeita a mais e menos. Um número pode ser maior que outro; contudo, não é mais número (enquanto número). 3) A quantidade funda-se na relação de igualdade e desigualdade, porque torna o sujeito mensurável, e o que convém nalguma medida é chamado igual, e o que não convém, desigual. ****** Capítulo 8 Da Qualidade Predicamental ****** A qualidade é tomada: 1) como diferença essencial, que é chamada a qualidade do gênero; 2) como um accidente qualquer; 3) estrictamente como algo especial de algum accidente, que responde à pergunta qualis?, endereçada à substância, e que convém absolutamente à substância distinguida e determinada esta. Separa-se da quantidade, que também convém absolutamente à substância, que, contudo, não a distingue nem a determina. São Tomás define como o accidente modificativo ou determinativo da substância em si-mesma, e que se distingue dos outros accidentes, porque êstes não determinam absolutamente em si mesmo a substância, mas em ordem a outro têrmo, como a relação, ou em ordem de adjacentes extrínsecos, como se vê em outros predicamentos. Tomada estritamente, a qualidade, enquanto gênero supremo, divide-se em quatro espécies, que são: hábito e disposição, potência e impotência, paixão e qualidade de sofrer, forma e figura. A qualidade determina a substância em seu ser ou como quanta. Como quanta, determina a posição das partes da substância, é forma e figura. Se determina a substância no seu próprio ser, determina em si mesma, pelo qual ela é constituída como hábito e exposição, ou em ordem à sua actividade e passividade, pelo qual é constituída em potência e impotência, etc. ***** 8.1 Do hábito ***** O têrmo habitus predica-se da coisa não enquanto esta tem algo, porque isso é o que constitui pròpriamente o predicamento hábito, mas enquanto a coisa se há (habet) em si-mesma, ou seja como ela se há em si mesma. A disposição é definida como o accidente fàcilmente móvel, que dispõe o sujeito a bem ou mal haver-se em si mesmo. Hábito e disposição diferem intrínseca e especìficamente, porque uma pode ser fácil e outra difícil, assim como a opinião, por sua natureza, é fácil, enquanto a ciência é difícil, e, no obstinado, a opinião pode ser dificilmente removível, enquanto a ciência, ao contrário. O hábito pode ser entitativo e operativo. Ambos determinam a substância, mas o operativo determina por ordem à actividade o hábito meramente entitativo. O hábito operativo pode ser tomado estrictamente ou não. O primeiro consiste, por modo de inclinação, a indeterminação da potência, que impede operar no bem ou no mal. A segunda consiste na acção cognoscitiva e operativa. A potência é definida como o accidente que dispõe o sujeito a operar ou a resistir. A resistência, contudo, também é uma operação. Divide-se a potência em activa e passiva. Activa é a que realiza uma acção transeunte, que transita fora da potência do sujeito para algo. E passiva, a que permanece imanentemente. Assim se diz que a potência activa é transeunte ou transitiva, e a passiva é imanente. ***** 8.2 Da paixão (passio) ***** A capacidade de sofrer alterações de uma qualidade a uma outra oposta, por exemplo de uma côr a outra côr, diz-se paixão, que é a capacidade de alteração, de ser alterado. Chamam-se qualidades passivas aquelas que estão sujeitas a mudanças de graus de intensidade, como as côres, os sons, o odor, o sabor, etc. Estas são imediatamente por si sensibiles, sensíveis. As côres, como o vermelho, o azul, são distintas por diferenças próprias, já o branco e o negro são diferenças de intensidade na luz, uma o grau máximo de intensidade e a outra o mínimo de intensidade. As qualidades químicas não são sensíveis imediatamente per se, como por exemplo, a afinidade química, a densidade, a raridade. A figura define-se como a determinação da quantidade pela qualidade e é accidental; a forma é tomada qualitativamente como a proporção devida à figura, como se observa nas coisas artificiais. Propriedades da qualidade: 1) tem contrários. Esta propriedade convém unicamente à qualidade, mas nem todas as qualidades admitem contrários. Assim, na Física, o calor não tem contrário, embora tenha graus, pois o frio é um grau de calor. 2) Admite o mais e menos. É outra propriedade que convém à qualidade. Mas nem todas qualidades a admitem. 3) Segundo a qualidade, as coisas podem ser ditas semelhantes ou dissemelhantes. ***** 8.3 Da relação predicamental ***** Tomada em sentido lato, relação é a ordem de um a outro. A relação pode ser segundo se diz (secundum dici), que é a relação no ser absoluto ou pura, e relação segundo o ser (secundum esse), que se refere a outro, como a relação de paternidade. A relação secundum esse pode ser real e de razão. É real quando se dá nas coisas da natureza independentemente da consideração da mente, como a entre pai e filho; e de razão, quando apenas subsiste no intelecto, como a relação de predicado a sujeito. A relação secundum dici chama-se transcendental, quando se refere aos predicamentos. Assim a matéria, em relação ao gênero da substância, refere-se, transcendentalmente, à forma, e a forma à matéria. A relação real secundum esse é a relação predicamental quando é accidente real, cujo ser se dá totalmente em relação a outro. Como accidente real, distingue-se da relação de razão e distingue-se da relação transcendental, porque, nesta, todo ser não se dá ante outro, como numa entidade absoluta, na qual não se inclui ordem a outro. Na verdade, a relação predicamental consiste em ser ad aliud (a outro). A relação secundum dici é a ordem inclusa na essência da coisa absoluta. A relação secundum esse é a ordem de uma outra essência da coisa adveniente, ou seja, aquela em que todo ser se refere a outro. A relação divide-se accidentalmente em mútua e não mútua. A primeira é aquela que corresponde a outra relação real, como a paternidade corresponde a filiação; a não-mútua é o contrário. Assim, a relação de ciência a seu objecto é não-mútua. Entre as relações, podemos notar: a relação de conveniência e desconveniência, que pode ser segundo a quantidade ou a qualidade e a substância. Segundo a substância, temos a identidade e a diversidade (distinção). Segundo a quantidade, temos a igualdade e a desigualdade, e segundo a qualidade temos a semelhança e a dessemelhança. A distinção ou diversidade pode ser genérica ou específica ou numérica, segundo a espécie, o gênero ou o número. Nesta última, a distinção pode dar-se segundo a posição, a distância, a indistância, ou segundo a ordem de prioridade e posterioridade, etc. A relação de causalidade é a que surge entre causa e efeito. Propriedade da relação: 1) A relação não tem contrários. A razão é porque os estritamente contrários não podem estar no mesmo sujeito. 2) A relação de per si não está sujeita a mais e menos, mas apenas por accidente. 3) É relativa ou mútua (correlativa) quando uma é explicada pela outra. ***** 8.4 Da acção e da paixão predicamental ***** Define-se a acção como o acto pelo qual uma causa eficiente é causante em acto. É a acção o exercício da causalidade eficiente. É o que diferencia as causas extrínsecas das intrínsecas. Estas causam imediatamente, enquanto as outras não, mas apenas por meio de uma realidade distinta de si mesmas. Assim, a causa final, que é extrínseca, causa mediante a petição, e a eficiente, que é intrínseca, causa mediante a acção. Paixão (ou capacidade de determinabilidade) é o accidente pelo qual o sujeito é constituído como acto recipiente da acção do sujeito. A paixão (passio) corresponde à acção. A acção pode ser productiva de uma substância ou de um accidente. A primeira chama-se geração da substância; a segunda realiza apenas uma mutação na substância, é a geração do accidente. ***** 8.5 Do ubi (do onde) predicamental ***** Em sentido lato, entende-se por ubi (o onde) a presença no local. O local pode ser circunscriptivo ou extenso, ou não circunscriptivo, ou inextenso. O ubi predicamental é a presença em local circunscriptivo. O onde é o local em que é colocado o corpo no ambiente. **** 8.5.1 Do lugar predicamental **** O lugar é o accidente que dispõe as partes no onde. ***** 8.6 Do quando predicamental ***** É o accidente que consiste na disposição de algo simultaneamente no tempo ou não simultâneamente, segundo o seu movimento ou a sua quietação. Daí poder-se, segundo o tempo, dizer que uma coisa é simultânea, ou tem prioridade ou posterioridade, que são divisões do tempo (instante, agora, que equivale à simultaneidade, e passado, à prioridade, e futuro, à posterioridade). ***** 8.7 Do hábito predicamental ***** Hábito é o que imediatamente nos corpos resulta de um adjacente extrínseco, não mensurante. Quando é mensurante resulta o ubi, onde; quando não é mensurante, resulta o hábito. Assim, as vestes, que são extrínsecas ao homem, tomam o nome de hábito. Demos essas categorias aristotélicas por serem muito usadas na Lógica clássica. Ademais, convém lembrar que elas favorecem as distinções, que decorrem nitidamente da maneira segura de considerá-las. ***** 8.8 Dos postpredicamentos ***** Chamam-se de postpredicamentos as propriedades comuns dos predicamentos. Temos a oposição, a prioridade, a simultaneidade, a moção e o haver, que se referem a todos os predicamentos. Diz-se que há oposição entre muitos, quando entre si não convém. Há prioridade, quando um precede a outro em qualquer ordem (cronològicamente, axiològicamente, ontològicamente, etc.). Simultaneidade é a negação de prioridade e posterioridade. O haver é o modo, segundo o qual uma coisa se ordena a outra. Temos, assim, o modo de haver por inerência, que é o modo, a modal, pelo qual o accidente se há em relação à substância; por continência, quando contido na substância por posse, quando é um haver da substância, por relação como a que se dá entre pai e filho e por justaposição, quando se diz que algo tem outro posto ao lado, como a Itália tem a Suíça ao norte. Moção se diz do estado de tendência e da via, pelo qual um sujeito se transfere de um modo de haver para outro. Entre as moções, temos a corrupção, o devir. Quando a moção é substancial, temos a corrupção se há perda da forma; geração, quando adquire uma forma; alteração, quando há moção de qualidade para qualidade; movimento local, quando há transferência, transladação de um ubi para outro ubi; aumento, quando passa de menor para maior quantidade; diminuição, ao inverso. ****** Capítulo 9 A Segunda Operação do Espírito ****** ***** 9.1 Das proposições ***** É o juízo a segunda operação do espírito, que é por nós expressa na proposição ou oração. Mas a proposição, que expressa pròpriamente e exclusivamente o juízo, é a proposição enunciativa. Trataremos posteriormente do juízo. Por ora, trataremos daquela. A proposição enunciativa possui três elementos: sujeito, predicado e o verbo. Matéria da proposição é o sujeito, ou seja o do qual algo é enunciado, e o predicado o que é enunciado de algo. Forma da proposição é o verbo (ou cópula), que afirma ou nega, e que é freqüentemente expresso pelo verbo substantivo ser, no modo indicativo e no tempo presente. Podemos tomar o verbo ser participativamente, quando lhe damos o sentido de existir. Assim, quando se diz "Deus é", diz-se o mesmo que "Deus existe". Tomado substancialmente, significa apenas o haver de identidade ou de conveniência entre o sujeito e o predicado. Neste caso, a afirmação funda-se no ser da coisa. Nas orações constituídas de um só têrmo, êsses três elementos estão ocultos, mas subentendidos. Assim: "chove" equivale "a chuva é aqui e agora". Em orações de dois têrmos, como "Pedro anda", esta equivale a "Pedro é andante agora". As orações, que são empregadas em tempos verbais outros que o indicativo presente, podem ser reduzidas a êste tempo. Assim: "os homens justos serão felizes", pode ser substituída pela eqüivalente: "os homens justos são felizes no futuro". Quanto ao fundamento, as proposições podem ser classificadas de modo inverso. 1) Quando o fundamento da divisão é a verdade, a proposição pode ser verdadeira ou falsa. 2) Quando o fundamento é a certeza, a proposição pode ser certa, incerta ou provável. 3) Quando o fundamento é a fonte e o motivo de afirmar, pode ser mediata e imediata; sintética (ou a posteriori) e analítica (ou seja a priori). A posterioridade e a prioridade são consideradas em relação à experiência. Entre as proposições sintéticas, classificam os modernos diversos juízos, como o de existência ("Pedro existe"); o de valor ("A vale mais que B"); o declarativo ("este animal é um leão"); o de propriedade ("o céu tem nuvens"); o de gôsto ou de opinião ("para mim A é B"), etc. Os elementos da proposição, como já vimos, são o sujeito, o predicado e o verbo. E segundo êles, podem as proposições serem classificadas conforme a quantidade, a qualidade e segunda a forma. Segundo o modo de haver do predicado ao sujeito, que aponta a razão de matéria da proposição, estas podem ser: a) necessárias (ou de matéria necessária), quando o predicado se conexiona de modo necessário ao sujeito ("anterior é o que de certo modo tem prioridade"); b) impossíveis (ou de matéria impossível), quando o predicado repugna ao sujeito ("o círculo é um quadrado"); c) possíveis (contingentes) de matéria possível ou contingente, quando o predicado não convém em acto ao sujeito, mas pode convir ao sujeito; ou seja, quando convém e pode não convir ("o homem é sábio"). Regra dessas proposições: As proposições afirmativas em matéria necessária são verdadeiras; as negativas são falsas; em matéria impossível, as afirmativas são falsas e as negativas são verdadeiras; em matéria contingente, as proposições universais em geral são falsas e as particulares, em geral, verdadeiras. Quanto aos têrmos, que compõem a proposição (elementos), elas se dividem: a) em proposições de terceiro adjacente, quando constam de sujeito, predicado e verbo ("o homem é mortal"); b) de segundo adjacente, quando apenas de sujeito e verbo ("eu ando"); c) de primeiro adjacente, quando apenas de verbo ("escrevo"). Contudo, os elementos, nesta última proposição, estão implìcitamente contidos nela, não explìcitamente, como vimos. ***** 9.2 Divisão das proposições segundo a forma ***** A forma é dada pelo verbo. A proposição pode ser, portanto, afirmativa ou negativa. Chamam os lógicos de qualidade essencial a essa qualidade. É negativa a proposição, cujo verbo é negado (não é). Uma proposição como o homem tem não-asas, não é negativa, porque a negação é apenas do predicado, não do verbo. A proposição é afirmativa quando o verbo (é) é implícita ou explìcitamente enunciado. O predicado como o sujeito podem ser considerados na proposição segundo a sua extensão e a sua compreensão. Daí decorrem algumas regras que são de máxima importância, e fundamentais para o silogismo. 1) Segundo a extensão: a) na proposição afirmativa, o predicado per se é têrmo particular. Só é tomado na total extensão do sujeito nas definições. Assim, quando dizemos: "homem é um animal", animal é tomado particularmente. Quando dizemos: "homem é animal racional", animal racional, como definição de homem, é tomado em toda a extensão de homem, ou seja é todo homem. b) Na negativa, o predicado é tomado universalmente. Quando dizemos: homem não é pedra, recusamos ao homem ser pedra em toda a extensão do predicado. Estas regras são de máxima importância no silogismo e devem ser sempre lembradas. 2) Segundo a compreensão: a) na afirmativa, o predicado é atribuído ao sujeito, segundo todas as suas notas. Daí decorre que uma proposição não é verdadeira se alguma nota do predicado não convém ao sujeito. b) Na negativa, não se negam distributivamente todas as notas do predicado, mas apenas tomado colectivamente. Quando dizemos que homem não é planta, não se nega que seja vivente, substância, etc., nega-se apenas ao homem a carência da sensação e da intelecção. A proposição negativa afirma menos que a afirmativa, e a particular menos que a universal. ***** 9.3 Divisão da proposição segundo a quantidade ***** A quantidade de uma proposição depende do sujeito. E como êste pode ser universal, particular ou singular, a proposição será, conseqüentemente, universal, particular ou singular. Assim: "Todos os homens são mortais" é universal. Tomamos aqui homens em toda a sua extensão. Se se diz: "o homem é mortal", é universal também, mas homem está tomado em sua compreensão. "Alguns brasileiros são paulistas" é uma proposição particular. "Napoleão Bonaparte foi imperador dos franceses" é uma proposição singular. Eis o clássico paralelogramo das preposições, segundo a quantidade e a qualidade: [paralelograma_das_preposicoes.jpg] Dois juízos contrários não podem ser ambos verdadeiros, mas podem ser ambos falsos; da verdade de um, segue-se a falsidade do outro, não ao contrário; dois juízos sub-contrários podem ser ambos falsos, mas podem ser ambos verdadeiros em matéria contingente. Da falsidade de um, segue-se a verdade do outro, mas da verdade de um nada se segue em matéria contingente (não essencial). Dois juízos contraditórios não podem ser ambos nem verdadeiros nem falsos, um será verdadeiro e o outro falso, não havendo lugar para um terceiro juízo; dois juízos subalternos podem ser ambos verdadeiros ou ambos falsos: a) da verdade universal conclui-se a verdade particular, não ao contrário; b) da falsidade particular infere-se a falsidade universal, não ao contrário. Considerando-se essas regras clássicas e verdadeiras, podemos estabelecer o seguinte: pode-se concluir por subordinação da verdade de um juízo universal a verdade do juízo particular subordinado, e da falsidade de um juízo particular subordinado a falsidade do juízo superior. É o princípio do dictu de omni ..., o que é verdadeiro para todos é verdadeiro para cada um da totalidade. Não se pode, contudo, concluir afirmativamente do particular ao geral, nem negativamente do geral ao particular. Essa evidência é esquecida, contudo, por muitos ao realizar a inducção. Pode-se ainda ao contrário concluir da verdade de um juízo universal a falsidade do juízo contrário; da falsidade de um juízo particular a verdade de um juízo sub-contrário; da verdade ou da falsidade de um juízo qualquer, a falsidade ou a verdade do juízo contraditório. Fundam-se essas conclusões, como as anteriores, nos princípios de identidade, de contradição e de contingência. Dêles usam até os cépticos para justificar seu cepticismo ou as diversas tomadas de posição que escolhem. Contudo, não se pode concluir da falsidade de um juízo universal a verdade do juízo contrário, nem da verdade de um juízo particular a falsidade do juízo sub-contrário, como vimos. ***** 9.4 Divisão da proposição segundo a unidade ***** Segundo a razão da unidade, as proposições podem ser simples ou compostas. A proposição é simples quando tem um predicado atribuído ou não a um sujeito. Ex.: "Pedro é homem". A proposição é composta quando é composta de várias proposições; ou seja, composta de muitos sujeitos ou de muitos predicados. Ex.: "Pedro e Paulo são homens e brasileiros". ***** 9.5 Da definição ***** Pode-se propor esta classificação das definições, mais consentâneas com os estudos clássicos, cujo esquema emprestamos de Salcedo: Definição * nominal o simbólica o comum o arbitrária ou privada * real o essencial # física # metafísica o descritiva # própria # accidental # causal # genética A nominal é aquela proposição que explica brevemente a significação dos vocábulos. Esta será puramente nominal se explica apenas o vocábulo ou alguma acepção ignorada. Esta definição é importante como ponto de partida para o exame de alguma distinção. A definição nominal pode ser comum ou privada. Comum é a que declara que o vocábulo é de uso comum entre os homens. Privada ou arbitrária, quando tomada segundo alguma significação que lhe é dada. Simbólica diz-se da definição que declara a significação de algum símbolo. Definição real é a proposição que define a coisa por suas notas reais, que se distinguem de todas as outras. Esta pode ser essencial ou descritiva. Essencial, quando explica a coisa pelas notas que constituem a sua essência. Esta pode ser física, se define a coisa pelas notas essenciais que, real-realmente, se distinguem na coisa. Assim o homem é um composto de corpo orgânico e de uma alma racional. Será metafísica se explica a coisa por notas que se distinguem apenas por razão, como a definição que é feita pelo gênero próximo e pela diferença específica, proposta por Aristóteles. Ex.: homem é animal racional. Esta é a definição que se deve preferir na Lógica e na Filosofia. Definição descriptiva, a que explica a coisa não por sua estricta essência, mas pelas propriedades, ou pelos accidentes, ou pelas causas ou por qualquer outro modo, que seja pela enumeração de diversas notas não essenciais. Será, pois, própria, se explica a coisa pelas propriedades que se dizem emanar da essência da coisa, como as definições que encontramos nas Ciências Naturais, porque lhes escapa a essência íntima das coisas, embora se fundem nas propriedades captadas nas coisas. Definição accidental explica a coisa pelo complexo dos seus accidentes. Definição causal, quando a coisa é explicada por suas causas externas (predisponentes), como a eficiente, a final. "O relógio é um instrumento para indicar as horas" (causa final). Definição genética, a que explica a coisa indicando o modo e a razão de sua gênese, como se vê na geometria. Ex.: "o círculo é a figura plana que surge do movimento da linha recta, convertente para o seu extremo fixo." Outro exemplo é a definição do eclipse lunar. O que a distingue da definição causal é que não indica apenas a causa, mas também o modo como é gerada. Ao examinar tais definições, verifica-se que algumas são perfeitas e outras imperfeitas. Diz-se que é perfeita a definição que não admite outra maneira de definir. Na disputa filosófica são imensamente importantes as definições, pois facilitam a melhor compreensão das questões e do estado das mesmas. ***** 9.6 Leis da definição ***** A definição será mais clara quanto mais claro fôr o definido. Para tanto devem evitar-se: a) que os vocábulos, que entram na definição sejam obscuros, vagos, metafóricos, pois não se pode definir o que não se conhece pelo que se desconhece. b) Deve-se evitar o círculo vicioso; ou seja, definir o mesmo pelo mesmo, como repetir, na definição, o têrmo a ser definido. Assim definir a psicologia como ciência dos factos psicológicos. A definição deve ser a mais breve possível. Ter a máxima clareza. Devem-se evitar todos os têrmos desnecessários e inúteis. Ser recíproca com o definido. "Assim homem é animal racional", "animal racional é homem". Não ser meramente negativa, porque impede a reciprocidade. Há definições que são aparentemente negativas. Assim o ser infinito é o que absolutamente não é composto, pois o ser absolutamente não composto é o absolutamente simples. ***** 9.7 Do emprego da definição ***** Se tentássemos definir tudo, chegaríamos ao círculo vicioso. Há, pois, muitas coisas que não são definíveis, porque são reductíveis a outras por serem simples. Conseqüentemente, nem todas as coisas podem ser definidas. Nem todas as coisas podem ser definidas por definição essencial e até metafísica. Tal se dá pela simplicidade da coisa, como são os conceitos transcendentais, os gêneros supremos para Aristóteles, porque não constam de um gênero próximo e de uma diferença específica. Outras coisas não podem ser definidas em consequência da deficiência de nossa mente, como se dá ao tentarmos definir os indivíduos, os quais apenas podemos descrever. A definição alcança a perfeição na proporção do exame cuidadoso e longo. No uso vulgar, as definições são apenas descriptivas. O ideal filosófico é alcançar as definições mais perfeitas quanto possível. ***** 9.8 Algumas regras para as definições ***** O melhor método para alcançarem-se definições rigorosas consiste em: a) evitar têrmos equívocos; b) se substância, defini-la por si; se accidente, defini-la em relação à substância à qual inere; c) se fôr um hábito ou uma potência, defini-la pelo acto; o acto pelo seu objecto formal; se relação, pelos têrmos correlatos; d) se são privações ou negações, defini-las pelos opostos positivos. ***** 9.9 Via da definição ***** Pode ser realizada pela via analítica ou via ascendente. O melhor estudo desta via é feito ao tratarmos dos métodos. Contudo, pode dizer-se que consiste a via analítica na análise; ou seja, na separação das diferenças, partindo-se do todo para as partes. Diz-se que é uma via ascendente, porque, na árvore de Porfírio, ascende-se dos inferiores para os superiores, assim do indivíduo, sobe-se à diferença específica, desta à espécie, da espécie ao gênero próximo, dêste aos remotos, anotando-se as diferenças que se dão entre êles. Pela via sintética ou descendente, ao contrário, se vai da parte para o todo, dos componentes à componência. Diz-se descendente (descensus), porque dela se desce aos inferiores, do gênero às espécies, destas às diferenças específicas, destas aos indivíduos. A via analítica era pelos antigos chamada de collectivam logice, lògicamente colectiva, enquanto a sintética era chamada de divisam logice, lògicamente divisa, porque, na primeira, tende-se a coligir, e, na segunda, a dividir. Não é, pois, de admirar que se dê, em ambas, diferenças de inversão na extensão e na compreensão das idéias. ***** 9.10 Comentários dialécticos ***** Ora, como veremos, todo ente pode ser virtualizado segundo os factôres emergentes e predisponentes que cooperam para que êle seja. A definição aristotélica, que é a definição metafísica, fundamenta-se apenas nas causas intrínsecas do ser (factores emergentes), que são a matéria e a forma de um ser, o de que um ser é feito e o pelo qual um ser é o que êle é. Procurando-se ao que analògicamente corresponde à matéria e à forma, encontramos a definição de qualquer coisa ou objecto de pensamento. De que é feito o homem? De animalidade. O pelo qual o homem é homem? Pela racionalidade. Consequentemente: homem é animal racional. De que é feita a prudência? De virtude. Pelo qual a prudência é o que é? Por ser a capacidade de saber escolher os meios para determinados fins. Logo, a prudência é a virtude que consiste na capacidade de saber escolher os meios para determinados fins. A pergunta pelo de que é feito, ou de que consiste, não quer apenas, como resposta, a matéria próxima, mas a formalidade dessa matéria, e a forma que tem ou lhe dão. O avião é um veículo a motor; seu gênero próximo, pois, é classificado entre aqueles, cuja forma, por ser um artefacto, é indicado pela funcionalidade de sua constituição tendente para um fim: voar. É, portanto, um veículo a motor para voar. Para alcançar-se a definição, busca-se primeiramente o gênero próximo, que é a classe, na qual está incluído o conceito e, depois, o que o diferencia especìficamente dos outros. A definição aristotélica é uma definição metafísica, e apenas descreve os factôres emergentes. Uma definição dialéctica concreta incluiria também os factores predisponentes necessários previamente para dar ser ao ente. Não é que Aristóteles não soubesse disso, pois dizia que a melhor definição seria aquela que incluísse todas as suas causas. Contudo, julgava-se fraco para alcançá-la, e esperava que "outros mais robustos que eu possam, no futuro, realizá-la." ****** Capítulo 10 Exame Dialéctico das Relações entre o Sujeito e o Predicado ****** Desde início, deve-se distinguir o sujeito lógico de o sujeito físico. O sujeito lógico, na Lógica Formal, é o que é denominado pela forma, ou capaz de receber a forma de razão. Lògicamente, é o de que se afirma ou se nega alguma coisa (predicado, o que se predica do sujeito). É o conceito-sujeito. Todo objecto pode ser sujeito de um juízo. Logo se vê que, ontològicamente, todo objecto pode ser sujeito de um juízo. Inclusive o que, num juízo, é predicado, pode ser sujeito doutro juízo. Assim "A é B" ou "B é A", quando há univocidade formal entre predicado e sujeito. Também o que constitui elemento de uma predicação pode tornar-se sujeito de outro juízo. Assim: "A supera a B" e "B é superado por A". "A" é sujeito no primeiro juízo, e "B", que era elemento predicamental no primeiro, passa a ser sujeito no segundo juízo, enquanto passa a ser elemento predicamental de B, o que era sujeito no primeiro juízo. O sujeito lógico não deve, pois, ser confundido com o sujeito gnosiológico, nem o psicológico, nem o sociológico, nem o gramatical. Na Lógica Formal, sujeito é o actualizado no juízo ao receber a atribuição de um predicado. Quando dizemos: "O livro que está sôbre a mesa é verde", livro é sujeito. Quando dizemos: "o verde do livro que está sôbre a mesa", verde passa a ser sujeito. Em ambos os casos, nota-se que há uma actualização, ora de livro, ora de verde, caindo, ora sôbre um, ora sôbre outro, o jecto predicamental. O acto de predicação consiste, pois, em enunciar o atributo de um ente, que lhe corresponde, ou em recusar-se-lhe um atributo. Desta forma, predicado e sujeito distinguem-se formalmente, embora em dois juízos, o que é predicado, ou o que é sujeito possam inverter seus papéis. Os conceitos universais são considerados pelos lógicos de duas maneiras: pelo seu conteúdo esquemático, que é o conteúdo eidético, e também pela maneira como são predicados do que se referem. Conforme o conteúdo eidético, sua agrupação e classificação se faz pelas categorias, que apontam a tal conteúdo. Quanto aos modos, são êles classificados em cinco, que tomam o nome de predicáveis, como vimos. E enquanto entram nessas classes, são êles também chamados de predicáveis. Segundo a reflexão, tomaram as categorias o nome de primeiras intenções, e os predicáveis, de segundas intenções ou universais reflexos, classificações que têm grande importância nos estudos escolásticos. As categorias, por sua significação, são tema de estudo na Ontologia, enquanto os predicáveis cabem à Lógica. Como há apenas cinco modos de predicar, há cinco predicáveis: gênero, espécie, diferença, próprio e accidente. Como vimos, êsses predicáveis são modos universais de predicação, pois todos os conceitos são classificáveis entre êles. Há tantos predicáveis quantos modos de predicação, que são os modos de conexão dos extremos, do sujeito e do predicado. O que se predica da totalidade, quanto à sua essência determinada, é a espécie. A essência de maneira determinada da totalidade das espécies é o gênero (assim o gênero animal abarca várias espécies, como homem, cavalo). Há, contudo, o que divide as espécies de um gênero; isto é, o que as diferencia umas das outras, como racional diferencia a espécie homem de outras espécies. Pròpriamente, o gênero não é dividido em diferenças, mas por estas é dividido em espécies. Quando a determinação, que diferencia, está fora do conceito da espécie, temos o próprio; e quando é meramente accidental, temos o accidente. Tais predicáveis são tudo quanto se pode predicar de muitos, univocamente, como dizia Tomás de Aquino. O indivíduo não é um predicável, porque não é universal, como vimos. Portanto, tudo quanto se predica de um sujeito cabe em uma dessas classificações. É o gênero - na definição de Aristóteles - o que é predicado de muitos, que são especìficamente diferentes em algo material (potencial), assim como o gênero animal se predica de muitas espécies. Refere-se mais o gênero à parte material (potencial) da espécie, pois esta se refere à forma. A espécie é o correlativo do gênero. Dos predicáveis, que são examinados nos manuais de Lógica, é de máxima importância, para a metodologia dialéctica, o próprio (a propriedade). A propriedade é uma forma de determinação, mas é uma determinação que pertence necessàriamente a um sujeito, que pode ser um indivíduo, uma espécie, um gênero. E quando tais propriedades excluem quaisquer outras, chamam-se de propriedades características. Assim, um ser, quando é o que é, tem suas determinações necessárias, actuais ou potenciais, que constituem suas propriedades, como o rir no homem. Algumas são exclusivas, como a que citamos, enquanto outras não o são, como o ser bípede, que é próprio do homem, não, porém, exclusivamente. Assim, há propriedades que são exclusivas de uma espécie, mas que não se dão em todos os indivíduos da espécie, como o ser gramático; há as que pertencem a toda a espécie e a todos os indivíduos, como o ser bípede; a que pertence a toda a espécie e a todo indivíduo, não sempre, como o falar e, finalmente, a que cabe a toda espécie, a todos os indivíduos sempre, e só, como o poder rir no homem. Nesse último sentido é que, em geral, se considera a propriedade (próprio) por ser a que constitui a propriedade máxima. Para alcançar-se a classificação das categorias (predicamenta, na Lógica Formal), há certos pré-requisitos que devem ser considerados, a fim de facilitar a ordenação daquelas. Êstes eram classificados em quatro antepredicamentos. O primeiro antepredicamento é dividido em unívocos, equívocos e denominativos, como vimos. O segundo decorre da distinção entre complexos e incomplexos. O terceiro antepredicamento é a distinção desses que estão no sujeito, que nêles são inerentes, enquanto accidentes, e os que se dizem do sujeito. Daí surgem quatro combinações propostas por Aristóteles: 1) entre os que se dizem do sujeito, mas que não estão no sujeito (substâncias universais, que são predicáveis dos sujeitos, não inerentes a êstes); 2) os que estão no sujeito, mas que não se dizem do sujeito (accidentes singulares, nêle inerentes); 3) os que se dizem do sujeito e que não estão no sujeito, como homem (que são as substâncias singulares); e 4) os que se dizem do sujeito e estão no sujeito, entre os quais temos os accidentes universais, como branco, no homem. No exame metodológico, que realiza a dialéctica concreta, não se pode esquecer (e isto é imprescindível) a análise da predicação, classificando-a entre os predicáveis, e a análise antepredicamental. O predicado ou é tomado genericamente, ou especificamente, ou é uma diferença específica, ou uma propriedade ou um accidente, com suas diversas classificações. Antepredicamentalmente, a classificação dos conceitos em complexos e incomplexos é importante. O conceito homem branco é complexo, enquanto homem é incomplexo, porque decorre de uma simples apreensão, e é constituído por uma só essência, e seu conteúdo é apenas essencial, enquanto em homem branco, o accidente universal branco entra na classificação sem pertencer à essência; por isso homem branco é um conceito complexo. Mas, a complexidade deve ser vista em si mesma e segundo o modo como é concebida. Por isso, os antigos lógicos, como vimos, classificavam os conceitos incomplexos, segundo o modo de conceber, e em si mesmos (voce et re, em voz e quanto à coisa, ao conteúdo) como homem; segundo o modo de conceber, porém, não em si mesmos (incomplexos voce non re): assim filósofo, como vox, é incomplexo, mas como conteúdo in re é amante do saber (philos e sophia). Como complexos, segundo o modo de conceber, não, porém, em si mesmos (voce non re), temos animal racional, pois êste conceito é complexo quanto ao enunciado verbal, mas em si mesmo é um só, em seu conteúdo, já que a racionalidade inclui a animalidade, no homem pelo menos. Os complexos, segundo o modo de conceber e em si mesmo (voce et re), temos por exemplo o homem da perna de pau. Considerando-se, por exemplo, um conceito como racional, temos um incomplexo quanto ao enunciado e quanto ao conteúdo in re. Ora, na análise dos predicados, essa classificação assume importância, pois facilita a caracterização das distinções que possam ser visualizadas no conceito. Ao caracterizar a analogia ou a equivocidade ou univocidade entre o predicado e o sujeito, surgem naturalmente muitos esclarecimentos dialécticos. Assim, o predicado mortal ao sujeito homem não indica univocidade entre ambos, porque não é apenas o homem que é mortal; não se pode estabelecer uma equivocidade, porque o têrmo mortal, aqui, não é tomado equivocamente, mas ambos se analogam num logos analogante, pois o homem é um ente mortal. Já não estamos aqui na Lógica Formal de origem aristotélica, mas, na de origem pitagórica, porque o modo de exame dialéctico do predicado em relação ao sujeito, exige que, desde logo, se busque o logos analogante próximo de ambos, pois todos os conceitos têm sempre um logos analogante que os análoga entre si, próximo ou remoto, mesmo os opostos, que são analogados na espécie. A lógica pitagórica, cujos laivos exotéricos conhecemos através da dialéctica socrático-platônica, e que está sendo reconstruída por nós (como mostramos em nossos livros especializados, e em grande parte neste), exige que se busque a relação que conexiona o predicado ao sujeito. Se o logos analogante é muito distante, remoto, pode haver o disparate, como a que se dá numa oração que se formulasse assim; "o homem é chapéu", pois não há nenhuma analogia próxima entre chapéu e homem. Mas, a que se dá entre homem e mortal provém do logos analogante, que é a classe dos sêres mortais, na qual se inclui também homem. Segundo as classificações da analogia, surgem as classificações que se podem estabelecer na predicação. Pode ser ela extrínseca ou intrínseca. É a mortalidade do homem, extrínseca ou intrínseca? É algo que se pode predicar como propriedade, ou um mero accidente, universal ou particular? É a mortalidade uma necessidade hipotética, ou absolutamente inevitável? Surgem aqui, sem dúvida, graças a essa análise, campo para várias investigações filosóficas. Vejamos agora esta proposição: o homem é um animal social. Há analogia, porque não é só o homem que é animal, mas o homem inclui-se entre os sêres que vivem em sociedade. Mas, de que modo se predica essa analogia? De modo intrínseco ou extrínseco? Se de modo intrínseco, a sociabilidade humana pertence à sua natureza como uma propriedade, ou como um accidente universal? Essa problemática decorre da análise dialéctica, ou, seja, da conquista dos pontos de suficiência explicativa que surgem pouco a pouco, à proporção que a análise se aperfeiçoa. A analogia pode ainda ser de proporcionalidade imprópria, como a metafórica (êste homem é uma tempestade, ou um furacão), ou de proporcionalidade própria, como a analogia de atribuição. Pode ainda a analogia ser meramente funcional, que é ainda uma espécie de proporcionalidade, ou ainda por homologia, como a que se dá entre as asas de um pássaro e as aletas de um peixe. Na univocidade, a voz refere-se ao mesmo conteúdo eidédico. Ora, o predicado pode univocar-se com o sujeito. Na definição, busca-se essa univocação, ou melhor, toda definição deve tender a dar o predicado que univocamente seja adequado ao sujeito. Assim, a definição aristotélica: homem é animal racional, animal racional se unívoca com homem, pois pretende-se, quando se diz animal racional, dizer-se o mesmo que homem, e vice-versa. Contudo, dialècticamente, há aqui um problema que surge da necessidade do esclarecimento dos têrmos. Que pretendemos dizer com homem? Essencialmente, é o ser que julga, que valoriza, que é capaz de realizar juízos de valor e raciocinar. Naturalmente, o têrmo refere-se a êste ser físico que chamamos homem, a cuja espécie pertencemos. Se houver um outro ser animal que seja capaz de valorizar, de julgar, de emitir juízos e realizar raciocínios, também seria êle um ser que valoriza, que pensa. Nesse caso, tomado em sua essência meramente formal, seria homem, também. Se um ser animal dêste ou de outro planêta tiver racionalidade será êle, portanto, também homem, sob êsse aspecto. Mas, quanto à natureza (quanto à sua fisicidade) impunha-se uma distinção importante. Assim, o ser homem, a cuja espécie pertencemos, seria essencialmente unívoco com êsse outro ser racional, mas, quanto à natureza haveria apenas analogia entre ambos. A distinção entre essência e natureza, que é fundamental em nossa dialéctica, permite compreender perfeitamente a luta que se travou e se trava entre os escolásticos no que se refere à univocidade e à analogia, sobretudo ao tratar-se dos atributos divinos, que são formalmente unívocos, enquanto tomados em sua essência, aos que se dão no homem (como o saber, do qual o homem participa), mas são de natureza diferente (pois o saber do ser divino é infinito, e é êle mesmo, enquanto no homem é deficiente). Deste modo, impõe-se metodològicamente, ao examinar o predicado, verificar se a sua univocidade, ou analogia em relação ao sujeito, se referem ao aspecto formal ou à sua fisicidade, ou, seja, em nossa linguagem, à sua eideticidade ou à sua fisicidade. Após êsses exames, seguem-se os que pertencem à quarta classificação aristotélica, que se refere à distinção entre os predicamentos, a distinção que se pode estabelecer entre êles. ***** 10.1 Os predicamentos ***** Os predicamentos são as categorias, estudadas na Lógica e na Ontologia, segundo a classificação aristotélica, ou segundo as de outros autores, e se referem, como já vimos, à classificação que se pode fazer quanto ao conteúdo eidético dos conceitos, enquanto os predicáveis referem-se aos modos. Os dez predicamentos de Aristóteles são: substância, quantidade, qualidade, relação, habitus, quando (tempo), ubi (lugar), sítio, acção e paixão (passio), como já vimos. No exame dos conceitos, a classificação em tais categorias se impõe, porque enquanto a primeira, referindo-se à substância, é perdurante, as outras nove, por serem accidentais, podem não o ser. A substância pode referir-se à substância primeira (matéria) da coisa e à substância segunda (a forma). Pode ser composta ou simples, segundo a parte essencial. No Organon aristotélico e na obra lógica dos escolásticos, o exame das propriedades da substância já foi realizado. Todas essas contribuições são de grande valor para o exame dialéctico concreto. Contudo, o conceito de ousia (substância) para a dialéctica concreta, distingue-se sob vários aspectos da concepção clássica. Não que consideremos esta falha, mas apenas julgamos que a dialéctica concreta contribui com precisões que facilitam a melhor compreensão do que apenas formalmente havia sido examinado por Aristóteles e os escolásticos. A ousia da coisa é constituída pela sua emergência, que é, como sabemos, constituída pelos factores intrínsecos de um ser, no que se refere ao de que é constituído, e ao pelo qual é o que é, que são, na linguagem aristotélica, a matéria (de que) e a forma (pelo qual). Toda coisa, quando é, é alguma coisa, e é por uma certa proporcionalidade intrínseca que é o que é, e não outra coisa. Uma coisa começa a ser o que é, no precípuo momento em que começa a ser. Sua emergência não a antecede, pois então ela existiria antes de existir, mas é constituída no momento em que vem a ser. Ora, a sua emergência, tomada formalmente, não é mais nem menos, porque não seria o que é se fosse mais do que é ou menos do que é. Não possui um contrário, porque o não-homem não é uma substância, uma ousia, mas apenas uma indeterminação, e refere-se a tudo quanto substancialmente não podemos classificar como homem. A ousia, a emergência portanto, está sujeita a accidentes antinômicos, que são constituídos pelos seus graus de intensidade e extensidade. Ora, sabemos, através de nossos estudos dialécticos, que a emergência se apresenta com variância e invariância. Sua invariância é constituída pela presença emergente, tomada como lei de proporcionalidade intrínseca, mas sua variância surge da sua capacidade accidental de sofrer a influência dos factores predisponentes e dos próprios emergentes em sua mútua actuação. Assim, no homem, o seu componente biológico e fisiológico, que constitui o seu aspecto material, da matéria humana substancial, na linguagem clássica, e o seu componente formal, que subordina a parte psíquica e também a sua espiritualidade, constituem a sua substância. Mas, a sua constituição psíquica tem raízes fisiológicas, como se vê pela fisiologia do sistema nervoso, e também biológica, e há uma interectuação inegável. Mas, como todo ser finito se caracteriza por uma capacidade potencial, e é apto a receber determinações, a emergência humana não é algo que se dá de per si, mas algo que se dá decorrente dos factores predisponentes que o antecedem, acompanham e sucedem, como sejam o factor ecológico, tomado em tôda a sua amplitude, e o histórico-social de sua ascendência específica, e também do ambiente histórico-social, que é constituído pelos grupos sociais de que faz parte. Ora, êstes actuam sôbre a sua emergência proporcionadamente à capacidade de determinação que esta oferece, segundo os graus de actualização de sua variância, o que nos explica a heterogeneidade dos sêres. O invariante é aí a parte meramente formal, que corresponde ao arithmós eidético in re dos pitagóricos, e a variância corresponde à capacidade de determinação e de ser determinado (acto potencial e potência activa), de que dispõe o ser em sua intrínseca constituição. Se a Lógica Formal clássica trabalha com as categorias aristotélicas, a dialéctca, que preconizamos, usa também as categorias pitagóricas, as dez categorias que já examinamos em nossos trabalhos, que correspondem às dez leis que regem toda existência, que são as de ousia, de oposição, relação, reciprocidade, proporcionalidade intrínseca, harmonia, evolução, transimanência específica, totalidade e integração transcendental, sem que essas categorias, que são propriamente leis, pretendam renegar a classificação aristotélica. De modo algum, a dialéctica concreta quer abandonar a contribuição aristotélico-escolástica, mas quer precisar o aspecto dinâmico que é inseparável da dialéctica como aplicação mais natural da Lógica Formal. Assim, as categorias de qualidade e quantidade surgem da relação formada pela oposição do que é imanente ao ser, pois, dessa oposição, a relação, que surge, é qualificadora, determinadora, e inclui nessa determinação a quantidade, que é o que corresponde ao quantum da determinação qualitativa. O resultado dessa determinação, provocada pelo agir-sofrer proporcional dos opostos (reciprocidade), realiza a estabilização de uma proporcionalidade intrínseca que perdura (a forma), que é reveladora da adequação dos opostos analogados a um logos analogante, que lhe dá a normal do proceder do ontos (ente) realizado (harmonia). O homem, por exemplo, surge da oposição entre a sua animalidade e a sua espiritualidade, que cooperam na formação de relações intrínsecas, segundo uma lei de proporcionalidade decorrente da reciprocidade estabelecida entre tais opostos, a qual revela sempre uma harmonia, que é estabelecida pela analogia dos contrários (pois a espiritualidade é analogada à animalidade do homem), e obediente a uma normal, que se manifesta pelo interesse da totalidade dêste homem, sua conservação, etc. Ora, a oposição não exige separabilidade absoluta, mas apenas distinção funcional. Não podemos aqui avançar mais, porque a exigência de outras análises impõe outros exames para que se possa estabelecer uma análise dialéctico-concreta da hominilidade, que não é tarefa difícil, depois de havermos precisado todos os elementos imprescindíveis para a crítica dialéctica. A substância primeira, o de que a coisa é, aponta à individualidade do ontos, enquanto o pelo qual (formal) é aponta a substância universal. Ambas constituem o modo de ser da coisa (modi essendi), que são a universalidade e a singularidade. O de que (quod) indica a singularidade, e o pelo qual (quo) a universalidade. Mas, note-se que, dialècticamente, o de que tem um pelo qual, pois a animalidade do homem é a animalidade do homem, e não qualquer animalidade. A substancialidade primeira do homem já tem uma forma. A carne do homem é carne humana. A substancialidade segunda, que é aristotèlicamente a sua forma, tem também um de que, porque a forma do homem é a forma humana. Se examinamos emergentemente um outro têrmo, podemos caracterizar êsses aspectos. Tomemos, por exemplo, trabalho. A primeira pergunta dialéctico-concreta nos interroga: de que é feito o trabalho? A resposta é: do esforço físico ou mental (erg). Pelo qual o trabalho é trabalho e não qualquer esforço? Pela presença da racionalidade humana, que dá uma direcção, uma finalidade. Neste sentido, os animais não trabalham; mas só um ser inteligente, racional, trabalha. Nem qualquer esforço humano seria trabalho, como não o é o andar, o comer. Mas, no esporte, há um esforço, e há uma direcção inteligente. É trabalho, portanto? Se considerarmos apenas como enunciamos acima, será trabalho, mas se dermos ao trabalho mais uma determinação, como seja a de produzir bens material ou espirituais, teremos o trabalho (humano) econômico. Estaremos, já, numa espécie de trabalho. Ora, a dialéctica concreta não se satisfaz com as classificações meramente fundadas em asserções lógicas. Todo o seu empenho se dirige à busca do significado ontológico, porque só aí alcançaria a apoditicidade. Precisamos, pois, para alcançar a apoditicidade, chegar a um enunciado do trabalho, do qual se possa dizer: necessàriamente, trabalho é P, e nada mais que P. Teremos, assim, que alcançar a uma predicação necessária. E essa predicação é o conteúdo ontológico do conceito trabalho. É necessário ao trabalho esforço (erg)? Sim. É necessária uma presença racional? De certo modo, sim. É necessária uma direcção determinada, ou não? Não, salvo quando queremos determinar as espécies de trabalho. Portanto, pode-se dizer: Trabalho humano é necessàriamente todo o esforço dirigido e criado pela inteligência, tendente a um fim determinado (a determinação do fim classificá-lo-á como esportivo, económico, social, etc). Se considerarmos apenas o esforço que tende para algo, teremos o seu sentido genérico, o qual incluirá o esforço físico inorgânico, o qual se realiza, por exemplo, numa combinação ou numa operação físico-química. Teremos alcançado o conceito universal de trabalho, o eidos do trabalho. Necessàriamente trabalho é eidèticamente todo esforço que tende para algo. Nesse enunciado ontológico eidético, temos a universalidade, e o trabalho humano seria apenas uma espécie de trabalho, a humana. Então, em sentido genérico, há trabalho entre os animais, o qual se realiza à semelhança do trabalho do homem, mas apenas quanto à sua universalidade, não quanto à sua especificidade. Se falamos no campo antropológico, temos que tomar trabalho em seu sentido específico; se falamos no campo da ciência natural, temos de tomá-lo em seu sentido genérico. A não-precisão de tais aspectos pode gerar diversas falácias (sofismas), quando intencionalmente realizadas. Tudo quanto é material é quantitativo, porque decorre do que está contido na materialidade determinada. O conceito de quantidade implica haver partes fora de outras partes numa substância, tomada em si mesma. Só há quantidade, onde uma substância pode ser considerada em sua componência, e, enquanto nesta, como contendo partes fora de outras. Esta é a quantidade predicamental, e implica multidão. Transcendentalmente, pode a quantidade ser considerada como abstraída dessa ordem, como o número para a matemática comum, que é a quantidade transcendental. ***** 10.2 Da relação ***** O conceito de relação implica a ordem de algo para algo (unius ad aliud). Mas êsse é um conceito lato. Há relação, quando há um relatum, um referir-se de um a outro, um ad aliquid, um para algo. Na relação, temos a própria relação, o sujeito ao qual se refere, o têrmo ao qual se refere o sujeito, e o fundamento no qual resulta a relação. Entre João triste e Pedro triste, há uma relação de semelhança, pois triste é o têrmo, e a tristeza é o fundamento. O tema da relação pertence à Ontologia, mas na dialéctica concreta, é de importância, sobretudo no que se refere à predicação, porque esta é a relação que se forma entre o sujeito e o predicado. No exame da relação entre sujeito e predicado, segundo a dialéctica concreta, não nos afastamos das contribuições da Lógica Formal, embora não possamos seguir o seu roteiro, mas, sim, colocando, sempre que possível, o que é positivo, e que permanece válido. A dissociação da proposição em seus três elementos fundamentais é uma realização da análise. Na verdade, a proposição é uma totalidade, uma tensão, com sua estructura coerente e coesa, na qual estão, coactamente colocados, os elementos que poderão posteriormente ser distinguidos pela análise, como sejam sujeito, predicado e modo de predicar. Na verdade, psicològicamente considerados, a proposição, ou o juízo, são estabelecidos em primeiro lugar, e dados como totalidade. Assim, quando alguém tem fome, essa apreensão psicológica é dada como uma totalidade, que, logicamente, é expressada pela proposição: Tenho fome. A proposição, psicològicamente, é um todo, que é desdobrado em conceitos na exposição lógica. Quando temos uma idéia, um sentimento, e o expressamos verbalmente, fazemo-lo por proposições lógicas, como poderíamos, e podemos fazer, por gestos significativos. Desse modo, é inseparável da proposição psicológica a sua significação; ou, seja, o que pretende dizer, o conteúdo psicológico da mesma. É por meio de conceitos, que verbalmente o ser humano expressa suas idéias, seus desejos, suas emoções diversas, suas opiniões. E elas podem ter, como têrmos significativos, gestos, sinais e vozes, que são as palavras faladas. Com a linguagem falada, abre-se fatalmente o caminho da lógica. Noo-genèticamente, a formação dos ante-conceitos e dos conceitos, que examinamos em "Noologia Geral", e o fazemos com mais abundância de pormenores em "Tratado de Esquematologia", é posterior à formação da proposição psicológica, como examinamos em "Psicologia". Só após a formação dos ante-conceitos e dos conceitos, e de seu desdobramento nas categorias conceituais, seria possível o surgimento da Lógica, como disciplina, pois só então há todos os elementos imprescindíveis para que a Lógica se construa. É, pois, de admirar que haja a confusão comum que se encontra no sector dos estudos lógicos entre o aspecto psicológico e o aspecto meramente lógico da expressão do pensamento humano. Quando o ser humano expressa em palavras as suas vivências sensíveis, intelectuais ou afectivas, êle o faz por meio de conceitos que já estão estructurados. A expressão lógica tem certo estaticismo, mas sua significação pretende obter a máxima dinamicidade, e reprodução do que há de heterogêneo na vivência noética. Reduzir a Lógica à Psicologia é confundir estructuras diferentes, como poderemos observar em poucas análises. As vivências noéticas em geral, incluindo as sensíveis, as afectivas e as intelectuais, são dadas como totalidades. Elas, por sua vez, revelam nexos noéticos. Também os factos do mundo exterior ao mundo vivencial humano revelam nexos em seu acontecer, e repetições fenomênicas, que são apontadoras de estructuras eidéticas, pois esta pedra, aquela ali, e aquela outro acolá, apontam a uma estructura eidética, que é pedra. A conceituação humana lógica é obra posterior. O gesto defensivo e significativo de um conteúdo conceitual: defesa. Mas também o é o gesto defensivo dos acúleos das plantas, ou o esgar e o recuo do animal açulado. Há entre êles algo em comum que os unifica num mesmo conteúdo significativo, pois todos apontam para uma mesma intenção: a defesa. A necessidade da comunicação e a complexidade constante da vida social, que se heterogeneiza, levou o homem a uma conceituação vária. E os têrmos verbais, que usou, têm uma significabilidade, apontam a um conteúdo intencional. Dêste modo, pode-se dizer que há uma lógica universal, uma pan-lógica, que é expressada por todos os gestos por todas as vozes, por todas as atitudes significativas, que em toda natureza se expressam. E essa linguagem significa, no homem, o apontar das suas vivências. Não é a Psicologia que cria a Lógica; esta não se deriva daquela, como também não é da Lógica que se deriva a Psicologia. Os conceitos surgem da necessidade de expressão que se caracteriza pela significabilidade de um conteúdo vivencial. Mas êsse conteúdo vivencial não constitui o único conteúdo da linguagem, porque há também uma significação nos gestos, nas atitudes e nas vozes da natureza, que apontam a outros conteúdos. Se observarmos a vida psicológica humana, encontramos similar na vida psicológica animal. O espanto, o terror, o medo, o desejo, o anseio, a atracção, a repulsa, a ira, etc, expressam-se por sinais. Há, na natureza, sêres que se distinguem, se assemelham, aspectos, que se opõem, forças que convergem, associações, disassociações, reproduções. As coisas repetem aspectos das outras, assemelham-se, classificam-se segundo essas semelhanças. A linguagem humana expressa a vivência intelectual, sensitiva e afectiva do homem. As palavras são sinais dessas vivências, e também dos factos que acontecem no mundo exterior, das semelhanças, dos aspectos que se distinguem e se opõem. Há sempre um logos que a palavra aponta, assinala, significa. Êsse logos não se dá isolado, só, mas acompanhado de outros, e entre êles há nexos de dependência, de oposição, de relação. A linguagem procura expressar tais conteúdos. A lógica não é apenas do homem, mas de todo o existir. Há pensamentos em todas as coisas, que o acto psicológico pode captar. O acto psicológico não cria o pensamento, mas capta o pensamento, e o expressa através de sinais que o apontam. Aquele mar azul não é uma criação da nossa sensibilidade, pelo simples facto de que ela capte o azul. Êle é, em si, e na relação que forma com a nossa capacidade cognoscitiva, azul em sua coloração. Quando expressamos a proposição: Êste mar é azul, expressamos uma vivência sensível, que é assinalada por têrmos verbais significativos daqueles conteúdos existenciais. Há uma lógica na natureza, porque, do contrário, não haveria a Matemática, a Física, a Ciência. Seria ingenuidade pensar que a Matemática, a Física, a Ciência, em suma, fossem meras imposições assinalativas de nossas vivências, sem correspondências exteriores. E por que houve filósofos que pensaram assim? Porque êles reduziram a Lógica à Psicologia, apenas às nossas vivências, como se não houvesse também um assinalar das coisas a conteúdos eidéticos, embora não noéticos, não pertencentes ao nosso nous (ao nosso espírito), mas apontadores de estructuras eidéticas, de leis de proporcionalidade intrínseca, que as coisas também expressam. A simbólica seria impossível sem êsse significar, embora o símbolo já exija um sinal específico, pois tal sinal é aquele que participa de uma qüididade da coisa simbolizada, como o demonstramos no "Tratado de Simbólica". Não são nossos esquemas que coordenam a natureza. As coisas não sucedem segundo a nossa Lógica, como se houvesse uma lógica que fosse exclusivamente nossa e separada e estranha aos nexos da natureza. Nossa Lógica é e foi constantemente construída através dos nexos que as coisas revelam. Nossas experiências permitiram que ligássemos uma significabilidade com outra. Quando nossos ouvidos ouviam o trovão, já nossos olhos haviam visto o raio. Só depois poderíamos compreender que além do nexo de sucessão, havia um nexo de dependência. Todo o mundo animal, vegetal e humano davam-nos lições lógicas. Nossos conceitos foram expressando nossas vivências que, por sua vez, eram significativas dos factos. Nesse sentido, seguindo essa via, os conceitos, como expressões verbais, são sinais das nossas vivências, mas estas assinalam também os factos e os nexos que entre êles podemos captar. A Lógica, que criamos, não foi imposta por nós à natureza. Nós é que, pouco a pouco, captamos o nexo dos conceitos, e construímos a Lógica, mas êsses conceitos, que assinalam nossas vivências, estão impregnados da significação do que acontece e do que é. E assim, como em outro mundo, um ser inteligente, ao examinar o triângulo, captaria as propriedades dêste, e seria capaz de construir uma geometria, também seria capaz de construir uma matemática. A lei da triangularidade não é algo que exista apenas no homem, mas algo que se dá nas coisas. E na triangularidade estão todos os pensamentos que ela pode apontar. Nós apenas captamos, pelo acto de pensar, êsses pensamentos. Vê-se, dêste modo, quão rica e importante é a distinção que se tem de fazer entre pensamento e acto de pensar. Um pouco de filosofia nos encaminharia fàcilmente por roteiros importante. Tudo quanto é, foi ou será era uma possibilidade de ser, porque, do contrário, não se daria agora, nem nunca se teria dado, nem nunca poderia dar-se. Assim, podemos captar as possibilidades que podem actualizar-se, segundo nossa capacidade cognoscitiva. Mas, como tudo quanto é e pode ser é inteligível, é passível de ser captado por um ser inteligente, todas as possibilidades actualizadas no passado, no presente ou que se actualizarão no futuro são inteligíveis, embora nem sempre o sejam por nós, por alguns de nós. Todas essas possibilidades são pensamentos, são captáveis por um acto de pensar. Desse modo, todos os pensamentos já estão de certo modo dados. Uma mente infinita, como teològicamente se dá a Deus, pode captar, num só acto intelecto, todos os pensamentos, porque, realmente, dela, dentro do âmbito teológico, são todos êsses pensamentos. De um facto dado, uns captam êstes ou aqueles pensamentos, enquanto outros podem captar diferentes e opostos, do mesmo modo que ante esta planta uma criança, um poeta, um botânico captam pensamentos tão diferentes e tão vários. Mas, todos êsses pensamentos não são átomos diacriticamente separados por um abismo. Há entre êles nexos diversos, nexos de dependência, de subordinação, etc. Que são as classificações lógicas dos conceitos senão o apontar dessas relações e desses nexos que os pensamento mantêm entre si? Há, sim, uma lógica universal, há uma conexão dos logoi de todas as coisas e de todos os pensamentos. Nossa Lógica é apenas um capítulo, o estágio dessa lógica universal. É deficiente, afirmarão. Ninguém o nega, mas ninguém pode negar que tem havido um progresso no processamento da Lógica como disciplina culta. E êsse progresso tem revelado que o conexionamento de nossos conceitos corresponde ao conexionamento dos pensamentos que somos capazes de captar entre as coisas. Se a nossa Lógica não dá exaustivamente a verdade de todas as coisas, ela não nos engana. Gnosiològicamente, já o provamos em "Teoria do Conhecimento", nosso conhecer é verdadeiro totum et non totalíter. Podemos saber, como verdade, que êste objecto é uma pedra, sem que saibamos como é a lei de proporcionalidade intrínseca que coerência a estructura do que chamamos pedra. Mas sabemos que, nessa pedra, há uma lei de proporcionalidade intrínseca (forma), que coerencia a sua estructura. O nosso conceito pedra assinala a existência dessa lei nesse ser, sem que saibamos ainda, e exaustivamente, o que a faz ser pedra. E sabemos também que aquele outro ser é pedra, porque repete caracteres iguais ao que revela êste objecto. E não erramos, pois sabemos que em ambos há a mesma lei de proporcionalidade intrínseca que coerencia as suas estructuras. Quando, após o desenvolvimento de nossos conhecimentos, chegamos a saber que a fórmula esquemática da água é H2O; ou, seja: que a sua estructura molecular é formada pela proporção de dois átomos de hidrogênio para um de oxigênio, ainda não sabemos tudo sôbre a água, mas já sabemos mais do que sabíamos antes do progresso de nossos exames químicos. E é de presumir que o desenvolvimento de nossos conhecimentos, graças a futuras investigações, possa dar-nos um saber mais amplo sôbre a estructura intrínseca da água. E, nesse momento, em cada um dos estágios desse conhecimento, essa lei de proporcionalidade intrínseca se nos vai revelando cada vez mais. E onde encontramos outra vez água, sabemos que nesse ser deve haver a mesma lei que nêle se repete. É a natureza que afirma haver uma lógica. A nossa é o produto de uma cooperação da nossa esquemática noético-eidética aplicada e estimulada pelos factos da mesma natureza. Cremos ter sido suficientemente claros, e quem meditar sôbre nossas palavras há de concluir que se houver outros sêres inteligentes, que não o homem, no universo, êles também terão uma Lógica, e essa não será uma contradição da nossa, não excluirá a nossa, pois toda contradição é excludente, embora possa ser distinta da nossa, talvez mais ampla e mais capaz, mas nela se há de obedecer ao mesmo rigor das significações, dos conteúdos eidéticos e dos nexos que a nossa já tem conseguido em parte conquistar. Perscrutando a natureza exterior e a de si mesmo, o homem capta pensamentos, e capta seus nexos, e graças a êsse acúmulo de conhecimento é capaz de construir a Lógica e, com ela, a Ciência e a Filosofia. Quando Aristóteles a chamava o Organon, o instrumento, compreendia em toda a sua extensão o seu papel. Ciências auxiliares foram chamadas a Lógica e a Matemática, e êsse título bem a mereciam, pois sem a Lógica como haver a Filosofia, e sem a Matemática como construir a Ciência Natural? É a Matemática apenas uma lógica dos números e a Lógica uma matemática dos conceitos? Essa afirmação é esteticamente bela, já o mostramos, porém, não diz tudo, porque esta Matemática como esta Lógica estão subordinadas, por sua vez, a uma Mathesis Suprema, que é o saber mais elevado, o saber a que aspira o filósofo, êsse viandante do conhecimento, êsse buscador afanoso, pois a filosofia é todo o processar desse afã em busca da Mathesis Suprema, como a concebiam os pitagóricos de grau mais elevado. * * * Volvendo ao que dizíamos, com referência à proposição psicológica, a transformação desta em proposição lógica se realiza quando a conceituação já se estructura. Nós procuramos os conceitos que assinalam o conteúdo proposicional psicológico, que é dado como um todo. Êste-livro-que-está-sôbre-a-mesa é um todo psicologicamente captado, que passa a ser expressado por êsses sete conceitos ordenados. É êsse processamento lógico que conclui no juízo, pois este já é lógico, uma vez que nêle há o assentimento mental de que corresponde a um ou mais conceitos a outro ou outros conceitos (predicação do predicado ao sujeito). O que a nossa proposição psicológica actualiza é uma totalidade, mas, lògicamente, buscamos o que recebe a conceituação; ou, seja, o sujeito e o predicado, que lhe correspondem. Nesse acto lógico, já há um relacionamento, que é a predicação que surge de um assentimento, pois, ao predicar-se, assentimos em atribuir a um conceito outro conceito, ao conceito-sujeito o conceito-predicado. Êstes três têrmos elementares constituem o juízo lógico, e são os componentes da sua estructura física, da sua matéria, para usarmos uma expressão clássica da Lógica Formal. Na relação de predicação, há um julgamento (juízo), porque se diz o que está ou o que se pode acrescentar, juntar ou afastar do que se conceitua. Como vimos, há nessa relação de predicação certa analogia, ou não, entre o conceito-predicado e o conceito-sujeito. Se atribuirmos um predicado afirmativamente, é mister que entre êle e o sujeito haja um nexo de predicação, que, como vimos, é um logos analogante próximo ou remoto, pois, do contrário, a predicação é disparatada, ela dis-para da outra, como se dá na proposição Homem é chapéu. Na proposição negativa, em que a predicação é negada, não há disparate, como quando se diz Homem não é chapéu. Não se pode confundir a proposição negativa com o predicar negativo. Quando digo: nenhum homem é pedra estou em face de uma proposição que pretende dizer que se excluem os homens dos entes que são pedra, e que, não se pode predicar o ser pedra a homem algum. Mas, ao dizer O homem não é pedra, negamos de modo diferente, pois não excluímos o sujeito, mas a predicação. É muito subtil a distinção, mas de valor em certos pensamentos como ainda veremos. Se todos os homens do mundo se tornassem cegos poderíamos dizer: Todos os homens actuais são cegos, mas se se desse que alguém, nesse instante, desconhecendo que houvera homens com a visão, dissesse: Todos os homens são cegos, nesta proposição afirmaria que o eram tanto os actuais como os passados e também os futuros. Vejamos outro exemplo, para daí tirarmos as conclusões: Nenhum homem é pássaro. Temos um juízo negativo universal, que pretende dizer que todos os homens excluem-se da classe dos pássaros. Com a proposição: nenhum homem tem asas, queremos dizer que todos os homens excluem-se da classe dos sêres que têm asas. Quando dizemos "O homem não tem asas", negamos que seja de sua natureza ter asas. A ausência de asas é carência e não privação. Assim quando dizemos "Todos os S são P", tomamos S em sua extensão, e quando dizemos O homem não tem asas, tomamos homem em sua compreensão. Temos, pois, três maneiras de realizar a negação: 1) negação do sujeito (nenhum); 2) negação da predicação (não é); 3) negação do predicado (não-P). Há uma diferença, ao dizer: Nenhum homem tem asas - O homem não tem asas e O homem tem não-asas. No primeiro caso, o sujeito é excluído da predicação; no segundo, o predicado é negado, porque é negada a predicação; no terceiro, nega-se um predicado determinado, mas deixa-se a porta aberta à indeterminação. Dizer-se que o homem tem não-asas, quer dizer que tem algo que não é asas, mas êsse algo está indeterminado, podendo ser tudo quanto o homem pode ter, menos asas. Tomemos o juízo universal negativo: nenhum homem tem asas e o particular negativo: alguns homens não têm asas, no primeiro há exclusão do sujeito, no segundo, da predicação a alguns, pelo menos, na Lógica Formal, a particular está subordinada à universal, tanto a negativa como a afirmativa. O valor destas distinções subtis se revelará oportunamente, como teremos oportunidade de ver. Observados os dois têrmos fundamentais da proposição, pode-se desde logo notar que, em suas relações, e tomados em si mesmos quando nessa relação, apresentam os têrmos acepções diversas, correspondentes ao universo de discurso das diversas disciplinas, planos e esferas do conhecimento humano. Assim o têrmo homem, na Psicologia, na Antropologia, na Filosofia, na Sociologia, na Política, na Anatomia, etc, toma acepções distintas, várias. A Lógica procura naturalmente tomá-lo em sua acepção mais abstracta. Assim o homem da Zoologia, que é um primata, é, na Lógica, apenas um animal racional, que metafisicamente é um ser que tem animalidade e racionalidade, constituindo uma unidade. Um mesmo têrmo, num juízo, pode ter uma acepção e, noutro juízo, outra acepção. São comuns os sofismas que surgem do emprego vário dos têrmos, mesmo quando não são meramente equívocos, como cão, que é o nome de uma constelação e também de um animal, mas análogos, como o é homem para Zoologia, e homem para a Metafísica. Foi por êsse motivo que os antigos lógicos, ao estudarem as propriedades que decorrem das proposições, distinguiram as propriedades referentes às partes das proposições (sujeito, predicado e a cópula), e as propriedades que se referem à proposição tomada como totalidade. Entre as que se referem às partes, temos a suppositio, a ampliação, a restricção, a alienação, a diminuição e a apelação. E entre as que se referem à proposição como totalidade, temos a oposição, a conversão e a eqüipolência. ****** Capítulo 11 Da Suplência ****** De magna importância para os exames dialécticos é sem dúvida a suppositio, porque trata da acepção de um têrmo em lugar de uma coisa, o que é verificado pela justa exigência da cópula. Assim, se se diz "Napoleão Bonaparte é branco", o sujeito não é supponens (devidamente suprido), porque êle não existe mais, mas existiu. Se se diz "João é homem" e "Homem é uma palavra", nestas duas proposições o têrmo homem apresenta distintas acepções. Como a cópula pode indicar um ser de existência, um ser possível ou um ser de razão, é necessário que o exame da cópula seja feito para alcançar a acepção em que o sujeito é tomado. Como há variabilidade de suppositiones (suplência), o exame é imprescindível para o bom manuseio dialéctico do raciocínio, e torna-se êste exame uma das providências mais importantes da análise dialéctica. Impõe-se, pois, que sintetizemos as grandes contribuições que os lógicos do passado ofereceram em matéria de tal importância, para que seu uso dialéctico se torne acessível. Vejamos, portanto, em primeiro lugar, como os antigos dividiam a suppositio (a suplência, que é pròpriamente a acepção). A primeira divisão é: Material - é aquela em que o têrmo é tomado em sua acepção própria, em si mesmo. Ex.: "Homem é uma palavra". Aqui refere-se apenas ao sinal oral ou escrito. Formal - quando aponta à sua significação. Mas essa significação pode ser própria ou imprópria (ou metafórica). Então, temos: Fonnal-própria: "O leão é um vertebrado"; imprópria ou metafórica: "O leão britânico impôs-se ao mundo." Por sua vez, a suppositio própria pode dividir-se em: Simples (lógica) - que é a acepção do têrmo em si mesmo, o que imediatamente significa. Assim, em "Homem é animal racional", há uma suppositio formal própria simples. Real (pessoal) - que é a acepção do têrmo também quanto a si, mas no que significa mediatamente, como "o homem foi para casa". Neste exemplo, vemos que o valor de suplência (suppositio) é singular. No entanto, na proposição: "Homem é uma espécie" ou "o homem é um ser vivo", vemos que há uma suplência universal. Por isso, a real divide-se em: Universal (ou comum) e Singular. Quanto à ordem, a suplência real subdivide-se em: Essencial (natural) e Accidental. A essencial é aquela cuja acepção do têrmo é tomado em si mesmo, ao qual intrínseca e essencialmente convém o predicado. Assim, na proposição "homem é animal", a suplência de homem é essencial. Essa suplência é sempre universal. Na suplência accidental, o predicado já não convém intrinsecamente, mas accidentalmente. É sempre particular. Assim, dizer: "o homem briga", é igual a dizer: "algum homem briga". Quanto à extensão, pode ser universal ou singular, quando sua acepção se refere a todos ou apenas a um. Assim "homem é mortal", para o primeiro caso, e "João é gramático", para o segundo. Por sua vez, pode ser a universal; ou distributiva; ou colectiva; ou particular. É distributiva, quando tomada distributivamente, quando há suplência para todos e para cada um. Assim, em "o homem é mortal", a suplência é para todos e para cada um dos homens. Colectiva quando tomada colectivamente: "Os generais de Napoleão eram doze." A particular pode ser disjuntiva ou disjunta (ou confusa). No primeiro caso, a suplência é determinada quanto ao sujeito. Assim: "Algum homem corre"; no segundo é indeterminada, como em "algum pé para chutar". Há, na lógica clássica, várias outras maneiras de classificar a suplência, e seria longo enumerá-las, bem como as justificações apresentadas por diversos autores em favor de sua posição. Mas, o que vale para a metodologia dialéctica é o cuidado que se deve ter quanto às acepções dos têrmos e seu valor de suplência. Eis uma regra metodológica dialéctica: É mister considerar a acepção que toma cada têrmo de uma proposição, e examinar cuidadosamente seu valor de suplência. Sem empregar determinadamente a classificação acima ou outra proposta, o melhor meio de familiarizar-se com essa análise surge do próprio exercício da mesma. Alguns exemplos ilustrarão melhor nossas palavras e evidenciarão a conveniência dessa análise tão pouco cuidada em nossos dias, e que é a fonte de muitos erros que perduram no filosofar. Propomos, dêste modo, que seja seguido o seguinte exame: Tomemos uma determinada proposição: "o homem é mortal". Se compararmos esta proposição com "todos os homens são mortais", verificaremos logo que, nesta última, homem está tomado em sua extensão, pois nós nos referimos a êles em sua totalidade numérica; ou, seja, no número dos indivíduos que podemos significar com a expressão todos os homens. Na primeira proposição, tomamos homem em sua compreensão; ou, seja, no conjunto das notas consignificativas da sua essência. Ao dizermos que "todos os homens são mortais", dizemos que, em sua totalidade, todos os sêres humanos podem ser classificados na série dos sêres mortais, mas quando dizemos "o homem é mortal", dizemos que é da natureza do homem o ser mortal. No primeiro caso, não se afirma peremptoriamente que a mortalidade seja da natureza do homem, nem da sua essência, mas apenas que é verificável inductivamente em todos os homens, embora a justificação da inducção se possa fazer filosoficamente e também lògicamente. No exame da suplência, o predicado, em função da cópula, supre perfeitamente o sujeito, pois temos uma suplência formal própria, simples e comum (universal), porque o têrmo supre por todos os sujeitos individuais. Mas há proposições que surgem num silogismo onde os têrmos suprem de modo distinto. Assim: "homem é uma palavra; ora, João é homem; logo, João é uma palavra", logo se vê que o valor de suplência de homem é distinto, porque, na primeira proposição, temos uma suplência material, enquanto na segunda temos uma formal própria, pessoal, singular. Aqui se tratam de proposições cuja evidência é fácil, mas há, no processo filosófico, outras em que a caracterização se torna mais difícil, como neste silogismo, que Maritain exemplifica, que é uma síntese do pensamento de Descartes, no qual há uma falácia para aquele, devido à suplência: o ser perfeito existe necessàriamente; ora, Deus é o ser perfeito; logo, Deus existe necessàriamente. A primeira proposição, diz êle em sua crítica, refere-se à existência ideal e não à real. Indica apenas que, na conceituação de ser perfeito, inclui-se a existência real, pois como poderia ser perfeito se não tivesse uma existência real? Mas, para que o ser ideal exista é mister que exista. Para que se diga que um ser é perfeito, é preciso que exista; e o sumo ser perfeito só poderia existir de modo necessário. Mas, na verdade, não se conclui legitimamente a sua existência, simplesmente por saber-se que, se há um ser perfeito, é necessário que exista. Descartes não provou que existe realmente. Apenas mostra que existe idealmente, e da prova da existência ideal concluiu pela real. Nas proposições, há suplência distinta, porque numa há uma suplência ideal, e noutra uma suplência real. Conclui-se apenas que Deus existe necessàriamente, se êle existe, e nada mais. Sem a prova da primeira proposição, a conclusão é ilegítima quanto à sua verdade. Só seria verdadeira a conclusão se se pudesse tomar apodítica a primeira proposição, ou, seja: "Necessàriamente, existe o ser perfeito". Sem a prova de sua existência necessária, o silogismo é imperfeito quanto à sua verdade. Acusava-se Descartes de demonstrar a existência de Deus, partindo só da idéia do ser perfeito, e de passar da existência ideal para a existência real. Na verdade, essa acusação seria procedente, se reduzíssemos o pensamento de Descartes ao silogismo proposto por Maritain. Mas êsse silogismo expressa incompletamente o pensamento cartesiano. A prova da existência necessária de um ser perfeito necessário fora feita antes. E como ao ser perfeito, que existe necessàriamente, se dá o nome de Deus, êste existe necessàriamente. Era necessária a existência de um ser perfeito, porque sem êle não se compreenderiam os sêres contingentes. É forçar o pensamento cartesiano reduzi-lo a êsse silogismo, sem chamar a atenção para o facto de que a maior é já a conclusão de demonstrações anteriores. Neste caso, a maior não afirma apenas uma existência ideal, mas também real. Se assim fôr, o silogismo de Descartes apresenta o valor de suplência que se impõe. E tal se dá porque a contingência não se explica ontològicamente por si, mas pela necessidade. Há contingência, porque há necessidade, e não o inverso, como demonstramos em "Filosofia Concreta". Descartes concluía que necessàriamente existe um ser perfeito necessário, pois sem êle era impossível compreender os sêres contingente. Como a dialéctica concreta, ao desdobrar os conceitos, não os separa abissalmente, e sabe que o eidos da contingência implica o da necessidade, não por uma razão meramente lógica, mas por razões ontológicas, pois, para haver sêres contingentes (dependentes), é mister o de que dependam, o do qual êles dependem, há necessidade de um antecedente para que haja a consequência, e, ademais, que a dependência seja de nexo real, porque, do contrário, o consequente seria apenas sucessivo em relação ao antecedente. No entanto, não é, porque o consequente não tem em si sua razão de ser, mas sim a tem do antecedente. O consequente exige necessàriamente o antecedente, do qual pende necessàriamente, se existe o consequente. Assim, se existe um ser dependente, é necessária a existência de um antecedente do qual realmente depende. Se todos os entes são dependentes, todos dependem necessàriamente de outros. Se êstes são, por sua vez, dependentes, também o mesmo se dá. Se toda série é dependente, é dependente de algo que necessàriamente existe ou existiu, para que a série exista. Portanto, sempre houve um ser necessàriamente existente para que existam os dependentes. E também houve necessàriamente sempre um antecedente, para que se dessem os consequentes, que dêle dependem por nexo real. Como a perfeição posterior do existir não pode vir do nada, e como o ser dependente não existiu sempre, o antecedente deveria conter, de certo modo, a perfeição que se actualizou no consequente. Portanto, toda perfeição que há, houve ou haverá, decorre de um antecedente. Se há o primeiro, do qual decorre toda a série, êsse é perfeitíssimo. E tem de haver tal primeiro, como se demonstrou na "Filosofia Concreta", mesmo se se admite a série. E tal decorre porque se há sempre dependência, houve um independente, um que não dependeu, pendeu de outro, para ser, porque se toda série é dependente, ela o é conseqüentemente, e o consequente é ontològicamente impossível sem um antecedente. Se toda a série é consequente, há um antecedente primeiro, pois, do contrário, toda a série não seria tal. Há, necessàriamente, um ser perfeito que existe necessàriamente. Esta seria a verdadeira premissa de Descartes, que é conclusão de raciocínios anteriores. Podemos, contudo, procurar outros exemplos que nos sirvam de campo para análises dialécticas. No exame de uma proposição, convém observar em que sentido é tomada a cópula; ou, seja, em que sentido é dado o predicado ao sujeito. Assim, quando dizemos: "o centauro é um animal", a predicação (acção de predicar) é indicada pelo modo do verbo ser: é. Mas aqui seu sentido é indicar uma existência ficcional, e poderia ser expressada deste modo: "o centauro é ficcionalmente um animal". Quando se diz: "Cícero é o maior dos oradores romanos", o é tem sentido histórico (na História). É o mesmo que dizer-se: "Cícero é historicamente o maior dos oradores romanos", em que o ser não é aqui actual. Quando dizemos: "o homem é mortal" a predicação é actual. Quando dizemos "esta criança é o homem de amanhã", o é toma-se potencialmente, como futuro (será). Há ampliação quando a extensão do têrmo passa do menor para maior suplência. Na proposição "o homem pode ser justo", homem estende-se a todos os homens futuros. Na restricção, dá-se o inverso, há reducção do maior para o menor. Na proposição: "o homem que é justo, é bom", homem é tomado restrictamente, porque não se refere a todos os homens. Alienação (transferência, remoção) é a mudança da significação própria para uma significação imprópria ou metafórica, quer quanto ao sujeito pelo predicado ou dêste para com o sujeito. Assim: "João é um leão" (na coragem, ou na crueldade). Diminuição dá-se pelo uso do têrmo, segundo significação incompleta. Assim "o homem pintado é imagem" restringe o têrmo homem. Apelação (reimposição) é a aplicação do significado formal de um têrmo ao significado formal de outro: "João é um grande cientista". Nesta proposição, grande só convém ao sujeito quanto à ciência, quanto a João enquanto cientista. Quanto às propriedades das proposições, tais como oposição contraditória, contrária e subcontrária, a eqüipolência e a conversão já foram por nós examinadas. * * * Entre sujeito e predicado, não deve ser considerada apenas a distinção que se dá entre dois conceitos, em que um dêles é atribuído ao outro, é tributado (de tribuere, dar em tributo), pois um mesmo conceito distingue-se de si mesmo quando tem a função de sujeito, e quando tem a função de predicado. É fácil perceber-se tal distinção, quando tomamos o conceito ser. A proposição "Ser é ser" é acusada de tautológica, porque aqui sujeito e predicado são o mesmo , se identificam e, portanto, dizer que "ser é ser" não é dizer nada. Essa era, em suma, a crítica de Hegel. E êsse modo de ver não é apenas dêle, pois muitos escolásticos acusavam tais juízos de tautológicos, de serem inanes, pois nada diziam, nada acrescentavam, nem nada esclareciam. Quando Hegel julgava que o princípio de identidade se reduzia apenas a uma tautologia, pois êsse princípio poderia ser enunciado assim: A é A, os escolásticos, com antecedência, demonstravam que o enunciado do princípio de identidade não se reduzia a uma proposição lógica como tal, pois essa era apenas tautológica e nada dizia. Mas davam como enunciado lógico do princípio de identidade a seguinte proposição, ou outra igual: "um ser é, sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo, êle mesmo". O princípio de identidade decorre da impossibilidade da proposição que reduz o ser ao não-ser, pois se um ser consistisse apenas em não-ser êle mesmo, todo ser consistiria em não ser, o que ofenderia o princípio de não-contradição; ou seja, a impossibilidade simultânea da afirmação da presença e da recusa da própria presença, ou da posse e da privação, ambas afirmadas sôbre a mesma coisa e sob o mesmo aspecto. O princípio de identidade é, psicològicamente, simultâneo ao de não-contradição. E dizemos contradição, aqui, no sentido claro que os antigos lógicos empregavam: há contradição quando se afirma simultâneamente, e do mesmo aspecto da mesma coisa, a presença (posse) de algo e a sua ausência (privação), o que é absurdo. A identidade é afirmada pela impossibilidade da contradição. É verdade que êsse termo sofreu modernamente torções das mais variadas, e hoje alguns dialécticos empregam o têrmo contradição para referirem-se às distinções, às oposições, etc, como o fazem os marxistas e outros dialécticos menores. Mas essas tendências modernas de inovação nos têrmos devem ser postas de lado, e a Filosofia não pode progredir se não mantivermos o cuidado de conservar os genuínos sentidos dos têrmos, pois, do contrário, ao sabor das simpatias e das opiniões várias e delirantes, perde ela em austeridade e firmeza. Impõe-se assim, fazer clara distinção entre predicado e sujeito. Se êste recebe o predicado, na proposição "ser é ser", desde logo se evidencia uma patente distinção: é que ser, como sujeito, é dado estaticamente como extensivo, enquanto ser, como predicado, é dado como algo intensista, como algo que se actualiza. O sujeito, diziam os escolásticos, é, na proposição, tomado materialiter e o predicado é tomado formaliter, e o diziam com bastante exacção. Só se pode dizer de algo que é ser quando é, porque só recebe o nome de ser, o que realiza o ser, o que se exercita no ser, o que efectua o ser, sendo ser. Há nítida distinção, pois. Não se diz apenas que o sujeito é êle mesmo, mas que realiza plenamente o exercício de si mesmo. Assim, na proposição: "viver é viver" não dizemos que o têrmo verbal viver é o termo verbal viver. Dizemos, sim, que chamamos viver, que substantivamos viver, que, como verbo, é viver. O substantivo viver é o exercício do verbo viver, é o acto de viver. Onde, pois, a tautologia? Quando se diz: "andar é andar", diz-se que se chama andar a acção, o exercício de andar, a realização do andar. Substantivamente (materialiter), é andar o que verbalmente (formaliter) é andar. O predicado é, assim, verbal, porque é algo que, junto à cópula, constitui o verbo. Se o nosso espírito, na análise, distingue os têrmos para expressar um predicado, na verdade êste é dado como um todo. Em proposições como a seguinte: "João é o homem que dá guarda àquela casa", o o-homem-que-dá-guarda-àquela-casa é verbalmente uma só totalidade, que se constitui com a cópula e o predicado ser-o-homem-que-dá-guarda-àquela-casa. Predicamos a João o exercer verbalmente aquele predicado. Não é difícil perceber, portanto, que o predicado indica um modo de ser, o modo de ser verbalmente. Assim "ser é ser" é indicar que, substancialmente, o ser é exercitadamente ser; em suma, só se pode dizer que é ser substancialmente o que é verbalmente ser. Impõe-se, pois, fazer a distinção entre êsses dois modos: substancialmente e verbalmente (exercitadamente), entre substância (substantivo) e verbo. Todos conhecem as distinções gramaticais que a tais conceitos são dados, e que estudamos e conhecemos desde a nossa juventude. O predicado exige sempre a cópula, pela qual se liga ao sujeito. Não se diga que tal cópula é apenas uma exigência de nossa constituição mental, e que poder-se-ia construir uma língua sem verbos, na qual toda acção fosse apenas substantivada e, neste caso, dir-se-ia: "ser ser". Mas é possível negar-se a distinção de intenção em tais têrmos? Uma coisa é repetir a expressão cavalo, cavalo, cavalo, outra é dizer: "cavalo é cavalo"; ou, seja, "cavalo realização, exercício da cavalaridade". A cópula, que é o verbo ser, não é uma inclusão arbitrária do espírito, nem um mero idiotismo. É uma imposição que surge de uma necessidade intencional. Quando dizemos "João é João", não repetimos uma palavra, mas expressamos intenções. João é substantivamente o ser que se realiza verbalmente. Ser João é ser João, diz-se de João que é êle João, que êle se realiza, realiza o que é, como "Pedro é Pedro", diz que Pedro realiza, é o exercício da sua petreitas. Não há tautologia, porque um substantivo tem uma forma, porque tudo quanto é tem uma forma. Há, em cada coisa que é, algo que a faz ser o que é, sua forma, sua lei de proporcionalidade intrínseca. Assim, quando digo que A é A, digo que A é o exercício da forma de A, ou, seja, que, substancialmente (como ente, como ontos), A é verbalmente sua forma de ser. A tautologia foi um equívoco que perdurou na filosofia com grave prejuízo para o pensamento lógico, e sobretudo ontológico, e levou muitos a não compreenderem nitidamente as diferenças funcionais que têm sujeito e predicado no juízo lógico. Podemos agora estabelecer mais uma tese da dialéctica concreta, a qual reduzimos às seguintes palavras: O sujeito é substancialmente, e o predicado é verbalmente. A atribuição do predicado ao sujeito indica que ao sujeito, substancialmente, se atribui o predicado verbalmente. Todo predicado, pois, é um modo de ser verbalmente. O têrmo grego logos corresponde ao latino verbum. Dizemos corresponde, porque sempre há, na conceituação grega, uma diferença patente da conceituação romana (latina). Em outros trabalhos nossos, já chamamos a atenção para essas distinções, sobretudo quando mostramos que a conceituação grega é mais platônica, e que a latina é mais aristotélica, porque realmente Platão representa um momento alto da filosofia grega (helênica), enquanto Aristóteles, mais bárbaro, é um momento alto da filosofia que se des-heleniza, "ocidentaliza-se". Damos a êste têrmo o sentido de um conteúdo mais do oeste europeu, conteúdo que terá depois seu maior vigor no período filosófico da escolástica, sem que neguemos a presença dos conteúdos platônicos nos conceitos, pois a escolástica, sobretudo em São Boaventura, Duns Scot e Tomás de Aquino, tende a realizar uma síntese feliz e superadora da oposição Platão X Aristóteles. O exame de alguns têrmos gregos e latinos facilitar-nos-á a melhor compreensão do que afirmamos aqui. Tomemos, de início, o têrmo alétheia e o têrmo veritas, que são correspondentes nos dois idiomas. Ambos podem ser traduzidos pelo têrmo verdade. Mas, notar-se-á que há conteúdos distintos na conceituação grega e na latina. Para os gregos, alétheia (de a e lethes) é o que é des-esquecido, o o que se esqueceu, mas que torna a ser lembrado, o que estava oculto e se revela. A verdade é algo que está na coisa, mas velado, que se desvela aos olhos humanos. Para o latino, veritas é o adequado ao que se diz, ao que se pensa, ao que se atribui. No primeiro, a verdade é algo que mana nas coisas, mas que nelas se oculta; para os segundos, é algo adequado ao que se pensa das coisas, é uma relação. Phronesis em grego corresponde à prudentia, dos latinos. A primeira é algo que é imanente ao homem, enquanto para o latino é algo que se adquire, é um hábito. E assim também a virtude, a coragem, etc. O conceito grego indica uma imanência; e o latino, um hábito; para o grego é algo que já se tem e se desenvolve; para o romano algo que se adquire, que se obtém. O conceito de logos distingue-se do de verbum, pois o primeiro é algo que já se dá na coisa, enquanto o segundo é algo que a coisa realiza. O predicado lógico, quando afirmado, é a coisa exercitando-se, enquanto o tomamos helênicamente, mas é algo que a coisa exercita, quando o tomamos latinamente. Assim, o verbo é, latinamente, a acção ou a paixão realizadas, mas, helênicamente, é a própria coisa em seu sendo imanente ou em seu sofrendo imanente. Ora, o predicado é, enquanto verbalmente considerado, como o logos grego, e não como o verbum latino. Quando se diz "o homem é mortal", ser-mortal é algo imanente, no homem. Ser-mortal é ser passível de morte; não é apenas algo que pode acontecer, não é um accidente meramente, mas algo que acontece, porque já encontra no ser algo imanente que permite, que tolera que aconteça. Assim a ciência é adquirível, mas o é por quem pode adquiri-la, por quem já tem aptidão para adquiri-la. A coragem é algo adquirível, mas por quem já é virtualmente corajoso, porque quem pode ser corajoso é quem já tem virtualmente a coragem. Sempre, na conceituação grega, há a indicação, o apontar de algo que já é. O predicado tem, assim, semelhança ao logos helênico, no sentido que o grego dá ao logos, como verbo. "Napoleão Bonaparte foi um grande guerreiro", o ser-grande-guerreiro é um predicado que se pode atribuir a Bonaparte, porque já havia nêle a aptidão para-ser-grande-guerreiro. O predicado só é adequado ao sujeito, quando revela essa aptidão de ser exercitadamente ou de sofrer. Se não houver tal adequação, ou enquanto não descobrirmos a sua congruência, o predicado permanece dubitativo quanto à sua atribuição. "O centauro é o homem-cavalo" indica que o centauro, subjectivamente, é o ser-homem-cavalo verbalmente. Mas êsse homem-cavalo, que é o predicado do centauro, é algo adequado, que é congruente a êle apenas ficcionalmente. Neste caso, o exercitar-se do homem-cavalo no centauro é apenas um exercitar-se ficcional (imaginativo). Sendo assim o predicado, há três maneiras de comportar-se êle em relação ao sujeito. Ou a predicação, que indica o modo de seu exercício (real, possível ou ficcional), é o modo de ser verbalmente exclusivo do sujeito, e, neste caso, sua extensão e compreensão são iguais (e não idênticas) ao sujeito (e já mostraremos porque fazemos esta afirmação); ou é o predicado de outros sujeitos formalmente distintos; ou o predicado é de extensão menor que o sujeito. No primeiro caso, temos animal-racional para homens, pois homem é animal-racional. Êste é o exemplo clássico, por ser pròpriamente uma definição, e haver nesta uma determinação máxima, por ser um juízo de máxima determinação, como vimos. No entanto, não há identidade. Se se diz: "o homem é animal racional", na verdade se diz "o homem é um animal racional", um tipo de animal racional. Se se diz "animal racional é homem", o que antes era tomado verbalmente, é agora tomado substantivamente. Deste modo, há um ser substantivamente animal racional ao qual se predica verbalmente o ser homem. Ser animal racional é ser homem. No entanto, homem tem uma natureza, esta, a humana, a desses sêres humanos. Um animal, que fosse capaz de juízos, de escolha, de valorizações, um insecto inteligente, seria também um animal racional, mas sua natureza seria diferente da natureza do homem. Então, se se pode dizer com precisão que "homem é animal racional", a inversão já não caberia. Neste caso, "homem" seria um animal racional. A predicação indica um modo de ser verbalmente: o exercício de ser-animal-racional. Não há pois, identificação. Só poderia haver identificação se êsse juízo de máxima determinação pudesse ser reduzido a um juízo exclusivo: "só o homem é animal racional", e seria mister dar-se-lhe absolutuidade: "absolutamente só o homem pode ser animal racional". Ora, êsse juízo já não o podemos fazer apoditicamente, pois não podemos dizer que "necessàriamente, e em absoluto, só o homem é animal racional", mas podemos dizer que "em absoluto o homem é um animal racional". Damos-lhe uma predicação absoluta, não exclusiva, contudo. E se levarmos avante êsse mesmo investigar, só podemos dar uma predicação absoluta, necessária e exclusiva, à divindade: "absoluta e necessàriamente, só o ser omniperfeito e omnipotente é omniperfeito e omnipotente". Só êsse ser, com exclusão de todo outro, é substantivamente o pleno exercício da omniperfeição e da omnipotência. Nenhum outro ser é plena e absolutamente a sua própria predicação. Quando se diz "João é João", "Pedro é Pedro", diz-se que Pedro é plena e absolutamente sua petreitas, pois o indivíduo, em sua singularidade, é absolutamente êle mesmo. À primeira vista, parece haver uma refutação da tese acima afirmada. Mas é apenas aparente essa refutação. Realmente, à singularidade se pode predicar a plenitude de ser si mesma de modo absoluto, não se pode, porém, dizer que Pedro é apenas e exclusivamente Pedro, porque êle não é apenas êle mesmo, pois há, nêle, muito que não é pròpriamente êle, embora Pedro seja o único ser que é plenamente êle mesmo. Mas o Ser Supremo é o único que é o Ser Supremo, e é mais ainda: é apenas êle mesmo e nada mais que êle mesmo. O Ser Supremo é o único ser que é plenamente ser, no qual há apenas ser, sem composições com deficiências de ser. Assim, há uma analogia entre a singularidade de um ser e a singularidade divina. O indivíduo, em sua singularidade, é o único ser que é êle mesmo. Também o Ser Supremo é o único ser, em sua singularidade, que é o Ser Supremo. Até aí ambos se univocam na formalidade de ser-si-mesmo. Mas se distanciam, porém, em ser um apenas si mesmo, e o outro não. É que num há apenas o ser-si-mesmo e, no outro, há algo que não é, porque a singularidade de um ser finito, de um ser dependente, caracteriza-se por ser deficiente, por não ser apenas ser, mas em ser um ente ao qual se ausentam outros modos de ser deficientes e de ser pleno. Êle não é a plenitude do Ser Supremo, nem o modo deficiente de ser dos outros sêres formalmente distintos. Assim, o buraco é um ser que consiste em não-ser. Mas o não-ser aqui é algo positivo, porque o buraco, na terra, é ausência aqui de terra, entre a terra, é sempre ausência de alguma coisa que há. Não haveria um ser que fosse não-ser de nada, porque um ser, que fosse apenas não ser de nada de positivo, êsse ser seria absolutamente nada, e não seria ser. Os sêres negativos não são absolutamente negativos, como a sombra é sombra porque é ausência de luz, de graus de luminosidade, não ausência de nada, porque ausência de nada não é ausência. Se o buraco fosse ausência de nada, não seria nada, nem buraco. Foi isto que não entenderam os existencialistas como Sartre, que procuram hipostasiar o nada, sem se lembrarem que a hipostasiação do nada exige o ser, porque só há ou se pode dizer que há nada, quando há ausência de um modo de ser. O nada só tem entidade enquanto privação de algo que é. A sua positividade não é dada por si mesma, mas pelo que se ausenta. É o ser ausentado que dá positividade ao nada. Só assim se pode compreender a deficiência do ser finito. O que nêle é deficiente é o que é, o que é positivo, porque ausência de nada não é ausência nem deficiência. Como nada se dá fora do Ser Supremo, e não tem êle qualquer deficiência de ser, porque é o único que é ser, é o único ser que é o pleno exercício absoluto de ser sem deficiência, é êle apenas ser e nada mais que ser. Portanto, só a êle um predicado se identifica plenamente. Confirma-se, assim, a nossa afirmação que não há identidade entre o predicado e o sujeito senão quanto ao Ser Supremo. Todos os predicados dos sêres finitos distinguem-se de certo modo, e distinguem-se fundamentalmente do sujeito ao qual são predicados. Não há plena identidade entre sujeito e predicado quando o sujeito é finito. É esta, pois, uma tese demonstrada da dialéctica concreta. Pode haver, pois, extensão e compreensão iguais entre o predicado e o sujeito; não identificação. Só há identificação na proposição "Ser é ser", quando se diz "Ser infinito é ser infinitamente (sem dependência de qualquer espécie, em sua absoluta plenitude)." Quando se diz "ser é ser" referindo-se ao ser finito, diz-se "ser finito é ser finitamente". Então: "Êste ser finito é ser finitamente". Todo predicado, pois, que é finito em sua predicação, só o pode ser infinitamente predicado do, e ao ser infinito. Só podemos predicar infinitamente um predicado ao Ser Infinito. Ao ser finito todo predicado é um predicar finitamente. Assim sendo, todo predicado pode ser predicado de outros sêres formalmente distintos. Se não os encontramos, não importa; o que importa é a razão ontológica que demonstramos. Nenhum predicado, tomado em sua plenitude, e que se predica finitamente, é exclusivo de um sujeito formalmente determinado. Por que dizemos em sua plenitude? Dizemos, porque uma predicação pode ser dissociada em suas significações. E já mostramos quanto vale o que estamos notando. Se alguém diz: "cadeira é um artefacto móvel, que tem encosto e assento, e no qual, normalmente, só pode sentar-se uma pessoa", ou, que "é funcionalmente construído com a finalidade de nêle poder sentar-se normalmente uma só pessoa", nesse caso todo objecto ao qual se possa predicar tal coisa é cadeira. Então, teríamos um predicado, que é exclusivo da cadeira. Sim, tal se daria se tomássemos o predicado em sua totalidade, como um totum; não se o tomarmos em sua estructura eidética (formal), porque nela entram artefacto, assento, móvel, função de servir de assento para uma só pessoa. Em sua plenitude, o predicado, considerado em suas significações, não é exclusivo, mas só em sua totalidade, em sua unidade de multiplicidade significativa. O mesmo não se dá quanto aos predicados atribuídos ao Ser Infinito, porque sendo êles infinitos, são, em sua significabilidade e em sua totalidade, infinitos. A omnipotência é infinitamente poder e infinitamente todo poder; é infinitamente a aptidão de fazer infinitamente, de realizar infinitamente sem dependências nem determinações outras. Só os predicados infinitos são consignificativa e estructuralmente infinitos. Por isso, sua predicação só pode ser dada com exclusividade. Só o predicado infinito é exclusivo do ser infinito e lhe é predicado exclusivamente. Qual o valor, pois, dessas distinções? O valor é sobretudo metodológico, pois ao examinarmos uma proposição ou um juízo, podemos desde logo fazer a distinção dialéctica que se impõe quanto ao predicado. Já sabemos, de antemão, qual o modo de predicação, quando sabemos qual o modo de ser do sujeito, pois o predicado não pode ter mais realidade que o sujeito. E não é porque o predicado não pode ter mais realidade que o sujeito, que o ser finito recebe uma predicação sempre finita. Por receber sempre o ser finito uma predicação finita é que o predicado não pode ter mais realidade que o sujeito. A razão do valor de predicação é proporcionada ao sujeito. Se a lógica formal extrai essa regra, a justificação de sua validez é dada pelas razões acima. Portanto, todo predicado de um ser finito é finito. Já vimos que nenhum predicado se identifica absolutamente com o sujeito finito. Vemos agora que, em sua plenitude, não pode ser êle predicado exclusivamente de um ser finito, só se tomado em sua estructura formal. Ora, sabemos que o predicado pode ser de extensão maior que o sujeito. Assim, mortal abrange maior número de classes que a do homem. O homem é um dos sêres mortais, não o único. Mas também o predicado pode ser de extensão menor, quando dizemos gramático, porque nem todos os homens são gramáticos e só podemos predicá-lo a alguns, particularmente. Há congruência, ou não, entre o sujeito e o predicado? Há congruência, quando o predicado se análoga a um logos analogante próximo, ao qual também se análoga o sujeito; do contrário, há disparate {4}. Como predicar algo de alguma coisa, se o que é predicado é incongruente com a coisa? Deve haver alguma pertinência a um logos analogante entre sujeito e predicado. Assim, posso dizer: "o homem é mortal", porque há essa pertinência, pois o homem se inclui entre os sêres mortais. Se disser o "homem é chapéu", e se se tomar o têrmo chapéu em seu sentido real, dir-se-á um disparate, porque homem e chapéu não se analogam a um logos analogante, próximo, mas remoto. Assim, no exame dialéctico concreto de uma proposição, deve-se procurar o logos analogante que análoga sujeito e predicado, como já tivemos oportunidade de frisar. No exame do logos analogante, delineia-se nitidamente a predicação, ou, seja, o modo de funcionar do predicado em relação ao sujeito. Se se mantiver a análise indicada pela lógica formal, o exame dialéctico torna-se concreto, porque há possibilidade, então, de fazer cooperar, para tal análise, as contribuições que a dialéctica em geral oferece, o que será tratado oportunamente. No final desta obra, daremos alguns exemplos de análise dialéctica, que justificarão a precedência dos nossos métodos. Também na parte final, daremos a síntese metodológica e o esquema de análise. ****** Capítulo 12 Exame Dialéctico dos Conceitos Universais ****** Tudo quanto existe na natureza é singular. O conceito universal, como se refere a outros, portanto a uma pluralidade, não pode ter uma existência natural. Êste ponto é matéria pacífica entre os escolásticos. O realismo dos universais não está na natureza. Nenhum realista afirmaria que a humanidade existe aqui ou ali, como um ser subjectivamente existente a parte rei. A realidade dos universais, para os realistas está fora do mundo da natureza, das coisas que nascem, e pertence ao que não nasce, ao inascível. E falar desses dois mundos pode parecer a um materialista, a um monista, algo sem fundamento nem base. Mas, se se levasse em conta, dentro da dialéctica concreta, um exame do pensamento materialista, fundados nessa posição, teríamos de admitir que todas as coisas são materiais, são manifestações da matéria. Todas as coisas nascem, têm um nascimento, menos a matéria em si mesma, que não poderia ter nascido do nada, e que, portanto, seria inascível. De qualquer forma, o próprio materialista teria de fazer essa distinção entre a matéria enquanto tal, e as coisas nascidas, porque estas nascem de algo, que não nasceu nunca e sempre foi, a matéria. Esta distinção, entre as coisas nascidas e ela, é uma distinção absoluta, porque as coisas nascidas serão sempre nascidas ou nascituras, mas aquela é inascida, sempre, e inascitura sempre o foi, pois, do contrário, teria nascido do nada. Ora, se todas as coisas nascidas, que compõem, portanto, o mundo da Natura (pois naturus é o que é nascido), vieram da matéria, e são manifestações desta, esta, quando é isto ou aquilo, não deixaria de ser o que ela é, a inascida matéria. Portanto, tudo quanto é agora foi nascido, e teve um princípio, foi uma possibilidade que se actualizou. Neste caso, os conceitos universais, como se depreenderia de uma análise neste sentido, teriam sido sempre como possibilidade pelo menos na matéria enquanto tal. O ser dos universais não é um ser natural, mas pertence à matéria em sua intimidade, portanto fora da natureza, que as coisas, aqui e agora, repetem de certo modo em seu arranjamento, em sua proporcionalidade intrínseca, sem o serem, pois se o fossem, o universal existiria naturalmente com uma singularidade, o que tornaria singular e não mais universal. Vê-se, dêste modo, que a posição platônica teria fundamentos até ante o materialista, se êste levar adiante, e com rigor, o seu próprio pensamento. A Lógica clássica, na escolástica pelo menos, fundava-se nessas bases: os universais não existem na natureza a parte rei, porque existir na natureza é existir singularmente; ou, então, os conceitos são apenas conceitos ou apenas nomes, como o querem conceptualistas e nominalistas. Mas, neste caso, caímos no âmbito da polêmica dos universais, o que já examinamos em "Teoria do Conhecimento", na "Ontologia e Cosmologia" e na "Filosofia Concreta", e não iremos repetir aqui. É preciso, contudo, não esquecer que Platão jamais afirmou que as formas (e conseqüentemente os conceitos universais que a elas se referem) existissem imanentes nos singulares, mas sim que eram transcendentes. O que se dava nos singulares era uma disposição intrínseca de proporcionalidade de suas partes, que repetia formalmente as formas transcendentes, que são exemplares na ordem do Ser Supremo. Em nossa dialéctica, podemos examinar o que aqui tratamos com referência ao conceito, da seguinte maneira: deve-se distinguir o conceito formal, como um eidos noético, como expressão intencional da nossa mente, que se refere ao que na coisa é o que, pelo qual, a coisa é o que ela é, que é a sua forma concreta. O que é isto ou aquilo, é isto ou aquilo por algo, pelo qual é isto ou aquilo, algo que constitui o logos da sua estructura, enquanto isto ou aquilo. Esta fruta é maçã e não pêra, por algo pelo qual é ela maçã, e não pêra. A estructura intrínseca desta fruta possui uma lei de proporcionalidade (lei, aqui, é o que os gregos chamavam logos; portanto, por um logos de proporcionalidade intrínseca), que expressa a coerência que surge da coesão de suas partes. O conceito formal, que é o esquema noético-eidético da coisa, refere-se ao que está na coisa, o esquema formal da sua estructura. Aqui, o conceito formal é a espécie expressa na mente, e é o pelo qual podemos inteligir (formalmente, porém) o que está na coisa. Atingimos ao objecto material por meio do objecto formal. Como o nosso conceito tende para a coisa, diz-se que é uma maneira intencional de nossa mente captar mediatamente (por meio de) o que a coisa é materialmente. Compreende-se, assim, que as diversas classificações dos conceitos, oferecidos pela Lógica Formal, têm o seu fundamento. Assim, distinguem os lógicos o sinal de o conceito. O sinal aponta a algo, outro que si mesmo. O sinal é sempre distinto da coisa assinalada, ou significada. O sinal pode ser natural ou arbitrário. Diz-se que é natural o que é instituído pela natureza, como o gemido é o sinal natural da dor; arbitrário o que recebe de empréstimo um significado; por exemplo, o que se arbitra para significar uma coisa, como o sinal de infinito na Matemática. Num conceito, podem ser distinguidas suas notas, como no conceito de homem se distinguem as notas de animalidade e racionalidade. Assim, na Lógica, a compreensão de um conceito consiste no conjunto das suas notas, e a extensão no número de indivíduos aos quais se pode predicar tal conceito. Na Lógica Formal, o conceito apresenta-se sob diversos nomes, como vimos. Ora como idéia ou espécie, por ser a visão do objecto ou o princípio de sua cognição; ora como forma inteligível, que é a similitude que representa o objecto; ora como verbum mentis (verbo mental), que se refere apenas à mente; ora como noção, que é o que a mente concebe do objecto; ora como intenção, que é o para o qual a mente tende no objecto conhecido; ora razão, enquanto princípio para conhecer a coisa; ora têrmo mental, porque nêle termina uma operação complexa da mente. Comentando Aristóteles em Peri Hermeneias (da Interpretação), assim se refere Tomás de Aquino ao têrmo intenção, tão usado antigamente e que, depois de abandonado, volve, outra vez, para a Filosofia: "Chamo ainda intenção do intelecto o que o intelecto concebe em si mesmo da coisa inteligida, e que em nós não é a própria coisa que é inteligida; nem é a mesma substância do intelecto: mas é alguma semelhança (similitude) concebida no intelecto da coisa inteligida, significada por vozes exteriores; e daí essa mesma intenção ser chamada de verbo interior, porque o significado é exterior ao verbo" (C. G. IV 11). O esquema noético-eidético é intencional, pois é um verbo mental que significa a coisa conhecida. Nosso esquema mental não é a coisa, nem tem nenhuma matéria daquela, pois, quando assinalamos pelo conhecimento, não assimilamos identicamente às assimilações biológicas. As assimilações formam-se por esquematizações dos esquemas que acomodamos aos factos. E o esquema, que em nós se forma, é uma nova estructura esquemática, que assinala o que é por nós inteligível. Assim, nossos conceitos não são as coisas, mas a elas se referem pela nossa intenção, pela aplicação da nossa esquemática, que procura assimilar a coisa através de uma acomodação dos nossos esquemas. Quando conhecemos alguma coisa que não conhecíamos, nela notamos, nela captamos notas que se assemelham às notas que já temos. Que se dá, então? É que os conceitos de que dispomos são acomodados, a fim de assimilarem o facto novo. Quando este provoca em nós uma imago, uma imagem, esta é assimilada sob os aspectos que se nos apresenta à esquemática de que dispomos. O conjunto das notas semelhantes, depois do processo de selecção que realiza a nossa mente, é reduzida a uma estructura que dá o conceito (o que concebemos da coisa), uma coisa com os predicados a, b, c, d. Por sua vez, êsse conjunto é posto em face dos esquemas mais complexos que possuímos, com o intuito de incluí-lo num dêles. E quando a coisa em nenhum dêles é assimilada, ela passa, com o conjunto das suas notas, a formar um novo esquema de uma estructura de notas; ou seja, um novo conceito. Êsse conceito é dado como uma totalidade das notas memorizadas. A operação posterior de separar e classificar essas notas, a fim de alcançar o que a mente posteriormente classifica de substância, essência, accidentes, etc, é uma operação mais complexa e lògicamente posterior, embora se dê às vezes simultâneamente, mas é ontològicamente posterior, pois, para que tal seja realizado, é mister que se realize sôbre um objecto material, que são as notas dadas. Desenvolvamos, pois, essa operação da nossa mente, a qual chamamos de estructuração esquemática mental. É no "Tratado de Esquematologia" que estudamos a gênese de nossos esquemas da sensibilidade, da intelectualidade e da afectividade, seguindo a divisão que fazemos do funcionar psíquico e das suas operações. O ser humano entra no mundo já munido de um sistema esquemático, que constitui o sensório-motriz, com o qual se põe em contacto com o mundo ambiente, o que já examinamos diversas vezes em nossos trabalhos. O meio ambiente procede sôbre êle como estímulo, e provoca-lhe modificações, que são proporcionadas à natureza do sistema sensório-motriz (a gama de sua esquemática sensível), e proporcionadamente também ao estímulo, como é fácil compreender. Na linguagem clássica, o mundo exterior dá o fantasma (phántasma) do que é, mas que vai constituir no âmago do sensório uma imago (imagem sensível). Essa imagem é produto de uma associação dos esquemas sensórios, pois aliam-se o que é captado visualmente com o tàctilmente, etc, como se verifica na obra acima citada, e que é da experiência de todos nós. Essa imago é uma intimização desse conjunto de esquemas assimilados pelo sensório, pois nossos esquemas sensíveis, acomodados aos factos do mundo exterior apenas assimilam o que é semelhante àqueles, e dentro das proporções que são dadas pela gama da sensibilidade. Mas, a imago já é um conjunto das notas que correspondem aos diversos esquemas; é a imagem uma reproducção proporcionada do que impressiona os nossos sentidos. Temos aí o que é chamado de intuição sensível, cujo resultado é a intuição do facto bruto. Só no desenvolvimento posterior da mente humana são formados esquemas de esquemas; ou seja, tais esquemas do sensório-motriz são abstraídos segundo as suas notas, e vão constituir os elementos componentes de esquemas já meramente mentais, de classificação. É quando temos o conceito. Êste já é produto de uma operação. Contudo, não alcança a mente ao conceito de modo imediato, como nos mostra a Noogênese, capítulo da "Noologia Geral", onde são estudados os conceitos e sua gênese. Toda intuição sensível é singular, e o phántasma é singular, pois se refere a um facto que foi captado. Contudo, êsse facto apresenta notas singulares, que são assimiladas a notas já distinguidas, e que constituem esquemas independentes, como o verde, o duro, o mole, que são dos primeiros esquemas, e são fundamentalmente sensíveis. Um facto complexo do mundo exterior, que se apresenta ao conhecimento sensível como uma unidade, reduz-se noèticamente a uma totalidade de imagens, que são tomadas unitariamente, num todo, como esta árvore. A formação do conceito árvore já exige uma operação mais complexa e abstractiva. E essa operação é antecedida, como se vê na psicogênese infantil, por outra operação, que é a anteconceitual (ou pré-conceitual, como propõe Piaget). Consiste essa operação em partir do conhecimento sensível de um facto particular (esta árvore), e, depois, considerar todos os indivíduos ou singularidades que a ela se asemelham como aquela árvore, como procede a criança que, por conhecer a sombra desta árvore, quando está no quarto, e a luz é apagada, e há penumbra, diz que a "sombra da árvore penetrou no quarto". Para a criança essa nova sombra é aquela sombra. O anteconceito é assim singular, mas serve, significativamente, para indicar outros, que lhe são tão semelhantes, que parecem iguais, e até são julgados como idênticos. O conceito só surge quando essa identificação é separada da coisa singular, e vale como um esquema independente, o esquema da árvore. Só aí alcançamos a um universal. E o que aponta êsse universal? Aponta que há nesta e naquela árvore algo em comum, que permite classificá-las como árvore. Surge, então, o esquema noético-eidético da árvore, quando o primeiro era um esquema noético-fáctico desta árvore. Essa operação é propriamente uma operação noética, do espírito na linguagem clássica, e constitui a primeira operação lógica. Quando um facto novo surge à esquemática sensório-motriz, é êle então assimilado, ou não, aos esquemas acomodados já previamente construídos e presentes na mente humana. Se essa assimilação é possível, e tal facto é passível de ser classificado por tais esquemas já constituídos de modo abstracto, temos, então, a classificação. Neste caso, é-lhe predicada uma classe, que é pròpriamente o resultado da segunda operação, a judicativa. Forma-se um juízo, porque a mente já compõe, afirmando ou negando a atribuição de um esquema a outro esquema. O que recebe o esquema é o sujeito, e o que lhe é aplicado, ou atribuído, é o predicado. Ora, afirmar ou negar um predicado a um sujeito é o que constitui pròpriamente o juízo. E quando os conceito são realmente conhecidos, ou, seja, são esquemas noético-eidéticos, formais portanto, temos pròpriamente um juízo lógico. Nos conceitos, há a presença, tomada em sua constituição mais primária, do conjunto dos esquemas que são dados pela assimilação esquemática. À proporção que o ser humano constrói os esquemas noético-eidéticos de classificação, que são esquemas de esquemas, como as categorias, a mente humana alcança a uma operação de despojamento de tudo quanto é contingente, accidental; ou, seja, de tudo quanto não apresenta o carácter de uma necessidade, de uma imprescindibilidade, o carácter do sem o qual a coisa não é; em suma, alcança a formação do conceito genuinamente lógico, quando alcança o que pode ser classificado no esquema de essência, esquema formal. Ora, todo êsse processo da nossa gente, cuja complexidade não oferecem os animais, não poderia ser alcançado sem partir de esquemas prévios a toda experiência sensível. Tais esquemas têm de anteceder à experiência, pois seria impossível à criança ter intuições sensíveis sem dispor de uma esquemática sensório-motriz. Resta saber, porém, se para alcançar a esquemática de segundo grau, que é a lógica, são imprescindíveis também esquemas prévios. Poderia a mente realizar tal operação sem dispor previamente de esquemas? Se ela não dispõe de tais esquemas, ela seria uma tabula rasa. Mas, Aristóteles, que defendeu tal posição, tinha de admitir uma operação outra que não se poderia explicar apenas pelo sensório-motriz, que é a operação abstractiva; ou, seja, a que consiste em construir esquemas noético-eidéticos, os conceitos. Essa operação, como não tem similar nas operações materiais, não poderia ser material, porque há aí uma desproporção flagrante, e jamais se poderia explicar essa operação pelo funcionar meramente material, pois há aí uma universalização, enquanto toda actividade do sensório-motriz se processa sôbre singularidades, e é singular. Torna-se necessário admitir um intelecto que realize essa operação. Ora, um agente, não podendo, enquanto tal, ser passivo, êsse intelecto também não o é. É êle activo, e chamou-o, então, de nous poietikos, que os escolásticos traduziram por intellectus agens, o qual revela, nessa operação, que não existe na matéria a sua espiritualidade indiscutível. A matéria pode receber impressões, e estas são singulares sempre. Mas o intellectus agens realiza uma operação de universalização, êle abstrai da singularidade do phántasma, intencionalmente, os elementos formais dos esquemas universais, os conceitos. Não há, na matéria, nenhuma operação universalizadora, e como a acção é proporcionada ao agente, essa acção é desproporcionada à matéria, e não pode ser material. É ela, portanto, não-material, imaterial, ou melhor, espiritual por ser criadora. Os materialistas, apesar de todos os seus esforços, jamais conseguiram destruir a argumentação aristotélica, e preferem silenciar neste ponto, ou, então, dão um verdadeiro salto do sensível, singularizante, para o intelectual universalizante, mas sem uma razão, sem uma explicação cabal e congruente, sem uma causa que explique. E como para muitos êsse salto passa despercebido, não é de admirar que, por falta de melhor mente filosófica, haja os que aceitem uma explicação (na verdade falsa) materialista dos factos psíquicos superiores. Para a Esquematologia, como a compreendemos, e mostramos em nosso "Tratado de Esquematologia", os factos processam-se assim: os esquemas fácticos, que são singulares, são, posteriormente, universalizados. Ora, só se dá a univeralização quando é notada em outros indivíduos a repetição de uma entidade formal; ou, melhor, quando os novos indivíduos repetem o que pertence ao primeiro esquema noético-factico, que é singular. Nesse ser singular, são captadas notas repetidas de outros sêres diferentes. A estructuração dessas notas numa nova estructura esquemática é uma operação que não é explicável materialmente. A passagem das experiências de coisas verdes, para a formação esquemática do verde, exige, inegavelmente, uma operação abstracta, operação que, de modo algum, realiza a matéria em nenhuma das suas operações. Não é só, porém, essa operação que é importante. O mais importante é a criação do esquema noético-eidético; ou, seja, a universalidade verde, o verde das coisas verdes. Aqui não há nenhum semelhante com os factos físicos da matéria. Não se argumente que um molde poderia tomar a figura de um ser sólido, a quantidade qualificada, porque essa marca seria ainda singular, enquanto aquela operação do espírito é universalizadora (o verde das coisas verdes e não êste verde desta coisa verde). Essa estructuração esquemática mental é o conceito. Formados êstes, pode a nossa mente estructurar conceitos de conceitos, e assim sucessivamente. A esquematização cresce em abstracção, e abrange assim maior número de indivíduos, embora se reduza cada vez mais o número das notas, como se vê nos conceitos lógicos, até chegarmos às categorias, e até ao conceito lógico de ser, que é o de maior extensão e o de menor compreensão, pois êste conceito, extensivamente, inclui todos os entes e, em sua compreensão (intensistamente), tem apenas a nota de ser, de presença. Ao ser, como conceito lógico, apenas se pode predicar ser; ou, seja, apenas afirma que é, afirma a si mesmo. Não se deve, contudo, confundir o conceito lógico com o conceito ontológico de ser, que é de máxima extensão e compreensão, pois nêle se incluem todos os sêres, e é tudo quanto é. A análise dialéctica do conceito, que é uma providência importante e fundamental da metodologia dialéctica, não pode ser processada senão depois de havermos examinado as classificações que a lógica clássica estabeleceu, e depois de havermos discutido os problemas que surgem ante a afirmação do universal. Após êsses exames, poderemos retornar ao tema tratado no parágrafo anterior e esclarecer alguns aspectos, que não foram devidamente examinados por nós, porque um exame de tal espécie exige outros, que devem ser colocados previamente. Nos manuais de Lógica, estudam-se as diversas classificações dos conceitos, fundadas na sua extensão e na sua compreensão, como já vimos. Entre as classificações, que têm um papel especial na dialéctica, está a seguinte que se refere à relação que podem manter entre si os conceitos: os que não incluem um ou outro, nem se excluem, são chamados impertinentes, como verdade e sábio, e pertinentes, os que se inferem, como homem e animal, ou se excluem como homem e cavalo. No entanto, entre os conceitos pertinentes, nem sempre a inferência é mútua, como no caso de homem e animal, pois se dado o homem há o animal, dado o animal não há necessariamente o homem. Contudo, são de pertinência mútua: racional e lógico, porque onde há o lógico há o racional, e vice-versa. São idênticos os conceitos que significam a mesma coisa; do contrário, são diversos. A identidade pode referir-se à compreensão ou à extensão do conceito. Classificação quanto à oposição. Diz-se que há oposição entre dois têrmos, quando um se ob põe ao outro, se põe contra, afirma diversamente em sentido inverso o que o outro afirma. Há oposição própria ou imprópria (disparate). Há oposição entre vício e virtude; é disparatada a oposição entre virtude e montanha. Oposição: Contraditória - a que se dá entre o conceito e a sua negação: homem e não-homem. Privativa - a que se dá entre a coisa e a sua privação: vidente e cego. Contrária - a que se dá entre os que, pertencentes ao mesmo gênero, estão, contudo, maximamente, distantes, como a entre prodigalidade e avareza. Relativa - a que se dá entre as coisas que se ordenam uma à outra, como: pai e filho, escravo e senhor. Os têrmos desta oposição são chamados de correlativos. A oposição contraditória não admite um meio têrmo, pois entre homem e não-homem não há um meio têrmo; mas entre as privativas há um meio negativo, pois entre vidente e cego, o não-vidente é um meio têrmo, como a não-vidência da pedra. Entre os contrários pode haver um meio têrmo, pois entre dois hábitos morais extremos dá-se a virtude (virtus in médium), como entre a prodigalidade e a avareza, o meio têrmo é virtuoso, ou entre o vermelho e o azul, as cores intermediárias. Contudo, há contrários sem meio têrmo. São os contrários imediatos, como, na ética, acto honesto e acto desonesto, pois a maioria dos etólogos negam o acto indiferente. Esta última afirmação é, porém, controversa. ****** Capítulo 13 Dialéctica do Conceito ****** Dialècticamente, todo conceito inclui o que se afirma de uma coisa, mas aponta, naturalmente, a tudo quanto é ausente dessa coisa, pois quando se diz que algo é homem, diz-se automaticamente que não é não-homem; ou, seja, nega-se o seu contrário. Mas, como todo conceito delimita a coisa, para que uma coisa seja o que ela é, afirma-se a exclusão de tudo o que não é incluso no conceito. Não se quer dizer que o excluído não se dê na coisa; não se dá, porém sob a razão do conceito. Dado um juízo S é P, a análise dialéctica, antes de examinar apenas o juízo, deve previamente realizar a análise conceitual do sujeito e do predicado. As providências dialécticas são as seguintes: 1) Examinar a compreensão do conceito, e realizar a sua classificação. 2) Examinar a extensão do conceito, e realizar a sua classificação. 3) Examinar quanto à sua perfeição, e classificar. 4) Classificar o conceito segundo a origem e o fim. 5) Colocar o conceito-sujeito e o conceito-predicado, um em face do outro, para concluir sôbre a sua diversidade ou conexão. Verificar a diversidade ou a identidade, a pertinência ou impertinência, a convertibilidade ou inconvertibilidade. Tomemos um exemplo, e procedamos a essa primeira análise dialéctica, segundo as providências indicadas. Partamos de um juízo simples, e analisemo-lo, a seguir: O homem é um animal racional Tomemos, primeiramente, o conceito homem, que é, neste juízo, o conceito-sujeito. 1) Quanto à compreensão, é um conceito simples, incomplexo. É um conceito concreto, porque implica a presença de uma subjectividade e uma forma. A diferença entre o conceito simples concreto e o abstracto está em que o concreto é o que uma coisa é, e o abstracto é o pelo qual uma coisa é o que ela é. Ora, a forma é o que, pelo qual, uma coisa é o que ela é. O homem é o que é, mas é homem por algo que o torna o que é, que é humanidade. Homem é um conceito simples concreto; enquanto humanidade é um conceito simples abstracto. Neste caso, estamos em face de um conceito simples concreto, que, portanto, tem uma forma e um subjecto. 2) Quanto à extensão, é universal porque nêle se incluem muitos indivíduos. É não-restricto, e é distributivo, porque se aplica a cada indivíduo que entra na sua extensão, aplica-se a cada indivíduo ao qual se pode chamar homem. É um conceito universal distributivo unívoco. 3) Quanto à perfeição é um conceito finito próprio, qüiditativo e distinto. 4) Quanto à origem, é intuitivo, mas de significação mediata, porque, intuitivamente, homem é êste ser que somos, que a nossa experiência indica, mas é um ser que se distingue por sua capacidade de apreciar valores, de julgar sôbre valores, o que é captado mediatamente, por intermédio de outros conceitos. É um conceito prático. Verificando, agora, o conceito-predicado, podemos dizer, seguindo as mesmas providências, que tanto animal como racional seguem a mesma classificação e, neste caso, é evidente, porque escolhemos uma definição formal de homem. 5) Colocado um em face do outro, o sujeito se identifica, ao predicado, porque temos aqui uma definição. Homem é um ser que valoriza, e valorizar implica racionalidade. Há pertinência entre homem e animal, pertinência não mútua, como também a encontramos entre homem e racional, pois poderia haver um ser racional sem ser homem, no sentido concreto dêste conceito, pois um ser racional poderia não ser animal. Também se considerássemos homem apenas como o ser que valoriza, na definição clássica dos hindus, um ser capaz de valorizações, seria homem, não porém êste homem desta humanidade. Ademais, um animal, que tivesse racionalidade, seria homem, e não êste homem desta humanidade. Eis que penetra aqui o exame dialéctico para robustecer o exame puramente formal, e revelar como a dialéctica pode auxiliar o desenvolvimento lógico. Admitamos que um insecto fosse capaz de valorizações, e também de raciocinar. Êste seria um animal racional, sem ser êste homem. Revela tal possibilidade que a definição dada acima é meramente formal. Dialècticamente, ela exige algo mais: homem é o animal racional no qual se dá esta humanidade. E esta humanidade não é apenas o conceito abstracto de homem, como se diz entre os lógicos que seguem a linha clássica. Homem é, dialècticamente, mais concreto, porque implica êste ser animal racional, que se classifica entre os primatas, o que tem humanidade. A caracterização concreta de um ser verifica-se, assim, pela predicação de uma sequência de conceitos que o determinam cada vez mais. Não é apenas a determinação formal que cabe na definição aristotélica, para a qual basta o gênero próximo e a diferença específica. É mister que êsse gênero seja considerado concretamente. Homem é um animal, este animal desta classificação, não um animal tomado abstractamente, em seu aspecto meramente formal, mas no sentido já determinado, que tem de tomar seu gênero. Para que a definição aristotélica se torne dialéctica e, por isso, concreta, a determinação do gênero se impõe como se impõe a diferença específica, porque a racionalidade do homem não é a racionalidade univocamente tomada, mas, analogamente, a racionalidade que lhe é pertinente e própria. Homem é, assim, o animal racional, cuja animalidade é a que lhe é própria, e cuja racionalidade também o é. Formalmente, um ser animal racional vivente em outro planêta, com outra classificação zoológica, seria homem, não porém univocamente êste homem. A necessidade desta análise dialéctica, que no caso presente é simples, torna-se de magna importância quando se trabalha com conceitos meramente abstractos. E levando a seus têrmos, com o máximo cuidado, tal providência é imensamente proveitosa, como iremos demonstrar. Colocados o conceito-sujeito e o conceito-predicado, um em face do outro, novas análises são possíveis. Há uma perfeita reversibilidade formal, pois dizer-se homem é dizer-se animal racional, e vice-versa. São, por isso, conceitos reversíveis e convertíveis. Para efectuarmos a análise mais completa, impõe-se que examinemos o conceito dentro da sua intrinsecidade e da sua extrinsecidade quanto aos factores, ou seja, quanto aos factores intrínsecos e extrínsecos, aos quais chamamos de emergentes e predisponentes. Temos salientado, em nossos livros, a necessidade de distinguir tais factores. Os primeiros constituem o que e-merge da coisa, o que constitui o de que é feita a coisa (matéria) e o pelo qual é ela o que ela é (a forma), pois uma coisa começa a ser no precípuo momento que começa a ser; é ela algo feito de e tem uma forma que a distingue de outras. A emergência constitui a natureza da coisa. Contudo, nenhum ser finito é apenas êle mesmo, mas algo que sobrevêm, que depende de outro para ser, algo que exige factores pré-disponentes, que o antecedem, que acompanham, e que até sobrevivam à sua existência. Assim, o ser humano é, como matéria, toda a sua concreção biológica, e, como forma, a sua mais alta concreção psíquica, o que constitui a sua emergência, mas, para ser, exige outros, que o antecedam, causas eficientes, etc, sem as quais, êle não é. O ser humano, individualmente considerado, exige o histórico-social que o antecede e o ecológico que constitui seu ambiente circunstancial. O ser humano, tomado em sua concreção, é o produto da cooperação de todos êsses factores, que nêle actuam para formá-lo. 6) Emergentemente, o homem é um corpo com um psiquismo, uma alma. Êsse corpo animal, vivo, sofre a actuação dos esquemas psíquicos, como o psiquismo sofre os do corpo e das suas funções. Predisponentemente, o surgimento do ser humano, indivíduo, implica a presença de antepassados e de um meio ambiente, de um ambiente circunstancial, ecológico, em face do histórico-social, cuja interactuação é evidente, entre si e entre os princípios emergentes do homem e vice-versa. O ser humano é, assim, heterogêneo, pois depende da interactuação de factores, que variam entre si e em suas relações e reciprocidade. Se lògicamente o homem é um animal racional, como se vê na definição aristotélica, desde logo se percebe que essa definição apenas atenta para a emergência, pois diz precisamente o que o homem é biològicamente (animal), e o que é psicològicamente (racional). No entanto, não entram nessa definição os outros factores imprescindíveis. E é natural que assim suceda, porque a definição aristotélica é metafísica e apenas formal. Mas, a definição formal, por seu abstractismo, poderia ser dada a um outro ser completamente diferente em muitos aspectos dêste homem, e que mereceria também a mesma definição. Se a definição diz: o homem é um animal racional, um, aqui, se tomado definidamente, todo animal racional seria homem. Um animal racional, em Vênus, seria também homem, porque diz-se homem do animal racional. Se fosse tomado indefinidamente, então haveria um animal racional que seria o homem. Em outros têrmos, dá-se o nome de homem a um animal racional, ou, ainda: o animal racional, que conhecemos, é o que se chama homem. Neste caso, o têrmo homem seria um apelido desse ser. Mas, acontece que os têrmos têm uma etimologia, e assinalam intenções. E êsse têrmo indica o ser que pensa, o ser que avalia, o ser que mentaliza, pois nesse ho-mem, êsse radical mem, man, significa mente, mentalizar, mensurar, medir, etc. A definição poderia então ser traduzida: o animal que pensa é um animal racional. Chama-se homem êsse animal que pensa, que é racional, portanto. E é racional porque pensa. O conceito de homem já inclui o de animal racional. Nesse caso, todo animal racional é homem, porque é um ser que pensa. Verificamos, então, que a definição aristotélica do homem é puramente formal. Mas, nosso desejo seria definir com maior determinação, porque a definição é um juízo determinativo que aspira à maior determinação. Ao termos contacto com sêres de outros planêtas, inteligentes como nós, ou mais que nós, teríamos, naturalmente, de chamá-los de homens. E para distingui-los de nós, chamaríamos de "homens do planêta X". E por quê? Porque, ao notar que são inteligentes, que são racionais, são êles, como nós, homens também. E não é só, contudo. É porque também possuem um corpo vivo animal, um corpo com um sistema sensório-motriz, que, por diferente que fosse do nosso, seria animal. A definição permaneceria ainda formal. Mas, logo desejaríamos distinguir a nossa hominilidade da hominilidade dêles. Sentiríamos que, por sermos diferentes em nossa inteligência, impor-se-ia a necessidade de novas definições e de novos conceitos. Talvez, então, façamos do grego um conceito que passaria a ser genérico quanto à hominilidade Anthropos. Falaríamos, então, do antropos do planêta X e do antropos do planêta Terra, que a si mesmo chama de homem. Homem, então, seria o têrmo verbal do animal racional terrestre, e teríamos, aqui, penetrando na definição, o factor emergente ecológico. Teríamos, assim, uma espécie de antropos, o dêste planêta. A diferença específica tornar-se-ia mais rica, porque inclui o racional daqui, da Terra. O factor histórico-social indica a presença de uma historicidade no homem, pois há uma antecedência que está presente, não só na sua animalidade, mas também na sua racionalidade, porque o histórico-social actua sempre nos aspectos quaternários do homem, como emergência e como predisponência. Não é o homem apenas um animal sociável ou também social, mas histórico, e essa historicidade penetra não só na sua animalidade como na sua racionalidade. Mas, essa historicidade, embora concretamente diferente de qualquer outra de outro animal, não é formalmente suficiente para distinguir o homem, mas o é concretamente. A definição lógica é puramente formal. Êsse é o âmbito em que ela actua. Tem um papel eminente, pois assegura o rigor formal, que é imprescindível às análises do pensamento. Mas, o formal não encerra toda a concreção. E como a Dialéctica deve ser uma lógica concreta, deve ela palmilhar o caminho da concreção, sem desmerecer a Lógica Formal, e compreender até onde ela vale, mas seguir avante o seu caminho. Assim, na análise formal dêste juízo, bastaria apenas precisar a animalidade e a racionalidade, formalisticamente consideradas, mas, na análise dialéctica, o caminho é mais vasto, e exige penetração na emergência e na predisponência, com o exame das interactuações e dos graus de intensidade das mesmas, pois, para exemplificar, a influência do ecológico, que inclui o clima, o ambiente geográfico com todas as características, é de máxima importância na compreensão concreta do homem. Se levarmos avante o exame desses aspectos, teremos então oportunidade de poder esclarecer melhor certas distinções que geraram grandes controvérsias na filosofia clássica, e que nela permanecem como problemas insolúveis, realmente aporéticos, precisamente porque permaneceram no terreno meramente formal. Podemos, por ora, referir-nos ao tema da analogia e da univocidade. Se o considerarmos apenas formalmente, há univocidade entre o homem como ser animal racional, e o insecto que também fosse racional. Mas, essa univocidade desde logo escandaliza o filósofo. E por que se escandaliza êle? Porque sabe que há uma diferença extraordinária entre ambos. E essa diferença é concreta. É concreta, não, porém, nos aspectos formais, mas, sim na existência da coisa. Teria forçosamente de concluir pela analogia. Haveria uma analogia entre o homem e o insecto racional, se existisse. E essa analogia exigiria um logos analogante. Êsse logos analogante é formal, mas como se dá essa formalidade existencialmente diferente, seriam apenas análogos tais sêres, pois ambos participariam dêle, sem o serem plenamente. Ambos, como animais, participam da animalidade, porque são sêres vivos com sensibilidade; participariam da racionalidade, por serem ambos inteligentes em grau intensistamente elevado, pois seriam capazes de operações intelectuais lógicas de terceiro grau, e até mais elevadas. Mas, em sua concreção, seriam diferentes. E a definição formal exigiria, então, novas diferenças para dar o carácter à diferença específica. Vê-se, desse modo, que a Dialéctica tende a levar mais longe a Lógica, porque, sendo uma lógica concreta, tende para a máxima concreção possível. Os novos factos, a descoberta de outros sêres animais racionais, poriam em xeque a definição lógica anterior, que era rigorosamente verdadeira, mas que não incluía toda a verdade possível de ser captada. O exame dialéctico, por ter sido mais amplo, daria novos subsídios para a Lógica Formal, e novas definições surgiriam, também, com o seu rigor, sem desmerecer a verdade das anteriores que, concretamente, seriam menos determinativas. Quando se deseja definir, pretendesse atingir a máxima determinação. E nesse caso, a dialéctica forneceria o caminho. As providências metodológicas dialécticas, que apresentamos, não são ainda as definitivas para o exame dos conceitos de que se compõe um juízo. Mais adiante, realizaremos novos exames, segundo a via analítica e a via sintética, o que estudaremos em breve. * * * Não se deve esquecer a distinção entre nome e conceito. O nome é a voz significativa que serve para a comunicação. É um meio técnico que assinala o conceito. No nome, não há pròpriamente a presença do tempo, pois quando digo casa não digo algo que se dá agora, ou se deu ou se dará. O nome não inclui em si nenhuma indicação de tempo. Já o mesmo não se dá com o verbo, que é uma voz que significa também tempo, ou algo que se dá no tempo. É uma voz significativa com tempo, enquanto o nome é uma voz significativa sem tempo, para aproveitarmos o enunciado aristotélico. Assim, chove indica que a chuva está caindo agora, choveu, que tal facto se deu no passado, e choverá, que se dará no futuro. Nos juízos, há a cópula é, do verbo ser, verbo substantivo, porque indica a presença de algo, a presença do predicado no sujeito. Assim, num juízo, predica-se a presença ou ausência de alguma coisa, quando se diz que S é P ou S não-é P. Êsse verbo realiza a união ou não, por isso é êle chamado, na Lógica, de cópula, e também verbo copulativo. No exame do conceito universal, reportamo-nos à velha polêmica dos universais, e desejamos colocar-nos na posição crítica em que sempre permanecemos, eqüidistantemente dos excessos viciosos das diversas doutrinas, procurando a posição mais concreta, que aproveitará, normalmente, o que há de positivo em tais posições filosóficas. Realmente, o homem é capaz de construir conceitos universais. O conceito universal representa a natureza abstractamente concebida. E tal se demonstra pela nossa própria experiência. Resta saber qual o grau de representação de tais conceitos, que se dão na mente, com o que há a parte rei e que êles representam. Já examinamos êsses pontos em nossos trabalhos citados, e concluímos que há um universal na mente humana que representa o universal que está no objecto. Temos, assim, um universal mentalizado, pensado, um universal reflexo, e outro que está no objecto, que os lógicos antigos chamavam de universal directo. Em nossas palavras, o esquema noético-eidético representa mentalmente o esquema eidético-fáctico que se dá nas coisas. Mas, como já vimos, tudo o que se dá a parte rei não é universal, mas singular. O esquema eidético-fáctico, que está na coisa, se dá a parte rei, singularmente. Como êste mesmo esquema se dá singularmente em outros indivíduos, êle nestes se repete. Na mente humana, o esquema é universal, nos indivíduos é singular, considerado fàcticamente. Mas, a sua repetição exige um logos. Assim João é homem, Pedro também o é. Há, fàcticamente, em João, e em Pedro, o esquema fáctico da sua hominilidade. Mas, ambos participam de um logos: a hominilidade. Êsse logos ambos têm em comum, sem que nêles se singularize. Portanto, o que nêles se singulariza imita o logos, assim como diversos triângulos singularizam, fàcticamente, o esquema da triangularidade de cada um, mas êste esquema fáctico imita o logos da triangularidade. Razão tinham, portanto, os antigos em distinguir o universal reflexo de o universal directo. O primeiro está na mente humana, o segundo está nas coisas. A lei de proporcionalidade intrínseca de cada coisa, que pitagòricamente se chama a forma, é singular, mas essa proporcionalidade, segundo uma lei, por ser repetida, é algo que transcende a singularidade. Por isso, o universal directo inclui, na sua conceituação, a presença do relacionamento, mas também o logos (razão) desse relacionamento. Essa razão não é singular, mas universal, como são, para exemplificar, as formas, ou razões matemáticas. Precisa-se, assim, de modo claro, o conceito ante rem, que é o logos; o conceito in re, que é esquema fáctico, e o conceito post rem, o que se dá na mente humana. Essa concepção reúne as positividades dos conceptualistas e dos realistas, sem cair nos extremos. Tudo isso já foi devidamente demonstrado em nossos trabalhos de filosofia{5}. Para o exame dialéctico, não devemos esquecer que o esquema mental é intencional, pois tende a referir-se ao esquema fáctico, e ao esquema do logos do ser, que chamamos esquema ontológico ou puramente eidético. Acontece que o ser humano, na maioria das vezes, não dispõe de meios de conhecimento suficientes para estabelecer com precisão o eidos de uma coisa. Assim, não sabemos ainda, de modo suficiente, o que faz com que a maçã seja o que é, mas sabemos que, nela, existe um correlacionamento, uma lei de proporcionalidade intrínseca que a torna maçã, e outra que as outras coisas. Diziam os antigos que o universal, que se dá na coisa, era o universale in essendo, ou seja, a natureza uma, que está em muitos por identidade com êles, e que é predicada de muitos. O universal in essendo era distinguido pelos antigos de três modos: 1) Universale materiale, que é a natureza denominada universal; 2) Universale fundamentale, que é o fundamento próximo da relação de universalidade, o qual é a unidade precisa dos inferiores com a aptidão ou não-repugnância de ser neles; ou, seja, o esquema concreto desta coisa; 3) Universale formale, o qual se dividia em universale metaphysicum e universale logicum. O metaphysicum é a abstracção da universalidade fundamental, e sem o qual não é possível nenhuma ciência, porque não há nenhuma ciência sôbre as singularidades. O universale logicum é o que se refere à intenção de relação da razão. Êsse universale formale, quer metaphysicum quer logicum, é constituído pelo esquema noético-eidético. Essas classificações da lógica antiga continuam presentes na dialéctica, e auxiliam os exames que esta pode proceder, justificando as distinções que se impuseram nas análises. Se nos escapam os esquemas concretos da quase totalidade das coisas, um dos desejos da Ciência consiste em vislumbrar êsses esquemas. Antigamente, o homem, em face do ôvo, ao examinar a clara e a gema, que lhe pareciam de uma homogeneidade extraordinária, ficava perplexo para compreender a heterogeneidade do pinto. Hoje, graças aos conhecimentos obtidos pela ciência, sobretudo pela genética, podemos encontrar sinais dos factores que geram a heterogeneidade posterior, pois tanto a clara como a gema são de grande heterogeneidade. Uma das grandes metas da ciência biológica é compreender e explicar o facto orgânico, ou melhor, vital. Apesar do grande progresso que tem tido a química-orgânica, ainda não se alcançou a fórmula fundamental da matéria orgânica. É verdade que já foi verificado que a mais elementar matéria orgânica conhecida a (ovalbumina) possui uma fórmula, a qual, a título de curiosidade, aqui reproduzimos: C250 H409 N67 O81 S3. E a fórmula da albumina, contida na hemoglobina, é: C712 H1130 N214 O245 S2. Todos conhecem os grandes esforços empreendidos no século passado, e ainda neste, no intuito de alcançar-se a geração espontânea da vida; ou, seja, de realizar-se um ser vivo por espontâneo impulso da natureza. Hoje se tenta o mesmo em laboratórios. Durante o século passado, e também neste, os que seguem a linha da escolástica têm procurado combater tais experiências sobre a alegação de que não é possível ao homem criar vida. É verdade, também, que Tomás de Aquino admitia a geração espontânea, e até exemplificava. Acontece, porém, que os exemplos dados por Tomás de Aquino, hoje, em face da Ciência, não são pròpriamente de geração espontânea. Mas, o que vale aqui é a intenção do aquinatense. Para êle, não havia nenhuma razão ontológica para se negar a possibilidade da criação de uma matéria orgânica pelo homem. Se um dia a ciência alcançar a mais simples forma de matéria orgânica viva, ela verificará, e isto o afirmamos com convicção, que há um número (número de correlacionamentos químicos), que, realizado, revela-se como um ser vivo. E se, como é indubitável, houver vida em outros planêtas, se as mesmas providências forem tomadas, também notarão os sábios um número químico, que, alcançado, dará surgimento à matéria orgânica, viva. Dadas as condições heterogêneas dos planêtas, o número poderia ser diferente, mas o facto vivo seria, sob o aspecto formal, o mesmo. Sem querer discutir a validez filosófica destas afirmações, desejando apenas permanecer no campo da Dialéctica, tais possibilidades nos apontariam um facto de magna importância, que é o seguinte: teríamos, nos diversos planêtas, um facto vivo correspondente a um número, mas êsse número (e aqui seria no genuíno sentido pitagórico) seria distinto um dos outros. Teríamos a vida formalmente idêntica em todos, mas fundamentalmente distinta. O esquema eidético-fáctico seria diferente em cada um, mas a vida, formalmente enquanto tal, seria a mesma. Que surgiria, então? Daí decorre que se impõe a necessidade de distinguir o esquema eidético-fáctico de o meramente lógico. A vida, aqui, seria fundamentalmente a, e, ali, fundamentalmente b, mas vida em ambos. Impor-se-ia, pois, a distinção entre o esquema eidético-fáctico da vida a, de o esquema eidético-fáctico da vida b, que seriam aritmològicamente diferentes, embora, em ambos, metafisicamente, o mesmo: vida. Teríamos, assim, um esquema eidético-fáctico aritmológico distinto de outros, mas todos analogados no esquema eidético-metafísico da vida. Que se veria, então? Nada mais que a justificação da tese pitagórico-platônica: a vida a e a vida b participariam da Vida, pois inegavelmente deveria haver uma outra forma, à qual as formas concretas a e b se analogariam; ou, seja, participariam daquela. Assim, a criação da vida a ou da vida b não seria a criação da Vida, mas da vida a ou b. Ressalta daí que o esquema eidético-fáctico não é ainda o esquema eidético-metafísico, mas participa dêste. Eis aqui um grande fundamento para o esquema noético-eidético, o qual se dá no homem. Êste, intencionalmente, aponta tanto um como outro, sem que a expressão seja uma reprodução fiel daqueles esquemas. Lògicamente, o homem capta, da vida, para exemplificar, o que esta formalmente apresenta transcendentalmente ao fenômeno vida, aqui ou ali. Vida é a potência activa criadora, geradora de sêres reprodutíveis, com auto-crescimento, formalmente semelhantes, a qual actua imanentemente nos mesmos. Como ela se apresenta fàcticamente é outra coisa, e escapa ao campo da Lógica. Êsses aspectos fácticos pertencem ao âmbito da Ciência. A Dialéctica, unindo a Lógica à Ciência, não poderia parar apenas no formal, mas tenta invadir o fáctico, por isso é ela uma Lógica concreta. São essas as razões que nos levam a compreender que o fortalecimento da Lógica, para que possa ela ser a ciência auxiliar tão importante, exige que os exames das afirmativas lógicas tenham um cunho ontológico rigoroso. E êsse cunho ontológico é dado pelo rigor da necessidade. Quando lògicamente se define a vida como a automoção, dá-se como razão formal da vida a automoção, a intuscepção. Nessa definição, há o que é capaz de se mover, a operação vital. Nesse conceito há, pois, a acção transeunte do que passa da potência para o acto, mas essa acção é imanente, porque o ser vivo move-se imanentemente, em si mesmo. Neste caso, é vivo todo ser que tem a automação, que transita da potência para o acto. No ser vivo há, portanto, o que move, e o que é movido, mas a vida não pode ser outra coisa que o poder de automover-se, o poder da moção imanente; portanto, em acto. Ao atingir certo número orgânico, um ser corpóreo é capaz de automover-se. Nesse ser, tem de haver a presença do poder activo, do agente. O ser é vivo quando tem êsse agente. Portanto, pode-se distinguir a vida em geral de a vida orgânica, que se dá com os sêres corpóreos. Nestes, há vida, o poder activo de mover a si mesmo, mas o que é movido é o corpo. O corpo vivente é o corpo orgânico. Mas, ao ser vivente, não é imprescindível que seja necessariamente corpóreo. Poderia haver um ser vivo sem ser corpo, e desde logo se vê que a vida necessàriamente não surge da corporeidade, cuja potencialidade passiva não poderia ser a razão de um agente. Neste caso, ao criar-se a matéria orgânica, ou, seja, a matéria numèricamente composta, de modo a tornar-se apta à vida orgânica, não se criaria a vida, porque esta exige o acto vivo que se realizará no corpo; em suma, um agente. Êste agente surge na filosofia clássica com o nome de anima (alma), o que anima o corpo; alma vegetativa, a que se dá nas plantas, alma sensitiva, a que se dá nos animais, e alma intelectiva, a que se dá no homem. A diferença que há entre o ser vivo e a máquina é que, nesta, há uma agregação das partes, e seus órgãos não têm automoção. Todo corpo vivo exige a colocação de um agente que transcende sempre a explicação meramente material. É essa a razão por que a vida surge, na Filosofia, como um mistério e não pode ser explicada apenas pelas combinações materiais. Contudo, é de presumir que, atingidas tais combinações num corpo, subitamente se manifestasse a vida, ou seja, a automoção, como o pretendem os que afirmam a possibilidade da geração espontânea e, como vimos, era admitida como possível por Tomás de Aquino. Não esqueçamos, então, que actualizado um número orgânico, a vida se tornaria efectiva. Mas seria a vida desse ser orgânico. Essa vida participaria do esquema eidético-metafísico da vida, que é o poder activo da automoção, da suscepção. Êsse poder activo não poderia encontrar uma explicação cabal na matéria, porque esta seria apenas um agregado mecânico e, no ser vivo, há o surgimento de uma tensão que se manifesta na coerência e na coesão das partes, que funcionam sob a direcção de uma normal dada pela totalidade. Êsse agregado orgânico, em certo momento, ao atingir o número orgânico da vida, seria assumido por algo que nele seria activo. Êsse algo, que a razão se vê forçada a aceitar, não encontra na Biologia a sua explicação, porque já pertence ao campo da Filosofia, Estaríamos, aqui, palmilhando o terreno das tensões, e é em "Teoria Geral das Tensões" que tratamos dêste problema, sem dúvida um dos magnos problemas da Filosofia. Em conclusão: poder-se-ia dizer que o surgimento de matéria viva por acção humana ainda não solucionaria suficientemente o problema. Seria já um grande progresso, e admitamos possível de ser alcançado, mas a explicação da vida não poderá ser feita em laboratório, porque ela transcende o campo das Ciências Naturais. * * * A dialéctica concreta revela assim que há um mundo dos logoi, que se dá todo de uma vez, simultâneamente. A razão (logos) do ser de todas as coisas, e as razões (logoi), que conexionam todas as razões entre si já estão dadas de todo sempre, e simultâneamente. É fácil compreender-se agora como havia razão em Santo Anselmo e São Boaventura, nas suas provas ontológicas da existência de Deus, que é, na Religião, o ser infinito. É inegável, pois, para a dialéctica concreta (que o prova, através de suas análises), que há uma logicidade universal, e que a Lógica e a Dialéctica não são apenas meras criações da inteligência humana, mas nexos que ordenam e coordenam todo existir, do qual a nossa Lógica e a nossa Dialéctica são apenas reproduções nossas, intencionais, da logicidade que conexiona todos os sêres. A Lógica e a Dialéctica tornam-se, assim, não apenas uma arte, mas uma ciência, como um objecto material definido, que são todas as coisas, e com um objecto formal, também definido, que é a logicidade que há em todas as coisas, ou, seja, o nexo dos logoi, que conexionam todos os sêres entre si. E essa conexão antecede a todos êles, essa conexão lógica é algo que se dá antes dos sêres finitos serem, e que preside a todo o ser. É o logos último do ser. Há, assim, leis universais, que constituem o logos que conexiona todas as coisas, e essas leis nos permitem levar avante a análise dialéctica concreta pela qual propugnamos. Vamos primeiramente empregar ainda alguns exemplos do raciocinar dialéctico sôbre as inversões, obversões e conversões dos juízos apodíticos, para depois, estabelecermos as leis ontológicas do raciocinar dialéctico, tanto quanto nos fôr possível dentro dos limites dêste livro, para com elas podermos ter as bases seguras de um raciocinar que evite, de uma vez por todas, essa vagabundagem do espírito filosófico no campo das asserções e das opiniões, que só serviram para aumentar a confusão, e criar filosofias de evasão e de desespêro. O que é fundamental da proposição lógica, como já vimos, é o sujeito, o predicado e o tipo de predicação. Os dois primeiros constituem os elementos materiais da proposição, enquanto o segundo (o verbo) dá a forma da proposição, segundo uma classificação segura da lógica clássica. Entre os diversos exames, já por nós salientados, não se deve jamais esquecer que o sujeito como suposto (sub-jacere, sub-ponere) tem a função de quem recebe. É um substracto que suporta um revestimento, um predicado atribuído, ou não, ao sujeito. O papel actual do sujeito, na proposição lógica, é o do elemento que é actualizado pelo espírito, é alguma coisa da qual se fala, pois o sujeito pode ser real ou não. Tanto o sujeito, como o predicado, são conceitos. No exame, portanto, de uma proposição, é necessário considerar como primeira providência, como vimos, após a actualização do sujeito, se está sendo tomado em sua extensão ou em sua compreensão. Assim, se dizemos: O homem é mortal, se tomamos homem em sua extensão (todos os indivíduos classificáveis como homem), mortal é contingente. Se tomamos em sua compreensão (no conjunto das notas essenciais do ser humano) mortal seria universalmente predicado dos homens. Neste caso, o juízo: Se é homem, é mortal é verdadeiro se verdadeiro fôr aquele. Portanto, a primeira providência a seguir é tomar o conceito segundo a sua extensão, e segundo a sua compreensão, e considerar a validez do juízo segundo o modo de serem êles tomados. O predicado no juízo O homem é mortal, tomado em sua extensão, afirma que homem se inclui na classificação dos indivíduos mortais; segundo a sua compreensão, que é da natureza do homem ser mortal. Ora, surge aqui um ponto de máxima importância. Quando tomamos um conceito em sua extensão, o que dêle afirmamos, fazemo-lo contingentemente, pois dizer-se que a experiência nos mostra que todos os homens, que já existiram, foram mortais, tal nos leva a considerar como provavelmente certo que todos os homens actuais são mortais. Contudo, tal afirmação não nos oferece a apoditicidade desejada pela dialéctica-concreta. Poderíamos, então, dizer que, segundo a máxima probabilidade, todos os homens são mortais. Quando tomamos em sua compreensão, afirmamos que é da essência da coisa o predicado, que é uma propriedade ou uma nota essencial. Neste caso, o predicado não é meramente provável, mas necessàriamente certo. Assim, se mortal pertence à compreensão do conceito homem, a sua mortalidade é necessàriamente decorrente da sua natureza. A relação entre sujeito e predicado apresenta sete aspectos fundamentais: 1) O predicado é unívoco com o sujeito, e com êste se identifica, o que é fácil perceber-se pela inversão. Assim, no juízo: homem é animal racional, ou em "ser animal racional é ser homem", temos um exemplo de máxima determinação realizado pelo predicado, pois a definição de homem, classicamente, é esta. Neste caso, podemos actualizar na proposição lógica, homem, e então êste conceito passa a ser sujeito, ou animal racional, que, actualizado, passa a ser o sujeito. Há, contudo, aqui, a possibilidade de uma nova distinção dialéctica, como já procedemos nesta obra, porque homem, tomado como essência ou como natureza, modifica, o sentido da proposição, como já vimos. 2) O predicado está incluso no sujeito, e corresponde, neste caso, à figura de retórica sinédoque, como no juízo: o Exército é a tropa. Estamos, neste caso, numa espécie de metonímia, pois tomamos, aqui, o menos pelo mais. A intenção de quem formula essa proposição é afirmar que o que constitui a realidade do exército é a tropa, desmerecendo, ou pondo em segundo plano, a parte administrativa ou burocrática do exército. 3) O sujeito está incluso no predicado, como no juízo: O homem é mortal porque, entre os sêres mortais, está também o homem. 4) Apenas se atribui parcialmente o predicado ao sujeito, como quando se diz Alguns homens são cientistas. Se alguém disser o homem é cientista, o predicado apenas se refere a alguns. A predicação, não sendo includente ou unívoca, deve ser apenas parcial ou excludente. Se digo O homem é sábio, é artista, é criador, é político, em tais juízos tomo o homem enquanto é isto ou aquilo, ou que entre os homens há os que são isto ou aquilo. Em proposições tão evidentes como estas, o sentido logo é claro, mas o mesmo já se não dá quando é empregado em proposições de ordem filosófica, como o desta proposição materialista O ser é matéria, pois matéria é um modo de ser, e não todo ser. 5) O predicado exclui-se do sujeito, ausenta-se dêle, como se vê nos juízos negativos: o homem não é pedra, ou, seja, exclui-se do sujeito homem a predicação pedra. 6) A predicação indefinida dá-se quando é atribuído ao sujeito um predicado, que é negado, como no juízo O homem é não-pedra. No juízo negativo, a predicação é totalmente recusada; no juízo indefinido, a predicação é afirmada indefinidamente, pois o homem é algo que é não-pedra, sendo possível predicar-lhe algum predicado indeterminado outro que pedra. 7) Quando a predicação é negativa indefinidamente, como no juízo O homem não é não-mortal, ela torna-se afirmativa: não-mortal é tudo ao qual não se pode predicar a mortalidade. Ao homem é recusada a predicação de não-mortal; ou, seja, é êle mortal. No exame do juízo, devem-se considerar tais relações entre o predicado e o sujeito. No primeiro caso, há os juízos tautológicos, tais como Homem é homem, cujo exame já fizemos, pois a tautologia, aqui, se dá completamente, porque, ao predicar-se homem ao homem, predica-se-lhe o ser plenamente homem, e tomamos o sujeito apenas em sua essência, sem considerar o que nêle é accidental. Ora, homem não é apenas o que é essencial. Na tautologia acima, predica-se a homem apenas a sua essência, o ser homem. A tautologia não é, pois, absoluta, como vimos ao examinar o juízo Ser é ser, porque há uma distinção entre o predicado ser e o sujeito ser. A ser como suporte, actualizado como algo que pode receber uma predicação, aplicamos-lhe uma predicação essencial ser como actuar, como exercitar-se como tal, como presença, como afirmação. O predicado é o que se diz do sujeito determinadamente ou não. É uma caracterização do sujeito. O predicado, enquanto tal, é o que se atribui ou não; é o que se afirma ou nega de alguma coisa. O mesmo têrmo, enquanto sujeito e enquanto predicado, é, como voz, um só e mesmo, mas intencionalmente tem conteúdos esquemáticos distintos. Homem, como o ser que recebe atribuições, é diferente de homem, quando atribuído a um ser, porque, neste segundo caso, a atribuição é uma determinação, uma caracterização essencial. Quando alguém diz: o exército é a tropa e outro responde: não, o exército é o exército, êste segundo juízo não é uma mera tautologia. O primeiro afirma axiològicamente que o que significa em sua essência o exército é a tropa, de que o resto é accidental, como a administração, a parte burocrática. O segundo afirma, ao contrário, que o exército é tudo quanto essencialmente o compõe: tropa, administração, constituição jurídica, história, ideais. O exército é, na verdade, tudo quanto é propriedade da essência exército. É mister, pois, examinar se há tautologia simples ou aparente. As definições são juízos determinativos de máxima determinação. Não são, porém, tautológicas, como alguns afirmam, porque são juízos analíticos, e consistem na precisão do que diz o conceito sujeito, sua significação, que é dada por seu conteúdo noemático e, sobretudo, seu conteúdo ontológico. Há, aqui, um ponto de máxima importância: a distinção entre o conteúdo noemático e o ontológico do conceito. Um conceito pode ser tomado em sua Significação eidético-noética, histórica, portanto. Neste sentido, temos o conteúdo conceitual comum. Assim homem, tomado noemàticamente, é o ser ao qual pertencemos, é o animal racional. Em seu conteúdo ontológico, o conceito é tomado em sua estructura metafísica, animalidade e racionalidade para o homem. No primeiro caso, afirma-se o ser noemático, mas o ser ontológico é afirmado como participação, como um habere. O homem é um animal racional; no segundo, tem animalidade e racionalidade. A estructura ôntica é tomada materialiter, enquanto a ontológica é formaliter. Fundamentalmente, o homem é animal-racional, e seu ser consiste em ser animal-racional, mas formaliter é um ser que participa da animalidade e da racionalidade, no qual essas formalidades se dão, sem que êle as seja. Assim, o homem, que é sábio, tem sabedoria. Se sábio é fundamental no homem, o ter sabedoria é apenas a participação de uma perfeição. Assim o homem é perfeitamente animal racional, não é, porém, perfeitamente, em pleno exercício de seu ser, a animalidade e a racionalidade. Ao examinarmos os conceitos sujeitos e predicado numa proposição, devemos considerá-los segundo a sua estructura material (noemática) e a sua estructura ontológica. Apesar de para muitos ser essa distinção de uma subtileza duvidosa, o mais leve exame dialéctico logo nos mostra que não, porque se o homem é, como tal, plenamente homem, não é plenamente humanidade, da qual apenas participa. Qualquer ser humano é homem, mas nenhum é humanidade. Em juízos simples, como os que acima citamos, o exame é fácil, mas já não o é quando se trata de juízos filosóficos mais complexos. A essência da matéria é a materialidade, mas essa é a essência metafísica, e não a física. Porque, fisicamente, a matéria é o ser que apresenta as propriedades que já examinamos, mas, ontològicamente (metafisicamente), é o ser que tem materialidade (aptidão para receber formas, para ser informado) o que o distingue da matéria esta da nossa experiência. No segundo caso da predicação, em que o predicado está incluso na compreensão do sujeito, não se deve confundir com o terceiro, em que o sujeito é que está incluso no predicado. O predicado apenas se refere a uma parte do sujeito, aponta a menos do que o sujeito é, enquanto o outro é o inverso: o sujeito aponta a menos do que o predicado é. Ora, a realidade do predicado é proporcionada à realidade do sujeito. Um predicado não pode ser mais real que o sujeito, porque, se predicamos uma coisa de outra, a predicação é tão real quanto o que recebe a predicação. Se blitiri é apenas uma voz, sem significação, não tem ela outra realidade, salvo a de ser simplesmente uma voz sem significação. Se predico algo de um sujeito, é preciso considerar se o predicado é ou não real quanto ao sujeito, pois se digo homem é pedra, a realidade de pedra é proporcionada ao sujeito. Dar mais realidade ao predicado que ao sujeito leva a sofismas, como veremos oportunamente. No exame das predicações parciais, como as negativas e as indefinidas, são estas realmente ilustrativas, e merecem o máximo cuidado, sobretudo quando o predicado é negativo lògicamente como imortal, que indica a não-mortalidade, a ausência de mortalidade, mas que é, por sua vez, positivo, pois aponta ao que não sofre decomposição nem destruição. O conteúdo, assim, de muitos conceitos negativos, é positivo, como o do conceito átomo, que indica algo positivo, e também o conceito não-eu, e outros. É mister, pois, considerar o conceito negativo, e examinar se se refere a uma negação pura e simples como não-pedra, ou a uma negação que aponta uma positividade, como não-eu (o mundo exterior). Numa predicação, que é feita com predicado negativo, pode-se afirmar uma positividade. Quando se diz a alma é imortal, não estamos aqui numa mera indeterminação, pois não-mortal é distinto de mortal. A pedra é não-mortal, porque não conhece nem sofre a destruição da vida, porque não a tem. Se se disser que a pedra é imortal, diz-se que a vida da pedra é indestructível. É preciso, pois, distinguir o conceito negativo indefinido de o conceito negativo-positivo, como já vimos. Se o homem fosse um ser inorgânico, sem vida, poder-se-ia dizer que êle é não-mortal, o que é distinto de dizer que êle é imortal, se tem êle vida. O conceito negativo exige assim uma análise cuidadosa, porque muitos sofismas surgem daí. Há uma distinção importante no modo de predicar um conceito negativo, quando referido a sujeitos diversos. Assim, se digo o coleóptero é invertebrado, afirmo que não há vértebras no coleóptero. Mas, sendo êste um animal, enquanto animal é classificável entre vertebrados ou invertebrados. Havia uma possibilidade de ser uma ou outra. Mas, quando digo, a pedra é invertebrada, não há nenhuma relação de possibilidade entre o predicado e o sujeito, pois as pedras não poderiam ser classificadas como vertebradas ou invertebradas. Em juízos simples como êste, é curial e fácil a compreensão do que dizemos. Mas, há juízos mais complexos, em que tais afirmativas não transparecem como disparatadas. Quando dizemos a matéria é não-mortal, afirmamos que não podemos classificar a matéria entre os sêres mortais ou imortais, porque não é ela um ser ao qual possamos predicar a vida, enquanto a tomamos indeterminadamente como matéria. Mas se dizemos uma matéria é mortal, já nos referimos a uma parte da matéria, aquela que é viva. Se dizemos uma matéria não-mortal, queremos referir-nos a uma parte da matéria que não pode sofrer a mortalidade, uma matéria não-viva, portanto que não morre. A determinação uma (alg'uma) refere-se parcialmente à matéria. Aquela matéria (uma) afirmamos que é viva, e que não sofre mortalidade. É muito diferente de quando dizemos o pêso é não-vertebrado. Realmente o pêso não poderia ser classificado entre os sêres vertebrados ou não, porque não é um ser animal. Não lhe caberia nenhuma possibilidade de ser predicado desse modo. Estamos aí em face de um disparate, porque não há paridade entre o conceito predicado e o conceito sujeito. Essa disparidade não é sempre fàcilmente assinalável, como se vê em conceitos de fácil compreensão como êstes. Mas, há outros que oferecem maiores dificuldades. Assim quando se nega uma classificação, que é impossível ao sujeito, não o colocamos desde logo na classificação polar, oposta, salvo nas oposições contraditórias. Se dizemos que a pedra é não-vertebrada, não a colocamos entre os seres invertebrados, pois tal ofenderia as regras da classificação, que são elementares na Lógica, como veremos. Impõe-se, pois, no exame de um juízo em que o predicado é negativo, se a negação se refere a uma predicação possível, ou não. Se a predicação fôr impossível, é ela, então, disparatada. Outras regras se impõem quanto ao exame de um juízo. Deve-se examinar se a intenção conceitual do sujeito e do predicado é tomada quanto à sua natureza ou à sua essência. No exame que fizemos do conceito homem, vimos que podemos tomar êste como natureza ou como mera essência ontológica. Como natureza, homem é êste ser no qual nós nos classificamos. Como essência meramente ontológica, é o ser capaz de juízos, de um conhecimento discursivo, que é portador de racionalidade. Assim temos duas definições: quanto à estructura física, e quanto à estructura metafísica. Fisicamente, homem é êste animal racional, êste animal (primata), que revela ser possuidor de uma racionalidade. Como estructura metafísica, é o ser que, sendo animal, é portador de racionalidade. Se em outro planêta, existir um animal racional, como vimos, será êle metafisicamente homem, porque poder-se-ia dizer que é um ser capaz de juízos racionais, mas seria fisicamente (como natureza) diferente. Esta distinção se impõe, porque na formação dos conceitos, o sentido noemático refere-se, em primeiro lugar, à estructura física de um ser. Assim se verifica na conceituação zoológica, e também na forma mais elementar da conceituação humana, que é a que se observa nos povos de cultura primária. A conceituação, que se funda na estructura metafísica, já é distinta. Metafisicamente, a inteligência angelical é, para os religiosos, também racionalidade. Mas, a estructura da racionalidade humana é distinta da estructura da racionalidade angelical, como da racionalidade divina. São fisicamente distintas pela natureza, embora metafisicamente apresentem certa univocidade formal. A distinção entre a estructura física e a metafísica impõe-se para a mais nítida compreensão das distinções formais. A sabedoria do homem, a sabedoria do anjo e a sabedoria da divindade são, em sua fisicidade, distintas, embora em sua formalidade apareçam como idênticas, porque a sabedoria no homem é sabedoria, a sabedoria no anjo, também o é, como o é a de Deus. A Sabedoria consiste na aptidão de conhecer as coisas. Mas, nesse conhecer, há graus de intensidade. Quando se conhece pelas suas causas, tem-se a ciência; mas o conhecimento dessas causas pode ser apenas parcial ou total. A sabedoria, pois, em sua estructura física, na sua onticidade, é distinta de um para outro. Na sua estructura meramente formal, parece ser a mesma. Não o é, porém, porque, formalmente, a sabedoria de um ser infinitamente perfeito não é deficiente, enquanto o é para um ser que não tem tal perfeição. Se considerarmos a essência de uma coisa em sua estructura ôntica, e em sua estructura ontológica, são possíveis tais confusões. A sabedoria divina, em sua onticidade, é essencialmente ela mesma. A formalidade, que a aponta plenamente, é a do ser infinito. A formalidade, que aponta ao ser deficiente, é algo de que êste participa, e não é, porque o ser infinito é sabedoria, enquanto o ser finito tem sabedoria. Só o ser infinito pode ser a perfeição de uma formalidade, porque êle será essa formalidade infinitamente, enquanto o ser finito só a pode ser finitamente, porque, do contrário, o predicado teria mais realidade que o sujeito, o que já vimos ser falso. A formalidade é, portanto, a lei da proporcionalidade intrínseca, como muito bem consideraram, com profundidade, os pitagóricos de terceiro grau. E como tal, essa lei é proporcionada por sua vez ao que a tem, ou a é. Assim, a sabedoria do homem, como proporcionalidade intrínseca, distingue-se da sabedoria de outro ser. A univocidade aos poucos desfarela-se para se encontrar apenas uma: a sabedoria do homem está para o homem na proporção em que a sabedoria de Deus está para Deus. Estamos, agora, na analogia, porque há apenas analogia aqui. Mas, a sabedoria do homem é do homem, na proporção da realidade dêste, como a de Deus é de Deus, na proporção de sua realidade. Eles se univocam apenas nessa proporcionalidade. Está para um como está para o outro. O homem, tomado em sua onticidade, tem a sabedoria que, como tal, é exclusivamente dêle; assim Deus, tomado em sua onticidade, tem a sabedoria, que, como tal, é exclusivamente dêle. Os que se dedicarem ao estudo da univocidade e da analogia em Duns Scot e Tomás de Aquino hão de perceber que, por esta nossa classificação, o abismo entre ambos está flanqueado, porque há positividade de um lado e de outro, e não há mais exclusão da univocidade escotista e da analogia tomista, pois são apenas aspectos de uma mesma realidade, que é bifronte apenas para a capacidde perceptiva de nossa mente; ou, seja, o bifrontismo é gnosiológico e não ontológico. Tomemos o juízo o homem é mortal. Se tomamos homem e mortal em sua natureza ou em sua estructura ontológica, metafísica, há distinções que se impõem. Em sua estructura física, homem é êste animal racional, ao qual se atribui ser fisicamente mortal. Se tomamos homem em sua estructura metafísica, dizemos que todo ser animal, portador de racionalidade, é mortal. Se mortal é tomado fisicamente, dizemos que é da sua natureza ser mortal; se tomamos metafisicamente, dizemos que é da sua essência ser mortal. Há, assim, quatro combinações: 1) S e P tomados fisicamente; 2) S e P tomados metafisicamente; 3) S tomado fisicamente e P metafisicamente; 4) S tomado metafisicamente e P fisicamente. Examine-se o juízo O homem é mortal nas quatro possibilidades. Na primeira, refere-se a êste (haec) homem; na segunda, a todo ser animal, que é portador de racionalidade; na terceira, êste homem é mortal em sua essência; na quarta, o homem, enquanto ser animal racional, é de natureza mortal. Impõe-se a seguinte providência: devem-se considerar o predicado e o sujeito, num juízo, fisicamente e metafisicamente. Se tomamos um conceito (sujeito ou predicado) e o consideramos em sua emergência e em sua predisponência, notamos diversos aspectos, que são de magna importância. A emergência de um ser, como vimos em "Lógica e Dialéctica", refere-se à sua materialidade e à sua formalidade específica. Assim homem, em sua emergência, é corpo e espírito (factores bionômicos e os psíquicos). A predisponência constitui o que, sem o qual, o ser não se dá, ou seja: sua causa eficiente, sua causa final, e os factores que constituem o seu ambiente circunstancial físico ou metafísico. Homem é, pois, também, um ser que tem uma origem, e se dá num determinado contorno ambiental. Se tomarmos cuidadosamente o exame dos conceitos, sob êsses aspectos, logo estabeleceremos a sua definição, quando o examinarmos em sua emergência. A pergunta de que é feito, ou de que consiste, dá-nos a resposta ao aspecto genérico, e o pelo qual é o que é (forma) dá o aspecto específico. De que é feito (quod) o homem? De um corpo vivo, animal. Pelo qual (quo) o homem é homem? Por ser racional. No exame dos conceitos sujeito e predicado, deve-se perguntar pela emergência que cabe na definição e pela predisponência, que nos mostra a correlação de dependência real ou ideal com outros conceitos. Assim, o conceito mortal permite que se pergunte: de que é feito o mortal? A pergunta sôbre o quod indica que mortal é do que é vivo ou que tem vida, porque não se pode falar de mortalidade do que não é vivo. Mas pelo qual (quo) algo é mortal? Por ser um ente destructível. Um ser é mortal, quando sua vida é destructível. É mortal o ser vivo que pode ser destruído enquanto totalidade, enquanto é o que é. Não há um ser mortal sem vida. Vida antecede ontològicamente à morte, que é perecimento da vida de um ser vivo, ou melhor, da vida do ser vivo. Não pode haver um ser mortal, sem que haja vida, e é mister que tenha essa vida, que a tenha recebido, porque, para que um ser seja mortal, é mister que seja composto do que recebe a vida, e não apenas e simplesmente vida, porque esta, ontològicamente, é apenas vida. Ora, só é destructível o que é composto. Um ser vivo, para ser mortal, é mister que seja composto. Se é composto, sua existência não é idêntica com a sua essência; êle não é existencialmente o que é essencialmente. Só um ser simples poderia ser imortal. Mas a mortalidade de um ser deve ser considerada na sua natureza, na sua estructura física. A mortalidade de homem é a da sua composição física. Na sua estructura metafísica, mortal é a possibilidade de ser vitalmente destructível. Um ser composto é destructível, e de todo ser composto de matéria e forma pode-se dizer que é decomponível. Essas análises, quando levadas com cuidado nos diversos conceitos que compõem um juízo, permitem notar várias distinções, que não são evidentes desde logo. Se todas as regras metodológicas, que oferecemos da Lógica Formal, são bem conduzidas, está-se apto a captar as distinções, que são tão preciosas para o nítido esclarecimento dos conceitos e das proposições lógicas. Mais adiante, procuraremos oferecer um método prático do domínio das distinções, tão importantes, e imprescindível para o bom uso da Lógica. ****** Capítulo 14 Da Terceira Operação do Espírito ****** Do Raciocínio Escrevemos em "Lógica e Dialéctica": "A definição clássica de raciocínio é dada por Aristóteles: `operação discursiva, pela qual se mostra que uma ou diversas proposições (premissas) implicam uma outra proposição (conclusão) ou, pelo menos, tornam esta verossimilhante.' " Só há raciocínio quando inferimos um pensamento de outro pensamento. Podemos começar de um facto singular para chegar a uma conclusão geral, ou de uma conclusão geral para concluir que o singular está contido nesta. Podem ser diversos os raciocínios, mas, em todos êles, há sempre a derivação de um pensamento de outro, o qual contém aquele. Já por diversas vezes, referindo-nos ao conhecimento, vimos que êle pode ser dado por actos de apreensão imediata, ou então provir de processos mais complexos, mediatos (por meio de ...). No primeiro caso, temos o conhecimento intuitivo, e, no segundo, o conhecimento discursivo. O primeiro é dado pela experiência directa, como ao verificar que esta mesa é maior que o livro. O saber discursivo, ou saber racional, é o que resulta de conhecimentos anteriores, e podemos dar como exemplo: "todo o homem é mortal." Só chegamos a êste conhecimento, depois de feita a verificação de uma série de factos e de uma conclusão posterior. Os processos discursivos são simples ou complexos: a) simples, quando de um conhecimento se infere directamente outro; também se chama inferência ou ilação imediata; b) complexos, quando a passagem de um a outro é feita através, pelo menos, de um membro intermediário, como os raciocínios deductivos, os matemáticos, os inductivos, e os por analogia. Nos processos discursivos complexos (raciocínios mediatos, inferência ou ilações mediatas, como já vimos), a passagem de um conhecimento a outro é feita através de, pelo menos, um membro intermediário. São conhecidos tradicionalmente por duas classes: inducção e deducção. Geralmente se define a inducção como a passagem do particular ao geral, enquanto a deducção é a passagem do geral para o particular. No raciocínio, há apreensões de pensamentos e de suas significações, e êstes formam um todo, uma unidade. É o que se dá no raciocínio intuitivo. No raciocínio discursivo, há a inferência de um pensamento de outro. Desta forma, o raciocínio discursivo reduz-se ao primeiro, pois é apenas uma forma complexa daquele. A deducção funda-se nos princípios lógicos (princípios de identidade, de não-contradição, do terceiro excluído e de razão suficiente, dos quais já falamos), que são verdadeiros axiomas para a Lógica Formal, os quais regem todos os entes lógicos e os objectos ideais. A deducção não se baseia em princípios lógicos, mas na opinião da regularidade do curso da natureza, em certa homogeneidade da sucessão dos factos, regularidade hipotética para muitos, mas que é fundamental para a inducção, que nela se fundamenta. As chamadas leis científicas, as inducções da Ciência partem da repetição dos factos singulares e da regularidade daquela. Não há intuição sensível do universo; a intuição sensível é só do singular, do individual, como já vimos tantas vezes. O universal é fundado nos factos singulares. Dessa forma, a deducção se baseia numa inducção prévia. Mas, a formulação de um universal implica a aceitação da possibilidade de formular o universal. Então temos de admitir que, para formularmos de uma inducção um universal, impõe-se previamente a aceitação da possibilidade do universal. E como nos é dada essa possibilidade? Ela decorre da repetição dos factos, cujo acontecer, no passado e no presente, faz-nos admitir a possibilidade de se reproduzirem no futuro. Como o futuro vem a evidenciar a actualização dessa possibilidade, formulamos, sob a influência da parte racional do nosso espírito, que deseja a homogeneidade (que se funda no semelhante), que existe uma regularidade nos factos cósmicos. Fundados nessa regularidade, conseguimos dar o salto da inducção ao universal, ponto de partida da deducção posterior. Por isso, o alcançar do universal não é apenas uma decorrência da inducção, pois esta é corroborada pela aceitação do princípio, hipotético ou não (o que não cabe por ora discutir), de uma regularidade universal, de certa legalidade universal, de que o cosmos é realmente ordenado por constantes que não variam (invariantes), e que permitem a formulação de princípios universais. Oportunamente volveremos a êste ponto. ****** Capítulo 15 Do Silogismo - Exame Sintético ****** Exame sintético Dos processos discursivos, de que já tratamos, destacamos, dentre êles, os raciocínios deductivos, os quais são identificados como o silogismo. O silogismo é uma deducção formal, é um raciocínio que vai do geral ao particular ou ao singular. Consiste em estabelecer a necessidade de um juízo (conclusão), mostrando que êle é a consequência forçada de um juízo reconhecido por verdadeiro (maior) por intermédio de um terceiro juízo (menor), que estabelece, entre os dois primeiros, um laço necessário. Assim temos duas premissas - nome que se dá aos dois primeiros juízos - dos quais se infere um terceiro juízo, chamado conclusão. Vamos dar um exemplo clássico de silogismo: Todo homem é mortal (Premissa maior) Ora, Sócrates é homem (Premissa menor) Logo, Sócrates é mortal (Conclusão) Sendo o silogismo um raciocínio deductivo, o ponto de partida é sempre um juízo universal, quer ocupe ou não o primeiro posto, o lugar da premissa maior; ou, seja, uma premissa tem de ser necessàriamente universal. O silogismo tem três têrmos: o maior, o médio e o menor. Êsses têrmos são os que entram nos juízos (ou proposições) que constituem o silogismo. O predicado da conclusão recebe o nome de têrmo maior. Examinemos o silogismo acima citado: Mortal é o têrmo maior. O sujeito da conclusão é chamado de têrmo menor. O sujeito da conclusão é Sócrates. O têrmo médio é o que, estando presente nas duas premissas, falta na conclusão, que é homem, no exemplo. Se em vez de considerarmos os três juízos que constituem o silogismo, considerarmos os três têrmos que entram nesses juízos, o silogismo consiste em estabelecer que um desses têrmos, o maior, é o atributo necessário do outro, o menor (que mortal é atributo de Sócrates), porque é atributo necessário de um terceiro, o médio (homem, no nosso caso, o homem é mortal), que é por sua vez o atributo necessário do menor (Sócrates, pois homem é atributo de Sócrates). Em síntese: mortal é atributo necessário de Sócrates, porque é atributo necessário de homem, e homem é atributo necessário de Sócrates. Sócrates tem a qualidade de mortal, porque tem a qualidade de homem, e todo homem tem a qualidade de mortal. Assim, o silogismo consiste em mostrar que um objecto, ou uma classe de objectos fazem parte de uma outra classe, porque êle ou ela pertencem a uma classe de objectos que, por sua parte, faz parte dessa outra classe. * * * Regras do silogismo: São oito as regras que os escolásticos formularam através de versos latinos: 1) Terminus esto triplex, medius, majorque, minorque (o silogismo tem três têrmos: o maior, o médio e o menor). Tal é necessário para fazer a comparação dos dois com um terceiro. E para que sejam apenas três é mister que os têrmos em cada premissa tenham a mesma acepção. Se o médio tiver duas acepções, teríamos, realmente, quatro têrmos e não três. 2) Nequaquem médium capiat fas est (A conclusão nunca deve conter o têrmo médio). 3) Aut semel aut medius generaliter esto (O têrmo médio deve ser tomado pelo menos uma vez em toda a sua extensão). Sim, porque o têrmo médio serve para comparar os extremos, e, na conclusão, deve aparecer o resultado, ou seja, a relação dos extremos entre si. 4) Latius hunc (termínum) quam premissas conclusis non vult (Nenhum têrmo pode ser mais extenso nas conclusões do que nas premissas). Esta regra se reduz à primeira, pois se tivessem maior extensão alterar-se-iam os termos. 5) Ultraque si praemissa negat nil inde sequitur (Se as duas premissas são negativas, nada se pode concluir). É claro que nada se conclui de dois juízos negativos. Pois se dois têrmos não se identificam entre si, como vão se identificar ambos com um terceiro? E se dois têrmos não se identificam com um terceiro, não quer dizer que sejam idênticos entre si. Pois se casa não é animal e se chapéu não é animal, casa não é necessàriamente chapéu. Dois têrmos iguais a um terceiro são iguais entre si. Dois têrmos não iguais a um terceiro não são necessàriamente iguais entre si. 6) Ambae affirmantes nequeunt generare negantum (Duas premissas afirmativas não podem produzir uma conclusão negativa). Sim, pois se dois têrmos se identificam com um terceiro são necessàriamente idênticos entre si e não poderiam ser distinctos entre si. 7) Pejorem sequitur semper conclusio partem (A conclusão segue sempre a parte mais fraca). Chama-se a mais fraca a premissa particular ou negativa. Esta regra se deduz da n.° 4. Os têrmos não podem ter maior extensão na conclusão do que nas premissas, dissemos. Ora, se uma das premissas é particular ou negativa, a conclusão tem de ser particular ou negativa. É claro, pois, se um extremo é igual a um terceiro, e outro não, nunca se pode concluir que um seja o outro. Daí porque a conclusão não pode ser afirmativa, se uma premissa é negativa. 8) Nil sequitur geminus ex particularibus unquam (Nada se conclui de duas premissas particulares). Se dizemos: Alguns A são B Alguns B são C, Não podemos saber se os alguns B da segunda premissa são precisamente os B da primeira, o que levaria a existir, então, quatro têrmos em vez de três, o que infringiria a primeira regra. Além disso, o têrmo médio não está tomado em toda a sua extensão em nenhuma das premissas, o que infringe a regra n.° 3. Se ambas são negativas, não há conclusão pela regra n.° 5. * * * Modos e figuras dos silogismos - Na Lógica, chamam-se figuras dos silogismos as formas que adopta o mesmo, segundo a posição do têrmo médio nas premissas maior ou menor. As quatro formas possíveis são as chamadas quatro figuras, que se caracterizam: 1) por ser o têrmo sujeito na premissa maior e predicado na menor (sub-prae). Ex.: "Todo homem é mortal; Sócrates é homem, logo, Sócrates é mortal"; 2) por ser o têrmo médio predicado em ambas as premissas (Prae-Prae): "Todo homem é racional; nenhuma planta é racional, logo, nenhuma planta é homem"; 3) por ser o têrmo médio sujeito de ambas as premissas (Sub-Sub): "Alguns homens são filósofos; todos os homens têm corpos, logo, alguns corpos são de filósofos"; 4) por ser o têrmo médio predicado na maior e sujeito na menor (Prae-Sub): "Todos os homens são mortais; todos os mortais são animais; logo, alguns animais são homens." A 5a figura estudaremos mais adiante. O modo do silogismo resulta da quantidade e da qualidade das premissas que o compõem. Êsses juízos são de quatro classes, como já estudamos: Universal afirmativo (A) Universal negativo (E) Particular afirmativo (I) Particular negativo (O) Eles podem ser combinados em 64 formas. Nem todas são concludentes. Se aplicarmos as regras estudadas, ficam 19 modos legítimos, que são distribuídos da seguinte forma: 4 para a 1a figura; 4 para a segunda; 6 para a terceira e 5 para a quarta. (Também para a 5a figura, como veremos). Sendo cada juízo simbolizado segundo sua quantidade e qualidade por uma vogal, cada modo válido é simbolizado, na Lógica, tradicionalmente, por uma palavra latina, que contém as letras-sinais dos juízos, que compõem o silogismo. São êstes, os modos válidos de cada figura que examinaremos na parte analítica. Da 1a figura: AAA (Barbara); EAE (Celarent); AII (Darii); EIO (Ferio). Da 2. figura: EAE (Cesare); AEE (Camestres); EIO (Festino); AOO (Baroco). Da 3a figura: AAI (Darapti); EAO (Felapton); IAI (Disamis); AII (Datisi); OAO (Bocardo); EIO (Ferison). Da 4a figura: AAI (Bamalip); AEE (Calemes); IAI (Dimatis); EAO (Fesapo); EIO (Fresison). Quanto à 5a figura e seus modos, passaremos a estudar na parte analítica. * * * Todos êsses modos e figuras, que damos acima, reduzem-se a uma lei do silogismo, fundada num princípio ontológico: duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si. Se são iguais parcialmente a uma terceira, podem ser não-iguais entre si, nem em parte. Tudo quando pode ser afirmado ou negado da totalidade de um gênero pode ser também afirmado ou negado de todos os indivíduos que compõem êsse gênero. Êste é um princípio do silogismo, que decorre do princípio de identidade. "Todos os homens são mortais", portanto um homem (Sócrates) é mortal. Todas as figuras do silogismo (2a 3a e 4a) podem ser reduzidas à primeira, que Aristóteles qualifica de silogismo perfeito, a qual é a aplicação concreta da regra que citamos acima sublinhadamente. Desta forma se vê que o silogismo é apenas uma forma do raciocínio deductivo, como já expusemos. Na linguagem comum, e até nas demonstrações mais precisas, subentende-se, quando ela é evidente, uma das articulações do silogismo. O silogismo chama-se, então, entimena. Neste se omite uma das premissas. Por ex.: todo metal é pesado, porque toda matéria é pesada. Está omitida a premissa "todo metal é matéria". Os silogismos podem compor-se entre êles e formar o que se chama polissilogismo. Ex.: "Todo animal é mortal; ora, o homem é animal; logo, o homem é mortal; ora, Pedro é homem; logo, Pedro é mortal." O epiquerema é o silogismo no qual uma ou outras premissas são proposições causais. Ex.: Todo homem é mortal, porque é um ser composto; ora, Pedro é homem; logo, Pedro é mortal. Sorites é uma sequência de silogismos encadeados uns após outros, em que o predicado da premissa anterior é sujeito da posterior. Ex.: Deus é ser por si mesmo (a se); o ser por si mesmo é ser necessário, o ser necessário é ser infinito; ser infinito é ser único; logo, Deus é ser único. O silogismo hipotético é um silogismo em que a maior é uma proposição hipotética. O silogismo disjuntivo é o silogismo no qual a maior tem dois atributos, que se excluem um ao outro. Ou A é B ou C, etc. O dilema entra nessa categoria de argumentos. Consta de um juízo disjuntivo e dois condicionais, ambos conducentes a uma mesma conclusão. Por ex.: "O homem, que obedece às suas paixões, ou consegue o que deseja, ou não; se consegue, enfastia-se, e por conseguinte é infeliz; se não consegue, está ansioso, e pela mesma razão é infeliz." A argumentação viciosa chama-se paralogismo, sofisma ou falácia. Quando há boa-fé, chama-se paralogismo; e sofisma ou falácia, em caso contrário. Essa é a acepção comumente aceita. Todos os silogismos, que infringem as regras da Lógica, são viciosos, Exs. de sofismas: "O branco não pode ser encarnado, logo o papel não pode tingir-se de encarnado." Chama-se de ignorância do assunto (ignoratio elenchi) ao paralogismo, quando se responde a outra coisa diferente da que está em questão ou se prova o que não correspondia provar. Por ex.: "Se é sábio, é laborioso; é laborioso, logo é sábio." Petição de princípio dá-se quando se supõe o mesmo que se dá de provar. Ex.: "O fumo sobe, porque é mais leve que o ar, e é mais leve que o ar porque faz parte dos corpos leves." ****** Capítulo 16 Exame Analítico do Silogismo ****** O silogismo é, pois, um raciocínio mediato. Neste, a conclusão não decorre directamente do enunciado do juízo, mas da comparação que é feita entre dois juízos que têm ou não têm em comum algo que lhes permite serem comparados, um têrmo médio. Se desejamos comparar, precisamos pôr a par alguma coisa com outra. Não podemos comparar um livro com uma pedra, sem afirmar que há algo em comum ou não entre ambos. Podemos compará-los pelo tamanho, pelo pêso, que servem de têrmo médio para essas comparações. Podemos comparar um livro com uma mesa como artefactos, uma árvore e um animal como sêres vivos, ou entes da natureza, uma instituição jurídica com uma religião como sêres do mundo da cultura. Sem o têrmo médio, a comparação é impossível. Ora, o silogismo é um raciocínio que decorre da comparação de dois juízos. Portanto, é mister que em ambos juízos exista realmente, e na mesma acepção, um têrmo médio, o têrmo que se repete num e noutro juízo, quer afirmado ou negado, para que possamos concluir alguma coisa com os extremos. O esquema do raciocínio será pois em seu aspecto abstracto, a relação entre um sujeito S e um predicado P, comparados com um têrmo médio M. Assim: |Todo|M é P|Todo |M é P;| |ora,|S é M|ora, todo |S é M;| |logo|S é P|logo, todo|S é P.| Chegamos à conclusão que todo S é P, porque sendo todo S M e todo M P, conseqüentemente S é P, pois estando S contido totalmente em M, e M contido totalmente em P, S tem de estar totalmente contido em P. É um exemplo de silogismo em Barbara, que é o silogismo superior. O raciocínio imediato nos mostra como o espírito humano pode inferir de uma única relação dada, categórica, condicional ou disjuntiva, apodítica, assertórica ou problemática, universal ou particular, uma inumerável soma de relações outras, bastando variar a posição, a quantidade, a qualidade, a modalidade dos têrmos e da cópula, sem necessidade de recorrer a um elemento estranho. Mas, o silogismo também oferece a sua imensa riqueza e possui outros recursos. É um raciocínio de segundo grau, não propriamente porque possui três juízos, as duas premissas e a conclusão, mas porque possui os três têrmos, o maior, que é o predicado da conclusão, o menor, que é o sujeito da conclusão, e o têrmo médio, que entra apenas nas premissas. Toda virtude do silogismo reside no têrmo médio, que entra apenas nas premissas já o salientava Aristóteles. Essa é a razão por que muitos raciocínios e argumentos hipotéticos, como condicionais e disjuntivos não são pròpriamente silogismos, como veremos, por lhes faltar o têrmo médio. Como naturalmente o predicado de um juízo é normalmente maior que o sujeito, pois pode ser igual em sua extensão, nunca menor, senão o juízo é falso, convencionou-se, mas com fundamento, chamá-lo de têrmo maior. E o sujeito, pelas mesmas razões, de têrmo menor. Deste modo, a conclusão é um juízo que afirma ou nega o predicado ao sujeito, que são os extremos do silogismo. O têrmo, que serve de mediador entre tais extremos, chama-se o têrmo médio. Naturalmente, deve êle estar em cada premissa, pois, do contrário, como concluir alguma coisa entre o predicado e o sujeito da conclusão, se não tiverem entre si algo em comum? A premissa maior é a premissa em que se estabelece a relação judicativa entre o predicado (têrmo maior) com o médio. Chama-se, assim, premissa maior porque é nela que entra o têrmo maior. A premissa menor é a que contém o têrmo menor, o sujeito da conclusão, que é relacionado judicativamente com o médio. O silogismo não é o único raciocínio deductivo, como já vimos e veremos, mas é uma espécie de raciocínio deductivo. É um raciocínio mediato, cuja conclusão decorre da comparação de dois juízos isolados, que têm um têrmo comum (médio). A conclusão está, assim, virtualmente contida nas premissas quando comparadas. O silogismo regular compõe-se de três juízos. * * * Dezenove são os modos possíveis e rigorosos dos silogismos, expressos nos versos de Petrus Hispanus, que preferimos aos que comumente são fornecidos nos livros de Lógica, pois incluem a quarta-figura: 1a Figura: Barbara, Celarent, Darii, Ferioque; 2a Figura: Cesare, Camestres, Festino, Baroco; 3a Figura: Darapti, Disamis, Datisi, Felapton, Bocardo, Ferison; 4a Figura: Bamalip, Calemes, Dimatis, Fesapo, Fresison. T. Pesch, em Inst. Logicae n.240, acrescenta uma quinta figura, cujo esquema é o da 1a, como veremos. São modos que se mudam conseqüentemente. Neste caso, a classificação dos modos para a quarta e para a quinta figuras são os seguintes: Quarta figura: Bamalipton, Calemes, Dimatis, Fesapo, Fresiso (norum). Quinta figura: Baralipton, Celantes, Dabitis, Fapesmo, Friseso (norum). Tanto a quarta como a quinta figura não se incluem na classificação de Aristóteles, que não as propôs. Contudo, justificam-se por serem modos possíveis de silogismo. P. Hoenen, em seu "Recherches de Logique Formelle" apresenta uma notável justificação da quarta figura, que, hoje, já está incorporada à Lógica Formal. Nós, no exame do silogismo, passaremos daqui por diante a seguir essa nova classificação, que apresenta a vantagem de oferecer a possibilidade de melhor exame dos modos possíveis, embora indirectos, que apresentam também validez nos raciocínios. REGRA GERAL DAS FIGURAS Uma regra de T. Pesch (Inst. Log. n. 245): Segundo o modo de afirmar: (P) que contém inclusamente (M) contém também (S), o qual está incluso nele. Segundo o modo de negar: (P) o que exclui o continente (M) exclui também (S), o qual está contido nele. Esta regra é da 1a figura, mas vale para todas. ****** Capítulo 17 Primeira Figura ****** Na primeira figura (sub-prae), o têrmo médio é sujeito, na maior e predicado na menor. Esquema: M - P S - M -- S - P A regra é a seguinte: A menor deve ser afirmativa; a maior deve ser universal. Prova: Se a menor não fôr afirmativa, e sim negativa, a conclusão será negativa, e conseqüentemente seu predicado negativo será universal, porque nas proposições negativas o predicado é universal e terá maior extensão que na premissa menor, onde é particular. Se a maior fôr também negativa, sendo ambas premissas negativas, ofenderia a regra 5. Sendo o têrmo médio na menor afirmativa, por ser predicado, será particular, e de acordo com a regra, o têrmo médio deve ser, pelo menos, uma vez universal. Não o seria, porque, na maior, sendo sujeito, não sendo esta univereal, o sujeito seria particular, e, neste caso, o têrmo médio seria particular em ambas premissas. Os modos possíveis desta figura são dois afirmativos e dois negativos: AAA, EAE, AII, EIO, ou sejam: Barbara, Celarent, Darii, Ferio. A regra desta figura é justificada pela análise das combinações possíveis, que fazemos a seguir. EXEMPLOS DA PRIMEIRA FIGURA Barbara |a|M - P|Todo metal é corpo; | |a|S - M|ora, todo chumbo é metal; | |a|S - P|logo, todo chumbo é corpo.| Celarent |e|M - P|Nenhum metal é vegetal; | |a|S - M|todo chumbo é metal; | |e|S - P|logo, nenhum chumbo é vegetal.| Darii |a|M - P|Todo metal é corpo; | |i|S - M|ora, algum mineral é metal;| |i|S - P|ora, algum mineral é corpo;| Ferio |e|M - P|Nenhum metal é vivente; | |i|S - M|ora, algum corpo é metal; | |o|S - P|logo, algum corpo não é vivente.| ANALISE DAS COMBINAÇÕES Tôdas as combinações possíveis, em cada figura, tomadas as duas premissas, são as seguintes: aa ea ia oa ae ee ie oe ai ei ii oi ao eo io oo Excluem-se, desde logo, as combinações: ee, eo, oe, oo, por serem ambas premissas negativas, bem como as ii, io, oi, oo, por serem ambas premissas particulares. Restam apenas as seguintes possibilidades: aa, ae, ai, ao ea, ei ia, ie oa. Uma regra importantíssima do silogismo, esquecida muitas vezes por grandes filósofos, é a seguinte: nos juízos afirmativos, o predicado é tomado particularmente. nos juízos negativos, o predicado é tomado universalmente. Quando dizemos S é P, tomamos P particularmente, quando dizemos S não é P, P é tomado universalmente, porque, na negativa, há exclusão total de todo P, enquanto, na afirmativa, não há inclusão total de todo P, salvo nas definições rigorosas e mesmo em sentido meramente formal e metafísico, porque, nas definições, há a possibilidade da conversão simples do predicado no sujeito. Assim, na definição: "o homem é animal racional", pode dizer-se: "animal racional é homem." Só nesses casos, o predicado de uma afirmativa é tomado universalmente, contudo, apenas metafísica e formalmente. Restando apenas aquelas 9 possibilidades, vejam-se quais conclusões ofendem as regras fundamentais do silogismo e quais não. Assim: aa (duas universais afirmativas) não podem dar uma conclusão negativa, porque de duas premissas afirmativas não se conclui negativamente, portanto, as únicas possibilidades da combinação aa só poderiam ser aaa, aai, pois aae e aao são impossíveis. Vejamos a primeira possibilidade, na 1a figura, em que o têrmo médio é sujeito na maior e predicado na menor (sub-prae). |a|M - P| |a|S - M| |a|S - P| A primeira atenção deve volver-se para o têrmo médio. Êste, pelo menos uma vez, deve ser universal. No caso o é, pois na maior está tomado universalmente. Em segundo lugar, o predicado. Êle é particular na conclusão e é particular na maior, portanto está regular. O sujeito é universal na conclusão e universal na menor, logo o silogismo não peca contra nenhuma regra. Examinemos agora a segunda possibilidade aai: |a|M - P| |a|S - M| |i|S - P| Êste modo está subordinado ao primeiro (aaa), porque o que se diz do universal se diz do particular, que lhe é subordinado. Vejamos, agora, as possibilidades ea e ei. Como há uma premissa negativa, a conclusão será necessariamente negativa e como há uma particular, será uma particular negativa, portanto as únicas conclusões possíveis seriam: eae eio Vejamos se são regulares: |e|M - P| |a|S - M| |e|S - P| O médio está tomado universalmente pelo menos uma vez; o predicado é universal na conclusão, e o é também na premissa maior; o sujeito é universal, tanto na conclusão como na premissa menor. O silogismo é regular. |e|M - P| |i|S - M| |o|S - P| O têrmo médio é universal na maior; o predicado é universal na conclusão, e o é também na maior; o sujeito é particular na menor, e o é na conclusão. O silogismo é regular. As combinações ia e ie só dariam as seguintes conclusões: ia só poderia dar iai ie só poderia dar ieo. Vejamos se são regulares: |i|M - P| |a|S - M| |i|S - P| Neste caso, o têrmo médio é particular em ambas as premissas, quando deve ser pelo menos uma vez tomado universalmente. Portanto, não é regular. |i|M - P| |e|S - M| |o|S - P| O têrmo médio seria universal na menor, mas o predicado, na conclusão, é universal, enquanto é particular na maior. Portanto, não é regular. São regulares, na 1a figura, apenas os quatro modos indicados acima. É fácil agora, realizando o mesmo exame, concluir, nas outras figuras, quais os modos regulares e verificar que, realmente, só há aqueles que são indicados nos famosos versos latinos. ****** Capítulo 18 Segunda Figura ****** Na segunda figura (prae-prae), o têrmo médio é em cada premissa predicado. Esquema: P - M S - M -- S - P Regra: Uma premissa negativa e a premissa maior universal e a conclusão sempre negativa Uma tem de ser negativa, porque o predicado, que é o têrmo médio em ambas, seria sempre particular, o que ofenderia a regra 4{6}. A premissa maior deve ser universal, pois o sujeito da maior é o predicado da conclusão e como a conclusão é necessariamente negativa, e o predicado, portanto, universal, deve o predicado, numa das premissas, ser universal, pois, do contrário, ofenderia a regra 3{7}. Portanto só quatro modos são concludentes: EAE, AEE, EIO, AOO, ou sejam: Cesare, Camestres, Festino, Baroco{8}. EXEMPLOS DA 2a FIGURA Cesare |e|P - M|Nenhum vivente é metal; | |a|S - M|ora, todo chumbo é metal; | |e|S - P|logo, nenhum chumbo é vivente.| Camestres |a|P - M|Todo chumbo é metal; | |e|S - M|ora, nenhum vegetal é metal; | |e|S - P|logo, nenhum vegetal é chumbo.| Festino |e|P - M|Nenhum vegetal é metal; | |i|S - M|ora, algum corpo é metal; | |o|S - P|logo, algum corpo não é vegetal.| Baroco |a|P - M|Todo chumbo é metal; | |o|S - M|ora, algum corpo não é metal; | |o|S - P|logo, algum corpo não é chumbo.| ****** Capítulo 19 Terceira Figura ****** Na terceira figura (sub-sub), o têrmo médio é sujeito em ambas premissas. Esquema: |M - P| |M - S| |S - P| Regra: premissa menor afirmativa, conclusão particular. A premissa menor deve ser afirmativa pelas mesmas razões da primeira figura; se fosse negativa, a conclusão seria negativa e, conseqüentemente, o predicado seria universal, e seria maior, portanto, na conclusão, que na premissa afirmativa e, conseqüentemente, o predicado seria universal, ou então, teria que ser a maior negativa, e, então, ambas as premissas seriam negativas, o que ofenderia as regras. A conclusão tem de ser particular, porque S é, na menor, predicado afirmativo e, conseqüentemente, particular, do contrário teria na conclusão, se não fosse particular, maior extensão que na premissa, o que ofenderia as regras. Portanto, os únicos modos possíveis são seis: AAI, EAO, IAI, AII, OAO, EIO, ou sejam: Darapti, Felapton, Disamis, Datisi, Bocardo, Ferison. EXEMPLOS DA 3a FIGURA Darapti |a|M - P|Todo metal é mineral; | |a|M - S|ora, todo metal é corpo; | |i|S - P|logo, algum corpo é mineral.| Felapton |e|M - P|Nenhum metal é vegetal; | |a|M - S|ora, todo metal é corpo; | |o|S - P|logo, algum corpo não é vegetal.| Disamis |i|M - P|Algum metal é chumbo; | |a|M - S|ora, todo metal é corpo; | |i|S - P|logo, algum corpo é chumbo.| Datisi |a|M - P|Todo metal é corpo; | |i|M - S|ora, algum metal é chumbo; | |i|S - P|logo, algum chumbo é corpo.| Bocardo |o|M - P|Algum metal não é chumbo; | |a|M - S|ora, todo metal é mineral; | |o|S - P|logo, algum mineral não é chumbo.| Ferison |e|M - P|Nenhum metal é vegetal; | |i|M - S|ora, algum metal é chumbo; | |o|S - P|logo, algum chumbo não é vegetal.| ****** Capítulo 20 Quarta Figura ****** Na quarta figura (prae-sub) (considerada pelos escolásticos antigos como a 1a figura indirecta e pelos modernos como 4a figura), apresenta ainda uma outra figura, que, modernamente, é chamada de 5a figura. Na quarta figura, o têrmo médio é predicado na premissa maior e sujeito na premissa menor. Esquema: P - M M - S -- S - P Regras: Se a maior é afirmativa, a menor é universal. Se a menor é afirmativa, a conclusão é particular. Se uma nega, a maior é universal. Razões: Se a maior é afirmativa, o têrmo médio, como predicado afirmativo, é particular, conseqüentemente, na menor, como sujeito, deve ser universal. Se a menor é afirmativa, S, como predicado afirmativo, é particular; portanto, na conclusão, deve ser particular. Se uma é negativa, o predicado, na conclusão, sendo negativo, será universal, enquanto na premissa, como sujeito da maior, seria universal. Portanto, só cinco modos são válidos: AAI, AEE, IAI, EAO, EIO, ou seja: Bamalip(ton), Calemes, Dimatis, Fesapo, Fresiso (norum). EXEMPLOS DA 4a FIGURA Bamalip(ton) |a|P - M|Todo chumbo é metal; | |a|M - S|ora, todo metal é corpo; | |i|S - P|logo, algum corpo é chumbo.| Calemes |a|P - M|Todos os brasileiros são americanos;| |e|M - S|ora, nenhum americano é europeu; | |e|S - P|logo, nenhum europeu é brasileiro. | Dimatis |i|P - M|Alguns brasileiros são paulistas; | |a|M - S|ora, todos os paulistas são americanos; | |i|S - P|logo, alguns americanos são brasileiros.| Fesapo |e|P - M|Nenhum paulista é francês; | |a|M - S|ora, todos os franceses são europeus; | |o|S - P|logo, alguns europeus não são paulistas| Fresiso (norum) |e|P - M|Nenhum vegetal é metal; | |i|M - S|ora, algum metal é chumbo; | |o|S - P|logo, algum chumbo não é vegetal.| ****** Capítulo 21 Quinta Figura ****** A quinta figura é uma segunda modalidade da 4a, aceita modernamente. O médio é sujeito na maior e predicado na menor (sub-prae). Esquema: M - S P - M -- S - P Regras desta figura: Se a menor é afirmativa, a maior é universal. Se a maior é afirmativa, a conclusão é particular. Se uma é negativa, a menor é universal. Justifica-se do seguinte modo: se a menor é afirmativa, o têrmo médio é particular, e se a maior não fôr universal, o têrmo médio seria tomada em ambas particularmente, o que ofenderia a regra. Sendo a maior afirmativa, o sujeito da menor, que é o predicado da conclusão, seria particular, e a conclusão particular. Se uma é negativa, a conclusão será negativa e, neste caso, o predicado da conclusão será universal. Para que não se ofendam as regras é mister que a menor seja universal, porque é nesta que o predicado da conclusão é sujeito. São cinco os modos legítimos desta figura: AAI, EAE, AII, AEO e IEO, ou Baralip(ton), Celantes, Dabitis, Fapesmo, Friseso (morum). EXEMPLOS DA 5a FIGURA Baralipton |a|M - S|Todo metal é corpo; | |a|P - M|ora, o chumbo é metal; | |i|S - P|logo, algum corpo é chumbo.| Celantes |e|M - S|Nenhum metal é vegetal; | |a|P - M|ora, todo chumbo é metal; | |e|S - P|logo, nenhum vegetal é chumbo.| Dabitis |a|M - S|Todo metal é corpo; | |i|P - M|ora, algum ser é metal; | |i|S - P|logo, algum corpo é algum ser.| Fapesmo |a|M - S|Todo metal é corpo; | |e|P - M|ora, nenhum vegetal é metal; | |o|S - P|logo, algum corpo não é vegetal.| Friseso (morum) |i|M - S|Algum metal é chumbo; | |e|P - M|ora, nenhum vegetal é metal; | |o|S - P|logo, algum chumbo não é vegetal| ****** Capítulo 22 Reducçao a Primeira Figura ****** De todas as figuras, é a primeira a de maior valor, pelas razões seguintes: universalidade, pois é a única figura em que se dão conclusões afirmativas universais (duas). A segunda só conclui negativamente, a terceira só particularmente, a quarta só particularmente, e a quinta só particularmente e uma só vez universalmente, mas negativa. Há clareza nas premissas, obedientes à regra clássica: dictum de omni ... dictum de nullo ... Para obter essa clareza, usa-se a reducção dos outros modos das diversas figuras aos modos da primeira. As letras consoantes iniciais B C F D indicam o modo da primeira figura, à qual se deve reduzir o silogismo. Assim Felapton pode ser reduzido a Ferio, Cesare em Celarent, etc. A letra consoante S significa que a proposição significada pela vogal precedente pode ser convertida simplesmente, e P indica que o pode por accidente. Assim Datisi em Darii, onde a menor é convertível simplesmente, e Darapti em Darii, onde a menor é convertível accidentalmente. A letra M significa que a maior pode mudar-se na menor, como Camestres, que pode ser reduzida a Cesare. A letra C, que encontramos por ex. em Baroco, Bocardo significa que o silogismo dêstes modos podem ser reduzidos a Barbara, mas apenas por deducçao ao impossível, como veremos. Os escolásticos davam estas regras nos seguintes versos: S vult simpliciter verti, P vero per accid(ens); M vult transponi, C per impossibile duci. Mais adiante examinaremos os diversos exemplos de conversões. ****** Capítulo 23 Métodos Práticos do Silogismo ****** Muitos são os filósofos que combatem o silogismo. Contudo, nenhum dêstes sabia usá-lo devidamente. 1) Aristóteles definia-o "como um enunciado no qual, tendo-se proposto algumas coisas, decorre delas, necessariamente, outra coisa, pelo só facto de serem dadas." Desta forma, o silogismo não diz mais do que já foi dito, não conclui mais do que já está contido numa das premissas. Ora, o silogismo é um raciocínio que vai do geral ao particular, portanto o que está contido na conclusão já está na premissa. Não oferece nenhum valor inventivo, mas apenas expositivo. Não se iguala à análise baseada no processo matemático, como já argumentava Descartes, ao combatê-lo. 2) Afirmam ainda outros que o silogismo não é uma forma natural do nosso pensar, mas sim artificial, porque, na realidade, não pensamos silogìsticamente. Tais argumentos, em que pesem as razões de seus expositores, são improcedentes de certo modo. Sabiam os antigos que o silogismo, não é espontâneo no homem, mas uma realização culta, superior, e a única capaz de assegurar raciocínios legítimos, seguros, portanto. Todo saber culto do homem funda-se nêles e sôbre êles e por meio dêles realiza suas mais profundas especulações. Realmente, podemos reduzir todos os silogismos a algumas regras bem simples. Já vimos as regras clássicas que são 8, e que encerram tudo quanto é necessário para que se tenha um silogismo rigoroso. O princípio fundamental dos silogismos pode em parte ser reduzido ao axioma de que "duas coisas idênticas a uma terceira são idênticas entre si". Realmente o silogismo é um raciocínio deductivo, no qual se comparam dois extremos com um terceiro. Mas, apesar de sua simplicidade, poucos, raríssimos, são os filósofos que sabem raciocinar bem e não ofendem essas regras elementares. * * * Por simples que sejam as regras clássicas práticas do silogismo, que são dadas também em versos latinos, houve sempre, entre os lógicos, o intuito de reduzi-las a uma única regra. Vamos dar algumas das mais famosas. Balmes apresenta esta: "O princípio fundamental dos silogismos simples é o seguinte: as coisas idênticas a uma terceira são idênticas entre si." Funda-se assim no princípio de não-contradição: "é impossível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo." A conclusão está sempre contida nas premissas, e, portanto, afirmada implìcitamente numa delas. A Lógica de Port-Royal dá esta regra, que logo nos indica a verdade ou a falsidade de um silogismo: "Uma das duas proposições deve conter a conclusão; a outra fazer ver que a contém." Notem bem o sentido quantitativo desta regra, que é exacta, pois realmente toda conclusão é deduzida, é tirada. Todo silogismo serve para tirar de uma premissa, uma conclusão. Veja-se esta regra de Euler: "Tudo o que existe no continente existe no conteúdo. Tudo o que está fora do continente está fora do conteúdo." Observe-se o sentido puramente quantitativo dessa regra, que também é exacta. Há ainda esta outra: "O que pode ser afirmado ou negado de todo um gênero, pode ser também afirmado ou negado de todos os indivíduos que compõem êsse gênero." O gênero tem as notas gerais, as notas que se encontram em todos os indivíduos. A nota negada ao gênero é negada ao indivíduo. Essa regra serve muito bem para o silogismo perfeito de Aristóteles, que já estudamos. Quantitativamente, o que afirmamos do todo, afirmamos da parte. Não podemos tirar de um todo o que não está contido neste todo (Regra de Euler). Desta forma o que se conclui é deduzido de uma das proposições (regra de Port-Royal). Euler, em suas "Cartas a uma princesa da Alemanha", expôs um método muito interessante, representando por círculos os três têrmos do silogismo. Com êsses círculos, que formam 36 figuras, examinou todas as espécies de silogismo. Não vamos reproduzi-las, mas podemos reduzi-las a 3 figuras apenas, que são suficientes para responder às combinações legítimas que se podem formar dos silogismos. Simplificamos, assim, graficamente, o que tem sido um dos maiores problemas para os estudantes. 1) Ou um todo (com suas partes) está incluído noutro; 2) ou não está (e, neste caso, suas partes também não estão); 3) ou apenas parte do primeiro participa do outro. São as três situações quantitativamente possíveis, nas quais, simplificadamente, se inclui qualquer silogismo. O que afirmamos do todo, afirmamos da parte. O que afirmamos do primeiro todo, negamos do segundo, quer em parte, quer no todo, se admitimos que êsse todo está à parte do primeiro. Se parte de um todo está contido em outro, o que afirmamos do primeiro todo, pode não estar contido no outro, pois admitimos que apenas parte é que está. [silogismo_grafico.jpg] São, assim, os três desenhos que, graficamente, nos mostram todas as combinações legítimas possíveis. Vejamos, agora, as combinações que podem ser comparadas com os desenhos: Primeira figura do silogismo 1) Todo B é C ora, todo A é B; 1° desenho - Barbara logo, todo A é C. 2) Nenhum B é C; ora, todo A é B; 2° desenho - Celarent logo, nenhum A é C. 3) Todo A é B; algum C é A; 3° desenho - Darii logo, algum C é B. 4) Nenhum B é C; ora, algum A é B; 2° desenho - Ferio logo, algum A não é C. Segunda figura do silogismo 5) Nenhum C é B; ora, todo A é B; 2° desenho - Cesare logo, nenhum A é C. 6) Todo A é B; ora, nenhum C é B; 2° desenho - Camestres logo, nenhum C é A. 7) Nenhum C é B; ora, algum A é B; 2° desenho - Festino logo algum A não é C. 8) Todo A é B; ora, algum C não é B; 2° desenho - Baroco logo, algum C não é A. Terceira figura do silogismo 9) Todo A é B; ora, todo A é C; 1° desenho - Darapti logo, algum C é B. 10) Nenhum A é C; ora, todo A é B; 2° desenho - Felapton logo, algum B não é C. 11) Algum A é C; ora, todo A é B; 3° desenho - Disamis logo, algum B é C. 12) Todo A é B; ora, algum A é C; 3° desenho - Datisi ora, algum C é B. 13) Algum A não é C; ora, todo A é B; 2° desenho - Bocardo logo, algum B não é C. 14) Nenhum A é C; ora, algum A é B; 2° desenho - Ferison logo, algum B não é C. Quarta figura do silogismo 15) Todo A é B; ora, todo B é C; 1° desenho - Bamalip logo, algum C é A. 16) Todo A é B; ora, nenhum B é C; 2° desenho - Calemes logo, nenhum C é A. 17) Algum C é A; ora, todo A é B; 3° desenho - Dimatis logo, algum B é C. 18) Nenhum C é A; ora, todo A é B; 2° desenho - Fesapo logo, algum B não é C. 19) Nenhum C é A; ora, algum A é B; 2° desenho - Ferison logo, algum B não é C. Quinta figura 1) Todo B é C; ora, todo A é B; 1° desenho - Baralipton logo, algum C é A. 2) Nenhum B é C; ora, todo A é B; 2° desenho - Celantes logo, nenhum C é A. 3) Todo A é B; ora, algum C é A; 3° desenho - Dabitis logo, algum B é algum C. 4) Todo A é B; ora, nenhum C é A; 2° desenho - Fapesmo logo, algum B não é C. 5) Algum A é B; ora, nenhum C é A; 2° desenho - Friseso (morum) logo, algum B não é C. Em suma: ou um todo está contido em outro; ou um todo está fora do outro; ou parte de um todo está contido em outro. Dentro dessas três situações quantitativas, acham-se todos os silogismos rigorosos. E daí se pode concluir: se uma coisa está contida em outra, o que se afirma da segunda se afirma da primeira. Se uma coisa não está contida em outra, o que se afirma da primeira não se afirma da segunda. Se ambas participam de uma parte, só há afirmação para ambas quanto à parte participada. O que se afirma do restante, que não é a parte participada, não se afirma da outra. * * * Todo silogismo é um raciocínio deductivo. Não se pode tirar de uma coisa, o que a coisa não tem. Assim duas coisas podem ser inteiramente iguais entre si, ou inteiramente diferentes, ou em parte se assemelharem. Assim duas idéias: ou são iguais ou totalmente diferentes ou em algo se assemelham. Todo silogismo regular cinge-se a estas regras que repetimos de várias maneiras para melhor fixá-las na memória do leitor. ****** Capítulo 24 Comentários Finais ****** Embora pareça extremamente fácil o emprego do silogismo, é nesse sector que encontramos freqüentemente erros e dos mais graves. Grandes filósofos, pelo menos famosos, e que atravessam os anos com o aplauso de muitos, cometeram erros gravíssimos, e caíram em sofismas ou paralogismos dos mais vulgares. Se o silogismo não é uma forma natural do nosso raciocinar não deve ser desprezado por isso, porque, na verdade, sem êle, é impossível construir uma filosofia sã e bem fundada, pois nenhum filósofo, que o tenha desprezado, realizou obra que primasse pela regularidade, coerência e consequência nos raciocínios. Sabem muito bem os escolásticos que o silogismo não é uma forma natural do pensar humano. O homem é ainda muito animal, e o racional, nêle, é em menor grau, como não são poucos os momentos em que raciocinamos com regularidade e rigor lógicos. E por que propunham, então, o silogismo em suas disputas? Por ser o único meio seguro de evitar erros. Quem raciocina silogìsticamente, quem se preocupa em reduzir suas idéias a silogismos, fàcilmente verificará seus erros e suas virtudes, bem como poderá, com mais facilidade, notar os erros e virtudes nos argumentos dos adversários. Mas, a verdade é muito outra. Abra-se uma obra de escolástica, examine-se a maneira cuidadosa com que são feitos os raciocínios, verifique-se como se realizam as distinções, e desde logo se verá que tal trabalho exigiu esforço, exigiu paciência, exigiu devoção, esmero, rigorosa disciplina mental. Ora, isso não é do agrado de muitos e, na verdade, a êstes é bem difícil realizá-lo. Não é de admirar, portanto, que muitos prefiram combater o silogismo e cair num irracionalismo extremo ou, então, vegetar em torno de opiniões duvidosas, ao sabor das preferências estéticas, do que realmente fazer filosofia sob bases sólidas, com argumentação segura e rigorosa, e com demonstrações apodíticas, que não dêem lugar a erros nem a refutações sérias. Alguns, na impossibilidade total de poderem realizar algo de proveitoso e disciplinado no pensamento, aproveitam ainda dos resquícios de lógica e de racionalidade, que lhes restam, para combater a Lógica e a racionalidade, negando, assim, ao homem, o único valor e dignidade que lhe sobra, que é a racionalidade, que o distingue dos animais. Desse modo, querem destruir a única perfeição que ainda os afasta dos irracionais. E tal atitude é um verdadeiro demitir da humanidade. Mas, o que ela verdadeiramente oculta é a deficiência mental, que não permite examinar com profundidade os temas lógicos, que são realmente difíceis. O desinterêsse dos modernos pelos estudos lógicos permite-nos compreender as grandes confusões que avassalam a modernidade. Não era de admirar que a sem-razão, o cepticismo, o agnosticismo, o nihilismo, o positivismo, o materialismo, o idealismo, o racionalismo vicioso vingassem no mundo moderno e facilitassem o surgimento de tantas brutalidades históricas, que já derramaram bastante sangue e aceleraram o desespêro da juventude actual, sem fé, sem esperança, sem um ideal qualquer que a possa nortear. A precipitação da decadência é simplesmente apavorante. Impõe-se que se faça um exame dos erros lógicos fundamentais das doutrinas que, em todos os tempos, foram doutrinas de decadência. Impressionados com essa situação, dedicamo-nos, hoje, o tempo que nos resta, na confecção de uma obra "Origem dos Grandes Erros Filosóficos", onde, pondo de lado o renome e o brilho de certas personalidades escusas da filosofia, apontaremos os erros palmares que cometeram, as confusões elementares que fizeram, e que geraram tantos erros posteriormente, e uma vasta sequência de livros que, além de inúteis, são prejudiciais e destructivos, por só terem servido para aumentar a confusão em vez de guiar o espírito humano para roteiros mais nobres e mais dignos, que permitissem ao homem, não só conservar o que de mais alto foi realizado no passado, mas levar avante o conhecimento para estágios mais elevados, sem renunciar seu mais alto valor, a racionalidade. Outro preconceito moderno é julgar que a Lógica é apenas uma arte prática, e para alguns até arbitrária. Não há a menor arbitrariedade na Lógica. As leis, que nela são estabelecidas, são captadas do rigor das consequências e decorrem do exame dos processos lógicos. Por outro lado, a Lógica não é algo que se opõe à vida, como o desejam fazer ver aqueles que gostariam de imergir na plena irracionalidade para dar vazão, assim, aos seus ímpetos mais primitivos. O exame dialéctico mostra-nos que há uma logicidade na realidade, que é o nexo de idealidade que há em toda realidade, o que nos permite ver que a Lógica é também vital, porque também a vida a revela e, por meio dela, quando bem empregada, podemos penetrar nos mistérios da vida e da existência. Outro argumento comum consiste em afirmar que é ela estéril. Seria o mesmo que afirmar a esterilidade da Matemática, que é especìficamente Lógica. Esta não é criadora quando se cinge apenas à parte formal, mas o exame dialéctico dos juízos, buscando-se o têrmo médio, partindo-se do sujeito ou do predicado para alcançar aquele, desde logo se desdobram os juízos que estavam virtualizados. São juízos virtuais, que a análise dialéctica permite revelar, como o demonstramos nas análises dialéctico-concretas que realizamos em nosso "Filosofia Concreta". Aí se pode comprovar, de modo definitivo, que a Lógica é criadora, que é poiétika no genuíno sentido do têrmo, que é ela um manancial de prazeres intelectuais incomparáveis, como ainda veremos. Só desejamos devotar o nosso esforço, nos anos que ainda nos restam de vida, para demonstrar, através de exemplos, o poder criador da Lógica e da Dialéctica, esta no seu verdadeiro e puro sentido, de Lógica Total, de Lógica Concreta, de Lógica que emprega, não só as regras estabelecidas por aquela, mas já acrescida das teses demonstradas, das verdades adquiridas, que vão servir de instrumentos para uma penetração mais profunda nas várias esferas da realidade. ****** Capítulo 25 Alguns Silogismos Defeituosos Quanto à Forma ****** |e| Nenhum animal é substância; | |e| ora, nenhuma pedra é animal; | |e|logo, nenhuma pedra é substância.| Defeito: duas premissas negativas; portanto, nada se conclui. |a| Todo pássaro voa; | |a| ora, a mosca voa; | |a|logo, a mosca é pássaro.| Defeito: o têrmo médio voa é particular em ambas premissas, porque é da 2a figura. Na 2a figura, uma premissa tem de ser necessàriamente negativa, para que o têrmo médio seja, pelo menos, uma vez, universal. |a| Todo pássaro voa; | |e|ora, nenhuma mosca é pássaro;| |e| logo, nenhuma mosca voa. | Defeito: o silogismo é da 1° figura, porque o têrmo médio pássaro é sujeito na maior e predicado na menor. Está tomado uma vez universalmente na menor, porque esta é negativa. Mas, o predicado voa, na maior, é particular, porque é uma premissa afirmativa; no entanto, na conclusão, é universal, porque é negativa, tendo, assim, maior extensão na conclusão que na premissa. |a| Todo animal é substância; | |o| ora, alguma pedra não é animal; | |o|ora, alguma pedra não é substância.| Defeito: animal é o têrmo médio, sujeito na maior e predicado na menor. Seria, pois, um silologismo da 1° figura. Está tomado uma vez universalmente, na menor, que é negativa. O sujeito, na menor e na conclusão, é particular; portanto, regular. Contudo, o predicado, na maior é particular, porque esta é afirmativa, mas, na conclusão, é êle universal, porque é negativa. O silogismo é, pois, irregular. |e| Nenhum animal é pedra; | |o|ora, algum mármore não é animal;| |o|logo, algum mármore não é pedra.| Defeito: duas premissas negativas das quais nada se conclui. |o| Algum animal não é racional; | |a| ora, todo homem é animal; | |o|logo, algum homem não é racional.| Defeito: Animal é o têrmo médio e o silogismo seria da 1° figura. Mas, em ambas premissas é tomado particularmente; logo, o silogismo é irregular. |a| Todo animal é substância; | |i|ora, alguma pedra é substância;| |i| logo, alguma pedra é animal. | Defeito: o têrmo médio em ambas premissas, que são afirmativas, é particular; portanto, o silogismo é irregular. |i| Algum cavalo é animal; | |a| ora, todo homem é animal; | |i|logo, algum homem é cavalo.| Defeito: o têrmo médio em ambas premissas ó particular; logo ... |o| Alguma substância não é racional; | |i| ora, algum homem é racional; | |o|logo, algum homem não é substância.| Defeito: ambas premissas são particulares, e de particulares nada se conclui. |a| Todo animal é substância; | |e| ora, nenhum animal é pedra; | |e|logo, nenhuma pedra é substância.| Defeito; o têrmo médio é tomado uma vez universalmente certo. O sujeito tem, na conclusão, a mesma extensão, certo. Mas, o predicado é particular, na maior, pois é afirmativo, e é, na conclusão, que é negativa, universal, tendo, nesta, maior extensão que naquela; logo ... |a| Tôda planta é vivente; | |o|ora, alguma planta não é animal; | |o|logo, algum animal não é vivente.| Defeito: o têrmo médio é uma vez universal, certo. O sujeito não tem, na conclusão, maior extensão que na premissa, certo. Mas, o predicado tem, na conclusão, maior extensão que na premissa maior, logo ... |e| Nenhuma pedra é animal; | |o|ora, alguma pedra não é homem; | |o|logo, algum homem não é animal.| Defeito: o têrmo médio é universal uma vez, certo. O sujeito, na conclusão, não tem maior extensão que na premissa. O predicado também, na conclusão, é universal e o é na maior, certo. Onde o defeito, então? Duas negativas não permitem nenhuma conclusão. Tais silogismos são estudados apenas na sua forma, que é viciosa. O exame quanto à matéria do silogismo deixamos para mais adiante. ****** Capítulo 26 Da Eqüipolência ****** Genèricamente, eqüipolência, em Lógica, tem o mesmo significado de eqüivalência. Diz que são orações eqüipolentes as que têm o mesmo significado. Ex.: "Pedro é um homem virtuoso", tem por eqüipolência "Pedro é um homem que pratica habitualmente o bem." Se eqüipolência e eqüivalência são, no universo de discurso da Lógica, sinônimos, não o são, porém, no de outras ciências, como na Físico-química, onde se distinguem. Há eqüipolência, especìficamente lógica, quando, em duas orações, há a mesma eqüivalência de significação, as quais são constituídas dos mesmos sujeitos e dos mesmos predicados, distinguindo-se uma de outra negativamente. Assim: "nem todo homem é sábio" e "algum homem não é sábio" ***** 26.1 Das ilações ***** É uma ilação imediata o acto pelo qual a mente, de uma proposição, afirma conseqüentemente outra, imediatamente, por força do nexo que há entre elas. Ao nexo chama-se consequência, o qual consiste no conter uma a outra. A consequência é imediata se não há um terceiro têrmo, do contrário, havendo um terceiro têrmo, é mediata. As ilações imediatas são de três classes: 1) ilação por eqüipolência é a que já examinamos ao estudar a eqüipolência. Nas proposições eqüipolentes, ambas são simultâneamente verdadeiras ou simultâneamente falsas. Da verdade ou da falsidade de uma, infere-se a verdada ou a falsidade da outra. Ex. de "nem todos os homens são sábios", infere-se imediatamente "alguns homens não são sábios". 2) Ilação por conversão. Nesta, cada proposição tem significado diverso, embora com os mesmos têrmos. As regras são as seguintes: Nas proposições simpliciter convertíveis (que é a conversão legítima), as proposições são ou simultâneamente verdadeiras ou simultâneamente falsas. Da verdade ou da falsidade de uma, infere-se a verdade ou a falsidade da outra. Ex.: "nenhum homem é mineral, logo nenhum mineral é homem." Nas conversões por accidente (per accidens) da universal vale a ilação da particular; da verdade da universal infere-se a verdade da particular; da falsidade da particular infere-se a falsidade da universal, não porém da verdade da particular a verdade da universal. Assim: "todo homem é animal, logo algum animal (nem todo animal) é homem." 3) Outra classe de ilação imediata é a que se dá entre proposições de significação diversa com têrmos também diversos. A esta classe pertence as ilações por oposição, a de predicado a predicado e a de sujeito a sujeito, e a de modalidade. Ilação de oposição é aquela que se verifica pela oposição. Da verdade da proposição, infere-se a falsidade da contrária ou da contraditória; da falsidade da proposição, a verdade da contraditória. Ilação de predicado a predicado sugere as seguintes regras: a) É válida a ilação afirmativa do têrmo inferior ao têrmo superior, não porém quanto à negativa. Assim: "Pedro é homem, logo é animal." Contudo, não é válido inferir: "Pedro não é mineral, logo não é substância." b) É válida a ilação negativa do têrmo superior ao inferior, não, porém, a afirmativa. Assim: "mineral não é vivente, logo não é animal." Contudo, não é válida a inferência: "mineral é substância, logo é homem." c) É válida a ilação de predicado privativo ao negativo. Assim: "É cego, logo não vê", e não: a "pedra não vê, logo é cega." Ilação de sujeito a sujeito, que consiste em inferir de uma suposição do sujeito a outro. a) É válida a ilação, tanto afirmativa quanto negativa, de uma suposição distributiva à particular. Assim: "todo homem é substância, logo algum homem é substância." Não é válida a ilação de uma particular a uma universal. b) Não é válida a ilação ratione formae (segundo a razão da forma) só, porém, de uma suposição distributiva à colectiva e vice-versa, apenas, quando é válida ratione materiae (em razão da matéria). Assim: "todo o grupo realizou êste itinerário, logo algum do grupo realizou êsse itinerário." Não é válida: "cem anos são um século, logo algum ano é um século", porque o predicado refere-se à colectividade apenas. Ilação de modalidade é a que decorre do nexo entre acto, potência, necessidade. O acto supõe apenas a potência; a necessidade supõe a potência e o acto; a potência, por si mesma, nada supõe. É válida a ilação que parte do ser para o poder (do acto para a potência). Não é válida a ilação do poder para o ser. É válida da potência para o agente nas causas necessárias, não nas causas livres. ****** Capítulo 27 Das Conversões das Proposições (Juízos) ****** Tomando um juízo categórico S é P, vejamos as variações que pode sofrer. Essas variações são relativas à quantidade e à qualidade ou à posição dos têrmos, quer sôbre a posição da cópula, quer sôbre qualquer combinação dessas espécies de mutações. 1) Quanto aos têrmos S e P, segundo a quantidade ou a extensão, temos: Todo S é P ou algum S é P. O segundo é subordinado ao primeiro e podemos, portanto, concluí-lo por subordinação. 2) Mudança na posição dos têrmos: o atributo torna-se sujeito e o sujeito toma o lugar do atributo (predicado). É o que se chama conversão: "Nenhum S é P. Nenhum P é S." Conclui-se por conversão simples. 3) Pode-se realizar uma combinação dos dois casos anteriores, ou seja mudança de quantidade e conversão. É a chamada conversão accidental: "Todo S é P; portanto, algum P é S." 4) Mudança na qualidade dos têrmos: um têrmo positivo torna-se negativo ou reciprocamente, sem modificação da cópula. É a chamada contraposição. Conclui-se sob esta forma de uma maneira universal, quando as duas noções são eqüivalentes: "Todo S é P; portanto, todo não-S é não-P." É mister haver eqüivalência entre S e P, pois, do contrário, a contraposição não é regular. Assim, quando se diz : "Todo homem é animal racional; logo, tudo que não é animal racional é não-homem", é verdadeiro porque homem é eqüivalente a animal racional. Contudo, nestes juízos: "Todo mineral é corpo; portanto, tudo o que não é mineral é não corpo" é falso, porque, na extensão, corpo pode incluir mais que mineral, pois, nos juízos afirmativos, o predicado está tomado particularmente. 5) Combinação do segundo e do quarto caso, ou seja conversão e contraposição de têrmos: "Todo S é P; portanto, todo não-P é não-S." "Todo chumbo é metal; portanto, todo não metal é não-chumbo." 6) Quanto à cópula, pode mudar a qualidade. Assim um juízo afirmativo pode tornar-se negativo ou reciprocamente. É uma contraposição que afecta o verbo. Ex.: "Algum S é P; portanto, algum S não é P." Mas, note-se que é mister que o predicado seja afirmado somente e apenas em parte. Porque se dizemos "Alguns homens são mortais; portanto, alguns homens não são mortais" é falso, porque ao afirmarmos que "alguns homens são mortais", não afirmamos que apenas e somente alguns homens são mortais, pois, ao dizermos que "alguns são P", não negamos ainda que os restantes também não sejam P. É mister, pois, que o predicado seja única e exclusivamente atribuído à parte. 7) Combinação do segundo e sexto caso. Conversão e contraposição da cópula. Assim "algum S é P; portanto, algum P não é S." Neste caso, também é mister obedecer à regra do caso anterior. 8) Combinação do quarto e do sexto caso: contraposição dos têrmos e da cópula. "Todo S é P; portanto, todo P não é não-S", ou "nenhum S não é não-P." Ex.: "Todo metal é corpo; portanto, nenhum corpo é não-metal." 9) Combinação do segundo, do quarto e do sexto casos: conversão acompanhada de contraposição nos têrmos e na cópula. Assim: "Todo S é P; portanto, todo não-P não é S" ou "algum não-P é S". "Todo chumbo é metal; portanto, todo não-metal não é chumbo, ou algum não-metal não é chumbo." 10) Combinação do terceiro, do quarto e do sexto casos: conversão accidental com contraposição dos têrmos e da cópula. Assim: "Todo S é P; portanto, algum não-P não é S." A conclusão, neste caso, é a mesma do caso precedente, com a diferença que, neste, é ela particular em vez de ser universal: "Todo chumbo é metal; portanto, algum não-metal não é chumbo." Não oferecem êstes casos maiores dificuldades. Examinemos agora as conclusões que podem ser tiradas de um juízo universal afirmativo, de um juízo universal negativo, de um juízo particular afirmativo ou negativo. Tomemos o juízo "Todo S é P". Como nos juízos afirmativos o predicado é tomado particularmente, ao dizermos "todo S é P , dizemos que S é uma espécie de P." "Todo chumbo é metal", dizemos que chumbo é uma espécie de metal. Considerando-se assim, poderíamos dizer "Todo S é algum P' ", ou seja "Todo chumbo é algum metal." Poderíamos concluir, portanto: a) por subordinação: "algum chumbo é metal." Estamos aqui obedecendo à famosa regra: dicto de omni ... o que se diz de todo (como totalidade de partes) diz-se das partes; b) por conversão accidental: "algum P é S, algum metal é chumbo"; c) por conversão accidental e contraposição da cópula: "algum P não é S", (algum metal não é chumbo). Esta conclusão obedece às regras, pois o predicado do juízo afirmativo é tomado particularmente, salvo quando os têrmos são eqüivalentes. Neste caso, se os têrmos fossem eqüivalentes, a conclusão seria falsa. Assim: "todo homem é animal racional; portanto, algum animal racional não é homem" é falso, porque os têrmos são eqüivalentes. Deve-se, pois, cuidar de examinar bem o valor real das noções dos têrmos do juízo. d) Por conversão simples e contraposição dos têrmos: "todo não-P é não-S, (todo não-metal é não chumbo)". e) Por conversão accidental e contraposição dos termos: "algum não-S é não-S" (algum não-metal é não-metal). Tomemos agora o juízo "Todo S é todo P". Daí concluímos: a) Por conversão simples: Todo P é S, pois de "todo homem é (todo) animal racional", podemos concluir: "todo animal racional é homem." Essas conversões só se realizam nas definições, porque estas devem ser eqüivalentes (ou eqüipolentes), pois devem dizer apenas o definido e nada mais que o definido. Essa a razão por que se deve ter o máximo cuidado nessas conversões. Antes de realizá-las, deve-se examinar cuidadosamente a eqüivalência dos têrmos. b) Por contraposição dos têrmos "todo não-S é não-P". Só há validez quando os têrmos são eqüivalentes, pois num juízo como êste: "todo animal carniceiro é mamífero", daí não se segue que "todo não-animal carniceiro é não-mamífero", porque há mamíferos que não são carniceiros. Assim: "todo não-chumbo é não-metal", não é verdadeiro porque o ferro é não-chumbo e é metal. c) Por subordinação e contraposição dos têrmos: "algum não-S é não-P", "algum não-chumbo é não-metal." É uma conclusão universal do caso precedente. Deste modo se vê que todas as conclusões tiradas do juízo universal por subordinação se aplicam igualmente ao juízo universal por eqüivalência, exceptuando a terceira, que é só negativa. Assim o juízo: "tudo o que é animal racional é homem", pode concluir que "tudo o que é homem é animal racional", "alguns homens são animais racionais", "alguns animais racionais são homens", "tudo quando não é animal racional não é homem", "tudo o que é não-homem não é animal racional", "algumas coisas que não são animais racionais não são homens." As conclusões válidas, em ambos casos, são necessárias e correspondem à forma do juízo universal; as outras são possíveis, ou não são exatas, senão num ou noutro caso, segundo se componha o juízo de noções eqüivalentes ou de noções subordinadas. Quatro são necessárias (vi formae = por força da forma), quatro são apenas possíveis (vi materiae - por força da matéria). Vejamos agora o juízo Nenhum S é P. Daí concluímos: a) Por conversão simples: "nenhum P é S." De "nenhum vegetal é mineral", concluímos "nenhum mineral é vegetal." É que nos juízos universais negativos o predicado é tomado universalmente, e está universalmente fora do sujeito. b) Por subordinação: "algum S não é P". "Algum vegetal não é mineral", conclui-se "algum mineral não é vegetal." c) Por conversão accidental: "algum P não é S", é a consequência da primeira conclusão. d) Por subordinação e contraposição do sujeito e da cópula: "algum não-S é P" (alguma ooisa que não é vegetal é metal). O juízo negativo contém, portanto, também, um juízo afirmativo, mas a negação é, então, transportada num dos têrmos. Assim, a negação é apenas relativa, S não é negativo senão em relação a P, e P em relação a S; um e outro são positivos em si mesmos e supõem ainda outras coisas positivas; de onde se segue que algumas das coisas que S não é devem ser P. O têrmo não-S abarca o indefinido, ou envolve tudo quanto é, menos S. Ora, nesse indefinido encontra-se também o têrmo P. e) Por conversão accidental e contraposição dos termos e da cópula: "Algum não-P é S", (algum não mineral é vegetal). É a conversão da conclusão precedente. O têrmo não-mineral é indefinido e abarca tudo, menos P. Nesse conjunto de objectos, está compreendido, entre outros, o têrmo S. Tal é o sentido da proposição. Do juízo Algum S é P, concluímos: a) Por conversão simples: "algum P é S." b) Por conversão accidental: "todo P é S." c) Por conversão accidental e contraposição do predicado "algum não P é S." d) Por subordinação e contraposição dos têrmos: "algum S é não-P." e) Por contraposição dos têrmos: "algum não-S é não-P." Conclusão particular contida na conclusão geral precedente. Do juízo "Algum S é algum P", concluímos: a) por conversão e contraposição da cópula: "algum P não é S." b) Por contraposição do sujeito: "algum não S é P." c) Por conversão e contrapsição dos dois têrmos: "algum não-P é S." Do juízo "Algum S não é P", deduzimos: a) por conversão simples e contraposição do predicado e da cópula: "algum não-P é S." A regra escolástica da conversão estabelece que os juízos da forma E e I convertem-se simplesmente; os juízos da forma A e E convertem-se por accidente e os juízos da forma A e O convertem-se por contraposição. O verso latino correspondente é o seguinte: Simpliciter fecit (EI) convertitur eva (EA) per accidens. Asto (AO) per contrapositionem; sic fit conversio tola. Hamilton propôs substituir estas regras dos escolásticos por uma só, cujo enunciado é o seguinte: "toda proposição bem determinada converte-se em seus próprios têrmos." Assim, o sujeito e o predicado, tomados como todo ou como parte, devem conservar a mesma extensão após a conversão. Deste modo, "todo P é todo S", converte-se em "todo S é todo P"; "algum S é todo P", converte-se "em todo P é algum S"; "todo S é algum P" converte-se em "algum P é todo S." Contudo, a teoria de Hamilton não destrói a doutrina escolástica. E a razão é muito simples: aquela doutrina das conversões simples e accidentais funda-se na vi-formae, na força da forma, enquanto a de Hamilton funda-se na vi materiae, na força da matéria do juízo. ****** Capítulo 28 Reducção Indirecta ao Impossível ****** A letra C indica-nos a reducção pelo impossível de um silogismo ao de inicial correspondente. Assim Bocardo pode-se reduzir em Baroco, pela reducção ao impossível. Seja o silogismo: Toda virtude é boa; ora, alguma ira não é boa; logo, alguma ira não é virtude. Digamos que um adversário concede validez às premissas, mas nega validez, à conclusão. Toma-se, por exemplo, a conclusão na qual se havia afirmado "alguma ira não é virtude" pela contraditória, já que foi afirmada como falsa "toda ira é virtude." E assim se procede porque se a conclusão é falsa, a sua contraditória é verdadeira. Neste caso, teríamos, então, o silogismo construído dêste modo: Toda virtude é boa; ora, toda ira é virtude; logo, toda ira é boa. Como consequência, teríamos uma conclusão falsa, o que demonstra a validez do primeiro silogismo ante o adversário que formulasse a declaração de falsidade do primeiro sob a alegação que fizera. Para realizar-se a retorsão (e em lógica chama-se retorquir um silogismo), é mister que se faça o adversário aceitar a validez das premissas e negar validez à conclusão. ***** 28.1 Da divisão ***** Divisão é a distribuição de um todo em suas partes. Chamam-se membros as partes da divisão. Em toda divisão é mister distinguir: 1) o todo, que é dividido; 2) as partes (membros), nos quais é dividido; 3) o fundamento, a razão pela qual é feita a divisão. Se dividimos os homens em brancos, negros e amarelos, etc, o todo a ser dividido são os homens, as partes são brancos, negros, amarelos, e o fundamento é a côr. Na Lógica, distinguem-se a divisão da voz (do têrmo), pelo qual se realiza a distribuição de suas múltiplas significações. Divisão da coisa é a que se realiza por uma operação real ou também, consistente na enumeração das partes que podem ser separadas. Esta divisão pode ser regulada, e o deve ser, pelas regras lógicas que cabem à divisão. Divisão de conceito é a divisão pròpriamente lógica, em que são distribuídas as partes componentes de um todo lógico. Tomemos, agora, os elementos da divisão: O todo é o um que se pode resolver em muitos (partes). O todo pode ser real ou lógico. O todo real (também chamado actual) é aquele que é um em si, e que pode realmente ser dividido em partes. Todo lógico (também chamado potencial) é aquele que não é em si um realmente, e que, apenas, é um, concebido pela mente. Assim, o universal é um todo lógico em relação aos seus inferiores, que estão contidos nêle em potência, e que são chamados de partes subjectivas. Homem contém em si Pedro, João, etc, de cujos indivíduos se pode predicar homem. O todo lógico ou potencial pode ser duplamente classificado em unívoco e análogo. O todo potencial unívoco é a razão universal unívoca relativamente aos seus inferiores, relativamente às quais pode ser predicado. Assim o gênero animal é um todo potencial unívoco. O todo potencial análogo é a razão universal análoga relativamente aos seus inferiores, dos quais pede ser predicado, não sob a mesma, mas sob diversa razão. Assim, ente é um todo potencial análogo relativamente a todos os gêneros supremos. O todo actual pode ser subdividido em essencial, que corresponde às partes constituintes da essência, e todo não-essencial aquele cujas partes não são constituintes da essência. O todo actual essencial pode ser ainda físico ou metafísico, segundo as suas partes são físicas ou metafísicas, se são ou não realmente distintas entre si. O todo actual não essencial é ainda entitativo ou não-entitativo se se constitui de partes entitativas (da essência e da existência), ou não. O não entitativo é ainda integral quando composto de partes integrais (quantitativas), como o homem, que é composto de cabeça, tronco e membros, ou é potestaliva, quando se divide segundo diversas potências ou faculdades, como, alma humana, que pode ser dividida, potestativamente, em alma vegetativa, sensitiva e racional. A divisão por accidente pode dar-se: 1) divisão do sujeito na accidência, como a divisão dos homens em brancos, negros, amarelos; 2) divisão do accidente nos sujeitos, como as paixões, que ora são do homem, ora dos brutos, e, finalmente, 3) accidente nos accidentes, como o amargo, que é ora saudável, ora não. A divisão fundamental é a do gênero nas suas espécies, que é a divisão chamada essencial, que não só é clara, mas também distinta. A divisão essencial é também chamada de divisão per se, que é aquela cujas partes são pròpriamente tais, por constituírem elas o todo. Assim o homem, como animal racional, é um todo actual essencial metafísico; o homem como corpo e alma, é um todo actual essencial físico; como composto de cabeça, tronco e membros, um todo actual não-essencial não entitativo, integral. ***** 28.2 Fundamento e regras da divisão ***** Podemos observar que o ser humano pode ser dividido segundo diversas razões (ou fundamentos); segundo a cor, em brancos, negros, amarelos; segundo o tamanho, a idade, segundo os caracteres, os temperamentos, as funções sociais etc. A divisão não pode ser disparatada, deve revelar-se segundo um fundamento. No exame das divisões, puderam os lógicos estabelecer uma sequência de regras que passaremos a expor: 1) Não se deve mudar o fundamento numa divisão - Assim, seria uma má divisão a que reduzisse os homens a brancos, negros, músicos, engenheiros, etc. 2) O todo deve adequar-se aos membros em que é dividido, tomados simultâneamente. Assim ofenderia esta regra o que dividisse a essência corpórea entre homens e animais brutos (pois faltariam as plantas, etc.) 3) Deve ser feita pelos membros que se excluam mùtuamente. Má divisão seria a que se fizesse entre sêres animados e inanimados e as pedras. 4) Ser breve e não se deve multiplicar-se em subdivisões. 5) Ser ordenada. Assim um gênero é dividido em suas espécies imediatas. Uma má divisão de animal seria a de homens, cavalos, aves etc, pois animal é dividido em racional e não-racional, ou bruto. É importantíssima a divisão na Lógica, sobretudo quando examinemos os silogismos disjuntivos, pois muitos erros de raciocínio e muitos sofismas surgem de defeitos na divisão. ****** Capítulo 29 Dos Juízos Modais ****** Em todos os tempos, no ensino da Lógica, a grande dor de cabeça dos alunos foram sempre os juízos modais. Distinguiam os escolásticos quatro tipos de modais: possibilidade, contingência, impossibilidade e necessidade. Aproveitando o famoso paralelogramo A, E, I, O, construíram-se os seguintes juízos: [paralelograma_logico.jpg] ***** 29.1 Outros esquemas das proposições modais ***** A Impossível é não ser I Não-Impossível é E É necessário não ser O Não é necessário ser ... Nas mesmas condições nestas proposições complexas, que contêm os advérbios do espaço e do tempo. A - É sempre ... Aqui é ... E - Nunca é ... (Sempre não é:) Em nenhum lugar é (aqui não é ...) I - Algumas vezes é ... Em algum lugar é ... O - Nem sempre é (alguma vez não é ...) Não é num lugar certo (não está em algum lugar ...) O modo de necessidade equivale a uma proposição universal afirmativa; o modo impossibilidade, a uma proposição universal negativa, os modos de possibilidade e de contingência a proposições particulares, afirmativas ou negativas. Deste modo, as proposições modais entram na classe dos juízos opostos, e permitem realizar conclusões. A necessidade e a impossibilidade são contrárias. A possibilidade positiva e a possibilidade negativa são sub-contrárias. A necessidade e a possibilidade são subordinadas. O mesmo se dá quanto à impossibilidade e à possibilidade negativa. A necessidade e a possibilidade negativa são contraditórias. Tomás de Aquino chamava a atenção para o carácter engenhoso das proposições modais, como também pela conveniência e o valor que as mesmas ofereciam à ciência. Modernamente, em face das grandes dificuldades que oferecem certas conclusões lógicos actuais têm apenas se cingido a conservar a regra a conservar a regra de que as conclusões modais, que se implicam, são subordinadas, e as que se excluem são contrárias ou contraditórias. Afirma-se o que segue: a necessidade implica a realidade, e a realidade implica a possibilidade; a impossibilidade exclui tanto a possibilidade, como a realidade e a necessidade. Se se conclui que uma lei da natureza é necessária, conclui-se que é ela real. Se ela deve ser, ela é, se ela é, é que ela é possível. Do que é impossível, conclui-se, portanto, que não é real; e se não é real não é necessário. Por isso, alguns consideram a necessidade como uma espécie da realidade, e a realidade uma espécie da possibilidade, representada por três círculos concêntricos. Assim tudo quanto é necessário é real, tudo quanto é real, é possível. Fora do círculo da possibilidade está a impossibilidade, que exclui, conseqüentemente, tudo quanto a possibilidade encerra. Daí sobrevêm a fortiori as seguintes conclusões: Da necessidade, conclui-se a realidade e a possibilidade. Da realidade, conclui-se a possibilidade. Da impossibilidade, concluem-se a não-realidade e a não-necessidade. Da não-realidade, conclui-se a não-necessidade. Contudo, as recíprocas não se concluem. Assim: Da possibilidade não se conclui a realidade e a necessidade. Da realidade, não se conclui a necessidade. Da não-necessidade não se conclui a não realidade e a não-possibilidade. Da não-realidade não se conclui a não-possibilidade. No terreno das proposições modais, penetra-se, portanto, no campo da Metafísica, e aqui já há diversas maneiras de conceber as conclusões que acima apontamos. Alguns perguntam: pode-se, da necessidade, concluir a possibilidade? O que é necessário lògicamente é necessàriamente possível? Se se concebe como possível o que tem viabilidade de ser, é concludente que o necessário é possível, porque não se lhe poderia negar a viabilidade de ser. Se o necessário exige o possível, o possível não exige o necessário. Ninguém pode duvidar que possamos, da realidade, concluir a possibilidade. Contudo, como concluir, da possibilidade, a realidade? Sem dúvida, está aqui um dos pontos chaves da Metafísica, e que resolvido favoravelmente tornaria suficientemente apodítico o argumento ontológico de Santo Anselmo. Podem-se colocar duas maneiras de considerar a possibilidade: a possibilidade de ser um contingente, a de um ser cuja não existência ou cuja não realidade fora de suas causas não seria contraditória, e a do ser, cuja não realidade acarretaria contradição. Assim, por exemplo, é possível não existir o ser contingente A, pois a sua não existência não acarreta contradição. Mas, considerado em função de outros sêres que existem, a sua não-existência tornaria impossível compreendê-los. Neste caso, sua necessidade é hipotética. Assim poder-se-ia concluir que entre os planêtas não pode haver um vazio absoluto devido às influências verificáveis entre os planêtas de um sistema e os sistemas entre si. A possibilidade de existência ou não de algo intermédio impunha-se por uma necessidade hipotética, ou seja em função necessária de outros modos de ser. Resta saber agora o que se poderia dizer em relação a uma necessidade absoluta. Assim, se a realidade e a existência do que há exige ou não a presença de um ser primeiro, fonte de todos os outros. Que um ser primeiro seja fonte de todos os outros é possível para a nossa maneira de conceber. A sua não-existência acarretaria a impossibilidade de explicação da existência dos sêres contingentes, porque êstes não têm em si a razão suficiente remotíssima de ser, como o provamos em Filosofia Concreta. A possibilidade de um ser absolutamente necessário é evidente. Se alcançarmos a sua possibilidade lógica, desta apenas não podemos concluir a necessidade absoluta. Contudo, a impossibilidade de explicar as coisas contingentes, sem a necessidade de ser um ser primeiro anterior a todas as coisas, e fonte e origem destas (Deus, matéria, energia, o nome pouco importa), é necessidade absoluta para a compreensão do mundo. Que se conclui daí? Conclui-se que a possibilidade da necessidade hipotética é a que decorre da relatividade funcional, mas a necessidade absoluta decorre da necessidade da explicação ontológica dos sêres contingentes. Pois bem, são nessas razões, ou subentendendo-as, que a prova ontológica encontra a sua validez apodítica{9}. ****** Capítulo 30 Dos Silogismos Hipotéticos ****** É um silogismo hipotético aquele em que a Maior é uma proposição hipotética ou composta, em que uma parte indica a conclusão, outra a sua razão lógica, do qual depende, cuja razão é posta ou disposta pela Menor. A Maior do silogismo hipotético contém hipoteticamente a conclusão já deduzida, que, por meio da Menor, é deduzida absolutamente. Dessa forma, o silogismo hipotético supõe o silogismo categórico, que está contido virtual e implìcitamente naquele. Deve a Menor pôr ou dispor uma das partes da Maior. Esta condição é indispensável para que se dê realmente um silogismo hipotético. Os silogismos hipotéticos dividem-se em: condicionais, disjuntivos e conjuntivos, que passamos a examinar. ***** 30.1 Das proposições condicionais ***** Condição é o que condiciona, e condicionado o que depende da condição. Nas proposições condicionais, devemos distinguir a condição de o condicionado: "Se João caminha, êle existe." O caminhar de João é condicionado ao existir, pois, se não existe, não poderá caminhar. Portanto, o condicionado é dependente da condição. Se disser: "Se João existe, êle caminha. João existe, logo caminha." Vê-se que a conclusão é ilegítima, porque João, embora existindo, poderia não caminhar. Portanto, posta a condição, não está ainda posto o condicionado; mas posto o condicionado está posta a condição, porque "se João caminha, êle existe." Na lógica clássica, há uma inversão desses conceitos, pois se considera condição diferentemente do que fizemos acima. Mas é preciso considerar: onde há condicionamento, há o que condiciona e o que é condicionado. E o acto, pelo qual o condicionado é dependente do condicionante, é a condição. Portanto, onde há condição há um condicionante e um condicionado. Se descobrimos um condicionado, é que há uma condição e um condicionante. Como a relação entre o condicionante e condicionado é uma relação de antecedente e consequente, de prioridade e posterioridade, o dependente é sempre posterior, e a sua não existência não implica a não existência do antecedente do qual depende. Se não existe ou não existiu o do qual algo depende, não há dependência nem dependente. Assim, sem o condicionante não há condição nem condicionado. Na proposição "Pedro canta, se existe", o cantar de Pedro é condicionado à sua existência. Se dizemos, depois: "ora, Pedro existe", não podemos daí concluir legitimamente que "Pedro canta", porque poderia não cantar, pois dados o condicionante e a condição (pois Pedro canta com a condição de existir), não pomos ainda o condicionado (o cantar de Pedro). Mas se pomos o condicionado "Pedro canta", conseqüentemente há de haver a condição e o condicionante, pois, para que "Pedro cante é preciso que exista" (a condição para que Pedro cante é a sua existência, sem a qual não pode cantar). Contudo, negada a condição e o condicionado não se nega o condicionante, desde o momento em que o que é negado não implica a negação total, a aniquilação do condicionado, mas apenas de uma acção ou possibilidade do condicionado. Assim, se dizemos "Pedro não canta" não podemos concluir que não exista. Para que, negado o condicionado, se negasse a condição e o condicionante, seria preciso que a negação fosse absoluta e, neste caso, seria a negação do condicionante: "Para cantar é preciso existir; Pedro não existe; logo, não canta." Temos uma negação absoluta na menor "Pedro não existe". Conclusão: há um condicionante se há uma condição e um condicionado. Se há um condicionante, ainda não podemos concluir que haja uma condição e um condicionado. Acusa Maritain de se darem muitos sofismas, ao afirmar-se que está demonstrada uma hipótese porque certas conclusões são verificadas pelos factos. No entanto, a hipótese pode ser falsa, como aconteceu com a de Newton na Astronomia. Se afirmamos como verdadeira a nossa regra, concluiria Maritain que seria verdadeira a hipótese de Newton, porque teríamos o condicionado, o que daria a condição e o condicionante. Mas, é preciso considerar que uma hipótese, por ser hipótese, não revela um nexo de necessidade ontológica, porque se tal revelasse não seria uma hipótese (suposição). Os factos revelados mostram que há uma condição e, conseqüentemente, um condicionante. Supõe-se a existência do condicionante A, porque há perfeito nexo de proporcionalidade entre êle e os factos. Ao afirmar-se que uma hipótese é verdadeira, quer-se dizer que uma hipótese enquanto tal é verdadeira. Não se diz ainda que só ela é verdadeira, o que é essencial num juízo apodítico. Uma suposição pode ser verdadeira enquanto suposição. O erro dos cientistas (e é aí que está o sofisma) está em julgarem que uma hipótese verdadeira, enquanto hipótese, seja por isso apodítica. Êsse defeito não invalida a nossa regra, apenas aponta um excesso cometido por alguns, que escapam aos limites do condicional, pois transformam êste em categórico. É aí que está o sofisma. Se notamos que há factos (o que é e-fectum, o que é feito), há o que os faz, o acto de fazer e a acção de ser feito, que se dá no facto. Se há factos, há um acto que os faz, e a acção de serem feitos. Mas o acto, que pode fazer efeitos, pode não fazer êstes ou aqueles, pois o poder activo não implica necessàriamente que seja feito êste ou aquele efeito determinado. Portanto, do poder activo não se conclui o que é feito, mas do que é feito se conclui que há ou houve um poder activo que o fêz. Na condição (que é sempre hipotética), afirma-se: se há efeitos, há um autor dos mesmos e uma acção, que é a sua realização. No exame da condição é preciso verificar qual o seu modo. Há condição necessária (condição sine qua non), e há condição contingente, a que podia ser, e não exige, necessariamente, êste condicionado determinado. Para se qualificar a condição é preciso perguntar: Sem tal condição há tal facto, dá-se tal facto, ou não? E mais esta pergunta: para que se dê tal facto é mister apenas esta, ou outra condição? Com essas perguntas, evitam-se as maneiras ilegítimas de concluir que se encontram nos raciocínios. Se tal se dá, é necessária esta condição, ou não? A validez só pode ser estabelecida quando a condição é sine qua non, sem a qual tal facto não se poderia dar. Assim, no silogismo oferecido por Maritain: "Se Pedro morreu mártir, êle está no céu; ora êle está no céu, logo morreu mártir", a conditio não é sine qua non, porque não é verdade, segundo a religião, que, para alguém estar no céu, tenha de morrer mártir, e se Pedro está no céu não se pode concluir que necessàriamente morreu mártir. Também o outro silogismo, cuja conclusão é ilegítima, também apontado por Maritain, ofende a regra que acima expomos: "Se Pedro morreu mártir, êle está no céu; ora, êle não morreu mártir; logo, não está no céu", peca do mesmo modo, porque não é apenas, e só necessariamente, morrer mártir para se estar no céu. A regra nossa é, portanto, a seguinte: da existência do condicionado, conclui-se a existência da condição e do condicionante, mas só se conclui necessàriamente a existência desta ou daquela condição e dêste ou daquele condicionante, se a condição fôr sine qua non. Da afirmação de existência do condicionante, não se conclui necessàriamente a condição e o condicionado. Negam muitos lógicos que um silogismo condicional possa ser reduzido a um silogismo categórico, enquanto outros aceitam essa possibilidade. Maritain coloca-se entre os primeiros, e para justificar a sua posição assim exemplifica: "A prova disso (de que não é possível tal reducção) está em que, se consideramos uma maior condicional, cujos dois membros não tenham o mesmo sujeito, por exemplo: Se o mundo existe, Deus existe; ora, o mundo existe; logo, Deus existe, a reducção aqui é impossível." E prossegue, mostrando que, se não se pode reduzir um tal silogismo a um categórico, pode-se, contudo, traduzir ou resolver um tal silogismo no outro, quer da maneira que acima indicou, quer quando a maior da condicional apresenta um único sujeito, etc. Mas, sucede que o primeiro silogismo, que êle citou, pode ter a aparência de silogismo, mas na verdade não o é. O esquema é: Se S é, P é; ora, S é; logo P é, é um raciocínio imediato pois só tem dois têrmos, e ambos já dados na maior, a qual não afirma nenhum dos têrmos, mas apenas sua relação. Apenas aponta a uma relação de condicionalidade, que significa que P se dá sempre com S, ou que um não pode dar-se sem o outro. Ora, um silogismo exige três têrmos e não dois. Se digo: "se eu estudo, eu aprendo; ora, eu estudo, logo eu aprendo", há ainda dois têrmos apenas. Tal silogismo não serviria de base para demonstrar o que afirma Maritain. Mas vejamos outros silogismos condicionais, segundo os quatro modos que se podem dar, determinados pela forma da proposição menor, ou sejam: dois modos afirmativos e dois modos negativos, que podem referir-se, cada um, sôbre o antecedente ou sôbre o consequente, pois, como sabemos, no juízo condicional, a afirmativa ou negativa do consequente se dá se afirmado ou negado o antecedente. Um exemplo nos auxiliará melhor: Se esta curva é um círculo, ela retornará sôbre si mesma; quatro modos são daí possíveis: 1) Ora, ela é um círculo; logo, ela retornará sôbre si mesma. 2) Ora, ela não é um círculo; logo ela não retornará sôbre si mesma. 3) Ora, ela retornará sôbre si mesma; logo, ela é um círculo. 4) Ora, ela não retorna sôbre si mesma; logo, ela não é um círculo. Dêsses quatro modos, vê-se que apenas o primeiro, que afirma o antecedente, e o último, que nega o consequente, são os concludentes. E a razão é que uma curva sem ser um círculo (uma elipse ou uma oval) poderia retornar sôbre si mesma, como também uma figura, que retorna sôbre si mesma, não é necessariamente um círculo (como as que citamos). Os dois modos não concludentes pecam contra uma das regras fundamentais do raciocínio: o consequente tem mais extensão que o antecedente, porque outras figuras retornam sôbre si mesmas. Como reduzir os raciocínios condicionais a silogismos categóricos? Nesse caso, seria simples: Todo círculo retorna sôbre si mesmo; ora, esta figura é um círculo; logo, retornará sôbre si mesmo (1° modo). Todo círculo retorna sôbre si mesmo; ora, esta figura não retorna sôbre si mesma; logo, esta figura não é um círculo. E ainda poderíamos reduzir a juízos apodíticos, e construir um silogismo apodítico. Necessàriamente, todo círculo retorna sôbre si mesmo; ora, esta figura não retorna sôbre si mesma; logo, esta figura necessàriamente não é um círculo. Vejamos outro exemplo: Se esta curva é um círculo, ela tem um só ponto central. Vejamos os 4 modos: 1) ora, ela é um círculo; logo, ela tem um só centro; 2) ora, ela não é um círculo; logo, ela não tem um único centro; 3) ora, ela tem um só centro; logo, ela é um círculo; 4) ora, ela não tem um centro único; logo, não é um círculo. Neste caso, os quatro modos são concludentes. E por quê? Porque em todos êles os dois têrmos são noções eqüivalentes, pois têm a mesma extensão. É que a propriedade de ter um só ponto central pertence ao círculo, e apenas ao círculo. Também êstes podem ser reduzidos a um categórico; todos os círculos são curvas que têm um único centro. A conclusão, que se tira, é a seguinte: se há raciocínios condicionais, que não podem ser reduzidos a um categórico, há, contudo, outros, que o podem ser, e até há silogismos apodíticos, como se pode observar na geometria, e nos exemplos que demos acima. A relação entre antecedente e consequente é de máxima importância nos silogismos hipotéticos. Quando antecedente e consequente são eqüivalentes, os quatro modos são concludentes, como vimos no segundo caso; se estão subordinados, só dois modos são concludentes, como vimos no primeiro caso. Da verdade do antecedente, pode-se concluir a verdade do consequente, quando êste decorre necessàriamente do primeiro, desde que êste esteja dado. Ex.: Se há um pai, há um filho, porque ninguém pode ser pai sem ser pai de um filho. Também, da verdade do consequente, pode-se concluir a verdade do antecedente, se houver o mesmo nexo de necessidade acima apontado. Ex.: Se há um filho, há um pai. No caso de negação do antecedente, não se conclui a negação do consequente, salvo no caso acima citado. Também da negação do consequente só se conclui a do antecedente, também em tais casos. ****** Capítulo 31 Os Chamados Silogismos Disjuntivos ****** São disjuntivos aqueles silogismos (compostos, portanto, de três têrmos) nos quais a Maior contém uma disjunção e que da negação ou afirmação de um dos membros na Menor, algo se infere na conclusão. Mas só formarão as duas premissas um silogismo se se compuserem de três proposições disjuntivas, ou se têm três têrmos distintos e não dois apenas. Será apenas um raciocínio imediato se só a Maior fôr disjuntiva, e se a Menor apenas afirma ou nega categoricamente um outro membro conhecido da disjunção. Assim, quando dizemos: "Pedro está quieto ou se move; ora, Pedro está quieto, logo não se move", estamos apenas em face de um aparente silogismo, pois, na verdade, é apenas uma inferência imediata, pois falta o têrmo médio, já que o silogismo é uma inferência mediata. Em premissas como as que acima citamos, na verdade há apenas dois têrmos e apenas afirmamos que o sujeito é um ou outro têrmo do predicado. Por meio dêle, estabelece-se apenas uma relação entre o todo e o conjunto de suas partes. A Maior é uma proposição disjuntiva, em que a cópula é expressa com "ou" (cópula "ou"), e em que a Menor põe ou dispõe (ponens ou tollens) um dos membros da disjunção. Finalmente, a conclusão dispõe o outro. Tem o raciocínio disjuntivo dois modos determinados pela da Menor, de onde resulta a qualidade contrária da conclusão, em virtude de uma relação de exclusão que existe entre as espécies de um mesmo gênero. Se é positiva a Menor, a conclusão é negativa (modus ponendo tollens); se a Menor é negativa, a conclusão é afirmativa (modus tollendo ponens). Cada um desses modos compreendem diversas variedades, segundo se afirma ou nega na Menor um dos membros da disjunção. Se a Menor põe (ponens), a conclusão dispõe (tollens); se dispõe (tollens), a conclusão põe (ponens). E há, para cada um, quatro modos, conforme as partes da Maior são: 1) ambas afirmativas; 2) afirmativa e negativa; 3) negativa e afirmativa; 4) ambas negativas. Como exemplo, podemos tomar: "Ou um ângulo é recto, ou agudo ou obtuso; ora, não é recto nem agudo; logo é obtuso. Ora é obtuso; logo não é recto nem agudo." Um raciocínio disjuntivo pode ser reduzido a um condicional ou imediatamente ao categórico. Assim o primeiro modo da primeira figura reduz-se: 1) ao silogismo condicional: Se A não é, é B; A não é; portanto é B. 2) Ao categórico: tudo quanto não é A, é B; ora X é A; logo X não é B. Aqui temos um genuíno silogismo, porque já há os três têrmos. Ex.: Tudo quanto não é racional é bruto; ora, o ferro é bruto; logo, o ferro não é racional. Como regra fundamental, impõe-se, no raciocínio disjuntivo, que a disjunção seja completa e que não sejam possíveis outros membros, e que a oposição entre êstes seja estricta, de modo que não possam ser ambos simultâneamente verdadeiros, Reduzem-se também a duas regras: 1) Quando a Menor afirma um dos membros da disjunção (ponens), a conclusão deve negar todos os outros (tollens). Quando a Menor nega um dos membros da disjunção (tollens), a conclusão deve afirmar o outro, se não resta senão um, ou os outros disjuntivamente se há diversos. Se dizemos: "os quadriláteros são quadrados, losangos ou rectângulos; ora, êste aqui não é um quadrado, nem tampouco um losango; logo é um rectângulo", podemos enganar-nos. O argumento disjuntivo só pode ser empregado com certeza nas matérias em que as divisões são seguras. A combinação entre o argumento disjuntivo e o raciocínio condicional dá surgimento ao dilema, que, em sua forma mais simples, é um raciocínio de dois têrmos, embora seja por muitos considerado um silogismo, o que na verdade não é. O juízo hipotético sob suas diversas formas ("se S é ou não é, P é ou não é") une-se fàcilmente ao juízo disjuntivo (não é P ou P). Basta acrescentar um têrmo ao consequente. Então, a proposição é hipotética numa de suas partes, e disjutiva na outra, ou o juízo disjuntivo é expresso de uma maneira condicional. Cada proposição hipotético-disjuntiva pode servir de base a um raciocínio, e dá lugar a conclusões válidas, submetidas a tôdas as regras do argumento hipotético. Pode-se sempre concluir da afirmação do antecedente a do conseqüente, e da negação do consequente a do antecedente, quer sejam, um ou outro, positivos ou negativos. Damos os exemplos abaixo, em que só a Maior é expressa: Se é um ser organizado, é vegetal ou animal. Se é um animal, será racional ou bruto. Se êste ângulo não é recto, será agudo ou obtuso. Se o espaço não é finito, não tem começo nem fim. É de combinações dêste gênero que nasce o dilema, que passaremos a tratar. ****** Capítulo 32 Do Dilema ****** Dilema (do grego dis, duas vezes e lambánô, captar, tomar, compreender) era chamado pelos antigos syllogismus cornutus (de duas pontas, cornos). É o argumento no qual, de dois ou mais membros propostos disjuntivamente, um dêles deve ser deduzido sempre. (Segundo o número de membros é trilema, tetralema ou quadrilema, polilema). Surge o dilema, como dissemos, da combinação do argumento disjuntivo com o raciocínio condicional. A forma do dilema é a seguinte: Ou S é P, ou P' Ora, êle não é P nem P'; Portanto, êle não é. Se S é, êle não é nem P nem P'; Ora, êle é P ou P'; Logo S não é. As regras do dilema referem-se ora à verdade formal, ora à verdade real. Sob o ponto de vista formal, não oferece o dilema nada de particular. É uma espécie de raciocínio hipotético, que conclui modo tollendo. Quanto ao ponto de vista material, é uma arma que se tem esgrimido perigosamente, sobretudo pelos sofistas na Filosofia, e que permite transformar em ataque até para quem o maneja. O dilema correto exige: 1) que a disjunção seja completa; 2) que o consequente, que é deduzido do membro singular, decorra legítima e exclusivamente, de modo que o dilema não possa ser retorquido. Aulu-Gelle conta-nos êste exemplo: aceitara, o sofista Protágoras como discípulo um tal Evatlo, que lhe pagaria o preço de suas aulas de eloquência da seguinte maneira: metade à vista e a metade restante quando Evalto ganhasse a sua primeira causa. Como Evatlo não providenciasse em defender nenhuma causa, evitando, assim, pagar a Protágoras, êste o levou à justiça, e lhe disse: "Vós me pagareis, quer percais vossa causa ou a ganheis; se a perderdes, os juízes vos condenarão; Se a ganhardes, sereis meu devedor em virtude de nosso acordo." Evatlo aceitou a alternativa e replicou: "Eu não pagarei, poque ou ganho ou não o meu processo; se os juízes se pronunciarem a meu favor, estarei liberto de toda obrigação; e se me forem contrários, perco a minha primeira causa e não vos pagarei nada." Os têrmos são ambíguos. Tudo gira em tôrno de palavras de duplo sentido. Cada um interpreta ganhar ou perder a seu modo. O contrato não prevera o caso de Evatlo agir contra Protágoras. No dilema é mister que: 1) a Maior seja completamente disjuntiva no consequente; 2) que os casos que ela enuncia sejam os únicos possíveis e que todos dependam realmente do antecedente; 3) que a menor repila inteiramente os membros da disjunção; 4) que os têrmos sejam bem determinados para que o argumento não possa ser retorquido pelo adversário, que pode tomar os têrmos num outro sentido, como no exemplo que vimos. Para retorquir um argumento, basta tirar-se uma conclusão oposta, fundando-se exatamente sôbre uma das suas premissas. Como exemplo de uma disjunção falsa, Maritain cita o argumento abaixo muito usado pelos sofistas modernos: "Todo filósofo é inatista ou sensualista; se é inatista, cai no idealismo; se é sensualista, cai no materialismo; em nenhum caso o erro pode ser evitado." A disjunção é, porém, incompleta. Os que seguem a escola de Aristóteles não são nem inatistas nem sensualistas. Como exemplos de disjunção também falha, mostramos duas fundamentais da filosofia de Kant, em nosso "As Três Críticas de Kant", que servem depois de ponto de partida para o desenvolvimento da sua doutrina. Dilema semelhante usam os marxistas: ou um filósofo é materialista ou é idealista, ou, seja, aceita a antecedência do objecto sôbre o sujeito, ou a do sujeito sôbre o objecto. Deste modo, podem êles chamar de idealistas a todos os filósofos que não são materialistas. Como êsse "idealismo" é ridicularizado, porque os homens não nascem com as idéias, mas estas são construídas posteriormente, é fácil impressionar qualquer pessoa que desconheça filosofia ou que a conheça apenas superficialmente. Não é de admirar que tais argumentos provoquem tanta influência sôbre mentes primárias ou em intelectuais deficientes. ****** Capítulo 33 Do Método ****** O têrmo método, do grego meth'odos, significa o caminho (odos) que leva a algo (meth'). Indica, pois, genericamente, o caminho e a ordem nas acções, que servem para alcançar um fim, empregados em todas as acções humanas, e quando se referem às operações do intelecto constituem o que se chama método lógico (métodos lógicos e também métodos dialécticos). Método heurístico, muito usado pelos escolásticos, é o empregado na busca da verdade, fundamentando-a em conhecimentos prévios. Suas regras são: a) Parte das coisas conhecidas para compreender as desconhecidas. b) O processo é gradativo, sem saltos, alcançando as conclusões imediatas e destas às mais próximas, sem omitir os estágios nem saltá-los. c) Todo o proceder deve obedecer a um princípio de clareza, de brevidade e de máxima solidez. Para consegui-lo, deve-se proceder do seguinte modo: 1) Propor a tese a ser examinada e provada, e analisar os têrmos da mesma. 2) Propor o status quaestionis, de maneira bem clara e bem determinada, ou seja, a matéria a ser examinada deve ser previamente vista segundo todos os ângulos e segundo todas as opiniões expostas. Assim, se se pretende examinar o tema da verdade, é mister colocar todas as maneiras de visualizá-la segundo as diversas doutrinas ou posições filosóficas. Dialècticamente, pode-se, aqui, fazer a divisão das possíveis posições filosóficas. 3) Os têrmos, desta parte, devem ser bem definidos, a fim de evitar ambigüidades. 4) O assunto (subiectum) a ser examinado deve ser claramente dividido em suas partes. 5) Fixar bem as verdades determinadas, distinguindo as estabelecidas das meramente prováveis. 6) Dar um rápido bosquejo histórico das diversas sentenças propostas, com os argumentos oferecidos pelas diversas posições, sem omitir nada, com máxima clareza e brevidade. 7) Propor objecções à tese e respondê-las, demonstrando a improcedência daquelas e a validez da tese proposta. ****** Capítulo 34 Exemplo do Método Heurístico ****** O método heurístico, usado em geral pelos escolásticos antigos e modernos, sobretudo entre êstes, tem um valor dialéctico de máxima importância, e é de grande utilidade para todos os que desejam examinar uma questão com bases sólidas, sem cair no terreno perigoso das opiniões, dando ao seu trabalho um sentido científico e sério. O exemplo, que vamos oferecer, é de Salcedo, em sua Crítica III, Liber II ns. 271-281, que sintetizaremos: 1) A tese a ser defendida é a seguinte: A verdade lógica define-se rectamente como a conformidade ou a adequação intencional do intelecto com a coisa (Veritas lógica recte definitur: conformitas seu adaequatio intentionalis intelectos cum re). Primeira providência é o exame cuidadoso dos têrmos usados na tese. Verdade é um nome abstracto, que significa alguma forma sem sujeito. Os gregos chamavam alétheia, que significa o que é revelado, o que não está mais oculto. Entende-se por verdade o que se refere às coisas verdadeiras (vera). Impõe-se, pois, o exame do têrmo verum. Examina o defensor da tese o que se pode chamar de verum. E mostra que chamamos verum uma coisa, quando dizemos ouro vero; um discurso, a palavra, quando se opõe à mentira; o conhecimento é chamado verum, quando se opõe propriamente ao falso. Passa a examinar o que há em comum em todas essas maneiras de chamar verum, e verifica que, genericamente, verdade consiste nalguma conformidade entre dois extremos. Portanto, podemos agora situá-la em sensu lato e em sensu stricto: em sensu latu: conformidade entre dois extremos dos quais nenhum é o intelecto, exs.: pintura verdadeira, sensação verdadeira. Em sensu stricto: conformidade entre dois extremos dos quais um é o intelecto. Portanto, é a adaequatio rei et intellectus, que é a definição da verdade. Ora, a análise de um têrmo pode seguir o rumo que damos na análise de um conceito, buscando-lhe o correspondente têrmo médio, que permite colocá-lo, depois, num silogismo, como exemplificamos a seguir nos nossos comentários dialécticos aos métodos. Temos aqui, desde logo, uma das providências mais importantes do método heurístico, que consiste no estabelecimento do sentido genérico e do específico; ou seja: do sentido lato (latu sensu) de um têrmo e do sentido estricto (strictu sensu). Como há diversas esferas de realidade, há, consequentemente, diversas espécies de verdade. A verdade pode ser, portanto, ontológica ou real, lógica ou formal, moral ou da palavra. A primeira consiste na conformidade das coisas, com o intelecto; a segunda, na conformidade do intelecto com a coisa, e a terceira, na conformidade da palavra, da locução, com a subjectiva cognição do que fala. Conformidade ou adequação ... Impõe-se agora o exame de tais têrmos. Significam a devida proporção e hábito entre a percepção intelectiva e a coisa percebida. Intencional indica a intenção da cognição que deve proceder, no representar a coisa, em apontá-la como o é em seu ser. É o tender da representação in (na) coisa. A doutrina da intencionalidade volve entre os modernos, graças aos estudos de Brentano. A coisa conhecida na verdade lógica é o têrmo da conformidade, e é chamada objecto, porque se ob-jecta ao próprio intelecto. E êsse objecto pode ser material, que é a própria coisa considerada com todas as suas notas e propriedades; ou seja, segundo toda a sua compreensão. Formal, que é a coisa considerada segundo uma ou mais notas e propriedades, o que se manifesta no intelecto. Na verdade lógica, a conformidade se dá com o objecto formal. Portanto, pode ela ser mais perfeita ou menos perfeita. Conseqüentemente, não é necessário que seja total, podendo ser parcial. Intelecto. Diz-se intelecto das faculdades cognoscitivas, que estão em acto no conhecer, de onde se segue que a sua conformidade deve ser intencional. Em face do exame dos têrmos, que Salcedo apresentou em sua tese, pode êle concluir que deu uma definição da verdade lógica. E, segundo as regras da definição e suas classificações, trata-se de uma definição essencial, porque se funda em notas essenciais, e não meramente descriptiva, pois esta se funda em notas próprias ou accidentais. A sua definição possui todas as qualidades requeridas para uma boa definição: é clara, é breve, tem reciprocidade, não usa negações. Cabe-lhe, agora, provar que é ela a recta definição da verdade lógica. 2) Entra agora na providência importante, que é o exame do estado da questão (status quaestionis). Deve, examinar, pois, o histórico dos estudos realizados em torno da verdade lógica, realizado por outros segundo as diversas tendências. Demonstra a seguir a improcedência das posições que se colocam em oposição à sua tese. Assim os subjectivistas, e entre êles Kant, dizem que a verdade lógica consiste apenas na conformidade da cognição consigo mesma; ou seja, a conformidade de toda cognição com as leis do cogitar. A mesma posição é a dos relativistas de toda espécie, que também dizem que a verdade consiste na conformidade da cognição com a evolução subjectiva do cognoscente, ou também afirmam consistir ela na necessidade de cogitar desse modo ou de modo semelhante. Os empiristas afirmam que a verdade consiste apenas no que é dado pela experiência. Os pragmatistas, que apenas está no que é conveniente ao bem útil do homem, o que é fértil em benefícios, o que favorece a vida prática. Os modernos cultores da teoria do valor (Richert, Windelband, etc.) colocam-na nos valores e dão soluções ambíguas e diversas. 3) Cabe agora a Salcedo provar que a sua tese é a mais justa. Passa, em primeiro lugar, a demonstrar que ela possui todas as qualidades necessárias para uma boa definição, e que as outras são más, pois ofendem as regras da definição. Assim quando os subjectivistas dizem que a verdade é a "conformidade da cognição consigo mesma", essa definição não permite a reciprocidade, porque não se pode dizer que a conformidade da cognição consigo mesma é verdade. Quando dizem que é a "conformidade das cognições entre si", esquecem, que uma cognição, que não convém a outras, pode ser verdadeira. Quando dizem que é "a conformidade com as leis do cogitar", tal definição é a da retitude e não a cognição da verdade, pois alguma cognição pode preceder rectamente e, contudo, ser falsa, se se funda em suposições falsas. Erram os empiristas porque restringem o âmbito da verdade aos sentidos (o sensismo) ou à simples experiência (como os positivistas). Erram os pragmatistas porque apenas captam uma nota da verdade, não todas, e ademais, pode haver um erro que seja útil. Quanto aos que seguem a teoria dos valores não dão uma definição clara, dão muitas, várias, opostas, além de o têrmo valor ter-se tornado em suas mãos mais obscuro. Ora, uma definiçiio deve partir do mais claro para clarear o mais obscuro. Como explicar o mais claro pelo mais obscuro? Conclui, finalmente, que a sua definição é recta e precisa. 4) Passa, afinal para a parte dialéctica, onde a controvérsia se impõe. Aqui são apresentadas as objecções à tese, em forma silogística, e defendidas seguindo a mesma forma. Como é matéria de máxima importância, e que muito facilita o melhor emprego da Lógica e da Dialéctica, vamos sintetizar as objecções à tese e as respostas que se impõem: Objecção: O que em si é impossível não se deve admitir; ora, a conformidade intencional entre o intelecto e a coisa é impossível; logo não se deve admitir. O defensor da tese, ante a objecção, declara que concede a Maior, mas nega a Menor. O objector, então, passa a provar a Menor: Para que a conformidade intencional seja possível deveria referir-se a tudo quanto está na coisa; ora, tal é evidentemente impossível ao intelecto humano; portanto, tal conformidade é impossível. O defensor da tese responde: Distingo a Maior: se fosse necessária a conformidade total, concedo (ou seja, estaria de acordo com a premissa); se basta a parcial, nego, então, a premissa. Contradistingo a Menor: ao intelecto humano é impossível a conformidade total, concedo; parcial, nego. Mas, o objector prossegue afirmando: ora, repugna também a conformidade parcial intencional. Portanto, permanece a dificuldade. E passa a provar a sua objecção: Conformidade é o mesmo que adequação; ora, a adequação não pode ser parcial; portanto, a conformidade não pode ser parcial. O defensor da tese responde que concede a Maior, mas nega a Menor. O objector passa, então, a provar a Menor: Adequação parcial seria uma adequação inadequada; ora, tal adequação repugna em têrmos; portanto, repugna a adequação parcial. Responde o defensor da tese: que a adequação é inadequada quantitativamente, nega; qualitativamente, concede. Contradistingue a menor: repugna a adequação inadequada quantitativamente, concede; qualitativamente, nega (em suma, se a adequação fosse quantitativa não se poderia admitir nenhuma inadequação, mas qualitativa pode não ser total. Um metro é adequado a um metro, mas um traço verde pode adequar-se a uma superfície verde). Mas o objector não se dá por vencido, e prossegue: Repugna também a adequação inadequada qualitativamente. A dificuldade permanece, portanto. E passa a provar a sua premissa Menor: toda adequação ou é ou não é, ou seja: permanece in indivisibili (ou seja, não admite graus); portanto, ou é adequação ou é nada. Mas o defensor da tese reafirma: Distingo antecedente: Toda adequação quantitativa, concedo; qualitativa, nego. Igualmente distingo a consequência. Mas o objector prossegue: Ora, nenhuma adequação qualitativa pode dar-se entre a coisa e o intelecto. Portanto, a dificuldade permanece. Provo a Menor: entre o mental e o não-mental não pode haver nenhuma conformidade ou adequação; ora, a cognição é essencialmente algo mental, e o objecto, algo extramental; portanto, entre a cognição e o objecto não se pode dar nenhuma conformidade. Mas, o defensor da tese argumenta: Distingo a Maior: Não pode haver nenhuma conformidade entitativa, ou seja, no ser físico, concedo; nenhuma conformidade intencional, nego. Concedo a Menor, e igualmente distingo a consequência. Mas o objector prossegue: Ora, também não pode haver nenhuma conformidade entre o objecto e a cognição. Portanto, permanece a dificuldade. E provo a Menor: A cognição do objecto imaterial, que é extraído dos dados materiais, não pode ser conforme ao objecto; portanto, a conformidade intencional não se dá realmente nessas verdades, o que demonstra que a definição não é recíproca. O defensor da tese responde: Distingo antecedente: Não pode haver sua perfeita conformidade, como a que se dá no objecto próprio, concedo; não pode haver alguma imperfeita conformidade que pertença ao conceito análogo, nego. Respondendo, pois, a todas as dificuldades argumenta o objector: A cognição, que é expressa por negações, não pode ser conforme ao objecto; ora, muitos oferecem cognições, que são expressas por negações; logo, muitas cognições não são conformes ao objecto. Responde o defensor da tese: distingo a Maior: não pode ser conforme ao objecto positivamente, concedo: negativamente, nego. Quando digo que Pedro não é sábio, o objecto da cognição estrictamente tomado, o que expresso nessa proposição, não é Pedro ou a doutrina, mas a ausência de doutrina (saber) em Pedro, cujo objecto negativo é concebido de modo positivo, e, portanto, se não pode ser causa eficiente da cognição, pode ser, e realmente é, sua causa exemplar. Desta maneira, responde o defensor da tese às objecções apresentadas, as quais compendiam o que frequentemente se oferece contra a definição escolástica da verdade lógica. Nos diversos tratados de Crítica, apresentam-se muitas outras objecções, que recebem também suas respostas. Poderíamos reunir aqui várias outras, mas prolongaríamos apenas o que já está devidamente esclarecido, sem aumentar a inteligência do método heurístico, de tanto valor para o estudo de qualquer tese. Posteriormente, quando estudemos os métodos dialécticos que oferecemos, poder-se-á verificar que a combinação do método heurístico, que já é dialéctico, com os que propomos na decadialéctica, na pentadialéctica e na dialéctica concreta, permitem-nos avançar de tal modo o conhecimento, através de análises e sínteses constantes, que se transformam num verdadeiro método em espiral, reunindo e concrecionando o que vai sendo adquirido, segundo os estágios alcançados, e permitindo erguer-nos a formas mais avançadas do exame lógico-dialéctico, favorecendo um verdadeiro progresso ao conhecimento humano. ****** Capítulo 35 Classificação do Método ****** O método pode ser: 1) Em razão da matéria, geral e particular, segundo busca a totalidade ou apenas alguma questão. 2) Em razão do fim, temos a investigação (invenção), e a defesa. 3) Em razão do instrumento, temos o método experimental, ou de observação, e o racional. 4) Em razão do modo, o método é analítico ou sintético. Assim expõe Tomás de Aquino: "Dúplice é o caminho para o conhecimento da verdade. Um por modo de resolução, segundo o qual procedemos do composto ao simples e do todo à parte ...; outro é o caminho da composição, pelo qual procedemos do simples ao composto, pelo qual aperfeiçoamos a cognição da verdade, ao alcançar o todo." ***** 35.1 Dos métodos analíticos e sintéticos ***** O método analítico consiste em buscar o têrmo médio, procedendo do sujeito, ou seja pela análise do sujeito, no exame das partes que o compõem. Examinando o sujeito, pergunta-se se o predicado lhe convém, se não há repugnância. O método sintético consiste em buscar o têrmo médio, procedendo do predicado da questão. Das partes, alcança-se ao todo, ao composto; do princípio, ao principiado. O predicado, em sua extensão, contém o sujeito. O método analítico é também chamado invenção, por consistir seu exame em partir do universal para alcançar o particular. O método sintético é chamado por muitos método da doutrina. O primeiro indica uma via de ascensão; enquanto o segundo, a via de descenso. O emprego desses dois métodos, na Lógica é o que constituía para os antigos lógicos, pròpriamente, a Dialéctica. =============================================================================== **** Notas de Rodapé: **** {1} Procuramos nesta obra reunir passagens de autores diversos, de reconhecido valor e critério, com o intuito de oferecer ao leitor a maior soma possível de conhecimentos distintos e não confusos, que lhe permitam manejar com segurança o pensamento, e evitar cair nos velhos, nos cediços erros que tantos males já produziram e bastante infelicitaram a humanidade. Fundamo-nos nas obras de conspícuos autores, despreocupados em apontar a autoria dos argumentos e distinções, porque êles já formam patrimônio do acervo cultural da humanidade. Ademais, seria difícil, se não impossível, estabelecer com segurança a paternidade das objecções e das soluções, pois repetem-se elas em obras diversas, de tendências as mais variadas. {2} A tolice de muitos, que se dedicam ao estudo da filosofia, caracteriza-se pela convicção infantil de que os medievalistas foram totalmente superados. Citar Tomás de Aquino, ou um Santo Agostinho, ou um São Boaventura, ou um Duns Scot, ou um Suarez, parece-lhe retrocesso. Julgam que quem assim fizer decai, volve as origens infantis da Filosofia, reverte ao primarismo. E essa uma notável contribuição do espírito burguês, que julga sempre, em seu sentido equívoco de progresso, que o hoje supera o ontem, e que será, por sua vez, superado pelo amanhã. O modismo, que domina na sociedade burguesa, impregna de tal modo o espírito de tais estudiosos, que êles julgam perda de tempo volver os olhos para os autores do passado. E não é de admirar que em algumas escolas de filosofia se passe de Platão e Aristóteles para Descartes, dando-se um salto na História, como um acrobata de circo. Veriam tais senhores, se acaso pudessem ler a obra dos medievalistas (a qual convenhamos, é difícil em seus aspectos gerais), que muitas das suas descobertas são velhos erros refutados com antecedência, bem como veriam que há muita coisa que lhes falta saber e que nem de leve suspeitam que ignoram. {3} Alétheia é palavra formada do alfa privativo. e de lethes, esquecimento. Literalmente é o desesquecido, o que foi relembrado. {4}(1) O Logos analogante deve ser, analogamente, de um e de outro, da essência ou dos modos de ser, substânciais ou accidentais, de um e de outro. {5}(1) As demonstrações encontram-se em << Teoria do Conhecimento >>, em << Pitágoras e o Tema do Número >> e em << Filosofia da Afirmação e da Negação >>. {6} Regra 4: Nenhum têrmo pode ser mais extenso nas conclusões do que nas premissas. Esta regra se reduz à primeira, pois se tivessem maior extensão alterar-se-iam os termos. Lembremos que: Regra 1: O silogismo tem três têrmos: o maior, o médio e o menor. Tal é necessário para fazer a comparação dos dois com um terceiro. E para que sejam apenas três é mister que os têrmos em cada premissa tenham a mesma acepção. Se o médio tiver duas acepções, teríamos, realmente, quatro têrmos e não três. {7} Regra 3: O têrmo médio deve ser tomado pelo menos uma vez em toda a sua extensão. Sim, porque o têrmo médio serve para comparar os extremos, e, na conclusão, deve aparecer o resultado, ou seja, a relação dos extremos entre si. {8} Lembramos que os silogismos são compostos de três juízos: A premissa maior, a premissa menor e a conclusão. Êsses juízos são de quatro classes: (A) Universal afirmativo; (E) Universal negativo; (I) Particular afirmativo; e (O) Particular negativo {9} (1) Em Filosofia Concreta fizemos a análise dos raciocínios que levam a postular de modo apodítíco a necessidade absoluta de um ser absolutamente necessário.