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Capítulo 4
Do Conceito


Métodos Lógicos e Dialécticos
Mário Ferreira dos Santos
I Volume
3a Edição (1962)
Enciclopédia de Ciências
Filosóficas e Sociais

Livro Original na Internet
Do Conceito

     Pròpriamente, o exame que fizemos da idéia corresponde, por sua vez, ao conceito, pois tais têrmos são tomados, na Lógica, como sinônimos. Dêsse modo, tudo quanto propusemos à idéia corresponde ao que se pode dizer quanto ao conceito. As classificações que oferecemos não são as únicas que propõem os lógicos. Há outras, sôbre as quais passaremos a tratar.

     A origem psicológica do conceito é matéria que pertence à Psicologia e à Noologia, e não merecerá de nós, nesta obra, exames correspondentes.

     Nas relações entre si, os conceitos apresentam as seguintes divisões: são êles diversos ou idênticos. São idênticos, quando significam a mesma coisa; do contrário, são diversos. Mas, a identidade pode referir-se a compreensão ou à extensão. Quando idênticos à compreensão chamam-se estrictamente idênticos, embora diversos na extensão; quando apenas à extensão, chamam-se eqüipolentes.

     Assim 2 na segunda potência é estrictamente idêntico a 4, enquanto animal racional é eqüipolente a animal bípede, implume.

     Dizem-se ainda impertinentes e pertinentes, os primeiros quando não se inferem nem se excluem, como verde e sábio, e pertinentes os que se inferem, como homem e animal, pois homem pertence a animal, ou se excluem, como homem e asno, que, embora pertinentes a animal, ambos se excluem. São opostos, quando há repugnância entre êles. São iguais, quando permitem convertibilidade entre êles, como racional e risível, e desiguais, quando não convertíveis, que mùtuamente não se inferem, como homem e animal, embora homem infira animal, e não o inverso.

     Quanto à oposição dos conceitos, podemos ainda salientar uma nova classificação. Diz-se que são opostos os conceitos que, na mesma coisa e sob o mesmo respeito, não podem simultâneamente ser e não ser. A oposição pode ser própria e imprópria (ou disparatada).

     A oposição própria é a que se dá entre conceitos opostos, contudo correspondentes, que oferecem repugnância um ao outro, como virtude e vício. Imprópria ou disparatada, quando não há essa correspondência, como entre virtude e metal.

     A oposição própria pode ser contraditória, como a que se se dá entre a coisa e a sua negação, a qual não admite meio têrmo, como homem e não-homem; privativa, a que se dá entre a coisa e a sua privação. A privação se dá pela carência de uma perfeição num sujeito apto a tê-la, como a oposição entre vidente e cego. Há lugar para um têrmo médio, como não-vidente. Assim uma pedra nem é vidente nem é não-vidente (cega). Tal defeito, na pedra, não é uma privação, porque não é uma carência devida a natureza da pedra, pois não é esta apta a ver.

     Contrária dá-se entre conceitos que, sob o mesmo gênero remoto ou próximo, distanciam-se màximamente e que, no mesmo sujeito, repugnam, como os extremos das côres, como entre vertebrados e invertebrados. Admitem, porém, têrmo médio, como o amarelo entre o vermelho e o azul, as côres intermediárias. Quando a oposição contrária se dá dêsse modo, chama-se mediata; do contrário, chama-se imediata, ou seja, quando não há têrmo médio, como entre honestidade e desonestidade.

     Relativa diz-se da oposição entre conceitos que dizem respeito um ao outro, como pai e filho, escravo e senhor, pois o pai é pai do filho, e o filho, filho do pai. Chamam-se também correlativos.

     Segundo essa oposição, os conceitos são classificados em suas relações entre si, como opostos contraditórios, privativos, contrários e relativos.

* * *

     Uma idéia é um ente de razão (ens rationis) quando só pode existir na mente, a qual pode ser ainda por privação ou negação, como cegueira, nada ou meramente lógicas como a afirmação, ou meramente matemáticas como o número irracional.

     O contrário do ser de razão é o ser real, o qual pode ser possível ou actual. O ser real é aquêle que pode existir real-realmente. É possível, quando sua existência é possível, existe real-realmente, como casa, chapéu.

* * *

     Há idéias simples e indivisíveis em si mesmas, como a de homem, vermelho, animal racional, que formam uma essência, da qual nada podemos extrair, sob pena de lhes tirarmos a essência, transformando-as em outras coisas. Tais idéias ou conceitos chamam-se incomplexos, ou indivisíveis.

     Outros, porém, chamados complexos ou divisíveis, são os possuidores de várias essências ou conteúdos noético-eidéticos, tais como "a casa amarela da serra".

     Os antigos observavam, contudo, que os conceitos complexos e os incomplexos podem-no ser quanto aos têrmos que os constituem, ou quanto ao conteúdo ao qual se referem. Assim, poderiam ser complexos ou incomplexos in re (quanto ao conteúdo) ou in voce (de vox, voz, nos têrmos).

     Poder-se-iam, pois dar quatro combinações:

  1. incomplexos in re et voce, incomplexos em si mesmos e segundo o modo de conceber, como homem, que se apresenta como uma única essência ao espírito e numa única apreensão inteligível.
  2. Incomplexos re non voce, incomplexos em si mesmos e complexos segundo o modo de conceber, como animal racional, que é, como essência, uma só, mas apresentada à mente em duas apreensões inteligíveis.
  3. Complexos re non voce, complexos em si mesmos e incomplexos segundo o modo de conceber, como psicólogo, o que estuda a psique, embora com uma única apreensão inteligível.
  4. Complexos re et voce, em si mesmos e segundo o modo de conceber, como técnico em engenharia mecânica, onde são apresentadas várias essências, expressas por várias apreensões inteligíveis.

     Essas classificações são pouco usadas modernamente, o que é de lamentar, pois, como se verá oportunamente, inúmeros erros de raciocínio surgem da não nítida distinção entre a complexidade ou não em si ou em têrmos de um conceito, a que evitaria fàcilmente tais erros. Note-se, apenas, que um conceito como animal racional, que é expresso em dois têrmos em nossa língua, constitui, porém, uma única essência e uma única apreensão, segundo o modo de conceber. Animal racional não é uma totalidade de composição, ou seja duas essências actuais formando um novo ser, mas um ser com uma única essência, que corresponde a homem.

* * *

     Na Lógica, observam-se duas tendências: a dos que procuram reduzi-la apenas à extensidade, os extensistas, e a dos que procuram reduzi-la à intensidade, os compreensistas.

     Partindo-se do exame do conceito, notamos que a sua compreensão consiste nas notas essenciais ou qüiditativas do mesmo, enquanto a sua extensão é entendida como o conjunto dos indivíduos aos quais se pode predicar o conceito. Assim, homem, compreensivamente, é animal racional; extensivamente, todos os indivíduos humanos.

     Para uma posição nominalista, a única realidade está nos indivíduos aos quais se pode predicar o conceito; ou seja, está apenas na extensão. Todos os lógicos, eivados de nominalismo, são, quando conseqüentes, extensistas.

     Mas, na verdade, o conceito apresenta-se à mente como uma essência, uma natureza, uma qüididade, que representa alguma coisa real. Alguns lógicos modernos afirmam que pertencem à compreensão do conceito todas as notas que lhe são proporcionadas ou meramente atribuíveis, o que é um erro. Deste modo, poder-se-ia dizer que o conceito homem compreende o estar sentado, o estar andando, o estar em pé, que são meramente accidentes (per accidens). Na verdade, deve-se compreender, no conceito, apenas o que é da essência, o que é necessário ao conceito. Dêste modo, as propriedades, se são essenciais, pertencem virtualmente ao conceito, não, porém, actualmente, como o ser gramático é uma propriedade da essência do homem, mas é virtual a ela, não actual. Evitar tais confusões, que perturbam a Lógica e a firmeza dos raciocínios é uma necessidade, em face da finalidade que deve ter essa disciplina, qual seja a de favorecer a melhor aplicação da inteligência ao exame das idéias. Ademais, é mister distinguir as notas que constituem um conceito quanto a nós e quanto a si mesmo. Se certos objectos não os podemos apreender senão segundo certas notas, estas não devem ser consideradas como constituintes de sua legítima compreensão, a qual deve conter apenas as notas essenciais. Essa deficiência decorre do estado de nosso conhecimento. É o que observamos, para exemplificar com a Zoologia, onde nossos conceitos dos animais são formados de notas, segundo o que observamos nos mesmos, sem podermos alcançar-lhes a essência.

     Dêste modo, quando o lógico inglês Keynes, seguido na França por Goblot, distingue, na compreensão de um conceito, a conotação (conjunto das notas) e a compreensão em sentido restricto (strictu sensu), considerando a primeira o conjunto das notas com as quais nós definimos o objecto do conceito, e compreensão apenas as propriedades que podemos reconhecer nesse objecto, essa divisão é genuìnamente nominalista.

     Ela afirma que nossos conceitos não alcançam a essência das coisas, ricas de inúmeras propriedades. Como salienta Maritain, "esta distinção é errônea, pois opõe as propriedades não à essência, ou aos caracteres que definem em si o objecto de conceito, mas aos caracteres que o definem para nós, que nos servem para defini-lo e que, no caso das definições descritivas, não são os elementos constitutivos da essência, mas exatamente as propriedades."

     O têrmo conotação seria empregado apenas para indicar o que pensamos, actual e explìcitamente, de algumas notas ou caracteres que empregamos para definir um conceito.

     Goblot vai além, afirmando que na compreensão se incluem todos os conceitos contidos, quer como espécies ou sub-espécies, bem como todas as propriedades. Desse modo, inclui a compreensão na extensão, aumentando aquela na proporção que aumenta esta. Mas, esquece Goblot que essas propriedades não estão contidas em acto no conceito, mas apenas potencialmente (em potência). Não se deve incluí-las na compreensão do conceito, porque, nesta, deve estar apenas o que lhe convém necessàriamente (per se) e não per accidens. Dêste modo, o que diz de um conceito, o que dêle se predica, deve ser examinado se é accidental ou necessário (essencial). Na extensão, devem ser compreendidos apenas os indivíduos que cabem no âmbito do conceito; ou seja, aquêles em número indeterminado aos quais se lhe pode predicar o conceito.

     Oportunamente, trataremos dêste tema, de tanta importância no exame do silogismo e, na Dialéctica, ao tratar da plena aplicação das regras à Lógica Concreta, que é pròpriamente esta quando totalmente aplicada à totalidade.