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Dialècticamente, todo conceito inclui o que se afirma de uma coisa, mas aponta, naturalmente, a tudo quanto é ausente dessa coisa, pois quando se diz que algo é homem, diz-se automaticamente que não é não-homem; ou, seja, nega-se o seu contrário. Mas, como todo conceito delimita a coisa, para que uma coisa seja o que ela é, afirma-se a exclusão de tudo o que não é incluso no conceito. Não se quer dizer que o excluído não se dê na coisa; não se dá, porém sob a razão do conceito.
Dado um juízo S é P, a análise dialéctica, antes de examinar apenas o juízo, deve previamente realizar a análise conceitual do sujeito e do predicado.
As providências dialécticas são as seguintes:
1) Examinar a compreensão do conceito, e realizar a sua classificação.
2) Examinar a extensão do conceito, e realizar a sua classificação.
3) Examinar quanto à sua perfeição, e classificar.
4) Classificar o conceito segundo a origem e o fim.
5) Colocar o conceito-sujeito e o conceito-predicado, um em face do outro, para concluir sôbre a sua diversidade ou conexão. Verificar a diversidade ou a identidade, a pertinência ou impertinência, a convertibilidade ou inconvertibilidade.
Tomemos um exemplo, e procedamos a essa primeira análise dialéctica, segundo as providências indicadas. Partamos de um juízo simples, e analisemo-lo, a seguir:
Tomemos, primeiramente, o conceito homem, que é, neste juízo, o conceito-sujeito.
1) Quanto à compreensão, é um conceito simples, incomplexo. É um conceito concreto, porque implica a presença de uma subjectividade e uma forma. A diferença entre o conceito simples concreto e o abstracto está em que o concreto é o que uma coisa é, e o abstracto é o pelo qual uma coisa é o que ela é. Ora, a forma é o que, pelo qual, uma coisa é o que ela é. O homem é o que é, mas é homem por algo que o torna o que é, que é humanidade. Homem é um conceito simples concreto; enquanto humanidade é um conceito simples abstracto. Neste caso, estamos em face de um conceito simples concreto, que, portanto, tem uma forma e um subjecto.
2) Quanto à extensão, é universal porque nêle se incluem muitos indivíduos. É não-restricto, e é distributivo, porque se aplica a cada indivíduo que entra na sua extensão, aplica-se a cada indivíduo ao qual se pode chamar homem. É um conceito universal distributivo unívoco.
3) Quanto à perfeição é um conceito finito próprio, qüiditativo e distinto.
4) Quanto à origem, é intuitivo, mas de significação mediata, porque, intuitivamente, homem é êste ser que somos, que a nossa experiência indica, mas é um ser que se distingue por sua capacidade de apreciar valores, de julgar sôbre valores, o que é captado mediatamente, por intermédio de outros conceitos. É um conceito prático.
Verificando, agora, o conceito-predicado, podemos dizer, seguindo as mesmas providências, que tanto animal como racional seguem a mesma classificação e, neste caso, é evidente, porque escolhemos uma definição formal de homem.
5) Colocado um em face do outro, o sujeito se identifica, ao predicado, porque temos aqui uma definição. Homem é um ser que valoriza, e valorizar implica racionalidade. Há pertinência entre homem e animal, pertinência não mútua, como também a encontramos entre homem e racional, pois poderia haver um ser racional sem ser homem, no sentido concreto dêste conceito, pois um ser racional poderia não ser animal. Também se considerássemos homem apenas como o ser que valoriza, na definição clássica dos hindus, um ser capaz de valorizações, seria homem, não porém êste homem desta humanidade. Ademais, um animal, que tivesse racionalidade, seria homem, e não êste homem desta humanidade. Eis que penetra aqui o exame dialéctico para robustecer o exame puramente formal, e revelar como a dialéctica pode auxiliar o desenvolvimento lógico.
Admitamos que um insecto fosse capaz de valorizações, e também de raciocinar. Êste seria um animal racional, sem ser êste homem. Revela tal possibilidade que a definição dada acima é meramente formal. Dialècticamente, ela exige algo mais: homem é o animal racional no qual se dá esta humanidade. E esta humanidade não é apenas o conceito abstracto de homem, como se diz entre os lógicos que seguem a linha clássica. Homem é, dialècticamente, mais concreto, porque implica êste ser animal racional, que se classifica entre os primatas, o que tem humanidade. A caracterização concreta de um ser verifica-se, assim, pela predicação de uma sequência de conceitos que o determinam cada vez mais. Não é apenas a determinação formal que cabe na definição aristotélica, para a qual basta o gênero próximo e a diferença específica. É mister que êsse gênero seja considerado concretamente. Homem é um animal, este animal desta classificação, não um animal tomado abstractamente, em seu aspecto meramente formal, mas no sentido já determinado, que tem de tomar seu gênero. Para que a definição aristotélica se torne dialéctica e, por isso, concreta, a determinação do gênero se impõe como se impõe a diferença específica, porque a racionalidade do homem não é a racionalidade univocamente tomada, mas, analogamente, a racionalidade que lhe é pertinente e própria. Homem é, assim, o animal racional, cuja animalidade é a que lhe é própria, e cuja racionalidade também o é. Formalmente, um ser animal racional vivente em outro planêta, com outra classificação zoológica, seria homem, não porém univocamente êste homem. A necessidade desta análise dialéctica, que no caso presente é simples, torna-se de magna importância quando se trabalha com conceitos meramente abstractos. E levando a seus têrmos, com o máximo cuidado, tal providência é imensamente proveitosa, como iremos demonstrar.
Colocados o conceito-sujeito e o conceito-predicado, um em face do outro, novas análises são possíveis. Há uma perfeita reversibilidade formal, pois dizer-se homem é dizer-se animal racional, e vice-versa. São, por isso, conceitos reversíveis e convertíveis.
Para efectuarmos a análise mais completa, impõe-se que examinemos o conceito dentro da sua intrinsecidade e da sua extrinsecidade quanto aos factores, ou seja, quanto aos factores intrínsecos e extrínsecos, aos quais chamamos de emergentes e predisponentes.
Temos salientado, em nossos livros, a necessidade de distinguir tais factores. Os primeiros constituem o que e-merge da coisa, o que constitui o de que é feita a coisa (matéria) e o pelo qual é ela o que ela é (a forma), pois uma coisa começa a ser no precípuo momento que começa a ser; é ela algo feito de e tem uma forma que a distingue de outras. A emergência constitui a natureza da coisa. Contudo, nenhum ser finito é apenas êle mesmo, mas algo que sobrevêm, que depende de outro para ser, algo que exige factores pré-disponentes, que o antecedem, que acompanham, e que até sobrevivam à sua existência. Assim, o ser humano é, como matéria, toda a sua concreção biológica, e, como forma, a sua mais alta concreção psíquica, o que constitui a sua emergência, mas, para ser, exige outros, que o antecedam, causas eficientes, etc, sem as quais, êle não é. O ser humano, individualmente considerado, exige o histórico-social que o antecede e o ecológico que constitui seu ambiente circunstancial. O ser humano, tomado em sua concreção, é o produto da cooperação de todos êsses factores, que nêle actuam para formá-lo.
6) Emergentemente, o homem é um corpo com um psiquismo, uma alma. Êsse corpo animal, vivo, sofre a actuação dos esquemas psíquicos, como o psiquismo sofre os do corpo e das suas funções. Predisponentemente, o surgimento do ser humano, indivíduo, implica a presença de antepassados e de um meio ambiente, de um ambiente circunstancial, ecológico, em face do histórico-social, cuja interactuação é evidente, entre si e entre os princípios emergentes do homem e vice-versa. O ser humano é, assim, heterogêneo, pois depende da interactuação de factores, que variam entre si e em suas relações e reciprocidade. Se lògicamente o homem é um animal racional, como se vê na definição aristotélica, desde logo se percebe que essa definição apenas atenta para a emergência, pois diz precisamente o que o homem é biològicamente (animal), e o que é psicològicamente (racional). No entanto, não entram nessa definição os outros factores imprescindíveis. E é natural que assim suceda, porque a definição aristotélica é metafísica e apenas formal. Mas, a definição formal, por seu abstractismo, poderia ser dada a um outro ser completamente diferente em muitos aspectos dêste homem, e que mereceria também a mesma definição. Se a definição diz: o homem é um animal racional, um, aqui, se tomado definidamente, todo animal racional seria homem. Um animal racional, em Vênus, seria também homem, porque diz-se homem do animal racional. Se fosse tomado indefinidamente, então haveria um animal racional que seria o homem. Em outros têrmos, dá-se o nome de homem a um animal racional, ou, ainda: o animal racional, que conhecemos, é o que se chama homem. Neste caso, o têrmo homem seria um apelido desse ser. Mas, acontece que os têrmos têm uma etimologia, e assinalam intenções. E êsse têrmo indica o ser que pensa, o ser que avalia, o ser que mentaliza, pois nesse ho-mem, êsse radical mem, man, significa mente, mentalizar, mensurar, medir, etc. A definição poderia então ser traduzida: o animal que pensa é um animal racional. Chama-se homem êsse animal que pensa, que é racional, portanto. E é racional porque pensa. O conceito de homem já inclui o de animal racional. Nesse caso, todo animal racional é homem, porque é um ser que pensa. Verificamos, então, que a definição aristotélica do homem é puramente formal. Mas, nosso desejo seria definir com maior determinação, porque a definição é um juízo determinativo que aspira à maior determinação. Ao termos contacto com sêres de outros planêtas, inteligentes como nós, ou mais que nós, teríamos, naturalmente, de chamá-los de homens. E para distingui-los de nós, chamaríamos de "homens do planêta X". E por quê? Porque, ao notar que são inteligentes, que são racionais, são êles, como nós, homens também. E não é só, contudo. É porque também possuem um corpo vivo animal, um corpo com um sistema sensório-motriz, que, por diferente que fosse do nosso, seria animal. A definição permaneceria ainda formal. Mas, logo desejaríamos distinguir a nossa hominilidade da hominilidade dêles. Sentiríamos que, por sermos diferentes em nossa inteligência, impor-se-ia a necessidade de novas definições e de novos conceitos. Talvez, então, façamos do grego um conceito que passaria a ser genérico quanto à hominilidade Anthropos. Falaríamos, então, do antropos do planêta X e do antropos do planêta Terra, que a si mesmo chama de homem. Homem, então, seria o têrmo verbal do animal racional terrestre, e teríamos, aqui, penetrando na definição, o factor emergente ecológico. Teríamos, assim, uma espécie de antropos, o dêste planêta. A diferença específica tornar-se-ia mais rica, porque inclui o racional daqui, da Terra. O factor histórico-social indica a presença de uma historicidade no homem, pois há uma antecedência que está presente, não só na sua animalidade, mas também na sua racionalidade, porque o histórico-social actua sempre nos aspectos quaternários do homem, como emergência e como predisponência. Não é o homem apenas um animal sociável ou também social, mas histórico, e essa historicidade penetra não só na sua animalidade como na sua racionalidade. Mas, essa historicidade, embora concretamente diferente de qualquer outra de outro animal, não é formalmente suficiente para distinguir o homem, mas o é concretamente. A definição lógica é puramente formal. Êsse é o âmbito em que ela actua. Tem um papel eminente, pois assegura o rigor formal, que é imprescindível às análises do pensamento. Mas, o formal não encerra toda a concreção. E como a Dialéctica deve ser uma lógica concreta, deve ela palmilhar o caminho da concreção, sem desmerecer a Lógica Formal, e compreender até onde ela vale, mas seguir avante o seu caminho.
Assim, na análise formal dêste juízo, bastaria apenas precisar a animalidade e a racionalidade, formalisticamente consideradas, mas, na análise dialéctica, o caminho é mais vasto, e exige penetração na emergência e na predisponência, com o exame das interactuações e dos graus de intensidade das mesmas, pois, para exemplificar, a influência do ecológico, que inclui o clima, o ambiente geográfico com todas as características, é de máxima importância na compreensão concreta do homem.
Se levarmos avante o exame desses aspectos, teremos então oportunidade de poder esclarecer melhor certas distinções que geraram grandes controvérsias na filosofia clássica, e que nela permanecem como problemas insolúveis, realmente aporéticos, precisamente porque permaneceram no terreno meramente formal.
Podemos, por ora, referir-nos ao tema da analogia e da univocidade. Se o considerarmos apenas formalmente, há univocidade entre o homem como ser animal racional, e o insecto que também fosse racional. Mas, essa univocidade desde logo escandaliza o filósofo. E por que se escandaliza êle? Porque sabe que há uma diferença extraordinária entre ambos. E essa diferença é concreta. É concreta, não, porém, nos aspectos formais, mas, sim na existência da coisa. Teria forçosamente de concluir pela analogia. Haveria uma analogia entre o homem e o insecto racional, se existisse. E essa analogia exigiria um logos analogante. Êsse logos analogante é formal, mas como se dá essa formalidade existencialmente diferente, seriam apenas análogos tais sêres, pois ambos participariam dêle, sem o serem plenamente. Ambos, como animais, participam da animalidade, porque são sêres vivos com sensibilidade; participariam da racionalidade, por serem ambos inteligentes em grau intensistamente elevado, pois seriam capazes de operações intelectuais lógicas de terceiro grau, e até mais elevadas. Mas, em sua concreção, seriam diferentes. E a definição formal exigiria, então, novas diferenças para dar o carácter à diferença específica. Vê-se, desse modo, que a Dialéctica tende a levar mais longe a Lógica, porque, sendo uma lógica concreta, tende para a máxima concreção possível. Os novos factos, a descoberta de outros sêres animais racionais, poriam em xeque a definição lógica anterior, que era rigorosamente verdadeira, mas que não incluía toda a verdade possível de ser captada. O exame dialéctico, por ter sido mais amplo, daria novos subsídios para a Lógica Formal, e novas definições surgiriam, também, com o seu rigor, sem desmerecer a verdade das anteriores que, concretamente, seriam menos determinativas. Quando se deseja definir, pretendesse atingir a máxima determinação. E nesse caso, a dialéctica forneceria o caminho.
As providências metodológicas dialécticas, que apresentamos, não são ainda as definitivas para o exame dos conceitos de que se compõe um juízo. Mais adiante, realizaremos novos exames, segundo a via analítica e a via sintética, o que estudaremos em breve.
Não se deve esquecer a distinção entre nome e conceito. O nome é a voz significativa que serve para a comunicação. É um meio técnico que assinala o conceito. No nome, não há pròpriamente a presença do tempo, pois quando digo casa não digo algo que se dá agora, ou se deu ou se dará. O nome não inclui em si nenhuma indicação de tempo. Já o mesmo não se dá com o verbo, que é uma voz que significa também tempo, ou algo que se dá no tempo. É uma voz significativa com tempo, enquanto o nome é uma voz significativa sem tempo, para aproveitarmos o enunciado aristotélico. Assim, chove indica que a chuva está caindo agora, choveu, que tal facto se deu no passado, e choverá, que se dará no futuro.
Nos juízos, há a cópula é, do verbo ser, verbo substantivo, porque indica a presença de algo, a presença do predicado no sujeito. Assim, num juízo, predica-se a presença ou ausência de alguma coisa, quando se diz que S é P ou S não-é P. Êsse verbo realiza a união ou não, por isso é êle chamado, na Lógica, de cópula, e também verbo copulativo.
No exame do conceito universal, reportamo-nos à velha polêmica dos universais, e desejamos colocar-nos na posição crítica em que sempre permanecemos, eqüidistantemente dos excessos viciosos das diversas doutrinas, procurando a posição mais concreta, que aproveitará, normalmente, o que há de positivo em tais posições filosóficas.
Realmente, o homem é capaz de construir conceitos universais. O conceito universal representa a natureza abstractamente concebida. E tal se demonstra pela nossa própria experiência.
Resta saber qual o grau de representação de tais conceitos, que se dão na mente, com o que há a parte rei e que êles representam. Já examinamos êsses pontos em nossos trabalhos citados, e concluímos que há um universal na mente humana que representa o universal que está no objecto. Temos, assim, um universal mentalizado, pensado, um universal reflexo, e outro que está no objecto, que os lógicos antigos chamavam de universal directo. Em nossas palavras, o esquema noético-eidético representa mentalmente o esquema eidético-fáctico que se dá nas coisas. Mas, como já vimos, tudo o que se dá a parte rei não é universal, mas singular. O esquema eidético-fáctico, que está na coisa, se dá a parte rei, singularmente. Como êste mesmo esquema se dá singularmente em outros indivíduos, êle nestes se repete. Na mente humana, o esquema é universal, nos indivíduos é singular, considerado fàcticamente.
Mas, a sua repetição exige um logos. Assim João é homem, Pedro também o é. Há, fàcticamente, em João, e em Pedro, o esquema fáctico da sua hominilidade. Mas, ambos participam de um logos: a hominilidade. Êsse logos ambos têm em comum, sem que nêles se singularize. Portanto, o que nêles se singulariza imita o logos, assim como diversos triângulos singularizam, fàcticamente, o esquema da triangularidade de cada um, mas êste esquema fáctico imita o logos da triangularidade. Razão tinham, portanto, os antigos em distinguir o universal reflexo de o universal directo. O primeiro está na mente humana, o segundo está nas coisas. A lei de proporcionalidade intrínseca de cada coisa, que pitagòricamente se chama a forma, é singular, mas essa proporcionalidade, segundo uma lei, por ser repetida, é algo que transcende a singularidade. Por isso, o universal directo inclui, na sua conceituação, a presença do relacionamento, mas também o logos (razão) desse relacionamento. Essa razão não é singular, mas universal, como são, para exemplificar, as formas, ou razões matemáticas. Precisa-se, assim, de modo claro, o conceito ante rem, que é o logos; o conceito in re, que é esquema fáctico, e o conceito post rem, o que se dá na mente humana.
Essa concepção reúne as positividades dos conceptualistas e dos realistas, sem cair nos extremos. Tudo isso já foi devidamente demonstrado em nossos trabalhos de filosofia5.
Para o exame dialéctico, não devemos esquecer que o esquema mental é intencional, pois tende a referir-se ao esquema fáctico, e ao esquema do logos do ser, que chamamos esquema ontológico ou puramente eidético.
Acontece que o ser humano, na maioria das vezes, não dispõe de meios de conhecimento suficientes para estabelecer com precisão o eidos de uma coisa. Assim, não sabemos ainda, de modo suficiente, o que faz com que a maçã seja o que é, mas sabemos que, nela, existe um correlacionamento, uma lei de proporcionalidade intrínseca que a torna maçã, e outra que as outras coisas. Diziam os antigos que o universal, que se dá na coisa, era o universale in essendo, ou seja, a natureza uma, que está em muitos por identidade com êles, e que é predicada de muitos. O universal in essendo era distinguido pelos antigos de três modos:
1) Universale materiale, que é a natureza denominada universal;
2) Universale fundamentale, que é o fundamento próximo da relação de universalidade, o qual é a unidade precisa dos inferiores com a aptidão ou não-repugnância de ser neles; ou, seja, o esquema concreto desta coisa;
3) Universale formale, o qual se dividia em universale metaphysicum e universale logicum. O metaphysicum é a abstracção da universalidade fundamental, e sem o qual não é possível nenhuma ciência, porque não há nenhuma ciência sôbre as singularidades. O universale logicum é o que se refere à intenção de relação da razão.
Êsse universale formale, quer metaphysicum quer logicum, é constituído pelo esquema noético-eidético. Essas classificações da lógica antiga continuam presentes na dialéctica, e auxiliam os exames que esta pode proceder, justificando as distinções que se impuseram nas análises.
Se nos escapam os esquemas concretos da quase totalidade das coisas, um dos desejos da Ciência consiste em vislumbrar êsses esquemas. Antigamente, o homem, em face do ôvo, ao examinar a clara e a gema, que lhe pareciam de uma homogeneidade extraordinária, ficava perplexo para compreender a heterogeneidade do pinto. Hoje, graças aos conhecimentos obtidos pela ciência, sobretudo pela genética, podemos encontrar sinais dos factores que geram a heterogeneidade posterior, pois tanto a clara como a gema são de grande heterogeneidade.
Uma das grandes metas da ciência biológica é compreender e explicar o facto orgânico, ou melhor, vital. Apesar do grande progresso que tem tido a química-orgânica, ainda não se alcançou a fórmula fundamental da matéria orgânica.
É verdade que já foi verificado que a mais elementar matéria orgânica conhecida a (ovalbumina) possui uma fórmula, a qual, a título de curiosidade, aqui reproduzimos: C250 H409 N67 O81 S3. E a fórmula da albumina, contida na hemoglobina, é: C712 H1130 N214 O245 S2.
Todos conhecem os grandes esforços empreendidos no século passado, e ainda neste, no intuito de alcançar-se a geração espontânea da vida; ou, seja, de realizar-se um ser vivo por espontâneo impulso da natureza.
Hoje se tenta o mesmo em laboratórios. Durante o século passado, e também neste, os que seguem a linha da escolástica têm procurado combater tais experiências sobre a alegação de que não é possível ao homem criar vida. É verdade, também, que Tomás de Aquino admitia a geração espontânea, e até exemplificava. Acontece, porém, que os exemplos dados por Tomás de Aquino, hoje, em face da Ciência, não são pròpriamente de geração espontânea.
Mas, o que vale aqui é a intenção do aquinatense. Para êle, não havia nenhuma razão ontológica para se negar a possibilidade da criação de uma matéria orgânica pelo homem.
Se um dia a ciência alcançar a mais simples forma de matéria orgânica viva, ela verificará, e isto o afirmamos com convicção, que há um número (número de correlacionamentos químicos), que, realizado, revela-se como um ser vivo. E se, como é indubitável, houver vida em outros planêtas, se as mesmas providências forem tomadas, também notarão os sábios um número químico, que, alcançado, dará surgimento à matéria orgânica, viva. Dadas as condições heterogêneas dos planêtas, o número poderia ser diferente, mas o facto vivo seria, sob o aspecto formal, o mesmo.
Sem querer discutir a validez filosófica destas afirmações, desejando apenas permanecer no campo da Dialéctica, tais possibilidades nos apontariam um facto de magna importância, que é o seguinte: teríamos, nos diversos planêtas, um facto vivo correspondente a um número, mas êsse número (e aqui seria no genuíno sentido pitagórico) seria distinto um dos outros. Teríamos a vida formalmente idêntica em todos, mas fundamentalmente distinta. O esquema eidético-fáctico seria diferente em cada um, mas a vida, formalmente enquanto tal, seria a mesma. Que surgiria, então? Daí decorre que se impõe a necessidade de distinguir o esquema eidético-fáctico de o meramente lógico. A vida, aqui, seria fundamentalmente a, e, ali, fundamentalmente b, mas vida em ambos. Impor-se-ia, pois, a distinção entre o esquema eidético-fáctico da vida a, de o esquema eidético-fáctico da vida b, que seriam aritmològicamente diferentes, embora, em ambos, metafisicamente, o mesmo: vida. Teríamos, assim, um esquema eidético-fáctico aritmológico distinto de outros, mas todos analogados no esquema eidético-metafísico da vida. Que se veria, então? Nada mais que a justificação da tese pitagórico-platônica: a vida a e a vida b participariam da Vida, pois inegavelmente deveria haver uma outra forma, à qual as formas concretas a e b se analogariam; ou, seja, participariam daquela. Assim, a criação da vida a ou da vida b não seria a criação da Vida, mas da vida a ou b.
Ressalta daí que o esquema eidético-fáctico não é ainda o esquema eidético-metafísico, mas participa dêste. Eis aqui um grande fundamento para o esquema noético-eidético, o qual se dá no homem. Êste, intencionalmente, aponta tanto um como outro, sem que a expressão seja uma reprodução fiel daqueles esquemas. Lògicamente, o homem capta, da vida, para exemplificar, o que esta formalmente apresenta transcendentalmente ao fenômeno vida, aqui ou ali. Vida é a potência activa criadora, geradora de sêres reprodutíveis, com auto-crescimento, formalmente semelhantes, a qual actua imanentemente nos mesmos.
Como ela se apresenta fàcticamente é outra coisa, e escapa ao campo da Lógica. Êsses aspectos fácticos pertencem ao âmbito da Ciência. A Dialéctica, unindo a Lógica à Ciência, não poderia parar apenas no formal, mas tenta invadir o fáctico, por isso é ela uma Lógica concreta.
São essas as razões que nos levam a compreender que o fortalecimento da Lógica, para que possa ela ser a ciência auxiliar tão importante, exige que os exames das afirmativas lógicas tenham um cunho ontológico rigoroso.
E êsse cunho ontológico é dado pelo rigor da necessidade. Quando lògicamente se define a vida como a automoção, dá-se como razão formal da vida a automoção, a intuscepção. Nessa definição, há o que é capaz de se mover, a operação vital. Nesse conceito há, pois, a acção transeunte do que passa da potência para o acto, mas essa acção é imanente, porque o ser vivo move-se imanentemente, em si mesmo. Neste caso, é vivo todo ser que tem a automação, que transita da potência para o acto. No ser vivo há, portanto, o que move, e o que é movido, mas a vida não pode ser outra coisa que o poder de automover-se, o poder da moção imanente; portanto, em acto. Ao atingir certo número orgânico, um ser corpóreo é capaz de automover-se. Nesse ser, tem de haver a presença do poder activo, do agente. O ser é vivo quando tem êsse agente.
Portanto, pode-se distinguir a vida em geral de a vida orgânica, que se dá com os sêres corpóreos. Nestes, há vida, o poder activo de mover a si mesmo, mas o que é movido é o corpo. O corpo vivente é o corpo orgânico. Mas, ao ser vivente, não é imprescindível que seja necessariamente corpóreo. Poderia haver um ser vivo sem ser corpo, e desde logo se vê que a vida necessàriamente não surge da corporeidade, cuja potencialidade passiva não poderia ser a razão de um agente.
Neste caso, ao criar-se a matéria orgânica, ou, seja, a matéria numèricamente composta, de modo a tornar-se apta à vida orgânica, não se criaria a vida, porque esta exige o acto vivo que se realizará no corpo; em suma, um agente. Êste agente surge na filosofia clássica com o nome de anima (alma), o que anima o corpo; alma vegetativa, a que se dá nas plantas, alma sensitiva, a que se dá nos animais, e alma intelectiva, a que se dá no homem.
A diferença que há entre o ser vivo e a máquina é que, nesta, há uma agregação das partes, e seus órgãos não têm automoção. Todo corpo vivo exige a colocação de um agente que transcende sempre a explicação meramente material. É essa a razão por que a vida surge, na Filosofia, como um mistério e não pode ser explicada apenas pelas combinações materiais. Contudo, é de presumir que, atingidas tais combinações num corpo, subitamente se manifestasse a vida, ou seja, a automoção, como o pretendem os que afirmam a possibilidade da geração espontânea e, como vimos, era admitida como possível por Tomás de Aquino.
Não esqueçamos, então, que actualizado um número orgânico, a vida se tornaria efectiva. Mas seria a vida desse ser orgânico. Essa vida participaria do esquema eidético-metafísico da vida, que é o poder activo da automoção, da suscepção. Êsse poder activo não poderia encontrar uma explicação cabal na matéria, porque esta seria apenas um agregado mecânico e, no ser vivo, há o surgimento de uma tensão que se manifesta na coerência e na coesão das partes, que funcionam sob a direcção de uma normal dada pela totalidade. Êsse agregado orgânico, em certo momento, ao atingir o número orgânico da vida, seria assumido por algo que nele seria activo. Êsse algo, que a razão se vê forçada a aceitar, não encontra na Biologia a sua explicação, porque já pertence ao campo da Filosofia, Estaríamos, aqui, palmilhando o terreno das tensões, e é em "Teoria Geral das Tensões" que tratamos dêste problema, sem dúvida um dos magnos problemas da Filosofia. Em conclusão: poder-se-ia dizer que o surgimento de matéria viva por acção humana ainda não solucionaria suficientemente o problema. Seria já um grande progresso, e admitamos possível de ser alcançado, mas a explicação da vida não poderá ser feita em laboratório, porque ela transcende o campo das Ciências Naturais.
A dialéctica concreta revela assim que há um mundo dos logoi, que se dá todo de uma vez, simultâneamente. A razão (logos) do ser de todas as coisas, e as razões (logoi), que conexionam todas as razões entre si já estão dadas de todo sempre, e simultâneamente. É fácil compreender-se agora como havia razão em Santo Anselmo e São Boaventura, nas suas provas ontológicas da existência de Deus, que é, na Religião, o ser infinito.
É inegável, pois, para a dialéctica concreta (que o prova, através de suas análises), que há uma logicidade universal, e que a Lógica e a Dialéctica não são apenas meras criações da inteligência humana, mas nexos que ordenam e coordenam todo existir, do qual a nossa Lógica e a nossa Dialéctica são apenas reproduções nossas, intencionais, da logicidade que conexiona todos os sêres. A Lógica e a Dialéctica tornam-se, assim, não apenas uma arte, mas uma ciência, como um objecto material definido, que são todas as coisas, e com um objecto formal, também definido, que é a logicidade que há em todas as coisas, ou, seja, o nexo dos logoi, que conexionam todos os sêres entre si. E essa conexão antecede a todos êles, essa conexão lógica é algo que se dá antes dos sêres finitos serem, e que preside a todo o ser. É o logos último do ser. Há, assim, leis universais, que constituem o logos que conexiona todas as coisas, e essas leis nos permitem levar avante a análise dialéctica concreta pela qual propugnamos.
Vamos primeiramente empregar ainda alguns exemplos do raciocinar dialéctico sôbre as inversões, obversões e conversões dos juízos apodíticos, para depois, estabelecermos as leis ontológicas do raciocinar dialéctico, tanto quanto nos fôr possível dentro dos limites dêste livro, para com elas podermos ter as bases seguras de um raciocinar que evite, de uma vez por todas, essa vagabundagem do espírito filosófico no campo das asserções e das opiniões, que só serviram para aumentar a confusão, e criar filosofias de evasão e de desespêro.
O que é fundamental da proposição lógica, como já vimos, é o sujeito, o predicado e o tipo de predicação. Os dois primeiros constituem os elementos materiais da proposição, enquanto o segundo (o verbo) dá a forma da proposição, segundo uma classificação segura da lógica clássica.
Entre os diversos exames, já por nós salientados, não se deve jamais esquecer que o sujeito como suposto (sub-jacere, sub-ponere) tem a função de quem recebe. É um substracto que suporta um revestimento, um predicado atribuído, ou não, ao sujeito. O papel actual do sujeito, na proposição lógica, é o do elemento que é actualizado pelo espírito, é alguma coisa da qual se fala, pois o sujeito pode ser real ou não. Tanto o sujeito, como o predicado, são conceitos.
No exame, portanto, de uma proposição, é necessário considerar como primeira providência, como vimos, após a actualização do sujeito, se está sendo tomado em sua extensão ou em sua compreensão.
Assim, se dizemos: O homem é mortal, se tomamos homem em sua extensão (todos os indivíduos classificáveis como homem), mortal é contingente. Se tomamos em sua compreensão (no conjunto das notas essenciais do ser humano) mortal seria universalmente predicado dos homens. Neste caso, o juízo: Se é homem, é mortal é verdadeiro se verdadeiro fôr aquele.
Portanto, a primeira providência a seguir é tomar o conceito segundo a sua extensão, e segundo a sua compreensão, e considerar a validez do juízo segundo o modo de serem êles tomados.
O predicado no juízo O homem é mortal, tomado em sua extensão, afirma que homem se inclui na classificação dos indivíduos mortais; segundo a sua compreensão, que é da natureza do homem ser mortal.
Ora, surge aqui um ponto de máxima importância. Quando tomamos um conceito em sua extensão, o que dêle afirmamos, fazemo-lo contingentemente, pois dizer-se que a experiência nos mostra que todos os homens, que já existiram, foram mortais, tal nos leva a considerar como provavelmente certo que todos os homens actuais são mortais. Contudo, tal afirmação não nos oferece a apoditicidade desejada pela dialéctica-concreta. Poderíamos, então, dizer que, segundo a máxima probabilidade, todos os homens são mortais. Quando tomamos em sua compreensão, afirmamos que é da essência da coisa o predicado, que é uma propriedade ou uma nota essencial. Neste caso, o predicado não é meramente provável, mas necessàriamente certo. Assim, se mortal pertence à compreensão do conceito homem, a sua mortalidade é necessàriamente decorrente da sua natureza.
A relação entre sujeito e predicado apresenta sete aspectos fundamentais:
1) O predicado é unívoco com o sujeito, e com êste se identifica, o que é fácil perceber-se pela inversão. Assim, no juízo: homem é animal racional, ou em "ser animal racional é ser homem", temos um exemplo de máxima determinação realizado pelo predicado, pois a definição de homem, classicamente, é esta. Neste caso, podemos actualizar na proposição lógica, homem, e então êste conceito passa a ser sujeito, ou animal racional, que, actualizado, passa a ser o sujeito. Há, contudo, aqui, a possibilidade de uma nova distinção dialéctica, como já procedemos nesta obra, porque homem, tomado como essência ou como natureza, modifica, o sentido da proposição, como já vimos.
2) O predicado está incluso no sujeito, e corresponde, neste caso, à figura de retórica sinédoque, como no juízo: o Exército é a tropa. Estamos, neste caso, numa espécie de metonímia, pois tomamos, aqui, o menos pelo mais. A intenção de quem formula essa proposição é afirmar que o que constitui a realidade do exército é a tropa, desmerecendo, ou pondo em segundo plano, a parte administrativa ou burocrática do exército.
3) O sujeito está incluso no predicado, como no juízo: O homem é mortal porque, entre os sêres mortais, está também o homem.
4) Apenas se atribui parcialmente o predicado ao sujeito, como quando se diz Alguns homens são cientistas. Se alguém disser o homem é cientista, o predicado apenas se refere a alguns. A predicação, não sendo includente ou unívoca, deve ser apenas parcial ou excludente. Se digo O homem é sábio, é artista, é criador, é político, em tais juízos tomo o homem enquanto é isto ou aquilo, ou que entre os homens há os que são isto ou aquilo. Em proposições tão evidentes como estas, o sentido logo é claro, mas o mesmo já se não dá quando é empregado em proposições de ordem filosófica, como o desta proposição materialista O ser é matéria, pois matéria é um modo de ser, e não todo ser.
5) O predicado exclui-se do sujeito, ausenta-se dêle, como se vê nos juízos negativos: o homem não é pedra, ou, seja, exclui-se do sujeito homem a predicação pedra.
6) A predicação indefinida dá-se quando é atribuído ao sujeito um predicado, que é negado, como no juízo O homem é não-pedra. No juízo negativo, a predicação é totalmente recusada; no juízo indefinido, a predicação é afirmada indefinidamente, pois o homem é algo que é não-pedra, sendo possível predicar-lhe algum predicado indeterminado outro que pedra.
7) Quando a predicação é negativa indefinidamente, como no juízo O homem não é não-mortal, ela torna-se afirmativa: não-mortal é tudo ao qual não se pode predicar a mortalidade. Ao homem é recusada a predicação de não-mortal; ou, seja, é êle mortal.
No exame do juízo, devem-se considerar tais relações entre o predicado e o sujeito. No primeiro caso, há os juízos tautológicos, tais como Homem é homem, cujo exame já fizemos, pois a tautologia, aqui, se dá completamente, porque, ao predicar-se homem ao homem, predica-se-lhe o ser plenamente homem, e tomamos o sujeito apenas em sua essência, sem considerar o que nêle é accidental. Ora, homem não é apenas o que é essencial. Na tautologia acima, predica-se a homem apenas a sua essência, o ser homem. A tautologia não é, pois, absoluta, como vimos ao examinar o juízo Ser é ser, porque há uma distinção entre o predicado ser e o sujeito ser. A ser como suporte, actualizado como algo que pode receber uma predicação, aplicamos-lhe uma predicação essencial ser como actuar, como exercitar-se como tal, como presença, como afirmação. O predicado é o que se diz do sujeito determinadamente ou não. É uma caracterização do sujeito. O predicado, enquanto tal, é o que se atribui ou não; é o que se afirma ou nega de alguma coisa. O mesmo têrmo, enquanto sujeito e enquanto predicado, é, como voz, um só e mesmo, mas intencionalmente tem conteúdos esquemáticos distintos. Homem, como o ser que recebe atribuições, é diferente de homem, quando atribuído a um ser, porque, neste segundo caso, a atribuição é uma determinação, uma caracterização essencial.
Quando alguém diz: o exército é a tropa e outro responde: não, o exército é o exército, êste segundo juízo não é uma mera tautologia. O primeiro afirma axiològicamente que o que significa em sua essência o exército é a tropa, de que o resto é accidental, como a administração, a parte burocrática. O segundo afirma, ao contrário, que o exército é tudo quanto essencialmente o compõe: tropa, administração, constituição jurídica, história, ideais. O exército é, na verdade, tudo quanto é propriedade da essência exército.
É mister, pois, examinar se há tautologia simples ou aparente.
As definições são juízos determinativos de máxima determinação. Não são, porém, tautológicas, como alguns afirmam, porque são juízos analíticos, e consistem na precisão do que diz o conceito sujeito, sua significação, que é dada por seu conteúdo noemático e, sobretudo, seu conteúdo ontológico.
Há, aqui, um ponto de máxima importância: a distinção entre o conteúdo noemático e o ontológico do conceito. Um conceito pode ser tomado em sua Significação eidético-noética, histórica, portanto. Neste sentido, temos o conteúdo conceitual comum. Assim homem, tomado noemàticamente, é o ser ao qual pertencemos, é o animal racional. Em seu conteúdo ontológico, o conceito é tomado em sua estructura metafísica, animalidade e racionalidade para o homem. No primeiro caso, afirma-se o ser noemático, mas o ser ontológico é afirmado como participação, como um habere. O homem é um animal racional; no segundo, tem animalidade e racionalidade. A estructura ôntica é tomada materialiter, enquanto a ontológica é formaliter. Fundamentalmente, o homem é animal-racional, e seu ser consiste em ser animal-racional, mas formaliter é um ser que participa da animalidade e da racionalidade, no qual essas formalidades se dão, sem que êle as seja. Assim, o homem, que é sábio, tem sabedoria. Se sábio é fundamental no homem, o ter sabedoria é apenas a participação de uma perfeição. Assim o homem é perfeitamente animal racional, não é, porém, perfeitamente, em pleno exercício de seu ser, a animalidade e a racionalidade.
Ao examinarmos os conceitos sujeitos e predicado numa proposição, devemos considerá-los segundo a sua estructura material (noemática) e a sua estructura ontológica. Apesar de para muitos ser essa distinção de uma subtileza duvidosa, o mais leve exame dialéctico logo nos mostra que não, porque se o homem é, como tal, plenamente homem, não é plenamente humanidade, da qual apenas participa. Qualquer ser humano é homem, mas nenhum é humanidade. Em juízos simples, como os que acima citamos, o exame é fácil, mas já não o é quando se trata de juízos filosóficos mais complexos.
A essência da matéria é a materialidade, mas essa é a essência metafísica, e não a física. Porque, fisicamente, a matéria é o ser que apresenta as propriedades que já examinamos, mas, ontològicamente (metafisicamente), é o ser que tem materialidade (aptidão para receber formas, para ser informado) o que o distingue da matéria esta da nossa experiência.
No segundo caso da predicação, em que o predicado está incluso na compreensão do sujeito, não se deve confundir com o terceiro, em que o sujeito é que está incluso no predicado. O predicado apenas se refere a uma parte do sujeito, aponta a menos do que o sujeito é, enquanto o outro é o inverso: o sujeito aponta a menos do que o predicado é.
Ora, a realidade do predicado é proporcionada à realidade do sujeito. Um predicado não pode ser mais real que o sujeito, porque, se predicamos uma coisa de outra, a predicação é tão real quanto o que recebe a predicação. Se blitiri é apenas uma voz, sem significação, não tem ela outra realidade, salvo a de ser simplesmente uma voz sem significação. Se predico algo de um sujeito, é preciso considerar se o predicado é ou não real quanto ao sujeito, pois se digo homem é pedra, a realidade de pedra é proporcionada ao sujeito. Dar mais realidade ao predicado que ao sujeito leva a sofismas, como veremos oportunamente.
No exame das predicações parciais, como as negativas e as indefinidas, são estas realmente ilustrativas, e merecem o máximo cuidado, sobretudo quando o predicado é negativo lògicamente como imortal, que indica a não-mortalidade, a ausência de mortalidade, mas que é, por sua vez, positivo, pois aponta ao que não sofre decomposição nem destruição. O conteúdo, assim, de muitos conceitos negativos, é positivo, como o do conceito átomo, que indica algo positivo, e também o conceito não-eu, e outros. É mister, pois, considerar o conceito negativo, e examinar se se refere a uma negação pura e simples como não-pedra, ou a uma negação que aponta uma positividade, como não-eu (o mundo exterior). Numa predicação, que é feita com predicado negativo, pode-se afirmar uma positividade. Quando se diz a alma é imortal, não estamos aqui numa mera indeterminação, pois não-mortal é distinto de mortal. A pedra é não-mortal, porque não conhece nem sofre a destruição da vida, porque não a tem. Se se disser que a pedra é imortal, diz-se que a vida da pedra é indestructível. É preciso, pois, distinguir o conceito negativo indefinido de o conceito negativo-positivo, como já vimos. Se o homem fosse um ser inorgânico, sem vida, poder-se-ia dizer que êle é não-mortal, o que é distinto de dizer que êle é imortal, se tem êle vida.
O conceito negativo exige assim uma análise cuidadosa, porque muitos sofismas surgem daí. Há uma distinção importante no modo de predicar um conceito negativo, quando referido a sujeitos diversos. Assim, se digo o coleóptero é invertebrado, afirmo que não há vértebras no coleóptero. Mas, sendo êste um animal, enquanto animal é classificável entre vertebrados ou invertebrados. Havia uma possibilidade de ser uma ou outra. Mas, quando digo, a pedra é invertebrada, não há nenhuma relação de possibilidade entre o predicado e o sujeito, pois as pedras não poderiam ser classificadas como vertebradas ou invertebradas.
Em juízos simples como êste, é curial e fácil a compreensão do que dizemos. Mas, há juízos mais complexos, em que tais afirmativas não transparecem como disparatadas. Quando dizemos a matéria é não-mortal, afirmamos que não podemos classificar a matéria entre os sêres mortais ou imortais, porque não é ela um ser ao qual possamos predicar a vida, enquanto a tomamos indeterminadamente como matéria. Mas se dizemos uma matéria é mortal, já nos referimos a uma parte da matéria, aquela que é viva. Se dizemos uma matéria não-mortal, queremos referir-nos a uma parte da matéria que não pode sofrer a mortalidade, uma matéria não-viva, portanto que não morre. A determinação uma (alg'uma) refere-se parcialmente à matéria. Aquela matéria (uma) afirmamos que é viva, e que não sofre mortalidade. É muito diferente de quando dizemos o pêso é não-vertebrado. Realmente o pêso não poderia ser classificado entre os sêres vertebrados ou não, porque não é um ser animal. Não lhe caberia nenhuma possibilidade de ser predicado desse modo. Estamos aí em face de um disparate, porque não há paridade entre o conceito predicado e o conceito sujeito. Essa disparidade não é sempre fàcilmente assinalável, como se vê em conceitos de fácil compreensão como êstes. Mas, há outros que oferecem maiores dificuldades. Assim quando se nega uma classificação, que é impossível ao sujeito, não o colocamos desde logo na classificação polar, oposta, salvo nas oposições contraditórias. Se dizemos que a pedra é não-vertebrada, não a colocamos entre os seres invertebrados, pois tal ofenderia as regras da classificação, que são elementares na Lógica, como veremos.
Impõe-se, pois, no exame de um juízo em que o predicado é negativo, se a negação se refere a uma predicação possível, ou não. Se a predicação fôr impossível, é ela, então, disparatada.
Outras regras se impõem quanto ao exame de um juízo. Deve-se examinar se a intenção conceitual do sujeito e do predicado é tomada quanto à sua natureza ou à sua essência. No exame que fizemos do conceito homem, vimos que podemos tomar êste como natureza ou como mera essência ontológica. Como natureza, homem é êste ser no qual nós nos classificamos. Como essência meramente ontológica, é o ser capaz de juízos, de um conhecimento discursivo, que é portador de racionalidade. Assim temos duas definições: quanto à estructura física, e quanto à estructura metafísica. Fisicamente, homem é êste animal racional, êste animal (primata), que revela ser possuidor de uma racionalidade. Como estructura metafísica, é o ser que, sendo animal, é portador de racionalidade. Se em outro planêta, existir um animal racional, como vimos, será êle metafisicamente homem, porque poder-se-ia dizer que é um ser capaz de juízos racionais, mas seria fisicamente (como natureza) diferente. Esta distinção se impõe, porque na formação dos conceitos, o sentido noemático refere-se, em primeiro lugar, à estructura física de um ser. Assim se verifica na conceituação zoológica, e também na forma mais elementar da conceituação humana, que é a que se observa nos povos de cultura primária. A conceituação, que se funda na estructura metafísica, já é distinta. Metafisicamente, a inteligência angelical é, para os religiosos, também racionalidade. Mas, a estructura da racionalidade humana é distinta da estructura da racionalidade angelical, como da racionalidade divina. São fisicamente distintas pela natureza, embora metafisicamente apresentem certa univocidade formal. A distinção entre a estructura física e a metafísica impõe-se para a mais nítida compreensão das distinções formais. A sabedoria do homem, a sabedoria do anjo e a sabedoria da divindade são, em sua fisicidade, distintas, embora em sua formalidade apareçam como idênticas, porque a sabedoria no homem é sabedoria, a sabedoria no anjo, também o é, como o é a de Deus.
A Sabedoria consiste na aptidão de conhecer as coisas. Mas, nesse conhecer, há graus de intensidade. Quando se conhece pelas suas causas, tem-se a ciência; mas o conhecimento dessas causas pode ser apenas parcial ou total. A sabedoria, pois, em sua estructura física, na sua onticidade, é distinta de um para outro. Na sua estructura meramente formal, parece ser a mesma. Não o é, porém, porque, formalmente, a sabedoria de um ser infinitamente perfeito não é deficiente, enquanto o é para um ser que não tem tal perfeição. Se considerarmos a essência de uma coisa em sua estructura ôntica, e em sua estructura ontológica, são possíveis tais confusões. A sabedoria divina, em sua onticidade, é essencialmente ela mesma. A formalidade, que a aponta plenamente, é a do ser infinito. A formalidade, que aponta ao ser deficiente, é algo de que êste participa, e não é, porque o ser infinito é sabedoria, enquanto o ser finito tem sabedoria. Só o ser infinito pode ser a perfeição de uma formalidade, porque êle será essa formalidade infinitamente, enquanto o ser finito só a pode ser finitamente, porque, do contrário, o predicado teria mais realidade que o sujeito, o que já vimos ser falso. A formalidade é, portanto, a lei da proporcionalidade intrínseca, como muito bem consideraram, com profundidade, os pitagóricos de terceiro grau. E como tal, essa lei é proporcionada por sua vez ao que a tem, ou a é. Assim, a sabedoria do homem, como proporcionalidade intrínseca, distingue-se da sabedoria de outro ser. A univocidade aos poucos desfarela-se para se encontrar apenas uma: a sabedoria do homem está para o homem na proporção em que a sabedoria de Deus está para Deus. Estamos, agora, na analogia, porque há apenas analogia aqui. Mas, a sabedoria do homem é do homem, na proporção da realidade dêste, como a de Deus é de Deus, na proporção de sua realidade. Eles se univocam apenas nessa proporcionalidade. Está para um como está para o outro. O homem, tomado em sua onticidade, tem a sabedoria que, como tal, é exclusivamente dêle; assim Deus, tomado em sua onticidade, tem a sabedoria, que, como tal, é exclusivamente dêle.
Os que se dedicarem ao estudo da univocidade e da analogia em Duns Scot e Tomás de Aquino hão de perceber que, por esta nossa classificação, o abismo entre ambos está flanqueado, porque há positividade de um lado e de outro, e não há mais exclusão da univocidade escotista e da analogia tomista, pois são apenas aspectos de uma mesma realidade, que é bifronte apenas para a capacidde perceptiva de nossa mente; ou, seja, o bifrontismo é gnosiológico e não ontológico.
Tomemos o juízo o homem é mortal. Se tomamos homem e mortal em sua natureza ou em sua estructura ontológica, metafísica, há distinções que se impõem. Em sua estructura física, homem é êste animal racional, ao qual se atribui ser fisicamente mortal. Se tomamos homem em sua estructura metafísica, dizemos que todo ser animal, portador de racionalidade, é mortal. Se mortal é tomado fisicamente, dizemos que é da sua natureza ser mortal; se tomamos metafisicamente, dizemos que é da sua essência ser mortal. Há, assim, quatro combinações:
2) S e P tomados metafisicamente;
3) S tomado fisicamente e P metafisicamente;
4) S tomado metafisicamente e P fisicamente.
Examine-se o juízo O homem é mortal nas quatro possibilidades. Na primeira, refere-se a êste (haec) homem; na segunda, a todo ser animal, que é portador de racionalidade; na terceira, êste homem é mortal em sua essência; na quarta, o homem, enquanto ser animal racional, é de natureza mortal.
Impõe-se a seguinte providência: devem-se considerar o predicado e o sujeito, num juízo, fisicamente e metafisicamente.
Se tomamos um conceito (sujeito ou predicado) e o consideramos em sua emergência e em sua predisponência, notamos diversos aspectos, que são de magna importância. A emergência de um ser, como vimos em "Lógica e Dialéctica", refere-se à sua materialidade e à sua formalidade específica. Assim homem, em sua emergência, é corpo e espírito (factores bionômicos e os psíquicos). A predisponência constitui o que, sem o qual, o ser não se dá, ou seja: sua causa eficiente, sua causa final, e os factores que constituem o seu ambiente circunstancial físico ou metafísico. Homem é, pois, também, um ser que tem uma origem, e se dá num determinado contorno ambiental.
Se tomarmos cuidadosamente o exame dos conceitos, sob êsses aspectos, logo estabeleceremos a sua definição, quando o examinarmos em sua emergência. A pergunta de que é feito, ou de que consiste, dá-nos a resposta ao aspecto genérico, e o pelo qual é o que é (forma) dá o aspecto específico. De que é feito (quod) o homem? De um corpo vivo, animal. Pelo qual (quo) o homem é homem? Por ser racional.
No exame dos conceitos sujeito e predicado, deve-se perguntar pela emergência que cabe na definição e pela predisponência, que nos mostra a correlação de dependência real ou ideal com outros conceitos. Assim, o conceito mortal permite que se pergunte: de que é feito o mortal? A pergunta sôbre o quod indica que mortal é do que é vivo ou que tem vida, porque não se pode falar de mortalidade do que não é vivo. Mas pelo qual (quo) algo é mortal? Por ser um ente destructível. Um ser é mortal, quando sua vida é destructível. É mortal o ser vivo que pode ser destruído enquanto totalidade, enquanto é o que é. Não há um ser mortal sem vida. Vida antecede ontològicamente à morte, que é perecimento da vida de um ser vivo, ou melhor, da vida do ser vivo. Não pode haver um ser mortal, sem que haja vida, e é mister que tenha essa vida, que a tenha recebido, porque, para que um ser seja mortal, é mister que seja composto do que recebe a vida, e não apenas e simplesmente vida, porque esta, ontològicamente, é apenas vida.
Ora, só é destructível o que é composto. Um ser vivo, para ser mortal, é mister que seja composto. Se é composto, sua existência não é idêntica com a sua essência; êle não é existencialmente o que é essencialmente. Só um ser simples poderia ser imortal. Mas a mortalidade de um ser deve ser considerada na sua natureza, na sua estructura física. A mortalidade de homem é a da sua composição física. Na sua estructura metafísica, mortal é a possibilidade de ser vitalmente destructível. Um ser composto é destructível, e de todo ser composto de matéria e forma pode-se dizer que é decomponível.
Essas análises, quando levadas com cuidado nos diversos conceitos que compõem um juízo, permitem notar várias distinções, que não são evidentes desde logo.
Se todas as regras metodológicas, que oferecemos da Lógica Formal, são bem conduzidas, está-se apto a captar as distinções, que são tão preciosas para o nítido esclarecimento dos conceitos e das proposições lógicas. Mais adiante, procuraremos oferecer um método prático do domínio das distinções, tão importantes, e imprescindível para o bom uso da Lógica.