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Capítulo 30
Dos Silogismos Hipotéticos


Métodos Lógicos e Dialécticos
Mário Ferreira dos Santos
I Volume
3a Edição (1962)
Enciclopédia de Ciências
Filosóficas e Sociais

Livro Original na Internet
30  Dos Silogismos Hipotéticos
    30.1  Das proposições condicionais

     É um silogismo hipotético aquele em que a Maior é uma proposição hipotética ou composta, em que uma parte indica a conclusão, outra a sua razão lógica, do qual depende, cuja razão é posta ou disposta pela Menor.

     A Maior do silogismo hipotético contém hipoteticamente a conclusão já deduzida, que, por meio da Menor, é deduzida absolutamente. Dessa forma, o silogismo hipotético supõe o silogismo categórico, que está contido virtual e implìcitamente naquele.

     Deve a Menor pôr ou dispor uma das partes da Maior. Esta condição é indispensável para que se dê realmente um silogismo hipotético.

     Os silogismos hipotéticos dividem-se em: condicionais, disjuntivos e conjuntivos, que passamos a examinar.

30.1  Das proposições condicionais

     Condição é o que condiciona, e condicionado o que depende da condição.

     Nas proposições condicionais, devemos distinguir a condição de o condicionado: "Se João caminha, êle existe." O caminhar de João é condicionado ao existir, pois, se não existe, não poderá caminhar. Portanto, o condicionado é dependente da condição. Se disser: "Se João existe, êle caminha. João existe, logo caminha." Vê-se que a conclusão é ilegítima, porque João, embora existindo, poderia não caminhar. Portanto, posta a condição, não está ainda posto o condicionado; mas posto o condicionado está posta a condição, porque "se João caminha, êle existe."

     Na lógica clássica, há uma inversão desses conceitos, pois se considera condição diferentemente do que fizemos acima. Mas é preciso considerar: onde há condicionamento, há o que condiciona e o que é condicionado. E o acto, pelo qual o condicionado é dependente do condicionante, é a condição. Portanto, onde há condição há um condicionante e um condicionado. Se descobrimos um condicionado, é que há uma condição e um condicionante. Como a relação entre o condicionante e condicionado é uma relação de antecedente e consequente, de prioridade e posterioridade, o dependente é sempre posterior, e a sua não existência não implica a não existência do antecedente do qual depende. Se não existe ou não existiu o do qual algo depende, não há dependência nem dependente. Assim, sem o condicionante não há condição nem condicionado.

     Na proposição "Pedro canta, se existe", o cantar de Pedro é condicionado à sua existência. Se dizemos, depois: "ora, Pedro existe", não podemos daí concluir legitimamente que "Pedro canta", porque poderia não cantar, pois dados o condicionante e a condição (pois Pedro canta com a condição de existir), não pomos ainda o condicionado (o cantar de Pedro). Mas se pomos o condicionado "Pedro canta", conseqüentemente há de haver a condição e o condicionante, pois, para que "Pedro cante é preciso que exista" (a condição para que Pedro cante é a sua existência, sem a qual não pode cantar).

     Contudo, negada a condição e o condicionado não se nega o condicionante, desde o momento em que o que é negado não implica a negação total, a aniquilação do condicionado, mas apenas de uma acção ou possibilidade do condicionado. Assim, se dizemos "Pedro não canta" não podemos concluir que não exista. Para que, negado o condicionado, se negasse a condição e o condicionante, seria preciso que a negação fosse absoluta e, neste caso, seria a negação do condicionante: "Para cantar é preciso existir; Pedro não existe; logo, não canta." Temos uma negação absoluta na menor "Pedro não existe".

     Conclusão: há um condicionante se há uma condição e um condicionado. Se há um condicionante, ainda não podemos concluir que haja uma condição e um condicionado.

     Acusa Maritain de se darem muitos sofismas, ao afirmar-se que está demonstrada uma hipótese porque certas conclusões são verificadas pelos factos. No entanto, a hipótese pode ser falsa, como aconteceu com a de Newton na Astronomia.

     Se afirmamos como verdadeira a nossa regra, concluiria Maritain que seria verdadeira a hipótese de Newton, porque teríamos o condicionado, o que daria a condição e o condicionante. Mas, é preciso considerar que uma hipótese, por ser hipótese, não revela um nexo de necessidade ontológica, porque se tal revelasse não seria uma hipótese (suposição). Os factos revelados mostram que há uma condição e, conseqüentemente, um condicionante. Supõe-se a existência do condicionante A, porque há perfeito nexo de proporcionalidade entre êle e os factos. Ao afirmar-se que uma hipótese é verdadeira, quer-se dizer que uma hipótese enquanto tal é verdadeira. Não se diz ainda que só ela é verdadeira, o que é essencial num juízo apodítico. Uma suposição pode ser verdadeira enquanto suposição. O erro dos cientistas (e é aí que está o sofisma) está em julgarem que uma hipótese verdadeira, enquanto hipótese, seja por isso apodítica. Êsse defeito não invalida a nossa regra, apenas aponta um excesso cometido por alguns, que escapam aos limites do condicional, pois transformam êste em categórico. É aí que está o sofisma.

     Se notamos que há factos (o que é e-fectum, o que é feito), há o que os faz, o acto de fazer e a acção de ser feito, que se dá no facto. Se há factos, há um acto que os faz, e a acção de serem feitos. Mas o acto, que pode fazer efeitos, pode não fazer êstes ou aqueles, pois o poder activo não implica necessàriamente que seja feito êste ou aquele efeito determinado. Portanto, do poder activo não se conclui o que é feito, mas do que é feito se conclui que há ou houve um poder activo que o fêz. Na condição (que é sempre hipotética), afirma-se: se há efeitos, há um autor dos mesmos e uma acção, que é a sua realização.

     No exame da condição é preciso verificar qual o seu modo. Há condição necessária (condição sine qua non), e há condição contingente, a que podia ser, e não exige, necessariamente, êste condicionado determinado. Para se qualificar a condição é preciso perguntar: Sem tal condição há tal facto, dá-se tal facto, ou não? E mais esta pergunta: para que se dê tal facto é mister apenas esta, ou outra condição?

     Com essas perguntas, evitam-se as maneiras ilegítimas de concluir que se encontram nos raciocínios. Se tal se dá, é necessária esta condição, ou não? A validez só pode ser estabelecida quando a condição é sine qua non, sem a qual tal facto não se poderia dar. Assim, no silogismo oferecido por Maritain: "Se Pedro morreu mártir, êle está no céu; ora êle está no céu, logo morreu mártir", a conditio não é sine qua non, porque não é verdade, segundo a religião, que, para alguém estar no céu, tenha de morrer mártir, e se Pedro está no céu não se pode concluir que necessàriamente morreu mártir. Também o outro silogismo, cuja conclusão é ilegítima, também apontado por Maritain, ofende a regra que acima expomos: "Se Pedro morreu mártir, êle está no céu; ora, êle não morreu mártir; logo, não está no céu", peca do mesmo modo, porque não é apenas, e só necessariamente, morrer mártir para se estar no céu.

     A regra nossa é, portanto, a seguinte: da existência do condicionado, conclui-se a existência da condição e do condicionante, mas só se conclui necessàriamente a existência desta ou daquela condição e dêste ou daquele condicionante, se a condição fôr sine qua non. Da afirmação de existência do condicionante, não se conclui necessàriamente a condição e o condicionado.

     Negam muitos lógicos que um silogismo condicional possa ser reduzido a um silogismo categórico, enquanto outros aceitam essa possibilidade. Maritain coloca-se entre os primeiros, e para justificar a sua posição assim exemplifica: "A prova disso (de que não é possível tal reducção) está em que, se consideramos uma maior condicional, cujos dois membros não tenham o mesmo sujeito, por exemplo:

     Se o mundo existe, Deus existe;

ora, o mundo existe;

logo, Deus existe,

a reducção aqui é impossível." E prossegue, mostrando que, se não se pode reduzir um tal silogismo a um categórico, pode-se, contudo, traduzir ou resolver um tal silogismo no outro, quer da maneira que acima indicou, quer quando a maior da condicional apresenta um único sujeito, etc.

     Mas, sucede que o primeiro silogismo, que êle citou, pode ter a aparência de silogismo, mas na verdade não o é. O esquema é:

     Se S é, P é;

ora, S é;

logo P é,

é um raciocínio imediato pois só tem dois têrmos, e ambos já dados na maior, a qual não afirma nenhum dos têrmos, mas apenas sua relação. Apenas aponta a uma relação de condicionalidade, que significa que P se dá sempre com S, ou que um não pode dar-se sem o outro. Ora, um silogismo exige três têrmos e não dois. Se digo: "se eu estudo, eu aprendo; ora, eu estudo, logo eu aprendo", há ainda dois têrmos apenas. Tal silogismo não serviria de base para demonstrar o que afirma Maritain. Mas vejamos outros silogismos condicionais, segundo os quatro modos que se podem dar, determinados pela forma da proposição menor, ou sejam: dois modos afirmativos e dois modos negativos, que podem referir-se, cada um, sôbre o antecedente ou sôbre o consequente, pois, como sabemos, no juízo condicional, a afirmativa ou negativa do consequente se dá se afirmado ou negado o antecedente.

     Um exemplo nos auxiliará melhor:

     Se esta curva é um círculo, ela retornará sôbre si mesma; quatro modos são daí possíveis:

     1) Ora, ela é um círculo; logo, ela retornará sôbre si mesma.

     2) Ora, ela não é um círculo; logo ela não retornará sôbre si mesma.

     3) Ora, ela retornará sôbre si mesma; logo, ela é um círculo.

     4) Ora, ela não retorna sôbre si mesma; logo, ela não é um círculo.

     Dêsses quatro modos, vê-se que apenas o primeiro, que afirma o antecedente, e o último, que nega o consequente, são os concludentes.

     E a razão é que uma curva sem ser um círculo (uma elipse ou uma oval) poderia retornar sôbre si mesma, como também uma figura, que retorna sôbre si mesma, não é necessariamente um círculo (como as que citamos). Os dois modos não concludentes pecam contra uma das regras fundamentais do raciocínio: o consequente tem mais extensão que o antecedente, porque outras figuras retornam sôbre si mesmas.

     Como reduzir os raciocínios condicionais a silogismos categóricos? Nesse caso, seria simples: Todo círculo retorna sôbre si mesmo; ora, esta figura é um círculo; logo, retornará sôbre si mesmo (1o modo).

     Todo círculo retorna sôbre si mesmo; ora, esta figura não retorna sôbre si mesma; logo, esta figura não é um círculo.

     E ainda poderíamos reduzir a juízos apodíticos, e construir um silogismo apodítico.

     Necessàriamente, todo círculo retorna sôbre si mesmo; ora, esta figura não retorna sôbre si mesma; logo, esta figura necessàriamente não é um círculo.

     Vejamos outro exemplo:

     Se esta curva é um círculo, ela tem um só ponto central.

     Vejamos os 4 modos:

     1) ora, ela é um círculo; logo, ela tem um só centro;

     2) ora, ela não é um círculo; logo, ela não tem um único centro;

     3) ora, ela tem um só centro; logo, ela é um círculo;

     4) ora, ela não tem um centro único; logo, não é um círculo.

     Neste caso, os quatro modos são concludentes. E por quê? Porque em todos êles os dois têrmos são noções eqüivalentes, pois têm a mesma extensão. É que a propriedade de ter um só ponto central pertence ao círculo, e apenas ao círculo. Também êstes podem ser reduzidos a um categórico; todos os círculos são curvas que têm um único centro.

     A conclusão, que se tira, é a seguinte: se há raciocínios condicionais, que não podem ser reduzidos a um categórico, há, contudo, outros, que o podem ser, e até há silogismos apodíticos, como se pode observar na geometria, e nos exemplos que demos acima.

     A relação entre antecedente e consequente é de máxima importância nos silogismos hipotéticos. Quando antecedente e consequente são eqüivalentes, os quatro modos são concludentes, como vimos no segundo caso; se estão subordinados, só dois modos são concludentes, como vimos no primeiro caso.

     Da verdade do antecedente, pode-se concluir a verdade do consequente, quando êste decorre necessàriamente do primeiro, desde que êste esteja dado. Ex.: Se há um pai, há um filho, porque ninguém pode ser pai sem ser pai de um filho. Também, da verdade do consequente, pode-se concluir a verdade do antecedente, se houver o mesmo nexo de necessidade acima apontado. Ex.: Se há um filho, há um pai.

     No caso de negação do antecedente, não se conclui a negação do consequente, salvo no caso acima citado. Também da negação do consequente só se conclui a do antecedente, também em tais casos.