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O ser, como afirmação, é presença. E como a negação não poderia preceder ontològicamente à afirmação, o nada absoluto não poderia preceder ao ser. Para afirmar o nada absoluto, seria necessário afirmar o Todo para suprimi-lo plenamente; não apenas substituir este por aquêle. A sua afirmação é, portanto, impossível e contraditória. Teríamos de colocar a negação como suficiente em si mesma, o que é absurdo.
A idéia do nada absoluto surge no homem. Mas essa idéia é apenas a idéia do Todo suprimido pela idéia. E se a idéia do nada não é a idéia do todo suprimido pela idéia, ela é nada de idéia, uma noção vazia.
E nada pôr não é pôr o nada. Se o homem constrói dêsse modo a idéia de nada, por supressão do que é, esvazia a idéia, não põe o nada, porém.
O ser coloca-se, assim, independentemente de nós; põe-se ante nós, mas independe de nós.
Ora, o ser não é uma relação, pois, como já vimos, o fundamento da relação é o ser, e não o inverso. Há, assim, prioridade ontológica dêle sôbre a relação. Quanto ao homem, a idéia do ser é a idéia concreta do concreto.
O ser é assim presença (afirmação) imediata do indeterminado, do que não tem determinações.
Entre ser e nada absoluto há contradição; não entre ser-isto, e ser-aquilo. O nada relativo é afirmação de algo positivo determinado, cuja presença é recusada. Portanto, a única negação possível é negação de, funcionalmente dependente de algo positivo, que é ser. O nada relativo é assim positivo, e essa positividade muito nos auxiliará a compreender diversos aspectos da filosofia, sobretudo a heterogeneidade, e a solução do problema dialéctico entre o Um e o Múltiplo. O ser finito é um composto de ser e de não-ser (de nada relativo). A demonstração desta última tese virá oportunamente.
TESE 35 - Não se podem predicar propriedades ao não-ser absoluto.
A atribuição de propriedades exige, prèviamente, que o portador delas seja algo, pois a ausência de positividade do portador negaria a da atribuição. O não-ser absoluto não poderia ser portador de qualquer propriedade20.
TESE 36 - O não-ser relativo (nada relativo) não tem propriedades. A ausência de propriedades é, no entanto, relativa e não absoluta.
Que o não ser relativo não tem propriedades decorre de não ser êle um suppositum portador delas, porque consiste na ausência de determinadas perfeições. O não-verde dêste ente não tem qualquer propriedade.
Mas, a ausência de propriedades é relativa, porque se êste ente não é isto ou aquilo, apenas não o é enquanto é isto ou aquilo, o que não o ausenta de tôda e qualquer perfeição. A ausência é assim relativa. O não-verde, que não há neste ente, não é um não-verde absoluto, porque seria predicar a total e absoluta ausência de verde, mas apenas a ausência de verde neste ente, portanto relativo a êste ente.
TESE 37 - O nada-relativo tem sempre positividade.
O nada absoluto é a ausência total de ser e é impossível, como já demonstramos. O nada relativo é a ausência de determinado modo de ser aqui ou ali, o que lhe dá positividade, pois o que é ausente é um modo de ser, que, como tal, é ser, pois ausência de nada não é sequer ausência.
Se dizemos que A não é B, recusamos em A a presença do predicado B. Se B não é um ser ou modo de ser, B é nada, e recusar nada a algo é recusar absolutamente nada; não é, portanto, privação.
A privação de algo implica a positividade dêsse algo, pois ser privado de nada não é carecer de nada.
Mais uma vez se comprova, assim, a positividade do nada-relativo.
O nada-relativo é, portanto, nada em relação a isto ou àquilo, e não nada em absoluto, o que já foi demonstrado.
TESE 38 - Ante o ser, o não-ser relativo não o contradiz, porque não nega absolutamente ser ao ser. O não-ser relativo é apenas a ausência de uma perfeição, não a ausência absolutamente total do ser.
Portanto, o Ser se opõe ao não-ser, mas o Ser é contraditado pelo Não-ser absoluto.
Para postular o não-ser absoluto, ter-se-ia de negar total e absolutamente o ser. A própria postulação, como vimos, é a negação formal e suficiente do não-ser absoluto. Basta apenas que coloquemos a sua impossibilidade para que ele esteja total e absolutamente refutado.
Não está refutado, porém, o não-ser relativo. Êste não implica uma diminuição de poder do ser, mas apenas que uma perfeição do ser não está presente neste ou naquele ente.
TESE 39 - Entre o não-ser relativo e o não-ser absoluto, há a diferença que o primeiro é positivo, enquanto a postulação do segundo nega toda e qualquer positividade.
Demonstra-se por outra via: o não-ser absoluto é ausência total e absoluta de ser. E já o refutamos pela própria postulação que o pretendesse colocar. Sua refutação foi suficiente e total.
O não-ser relativo é, portanto, o inverso do não-ser absoluto.
Não se lhe pode atribuir uma total e absoluta ausência de positividade, pois, do contrário, estaríamos afirmando o não-ser absoluto, o que já está afastado. Portanto, o não-ser relativo tem positividade, sem ser contudo, enquanto tal, ser subsistente.
É o que nos leva a postular uma distinção fundamental entre positividade e ser subsistente.
A tudo quanto não se pode dizer que é nada, tem uma entidade, e é entidade (entitas).
O nada relativo não é uma entidade real, mas tem positividade por referência.
Com muita razão dizia Avicena, e posteriormente Duns Scot, que todos os filósofos estão de acôrdo quanto à existência do ser.
O ser é inegàvelmente o primeiro objecto do conhecimento, já o evidenciara Aristóteles.
Se há filósofos que afirmam nada saber sôbre ele, em que consiste, o que é em suma o ser (quid sit), estão, no entanto, de acôrdo em, directa ou indirectamente, admiti-lo, pois negá-lo seria afirmar o nada absoluto, o que é absurdo.
Examinamos em "Ontologia e Cosmologia", como variam as opiniões sôbre "o que" é o ser.
Alguns o reduzem ao conceito lógico, dando-lhe a máxima extensão, pois incluiria tôdas as entidades apenas por serem, inibindo, virtualizando o heterogêneo, e, conseqüentemente, com a mínima compreensão; o ser apenas é. Assim temos o exemplo de Hegel, que o confunde às vêzes com o nada, pois o nada é indeterminado (sem determinação), o ser, lògicamente considerado, também o é.
Mas, para Hegel, o nada surge com o deixar de ser, enquanto é do nada, como ponto de partida, que algo vem a ser. Ora, quando algo começa a ser (incipit esse) algo começa a ser; é ser21.
No entanto, como já vimos em trabalhos anteriores, é um êrro do formalismo reduzir o ser ao conceito lógico, porque êste é um conceito de classificação, e aquele é existente, concreto.
E se examinarmos todos os pensamentos filosóficos mais coerentes, veremos que todos aceitariam a validez universal dos postulados até aqui expostos por nós. A concepção mais avessa a admitir um Ser Supremo seria a posição materialista e as que lhe são afins.
No entanto, aquela, ao admitir a matéria, tem de admitir tais postulados. Senão vejamos: não pode admitir o nada absoluto, porque então a matéria seria nada, e nada poderia dela surgir.
Em segundo lugar, a matéria não foi criada, é incriada; é primeira e anterior a tôdas as coisas que são dela, e dela provêm.
A matéria deve conter todos os poderes e tôdas as perfeições, porque se estas se actualizam posteriormente na realidade tempo-espacial, já estavam contidas, de certo modo, na matéria, pois do contrário viriam do nada.
Por outro lado, têm os materialistas de admitir que a matéria, enquanto tal, é imutável, pois sendo simplesmente matéria, sua mutação dar-se-ia para outro, que seria a não-matéria, o imaterial, o que lhes causaria calafrios.
Têm êstes de admitir que os entes singulares provêm dela, e se tais entes são isto ou aquilo, a matéria não deixa de ser ela mesma.
Há, assim, nesta, algo que é eterno e imutável. Ademais, têm de lhe dar actualidade, pois se ela pode produzir isto ou aquilo, as possibilidades estão nela como possíveis de vir-a-ser; mas a matéria, enquanto tal, é acto, pois se fôsse potência seria a potência de outro, que por sua vez estaria em acto, e não seria matéria.
Ademais, a matéria seria parte em acto e parte em potência. Parte actuaria sôbre parte que sofreria a acção. E levada mais longe essa análise, ver-se-ia que êsse acto era puro acto, o que exigiria postular as teses das quais o materialismo tanto desejou afastar-se.
E poderíamos ir além nesse exame, e dirigi-lo ademais a outras concepções, e tôdas, sem excepção, não poderiam pôr em dúvida, por falta de fundamento, a nenhum dos postulados até aqui expostos e por nós demonstrados.
Há ainda a posição céptica e a agnóstica. Estas afirmam que pouco ou nada sabem sôbre o ser, ou melhor: sabem que pouco ou nada sabem, ou sabem que não sabem se o que sabem é verdadeiro ou não.
Mas tais posições, como vimos, são mais um demitir do filosofar que um filosofar. Porque qualquer céptico, ou qualquer agnóstico, sabe que não há o nada absoluto, mas que há algo, que ambos ignoram o que seja, ou pensam ignorar.
Nenhum céptico deixará de admitir que o que há não foi precedido pelo nada absoluto.
E, conseqüentemente, alcançaria os postulados já expostos. Só por uma obstinada negativa, que revelaria sobretudo a precária fortaleza da sua mente, negaria o ser, pois afirmaria que o nada seria capaz de realizar a dúvida céptica.
Portanto, sua mente se analoga ao ser, e em algo terá uma identificação com êle, pois, do contrário, o pensamento humano, estando desligado do ser, e sendo outro que o ser, seria nada.
Assim, o reto pensar é capaz de nos dar êsse fio de Ariadna, que nos levaria a alguma certeza, e essa certeza está às mãos até dos cépticos, se quiserem procurá-la.
Há ainda a posição dos mobilistas. Podem êstes, ao argumentar contra a idéia de ser, afirmar que êste é "negado totalmente pelo fluir das coisas", pois nada é realmente um, nenhum sujeito é idêntico, porque está em constante fluir. Nada é em si mesmo um, nem um "algo", porque tudo sofre uma mutação constante, devem, torna-se outro.
O ser é então alteridade; é sempre outro. É inútil tentar fixar as coisas, como tenta proceder a nossa razão, porque estas estão em constante devir. Não há, portanto, nenhuma substância que seja portadora dessas mutações, pois tudo cambia, muda, transmuta-se.
Tais afirmativas encontram cultores, e há nelas, inegàvelmente, aspectos positivos. Mas se muitos actualizam apenas a mobilidade, virtualizam a permanência, porque a mutabilidade é gradativa, e algo perdura enquanto muda, como provaremos ainda por outros caminhos.
Pois se somos cada instante diferentes, e outros que nós mesmos, somos também algo que perdura, pois do contrário seríamos apenas uma passagem instantânea, que ultrapassaria o próprio tempo, pois se neste algo perdurasse, por pouco que fôsse, já negaria o excesso do mobilismo que, levado aos extremos, termina por tornar-se absurdo, e negar até a própria mutação. Se esta gôta de água está em constante mutação, ela perdura enquanto gôta-de-água.
É um gravíssimo êrro pensarem alguns que os grandes filósofos, que aceitam a presença do ser, não tenham de tal coisa suspeitado.
Há muito de infantil nessa suposição, pois bem sabiam êles que as coisas, que são objectos da nossa intuição sensível, estão em constante mutação. Mas, na mutação, há graus, pois nem tudo muda com a constante fluidez de um rio que corre veloz, pois êste é, antes e depois, um rio-que-corre-veloz. "Alguma coisa" marca-lhe a fisionomia da perduração, ao mesmo tempo que algo se muda constantemente.
A relação formal entre o diâmetro e a circunferência é imutável, embora as circunferências o sejam mais ou menos, e nunca alcancem a sua perfeição normal.
E o mesmo se dá com o ser humano, que é humano através das suas constantes mutações.
Jamais afirmou Aristóteles que a substância fôsse estática, imutável e parada. A substância é de certo modo o que perdura, pois é o que sustenta os accidentes. Se o ser conhece mutações, nelas êle continua sendo, e não se transforma em nada absoluto.
O ser é imutável, porque sempre é ser, apesar de ser ora dêste modo, ora daquele outro.
Podem mudar os predicados das coisas, mas o sentido dêsses predicados permanece invariante, enquanto permanecem como tal.
Se o ser se caracterizasse apenas pela alteridade, a sua mutação seria para o nada, e teríamos um instante em que o ser deixaria de ser, o que é absurdo.
Se o ser ora é isto, ora é aquilo, é o ser que ora é isto, ora é aquilo, e não o nada absoluto. Se há intercalações de nada é apenas do nada relativo, pois o que era isto, deixou de ser isto para ser aquilo, mas alguma coisa há, que era isto, e deixou de ser tal, para ser aquilo.
Se êsse "tal" é um instante, é contudo uma realidade de ser, pois, do contrário, teríamos o nada absoluto sempre presente, o que é absurdo.
O defeito dos defensores da realidade do devir (e êste é aceito por todos os grandes filósofos) consiste em negar que alguma coisa perdura; como o defeito dos que aceitam a perduração seria o de negar o devir. Há alguma coisa que devém, que passa de um modo para outro, mas o que conhece e o que passa por mutações é ser.
O ser, enquanto ser, não passa por mutações, porque a sua única mutação só poder-se-ia dar para o nada, já que é dada de um modo para outro modo de ser, é apenas alguma coisa que lhe aconteceria, sem que êle deixasse de ser. Portanto, o que devém é ser.
Mas se observarmos melhor, veremos que o que devém é o ser isto ou aquilo, é o ser determinado, é o ser dependente, é o ser finito.
O ser, na sua infinitude, nunca deixa de ser, porque, do contrário, sobreviria o nada absoluto, e nada mais poderia ser, pois aquêle é impotente e impossível.
E a única maneira de bem compreender o ser é aquela que, dialècticamente, se coloca afastada do unilateralismo dos defensores de um devir absoluto e infinito, que é absurdo, como o dos que afirmam a imutabilidade indistinta do ser. A não distinção entre nada relativo e nada absoluto, e a entre acto e potência, levou muitos filósofos a esboçarem filosofias precárias e frágeis em argumentos22.
TESE 40 - O ser absoluto é apenas Um e só pode ser Um.
O dualismo é a posição filosófica que consiste em admitir a existência de dois sêres, que seriam o princípio de todos os outros.
O pluralismo predicaria a existência de muitos sêres, que seriam o princípio de tôdas as coisas.
Ora, vimos que, no Ser absoluto, essência e existência se identificam. Nêle se identificam o pelo qual é (sua essência), e o pleno exercício do seu ser, o existir (existência).
Êle é plenamente, e plenamente existe. Poderia haver um outro ser que plenamente fôsse, e plenamente existisse?
Êsse outro ser se identificaria ao primeiro no pleno exercício de ser. O ser A e o ser B seriam existencialmente idênticos.
Ambos teriam, como existir, uma identidade; a do pleno exercício de ser.
O primeiro ser, como já vimos, caracteriza-se por nêle se identificarem essência e existência.
No segundo ou a existência e a essência se identificariam, ou não. Se não se identificassem, a essência do segundo seria outra que a sua existência, e tê-la-ia recebido de outro, no qual essência e existência se identificariam.
A existência do Ser A e a do Ser B seriam idênticas, pois vimos que existir, neste caso, é plenitude de ser, e é plenamente existir.
Ora, vimos que, no Ser A, ser e existir são plena e absolutamente idênticos.
Se o existir de ambos se identifica, o do Ser A e o do Ser B, as essências de ambos se identificam, e ambos são simples e puramente ser, pois já vimos que o Ser absoluto é pura e simplesmente ser, sem composições.
Portanto, os dois seriam apenas Um.
E ademais não poderiam deixar de ser apenas Um, pois se fôssem dois, entre êles deveria haver algo que um teria, e o outro não.
Ora, vimos que o Ser A é plenitude absoluta de ser.
O que não teria êsse ser seria apenas nada, não-ser. Nesse caso, o que seria ser, no Ser B, seria nada, o que é absurdo.
O ser, no ser B, só poderia ser. E como essência e existência nêle também se identificariam, ambos nada mais seriam que Um.
Apenas haveria um êrro de nossa parte ao afirmar que seriam dois, sem qualquer justificação, como na verdade não a tem o dualismo de qualquer espécie, e, conseqüentemente, também não a tem o pluralismo.
Portanto, o Ser absoluto é apenas Um.
Outra demonstração: se houvesse dois sêres que fôssem princípio de tôdas as coisas, ambos seriam absolutamente simples, e ambos não se distinguiriam em existir, pois estariam no pleno exercício de seu ser. Só poderiam distinguir-se na essência. Neste caso, ambos seriam compostos, ou apenas um dêles o seria.
E o que fôsse simples, e não composto, seria aquêle em que essência e existência se identificam. Conseqüentemente, há um só ser, o Ser Um. Eis, ademais, uma prova corroboradora de que há um Ser Primeiro, que é Um, absolutamente Um.
Se ambos o fôssem, a impossibilidade ontológica ressalta logo, como vemos na tese seguinte.
TESE 41 - Se existisse outro ser primordial, ambos seriam deficientes e o ser seria deficiente.
Já provamos que é absurdo e contraditório admitir dois seres primordiais, pois seriam essencialmente diferentes e, num, haveria o que no outro não haveria; portanto, um dêles, pelo menos, seria deficiente de uma perfeição que pertenceria ao outro. E ambos seriam deficientes, como passaremos a provar.
O ser A teria tôdas as perfeições menos uma pelo menos, a qual teria o ser B, pois, do contrário, ambos seriam idênticos e, conseqüentemente, o mesmo ser. Ora, a perfeição, que faltaria em A, estaria em B. Por outro lado, das perfeições de A, haveria alguma que não estivesse em B, pois do contrário A teria tôdas as perfeições de B menos uma e, neste caso, A estaria contido em B, e haveria um só ser primordial B, que provaria em contrário do dualismo.
Para que o dualismo se desse, A deveria ter, pelo menos, uma perfeição de que careceria B, e êste uma perfeição ao menos de que careceria A.
Neste caso, ambos seriam deficientes. Mas o que faltaria em A ou seria ser ou nada. Se nada, a falta de nada não é falta.
O mesmo sucederia com B. Logo, o que faltaria em A e em B seria ser. Ambos seriam deficientes num modo de ser, que não seria da essência de nenhum dos dois. Contudo, ambos existiriam e, como existentes, ambos seriam idênticos. Não o seriam essencialmente. E, neste caso, nem em A nem em B, essência e existência se identificariam.
E ambos seriam então compostos de essência e existência. Ora, a essência de um e a essência de outro não poderia ser nada. A essência de ambos seria ser, mas por sua vez compostos de ser e de um modo de ser, o que reduziria tanto A como B a um ser, que seria absolutamente simples, e que os superaria.
Vê-se desde logo que o dualismo surge apenas como resultado de uma má colocação da análise filosófica concreta, porque aceitá-lo é aceitar implicitamente o ser Um, que seria a fonte dos dois sêres, que se distinguem entre si por deficiências.
E como ambos seriam deficientes, e o que lhes falta é ser, o ser os antecederia com proficiência, que era o que se queria provar.
Daí se conclui mais uma vez, que o Ser absoluto, que é primordial, é apenas Um.
TESE 42 - Ao Ser absoluto, por ser infinito, repugna a admissão de outro ser infinito, ou de outro ser qualquer independente dêle.
Provamos que se houvesse mais de um ser, entre si independentes, seriam limitados. Provamos que há um ser absoluto, que é infinito, o que exclui a possibilidade de um outro ser que lhe seja totalmente independente, pois cairíamos no dualismo, já refutado.
Conseqüentemente, todo ser, outro que o Ser absoluto, é dêste dependente (dêle pende). Como dependente, seu ser provém do Ser absoluto, ao qual está necessàriamente ligado, portanto limitado por aquêle.
Mas o ser dependente não limita o Ser absoluto, pois êste é tudo o que o ser pode ser, no grau mais intensista de ser.
Dêle provêm os outros, e só dêle. Conseqüentemente êle, além de absoluto, por ser independente, é infinito, porque não tem limites em ser.
O Ser absoluto é ser infinito.
Provada está a existência do Ser infinito, e também que só há um, e não vários; em outras palavras, a sua absoluta unicidade. Prova-se através das seguintes providências: se houvesse mais de um Ser infinito (diversos), o seu conjunto seria mais (tanto quantitativa como qualitativamente) do que qualquer um dêles.
Uma pluralidade de infinitos, por ser contraditória à própria noção de infinito, é, portanto, impossível.
O dualismo, em suma, consiste na aceitação de dois princípios do ser, independentes um do outro, imprincipiados, e irredutíveis um ao outro. Ou ambos são ser, ou apenas um dêles o é, e o outro seria nada. Neste último caso, haveria apenas um único ser, pois o nada não poderia dar origem a entes reais. Ambos princípios são então ser. São ambos simples ou compostos. Se fôssem simples, existência e essência nêles se identificariam, e seriam ambos idênticos, um só, como provamos.
Se compostos, nêles haveria, no mínimo, dois elementos que seriam o princípio de onde êles dependeriam. Neste caso, não seriam independentes nem irredutíveis, pois reduzir-se-iam aos que os compõem. Êstes componentes seriam então os primeiros princípios, e teriam de ser no mínimo dois, ambos simples ou compostos. Voltaríamos, assim, ao que já examinamos, e chegariamos à conclusão final de que seriam absolutamente um.
Ademais os dois primeiros princípios, sendo independentes e irredutíveis, não poderiam actuar um sôbre o outro, pois, do contrário, ambos seriam, de certo modo, dependentes um do outro.
Ambos não poderiam ser infinitos, nem quantitativa nem qualitativamente, como já vimos. Seriam, portanto, finitos. Mas a sua finitude, não sendo estabelecida por um ou outro, pois como vimos são independentes, só o nada estabeleceria êsse limite, o não-ser, o que seria absurdo.
Afinal seriam ambos deficientes, como já vimos, e a deficiência não podendo ser nada, mas algo positivo, seriam êles compostos de ser e não-ser, pois o limite da sua essência e da sua existência seria dado pela perfeição da qual careceria um, e que teria o outro, o que é absurdo, pois ambos seriam limitados.
Haveria, assim, em A tôdas as perfeições de B menos uma pelo menos, e, em B, tôdas as perfeições de A menos uma, no mínimo. Como ambos os sêres seriam simples, a carência dessa perfeição negaria a simplicidade, pois ambos seriam deficientes e não absolutamente ser.
O que ambos teriam em comum seria em ambos idêntico. Distingui-los-ia a posse de uma perfeição de que o outro é privado, e também a ausência de uma perfeição pelo menos.
Como ser e existir se identificam na entidade absolutamente simples, a perfeição de que são privados, sendo ser, e existindo, identificar-se-ia com o que nêles é e existe. Conseqüentemente, não seriam privados de tais perfeições, e a distinção entre ambos seria apenas ilusória, não deixando êles de ser senão uma e a mesma coisa.
O pensamento dualista só surge em alguns momentos crepusculares da filosofia, nesses instantes em que a mente humana desfalece, impotente para resolver as aporias que ante ela surgem, e despenha-se no abismo dualista, que não lhe oferece a solução desejada.
TESE 43 - Ao ser absoluto não lhe falta coisa alguma para ser.
Se alguma coisa faltasse ao Ser absoluto para ser, êsse alguma coisa estaria em outro. Ora, o outro, que não é, seria o nada absoluto, o qual não tem prioridade de qualquer espécie, nem positividade, como já vimos.
Portanto, ao Ser absoluto nada falta para ser.
Já afastamos o dualismo, por ser fundamentalmente absurdo. Logo, ao Ser absoluto nada lhe falta para ser; é, portanto, infinito, corroborando, assim, as provas que já oferecemos.
TESE 44 - O nada absoluto é homogêneamente nada.
Ao nada não se pode predicar senão nada, portanto não lhe cabe a cópula é em sentido substancial, mas apenas como um apontar, como se disséssemos: nada = nada absoluto.
E como tal, dêle se pode dizer que é homogêneamente nada.
O Ser infinito é o contrário positivo e absoluto do nada absoluto, e é absolutamente simples, absolutamente homogêneo.
O nada não tem partes, porque não é, e por não se lhe poder predicar coisa alguma, é homogêneamente sempre nada.
O que podemos pôr nesse conceito negativo de nada, que é a ausência total e absoluta de ser, corresponde inversamente ao conceito de ser, que é absolutamente ser.
TESE 45 - O Ser é o poder infinito e absoluto de ser tudo que pode ser.
Tudo que pode ser é alguma coisa, e não nada absoluto. Ora, o que pode ser implica o que já é, e só o Ser tem o poder que permite que tudo que pode ser seja. E êsse poder não tem limites no nada, pois o nada absoluto é absurdo, e está apodìticamente refutado. Conseqüentemente, todo o ser é do Ser. E é, êste, infinito, porque êle é absolutamente todo ser, e absolutamente ser, já que não há o que o negue totalmente, pois a negação do ser, enquanto ser, seria a afirmação do nada absoluto, o que é absurdo, nem tampouco há que o limite, e pois não há o limitante. Conseqüentemente, percorrendo outra via que as anteriores, chegamos à mesma demonstração da tese de modo apodítico.
TESE 46 - Além da impossibilidade do nada absoluto total, há ainda a impossibilidade de um nada absoluto parcial.
Poder-se-ia colocar o nada da seguinte maneira:
o nada absoluto total, como ausência total e absoluta de qualquer espécie de ser; o nada relativo, como ausência de um determinado modo, propriedade, espécie de ser, e, finalmente, o nada absoluto parcial, um vácuo, um vazio de ser, que, enquanto tal, equivaleria ao nada absoluto, fronteiriço ao lado do ser.
Do primeiro já foi refutada a sua possibilidade. Quanto ao segundo, a sua postulação não implica contradição com o ser. O terceiro, passaremos a examinar.
Poder-se-ia colocar o nada absoluto parcial da seguinte maneira. Admitindo dois sêres, A e B, teríamos de afirmar que A é A até onde A é A, e B é B até onde B é B. O nada absoluto parcial dar-se-ia onde A deixaria de ser A, e B de ser B, intercalando-se entre ambos como um vazio. No pensamento atomista adinâmico, que examinaremos mais adiante, os átomos flutuariam no nada absoluto parcial, e a presença do Ser afirmar-se-ia apenas por êsses átomos.
Êsse nada absoluto parcial é impossível pelas razões que passaremos a aduzir:
a) Se damos a êsse nada uma estância, pois entre A e B haveria um diástema, marcado pelo vácuo absoluto, pelo nada, êste seria total e absoluta ausência de ser. Se tal fôsse admitido, teríamos, então, uma ruptura no ser, o que ofenderia as proposições já anteriormente demonstradas, além de outras que surgirão oportunamente.
b) Ademais, essa estância revelaria um carácter físico, pois seria extensa e medível, e a extensidade é um accidente de "alguma coisa", e o nada seria, então, alguma coisa e portador de um accidente, pois algo lhe aconteceria. Vemos que êsse carácter físico, bem como outros, vão ser atribuídos a êsse vácuo, (to kenon de Demócrito), pelos atomistas, tanto antigos como modernos (Einstein inclusive), o que lhe dá caracteres físicos, e o torna alguma coisa e não nada23.
c) Se se desse uma estância, e se se pretendesse excluir, dêsse vácuo, qualquer carácter físico, seria êle infinito, e estabeleceria uma separação infinita entre A e B, pois não seria medível (porque se o fôsse seria alguma coisa), e se tivesse uma limitação, essa seria limitação de alguma coisa. Dêste modo, os dois têrmos A e B jamais se encontrariam, jamais se interactuariam, jamais se combinariam.
d) Se não há estância, sendo êsse entre (nada absoluto parcial) vazio total de ser, e estando-lhe ausente qualquer propriedade, não haveria diástema entre A e B, a não ser que êsse entre fôsse um ser outro que A e B (como o éter, por exemplo). Portanto, o nada absoluto parcial, por ser nada, afirmaria a contigüidade absoluta entre A e B, cujos limites seriam não só contíguos, mas, em algum ponto, idênticos, pois nada é o que os separaria, e nada seria a separação. Portanto, se A e B se distinguem, é que o entre, que se intercala, é outro modo de ser e não nada. Os limites de A e B seriam apenas os de sua natureza, mas nenhum (nada) entre se daria.
e) Se o nada intercalado fôsse real, não haveria uma distância infinita entre A e B, e o nada deixaria de ser nada, porque já teria atributos, como já vimos.
Dêste modo, o nada absoluto parcial, que é pôsto em algumas doutrinas, é absurdo, pois ofende não só os princípios já demonstrados, como outros que ainda passaremos a demonstrar.
Ademais, êsse nada, por ser ausência total de ser, seria impossível, pois não poderia actuar nem ser actuado. Não se lhe poderia atribuir qualquer predicado; seria ineficiente, nada favorecendo à solução dos grandes problemas e aporias, além de ontològicamente absurdo.
O nada absoluto parcial reduz-se, portanto, ao nada absoluto total, e é tão absurdo como aquêle. E um argumento final para mostrar a sua improcedência poderia ser dado da seguinte maneira: se se desse um nada absoluto parcial, o ser seria limitado, pois só seria ser até os limites dêsse nada, que o limitaria. Neste caso, o nada absoluto parcial exerceria uma ação delimitadora e estabeleceria fronteiras no ser, ou seria delimitado pelo ser, sofrendo, portanto, uma limitação. E seria, portanto, alguma coisa, pois, como poderia realizar ou sofrer algo sem ser algo? Ora, tal afirmação está refutada por todos os postulados já expostos. E se o nada é algo, estamos em plena posição dualista, que, por sua vez, já foi refutada, e ainda o será com maior cópia de argumentos oportunamente24.
TESE 47 - É impossível que o ser esteja, isolado pelo nada.
É impossível conceber o ser como uma substância isolada ante o nada, como uma ilha de ser num oceano de nada. Além das provas já feitas pelas demonstrações anteriores, podemos aduzir mais a seguinte: se tal se desse, o nada absoluto seria parcial, e o ser seria ser até onde é ser, e o nada até onde o nada é nada. Êsse nada, um imenso vazio, seria o onde o ser existiria, uma espécie de espaço. Aceita esta concepção, o ser teria corporeidade. Esta é uma atribuição de origem primária, verdadeira aderência psicológica infantil. Se o Ser fôsse limitado pelo nada teria corporeidade, teria um onde o ser é ser e não nada, e um onde o nada é nada e não ser. Haveria algo cheio, enchendo parcialmente um vazio absoluto. Haveria, assim, um campo unitivo absoluto, unitivo de ser, numa vastidão de nada. O nada seria então espacial, como espacial também seria o ser, e o ser não seria absoluto, nem o nada, nada, pois neste aconteceria o ser, e seria alguma coisa.
O Ser Supremo não é corpóreo e não tem limites de qualquer espécie, foi o que demonstramos. Esta conclusão já nos mostra também a improcedência do nada absoluto parcial. Êste é, ademais, uma contradictio in adjectis, pois, se parcial e limitado, nêle acontece algo, o que seria negar ao nada o nada, e afirmar-lhe o ser. A aceitação dêsse nada daria ao ser um limite. Ora, o Ser Supremo é essencialmente infinito e absoluto25. Se estivesse cercado pelo nada, haveria diferença entre sua essência e sua existência, e negar-se-ia a sua identidade, pois a essência seria infinita e o seu existir seria finito, limitado. Estaríamos em face de outro absurdo, pois o menos incluiria o mais.
E ademais o ser seria composto, o que é absurdo, pois já vimos que ele é simples, e, sendo finito, a sua finitude seria dada por êle mesmo, já que o nada não poderia actuar. Neste caso, o ser seria limitado por si mesmo, finito, composto de um acto delimitante e de uma potência delimitável e delimitada, composto de acto e potência, e não mais absolutamente simples, o que contradiria as demonstrações anteriormente feitas. E, por outro lado, o nada teria um espaço, pois cercaria o Ser, o que lhe daria um carácter físico. O nada, portanto, fora do ser, é nada. Ou melhor: nada há fora do ser, o que equivale dizer que só há o Ser.
TESE 48 - O Ser absoluto é absolutamente simples.
Nêle, essência e existência se identificam; portanto é absolutamente simples, porque consiste em ser o que é, como já o provamos.
E se não fôsse simples seria composto. E composto só o poderia ser com o nada absoluto, que não é têrmo positivo, que nada é para formar uma composição.
Portanto, o Ser absoluto é absolutamente simples, simplicìssimamente simples, pois nêle não entra qualquer composição, qualquer outro ser, que não seja êle mesmo.
Ele é a suprêma ipseidade (ipse = si mesmo).
TESE 49 - O Ser absoluto é suficiente e proficiente.
Por não lhe faltar coisa alguma para ser, pois não há outro fora dêle, o Ser absoluto é suficiente para ser. E como é a sua própria razão de ser, pois, do contrário, êle estaria em o nada absoluto, o que seria contraditório e absurdo, é êle suficiente para ser.
E é proficiente, pois todo ser é dêle, e só dêle pode vir, pois, do contrário, algo que surgisse, já que êle é a primordialidade absoluta, viria do nada absoluto, o que é absurdo.
Portanto, tudo quanto há tem seu fundamento no Ser, que é absolutamente proficiente, pois tôda proficiência vem dêle e não do nada.
E esta é absoluta e infinita, pois não tem limites, já que o Ser absoluto, como o provamos, não é limitado.
É pois infinitamente proficiente, poderoso, porque o nada é impossível e impotente.
Dêle, portanto, tem de provir todo o poder, primordialmente.
TESE 50 - O Ser absoluto é primordialmente absoluto. É imprincipiado, ingenerado, e absolutamente o primeiro.
Prova-se, agora, de outro modo:
O Ser absoluto, cuja essência e existência se identificam, não recebeu o ser de outro, porque então êsse outro seria o Ser perfeito, o ser que é essencial e existencialmente ser.
Não vindo do nada, como já o provamos, é incriado, é primordialmente absoluto. É portanto, imprincipiado e ingenerado, e foi, e é, absolutamente o primeiro.
TESE 51 - A negação, considerada em si mesma, seria nada. Conseqüentemente, tôda doutrina negativista é falsa.
A negação é a afirmação da ausência de um modo de ser. Se retirarmos da negação a referência ao modo de ser, que é recusado, a negação se esvazia totalmente, e é nada. Por isso as filosofias negativistas tendem fatalmente a alcançar o nada absoluto, porque se alcançam a alguma coisa, que não podem negar, terão de afirmá-la como incondicionada e absoluta, o que é a refutação do negativismo. Eis por que as filosofias negativistas são absurdas, como o são o agnosticismo, o cepticismo, o nihilismo, o relativismo, etc.
TESE 52 - A unidade é o carácter de ser um. Todo ser é unidade.
Diz-se que é unidade o que tem carácter de ser um. O que é um não é múltiplo, enquanto considerado em sua unidade.
Em si mesmo é um, portanto indivisível em si e distingue-se dos outros (unum est indivisum in se et divisum ab alio).
A unidade é o carácter do que é um, formalmente um. Quando são múltiplos os seus elementos componentes, é ela relativa, como a unidade da água, cujos elementos componentes são múltiplos.
Mas o múltiplo também é relativo, porque forma necessàriamente "um" só todo.
Todo ser, ou modo de ser, é um; tem unidade. A estructura ontológica da unidade é inseparável da estructura ontológica do um. O conjunto é um conjunto de unidades.
O conjunto forma uma espécie de unidade, pois a multiplicidade é sempre relativa ao um, já que o múltiplo é múltiplo de unidades.
Onde o ser, aí está a unidade; ser é ser unidade. Só o nada não forma unidade, porque o nada não-é.
TESE 53 - Tôda a realidade possui o ser da mesma maneira que possui a unidade.
Onde há unidade, há ser; onde há ser, há unidade. Conseqüentemente, a relação é evidentemente apodítica.
Dizer-se que algo é, é dizer-se que algo é um; é dizer-se que algo é ser. A unidade é sempre função do ser.
TESE 54 - A unidade relativa deve ser considerada sobretudo como estructura.
Se concebemos a multiplicidade apenas como um conjunto de unidades, como o faz o atomismo primitivo, o todo do conjunto é apenas uma unidade accidental. Mas sucede que a totalidade formada nem sempre é accidental, pois revela propriedades actuais, que não eram, nem são actuais nas partes componentes, como sucede com a água, que tem propriedades diferentes dos elementos componentes: hidrogênio e oxigênio. Portanto, a água não é apenas um conjunto accidental de oxigênio e hidrogênio, pois ambos, nela, estão numa proporcionalidade intrínseca rigorosa, que forma uma lei que reúne coactamente (num só acto) as partes, formando um novo ser, formalmente outro, com uma estructura própria, distinta da estructura dos elementos componentes.
A água forma uma unidade que é, em si, indivisa, distinta de outros (as suas partes componentes), relativa a multiplicidade dos elementos, pois os implica, mas apresenta uma unidade substancialmente outra. A água não é apenas uma associação de determinados componentes, mas uma nova estructura. A concepção meramente atomista - associacionista - é procedente e é positiva quanto as unidades meramente accidentais, mas é insuficiente para explicar as unidades substanciais, que formam unum indivisum in se, que são as estructuras tensionais, como se vê na físico-química, na biologia, e em tôdas as esferas do conhecimento, o que é de magna importância para a compreensão das diversas modalidades de se apresentarem as unidades.
Aqui, concepções como a estructuralista, a holista (do grego holos, totalidade) e a henótica (do grego henos, unidade) são positivas.
Na estructura há uma transcendência. A estructura metafísica da unidade dos sêres finitos exige um poder unitivo que realize a unidade, a forma coacta das partes, assumidas por uma nova forma, uma nova tensão em suma.
TESE 55 - A unidade absoluta é absolutamente simples.
A unidade é relativa quando tem relação com a multiplicidade dos elementos componentes, como a unidade da água, que é relativa aos elementos que a compõem.
Uma unidade absoluta não é relativa as partes, porque é plenamente ela mesma, substancial, formal, essencial e existencialmente uma, sem partes.
Para que uma unidade seja simplesmente (simpliciter) absoluta tem de ser ela unidade de per si, sem dependência de outras. Portanto, para que uma unidade seja absoluta, tem de ser ela absolutamente simples.
O Ser absoluto é absolutamente simples. Sua unidade, portanto, é absoluta.
E só êle é unidade absoluta simpliciter, porque é total e absolutamente êle mesmo.
TESE 56 - A causa da unidade é necessàriamente uma.
O dependente real, que é o efeito, e que depende realmente de alguma coisa, que é a sua causa, não pode conter uma perfeição que não venha da causa, pois do contrário essa perfeição teria surgido do nada. Ora, o que causa a unidade, ou em têrmos dialècticamente ontológicos mais exactos, a dependência real da unidade, pende realmente de algo que a tenha. Conseqüentemente, a unidade tem de pender do que é um, próxima ou remotamente. Se é múltiplo o que causa um ser um, a causa dessa unidade deve primàriamente ser uma, pois o múltiplo, em sentido absoluto, é absurdo, como já o demonstramos. Para que surjam unidades, há de haver necessàriamente uma causa uma, e que necessàriamente seja uma. Há, assim, a imprescriptibilidade de uma causa uma para que alguma coisa seja uma unidade e, conseqüentemente, uma causa uma primeira, necessàriamente uma, por mais remota que seja, para que possa haver unidades.
A tese é apodìticamente demonstrada, qualquer que seja a via a seguir, como uma decorrência ontológica necessária das demonstrações já feitas.
TESE 57 - Há necessàriamente uma causa primária de tôdas as unidades.
COROLÁRIO: A causa uma primária e necessária é absolutamente necessária.
TESE 58 - A causa uma primária e absolutamente necessária é única.
A unicidade absoluta da causa uma primária, absolutamente necessária, é rigorosamente exacta, porque há necessidade absoluta de que a primeira causa seja uma, e só pode ser absolutamente uma se única, já que é originàriamente a primeira. A primeira causa absolutamente necessária de tôdas as unidades tem de ser uma unidade única.
TESE 59 - A estructura ontológica do "eidos" do absoluto exige que se estabeleça a distinção entre absoluto simpliciter e absoluto secundum quid.
Em sua essência, é absoluto um ser que não depende de outro para ser; cujo ser está desligado totalmente de outro; cujo exercício de ser é de per si suficiente. O têrmo absoluto vem de ab e solutum, que quer dizer, sôlto de outro, des-ligado de outro.
Ora, o Ser Supremo é, e tem em si a sua razão de ser, já que é um ser necessário. E assim simpliciter, simplesmente absoluto.
No entanto, podemos considerar ainda como absolutas as perfeições, mas dentro da sua especificidade, como a triangularidade é absolutamente triangularidade, pois é ela mesma e desligada de outro. As formalidades, que a razão constrói, são absolutas nesse sentido específico, pois o são enquanto tais, como o conceito racional de espaço é absoluto enquanto tal.
No entanto, como tôdas as formalidades são dependentes do Ser Supremo, o absoluto que revelam é apenas segundo a qüididade; são, portanto, absolutas secundum quid, isto é, relativamente à espécie. Não há aqui contradicção, como poderia parecer a primeira vista, porque estamos considerando a absolutuidade apenas numa linha específica.
O Ser Supremo é absoluto absolutamente, simplesmente. Assim a perfeição do Ser Supremo é uma perfeição simpliciter absoluta, mas as perfeições das formalidades o são apenas enquanto tais, isto é, secundum quid, segundo essa mesma qüididade.
A unicidade do Ser Supremo é absolutamente simples, enquanto a unicidade do ser finito é absoluta apenas na sua individualidade, que se encerra dentro de uma espécie.
O primeiro absoluto engloba tôdas as perfeições, enquanto o segundo, ao afirmar esta, exclui aquela. A infinitude do Ser Supremo não é a de uma espécie de ser, mas a do Ser em seu grau supremo de intensidade, como o demonstraremos a seguir.
Há conveniência nessa distinção, e para evitar as possíveis confusões, preferiríamos chamar de absoluta simpliciter a perfeição do primeiro, a do Ser Supremo, e de absoluta secundum quid a dos outros sêres, aproveitando, assim, uma das mais positivas contribuições do aristotelismo e da escolástica.
TESE 60 - A unicidade pode e deve ser considerada de modo absoluto e de modo relativo.
Tôda unidade em si é única. Entende-se por único o que é individual, mas incomunicável, pois esta página é esta página.
A individualidade, aqui, carece de outro idêntico, pois os entes de natureza igual são, no entanto, outros, como aquelas páginas são outras que esta página.
Esta unicidade, que é o carácter de ser único, é unicidade de facto, pois fàcticamente esta página aqui é única; é ela mesma e não outra. Não é esta página única na sua espécie, mas é única na sua individualidade. O conceito de único, portanto, é distinto de o de individualidade, pois uma espécie, que tivesse apenas um único indivíduo, êste seria necessàriamente único na sua espécie.
Mas essa unicidade ainda não seria absoluta, como não seria absoluta a unicidade se a humanidade fosse apenas representada por um só homem, um único sobrevivente de uma catástrofe que aniquilasse a todos os outros. Êsse homem seria o único representante da espécie, não a humanitas. Nenhum indivíduo específico poderia actualizar totalmente a espécie.
A unicidade, para ser tal, implicaria que o ser que a representa se identificasse com a espécie, e, neste caso, o indivíduo seria totalmente, além da sua própria forma individual, a da espécie, e com ela se identificaria.
Não poderia êle actualizar simultâneamente o indivíduo e a espécie, porque esta contém em si as possibilidades individuais actualizáveis diferentemente, e um só indivíduo não as actualizaria. Ademais, a espécie é uma estructura ontológica, que não poderia subjectivizar-se num indivíduo, como não o poderia a triangularidade, aqui ou ali, mas apenas triângulos, êstes ou aquêles.
Uma unicidade dessa espécie ainda não seria absolutamente única, porque, para ser tal, seria mister que a unicidade fôsse necessàriamente imposta. Ora, tal só poderia, como só se pode dar, com o Ser Supremo, que é necessàriamente um e único.
Só êle alcança uma unicidade absolutamente única. Do conceito de absoluto infere-se o de unicidade, pois, como já vimos, só o Ser Supremo é absoluto simpliciter e, portanto, só êle é absolutamente único.
Nas coisas finitas, a presença do absoluto manifesta-se na unicidade dos indivíduos, pois o mundo real cronotópico, ou meramente existencial, é formado de indivíduos que têm certa unicidade, isto é, relativa a individualidade de cada um, à sua tensão.
Na unicidade das coisas há a presença do absoluto, e é nela que as coisas participam de uma das perfeições do Ser infinito, embora não a tenham na plenitude da sua perfeição.
No entanto, de certo modo, considerado na sua unicidade, cada indivíduo é absolutamente único, embora o carácter dêsse absoluto se dê apenas dentro do limite da sua espécie, o que lhe empresta o carácter de absoluto específico ou absoluto secundum quid, como já estudamos.
TESE 61 - Na essência lógica do ser, todos os entes se univocam e também se univocam na unicidade.
Rejeitado o nada absoluto, e compreendido o nada relativo, que tem positividade, como já vimos, compreende-se que o ser, em sua essência e em sua existência, é positividade, e tomado lògicamente, nêle todos os sêres se univocam.
Mas como o Ser Supremo é, além de positividade, o pleno exercício do ser em sua máxima intensidade, a univocidade dos entes é confusa no conceito de ser como positividade, como "aptidão para existir". Pois o ser, que é em acto, é acto para existir, e o ser possível só o é se fôr apto para existir. Nessa aptidão para existir, que é meramente lógica, todos os sêres se univocam.
É ela real. Encontramos, nessa aptidão, uma univocidade entre todos os sêres. Se ela não fôsse real, mas apenas ideal, seria meramente ficcional. E tal não se justifica, pois, neste caso, ser não seria aptidão para existir, o que é absurdo. Portanto, independentemente dos esquemas lógicos, os sêres se univocam nessa aptidão, a qual não é apenas uma distinção realizada pela nossa gente, mas real extramentis.
Por outro lado, não há eqüivocidade absoluta, pois, se houvera, dar-se-iam rupturas no ser, o que é absurdo. Nem tampouco poderia haver uma univocidade absoluta entre os entes, pois todos se identificariam. Não há, portanto, uma univocidade nem uma eqüivocidade absolutas, entre os sêres. Mas, sim, são êles, de certo modo, unívocos e de certo modo distintos entre si; portanto, são análogos. A unicidade de um ser não é a do outro, mas por serem únicos, se univocam como tais.
Por isso todos os entes são análogos, pois a analogia é uma síntese da semelhança e da diferença, e onde há semelhança deve haver um ponto de identificação formal; e onde há diferença, um ponto de diferença absoluta, porque, do contrário, a diferença seria aparentemente diferença, e a semelhança aparentemente semelhança26.
Todos os entes formam uma unidade, e são únicos. A unicidade implica uma certa irreductibilidade de um ente a outro.
A unicidade implica uma identidade, e é ela a mais profunda raiz da identidade. Pois, ser idem é ser si mesmo, como um e único. Essa unicidade que diferencia absolutamente cada ser de outro ser, pois êste é êste, e apenas êste, e não aquêle. Portanto, o que identifica, diferencia. O ser único se diferencia de outro, mas ambos se identificam em ser únicos, porque a unicidade é formalmente unívoca para ambos.
Na unicidade, identificam-se os contrários da identidade e da diferença absoluta, ou da alteridade. O idêntico implica o outro. O ser idêntico a si mesmo é, ao mesmo tempo, o ser outro que outro.
O conceito de unicidade é um conceito genuìnamente dialéctico e, nêle, os extremos opostos se identificam, sem deixar de ser o que são27.
Êste é o motivo por que a razão dos racionalistas não pode compreender "racionalmente" a unicidade, e também por que o individual e o único são difìcilmente racionalizáveis, salvo pela Filosofia Concreta, por ser esta dialéctica (como lógica concreta e do também). Temos, assim, na unicidade, o ápice, o ponto de encontro de todos os opostos.
É também o vértice da pirâmide, na simbólica egípcia.
TESE 62 - A unicidade é incomunicável.
Aquilo, por meio do qual uma coisa singular é precisamente esta coisa (haec, daí haecceitas heceidade), não pode comunicar-se a outra, pois comunicar é terem vários sêres em comum uma mesma perfeição.
O que faz que A seja homem, podem tê-los muitos, mas o que faz que seja êste homem, só êle o tem.
Essa unicidade é simplicidade de singularidade.
A unicidade dêste ser é incomunicável, mas os sêres têm em comum a unicidade de ser cada um êste ou aquêle ser.
Têm em comum a unicidade formalmente, não porém a unicidade, enquanto simplicidade de singularidade. Todos os sêres, que são um, são, de certo modo, únicos, e entram na ordem da unidade, mas o que faz que êste seja êste é apenas dêle.
A unicidade é assim a última determinação formal do ser, pois os sêres se determinam pelo gênero, pela espécie e pela individualidade, e esta conhece a sua última determinação na unicidade.
Mas é ela ainda um conceito transcendental, pois dela participam todos os sêres e modos de ser, que são únicos, e tôdas as diferenças de ser que também são únicas.
Estamos agora em face de uma antinomia entre a unicidade e a comunidade. Os sêres da mesma espécie têm em comum a espécie. Mas a têm como forma de que participam ontològicamente. Como existentes são, no entanto, únicos. A unicidade da existência prova a sua distinção da essência. E o esquema concreto de cada ente é único no sentido que é êste (haec). O que nêles se repete é apenas o arithmós, o número no bom sentido pitagórico, como a haecceitas de uma coisa é o seu arithmós individual. Vê-se dêste modo quão positivo é o pensamento platônico, pois as coisas imitam as formas, permanecendo o que elas são (haec).
A concepção platônica facilita-nos a compreensão da unicidade da haecceitas, ao lado do que se repete, do que é comum.
Os sêres ontològicamente (no logos do ente) se repetem, mas são ônticamente (como entes) únicos.
TESE 63 - O ser afirma-se por si mesmo.
O juízo "ser é ser" não é uma mera tautologia, como pode parecer à primeira vista.
Há aqui, lògicamente, distinção entre sujeito e predicado. É uma distinção lógica; porém não se pode deixar de compreender que o predicado diz algo do sujeito, pois o ser é ser, e ser é ser.
Ademais o ser é absolutamente êle mesmo, sem necessidade de relacionar-se com outro. O ser afirma-se sem necessidade de outro. Coisa alguma é mister acrescentar-se à afirmação dessa identidade, pois ela é de per si bastante e suficiente. E tanto é assim que dizer-se que ser não é não-ser é o mesmo que dizer que ser é ser.
Essa identidade do ser funda o princípio de identidade. Nos dois juízos: "Isto é" e "isto é aquilo", há lugar para uma distinção importante.
No primeiro caso, temos a idéia transcendental de ser, porque dizemos simplesmente que isto é. Aqui o valor de ser é absoluto. No segundo, referimo-nos a um modo de ser, portanto é relativo.
Ser isto ou aquilo não é transcendental, pois o ser, aqui, tem uma extensão limitada, já que é afirmado enquanto é isto ou aquilo, o que lhe dá o carácter de relativo e não de absoluto. Assim, quando se diz que Ser é ser, ser, aqui, é ademais tomado transcendentalmente e de modo absoluto.
TESE 64 - O ser, enquanto tal, não o podemos abstrair.
Se tomamos um ente qualquer, podemos abstrair as suas perfeições, uma por uma. No entanto, não podemos abstrair o ser, enquanto ser, porque em todo acto de abstracção, e no abstraído, o ser está sempre presente, porque o abstraído é ser.
É assim o ser-enquanto-ser a máxima concreção, porque sempre êle está presente.
O ser só pode ser verdadeiro, pois o contrário do verdadeiro é o falso, e se o ser não fosse verdadeiro seria o inverso de si mesmo, o nada, e êste, já mostramos, é absurdo.
E como não há meio têrmo entre o nada e o ser, êste é absolutamente verdadeiro; é a plenitude da verdade.
O ente não pode ser explicado pelo nada.
O conceito de nada inclui contradição, e exclui tanto o ser "extra-intellectum" como o no intelecto.
Ente é o que não inclui contradição.
Ente é o que, ao qual, não repugna ser.
Não há proporção (proportio) entre ser e nada.
O Ser Supremo é intensistamente ser, porque é todo em si mesmo. E é extensistamente ser, porque só há o ser e não o nada absoluto.
Os conceitos (intensista e extensista) são usados, aqui, analògicamente.
Na filosofia clássica, podia-se conceber o ser necessário lógica e ontològicamente. Lògicamente, como o expõe Hellin, é a ilação inevitável das premissas; ontològicamente, pode ser considerado em três ordens: na ordem do agente, a causa necessária, não livre; na ordem dos meios, aquêle sem o qual não se obtêm os fins; na ordem do ente, aquêle que não pode não existir.
Nesta última ordem, que é a mais importante, podemos considerá-lo ainda hipotèticamente, que é aquêle que, se é, necessário é; e absolutamente, como aquêle que assim existe, absoluta e independentemente de qualquer condição, e não pode não existir, cuja não existência implica contradição.
O ser contingente pode ser tomado lógica e ontològicamente. Lògicamente, o ser contingente surge da ilação não inevitável das premissas. Ontològicamente, pode ser tomado na ordem do agente, e é o agente livre; na ordem dos meios, e é o meio que não é o único necessário para o fim; e na ordem do ser, é aquele que pode existir ou não existir sem qualquer contradição, aquêle cuja existência não é do conceito de essência absoluta. O ser contingente é aquele, cujo constitutivo é nada, e de si permaneceria nada. Se se torna alguma coisa, não se torna por si, mas impelido por outro a ser.
Em suma: o ser contingente pode não ser, sem que haja qualquer contradição na sua não-existência, enquanto o ser necessário é aquêle que não pode deixar de ser; cuja não-existência implicaria contradição.
Ora, o Ser Supremo, como vimos através das demonstrações feitas, é um ser necessário, pois sua não-existência, implicaria contradição. Não alcançamos, porém, a apoditicidade de sua existência fundado no princípio de contradição, mas fundado no rigor ontológico das teses desenvolvidas. Verifica-se, corroborando as nossas provas, que ademais das razões ontológicas apresentadas, há ainda a favor delas a fundada nos princípios da argumentação clássica.
Fundado no princípio de causalidade, vê-se que o ser contingente necessàriamente é feito, e é feito necessàriamente por outro, e tem sua razão suficiente em outro. Se o ser contingente pode não ser, seu constitutivo não é a existência actual. É de si nada e de si permaneceria nada, perseveraria nada. Para ser algo necessita do que é, que é sua razão de ser.
Na filosofia clássica, encontramos, sobretudo em Tomás de Aquino, tanto na Summa contra Gentiles como na Summa Theologica, o emprêgo do argumento fundado nos sêres contingentes para provar a existência de Deus como ser absolutamente necessário. Essa prova é de máxima importância na teologia clássica, mas como seu ponto de partida é um tanto controverso, só deve ser aceita se fôr robustecida pelo apoio ontológico, como oferecemos através da filosofia concreta.
TESE 66 - Num vazio absoluto os átomos não podederiam mover-se.
Se os átomos se movessem no vazio (vácuo, to kenon dos atomistas adinâmicos), êsse vazio não seria um vazio (vácuo absoluto), pois, do contrário, não haveria movimento por faltar um têrmo dessa relação.
O movimento físico implica quatro têrmos reais: o móvel e o ponto de partida (terminus a quo), mas como todo o movimento é um transitar para outro lugar, exige, ademais, um terceiro: terminus ad quem, o para onde se dirige, mas também um quarto, a via, onde se dá o movimento, onde a coisa está ubiquada.
Sem um têrmo de partida, sem o de chegada, sem a via e sem o móvel, não há movimento. No caso do vácuo absoluto teríamos ausência total da via, pois a distância entre os têrmos ou seria infinita, ou nula, porque, se finita, o vazio não seria um vácuo absoluto, mas um espaço, e êste com caracteres físicos accidentais, o que levaria a admitir que era êle substancial, pois como haver accidentes que não o sejam de alguma coisa que está na relação de substância?
Se infinita, como já o demonstramos, como haver combinações e interactuações entre os átomos? Se nula, haveria contigüidade e identificação num ponto, ou, melhor, na superfície, o que negaria a absoluta separação entre os átomos, o que é fundamental na concepção atômica adinâmica, que passamos a refutar.