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Capítulo 8
Refutação do atomismo adinâmico


Mário Ferreira dos Santos
Filosofia Concreta
Tomo 1o
Enciclopédia de Ciências
Filosóficas e Sociais
Vol. X

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Refutação do atomismo adinâmico

     Uma das concepções que tentam explicar o princípio de tôdas as coisas é o atomismo. Podemos considerá-lo como adinâmico (puro), e como dinâmico. O primeiro é o atomismo clássico, de Moscos, de Leucipo, Demócrito, Epicuro e Lucrécio. O segundo, o de Bacon, Descartes, Newton, Dalton, e das concepções modernas.

     Para o primeiro, a matéria universal é composta de corpúsculos, de uma ou de várias espécies, insecáveis, isto é, impartíveis, átomos.

     Êsses corpúsculos não têm uma origem em outro ser. São existentes de per si, de per si subsistentes, e sempre existiram. A diversidade, a heterogeneidade dos corpos, suigiria das diversas figuras que formariam êstes corpúsculos em suas múltiplas "combinações".

     Para o atomismo dinâmico, como por exemplo o exposto por Proust e Dumas, a matéria-prima, de onde se originariam todos os átomos, é o hidrogênio, e segundo as diversas condensações do átomo de hidrogênio surgiriam os outros. Por esta doutrina, a vida intelectiva e a sensitiva reduzir-se-iam à mecânica. O universo seria explicável mecânicamente. A espécie seria resultado das combinações mecânicas dos corpúsculos. Êstes, por terem corporeidade, seriam extensos, resistentes, impenetráveis, com uma massa e pêso. Todos os fenômenos seriam explicados pelas vibrações e ondulações dos conjuntos atômicos.

     O atomismo adinâmico, ou atomismo puro, é ontològicamente falso e predominantemente aporético, pois em vez de solucionar as dificuldades, aumenta-as, multiplica-as. Em primeiro lugar, parte da impenetrabilidade dos átomos, isto é, de sua solidão. Sùbitamente, sem uma razão suficiente, os átomos põem-se a formar combinações figurativas, depois de passarem um tempo sem princípio, mantendo-se em suas primitivas posições.

     Neste caso, teríamos de admitir que os átomos tinham a aptidão, desde todo o sempre, de se combinarem heterogêneamente com outros, o que os tornaria híbridos de actualidade e potencialidade. Não havendo uma causa eficiente que os movesse às suas combinações, seriam êles autônomos, espontâneos e semoventes. Neste caso, nêles se distinguiria o ímpeto para o movimento e o móvel, os quais se dariam nêles mesmos.

     Deixariam, portanto, de ser simples para serem compostos de acto e potência. Para aquêles que admitem diversas espécies de átomos, ainda teríamos a composição de forma e matéria, pois seriam êles de uma matéria diferente da forma. E, neste caso, deixariam de ser insecáveis, ou seja, insusceptíveis de seccionamento. Se se admitir a identificação da forma em diversas materialidades, e sendo estas especìficamente diferentes, seriam diversas. Mas, sendo a forma a mesma, a matéria teria outra forma, para serem átomos de materialidade diversa. Ter-se-ia, afinal, de afirmar uma só matéria-prima com diversas formas, o que não salvaria o postulado da sua simplicidade absoluta.

     Ademais, êsses corpúsculos são móveis e, conseqüentemente, aptos a moverem-se, a serem movidos, por si e por outros, o que implica a hibridez de acto e potência. Seriam êles efeitos, pois todas as mutações conhecidas teriam uma causa.

     Mas, esta causa suficiente não é colocada pelo atomismo. Ora, o acaso ou é um ser ou é nada. Se é um ser, antecederia aos átomos, e se é nada, nada poderia fazer28.

     Conseqüentemente, o atomismo puro tem de fazer apelos ao nada para explicar os efeitos, o que é uma queda precipitada no absurdo.

     Com o examinado até aqui, verifica-se que o atomismo puro, no intuito de evitar as aporias filosóficas, criou um rosário delas, sem solucioná-las.

     Poder-se-ia ainda argumentar que os átomos, sendo aptos a múltiplas combinações, e sendo estas combinações números, elas, enquanto tais, seriam imutáveis. Desta forma, os átomos, em si imutáveis, o que é princípio sem prova, seriam mutáveis, não só em suas actualizações, como ao constituírem combinações numéricas, enquanto tais, aritmològicamente consideradas imutáveis. Teríamos, assim, uma ordem de realidade imutável, de outra de realidade mutável, o que, levado até as suas últimas conseqüências, num raciocínio ontològicamente bem encadeado, é a refutação completa da doutrina.

     O atomismo não soluciona nenhum problema filosófico, apenas os desloca.

     Os átomos, sendo simples, e insecáveis, não poderiam ser extensos, pois seriam divisíveis em potência. Ademais os seus limites seriam dados pelo vazio absoluto, intercalado entre êles. Intercalando-se um nada, embora absoluto-parcial, a distância, o diástema entre os átomos, seria: ou infinita, e as combinações seriam impossíveis, pois onde não há nada não poderia haver sequer combinações, ou, então, finita e, neste caso, o nada seria real, pois teria um atributo real. Ademais os átomos, para interactuarem-se, precisam de um meio físico, já que êles são físicos. E, neste caso, o nada deixaria de ser tal para ser um ser, e os átomos estariam imersos num ser que os envolveria. Êstes argumentos decorrem das provas já por nós apresentadas.

     E entre êles e êsse ser haveria um limite. Mas tal limite só poderia ser formal, e não absoluto, do contrário, intercalar-se-ia outra vez o nada-absoluto-parcial.

     O atomismo, dêste modo, não consegue solucionar nenhum problema ontológico. Pretendendo afastar-se da metafísica, é, na verdade, uma doutrina metafísica de grau imensamente baixo, pois não se funda nem na experiência (a qual não se daria neste caso), nem em razões ontológicas. O atomismo puro não explica a massa, nem a extensão, nem o movimento, nem a quantidade, nem a qualidade, nem a resistência, nem a impenetrabilidade, nem qualquer dos problemas físicos.

* * *

     O atomismo dinâmico, que pertence à ciência moderna, enquanto permanece no campo da físico-química, encontra fundamentos, mas, ao desejar tornar-se metafísico, assume a mesma posição ingênua e primária do atomismo puro. A física moderna admite micro-estructuras, que são os átomos, cuja complexidade é objecto de estudo de diversas disciplinas.

     O átomo moderno não é insecável, pois é desintegrável, e os elementos, que o compõem, podem integrar outras totalidades.

     O verdadeiro físico moderno é aquêle que se dedica ao estudo da teoria atômica, dentro apenas do campo da ciência, restrito à esfera da física. Considerar os átomos como princípios de todas as coisas é uma afirmativa que escapa a ciência, e o cientista, que, neste ponto, manifestar tal pensamento, afasta-se dela para penetrar no campo da metafísica.

     Para a teoria electrônica moderna, o elemento mais simples e primordial, fìsicamente considerado, é o électron, que é de carga negativa. A êle se opõe o elemento nuclear, que é o próton, de carga positiva. Os primeiros movem-se em tôrno do núcleo, não no vazio, pois intercala-se, entre êles, o éter, cujas qualidades não são determinadas pela física, que apenas afirma a sua fluidez.

     O éter é ainda hipotético para a ciência, e tema de estudos. Mas, de qualquer modo, entre os eléctrons e o núcleo, não se intercalará o nada, e sim alguma coisa.

     Além dos elementos citados, a física moderna considera outros muitos, segundo as diversas hipóteses.

     Além dos argumentos por nós expostos em contraposição à solução metafísica do atomismo de qualquer espécie, podemos acrescentar outros argumentos, que virão a seu tempo, quando examinarmos a matéria, e distinguirmos a materialidade de a corporeidade, etc. Ademais, o atomismo tem um vício de origem: é uma doutrina pluralista, que cai nas aporias do dualismo, que já demonstramos ser absurdo. A solução atomista, na verdade, não é uma solução, pois, em vez de diminuir as aporias, aumenta-as, multiplica-as, como dissemos no início.

     A validez da concepção dinâmica cinge-se apenas à esfera físico-química, e não à que a ultrapassa. Neste sentido, em nada contradiz os postulados da Filosofia Concreta.


Notas de Rodapé:

28 No fim dêste livro refutamos, por outro caminho, a postulação do acaso.