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Ontològicamente, o cepticismo universal, em face das teses já demonstradas, não procede, pois nenhum céptico deixaria de reconhecer a validez apodítica do que expusemos, pois não poderia afirmar o nada absoluto. Nem tampouco podê-lo-iam fazer o agnosticismo nem o relativismo. Caberia discutir apenas a posição nihilista.
Veremos oportunamente que também não procedem as objecções dessa posição à capacidade humana de um saber verdadeiro. Por ora, porém, interessa-nos apenas o que se refere as teses expostas. O céptico poderá dizer que nada sabe sôbre o que há, mas terá de concordar que há alguma coisa, e também o agnóstico e o relativista, pois, para este último há, pelo menos, a relação, e o ser é relativo.
Os principais argumentos cépticos na Criteriologia podem ser simplificados em dois: um a priori e outro a posteriori. Apriorìsticamente, afirma a impossibilidade de um critério seguro e inapelável da verdade por parte da razão, porque esta terá de demonstrar, não por si, mas por outrem, sendo impossível alcançar um primeiro critério, base certa e segura de tôda demonstração.
O defeito fundamental dessa objecção consiste em afirmar gratuitametne que tudo é demonstrável, e que nada poder-se-á ter por certo e seguro sem uma demonstração. Como a primeira deveria ser certa e segura, e como exige demonstração, essa seria indefinidamente levada avante. Estamos no dialelo. Mas já evidenciamos que não se prova apenas demonstrando, mas mostrando. Há um critério do evidência que não necessita de, nem pode ser justificado por outro, e que se justifica por si mesmo: alguma coisa há. Esta verdade é ontològicamente perfeita, porque a sua proposição encerra em si a verdade. Não há possibilidade de uma ficção absoluta, porque a sua mera enunciação afirma que alguma coisa há. Na proposição alguma coisa há, o sujeito é suprido perfeitamente pelo predicado. Essa evidência é objectiva. Se é o homem que a pronuncia, a evidência subjectiva apóia-se numa evidência objectiva. Alguma coisa há, pois, para que o homem possa afirmar ou não que alguma coisa há.
O segundo argumento dos cépticos está no facto de nos enganarmos quanto à verdade das coisas. E porque nos enganamos algumas vêzes, concluem que nos enganamos sempre. Quod nimis probat, nihil probat (o que prova em demasia não prova) afirmavam os escolásticos, e com fundamento, porque a conclusão dêsse argumento aposteriorístico dos cépticos é dogmático, exageradamente dogmático, além de estender a conclusão além das premissas.
Que nos enganamos algumas vêzes, é precedente a afirmativa, mas que nos enganamos sempre, é uma afirmativa que excede e refuta o próprio ceptimsmo, pois saberíamos, então, com certeza, como verdade, que sempre nos enganamos. No entanto, alguma coisa há refuta que nos enganamos sempre, porque o próprio engano afirmaria que "alguma coisa há". Nossa tese, portanto, é válida também para os cépticos.
O cepticismo tornar-se-ia ainda mais absurdo se negasse que alguma coisa há, pois a sua negação seria a afirmação de que alguma coisa há. Gonzalez sintetiza sua objecção ao cepticismo com estas palavras, onde mostra a contradição fundamental que o anima: ao falar ao céptico êle diz: "ou sabes que não sabes nada, ou não o sabes. Se não o sabes, por que o afirmas? E se o sabes, já sabes algo, e é prova de que se pode saber alguma coisa." Repete, assim, as palavras de Santo Agostinho: "Quem pode duvidar que vive e entende, e quer, e julga? Se duvida, vive; se duvida, entende que duvida; se duvida, é porque quer ter certeza; se duvida, pensa; se duvida, sabe que não sabe; se duvida, julga que convém não prestar um assentimento temerário" (De Trinitate, lib. X, cap. 10, n. 14; XV, 12).
Ademais o cepticismo aplicado à prática seria destructivo, e tornaria impossível a vida humana, pois o céptico, para o ser integralmente, teria de excluir tôda prática.
Tal não impede que haja um cepticismo até certo ponto benéfico para o progresso do saber humano. Se se trava aqui uma grande polêmica na Filosofia, certa dúvida metódica poderá levar o homem a investigações mais longas e mais profundas, o que corresponderia a um desejo mais amplo de saber. Contudo, conviria estabelecer os limites dêsse cepticismo relativo, pois a dúvida metódica de Descartes deu frutos ácidos para a filosofia, embora não fôsse essa a sua verdadeira intenção. Entre os escolásticos modernos, há muitos que a admitem, como Sentroul, Monaco, Monnot, Maquart, Geny, Donat, Jeannière, Guzzetti, Maréchal, Montagne, Julivet, Noël, d'Aquasparta, Kleutgen, Liberatori, Palmieri, etc. Admitem-na apenas metòdicamente, em face do estado de cepticismo que avassala certas camadas intelectuais, e a necessidade de partir dela para estabelecer as bases firmes de um critério gnosiológico. Para a fundamentação de nossas teses, porém, a polêmica que surge aqui em nada viria diminuir a apoditicidade da nossa tese fundamental: alguma coisa há.
A posição agnóstica é fundamentalmente céptica, e padece dos mesmos defeitos do cepticismo e a sua refutação se faz pelo mesmo caminho.
Já o relativismo tem encontrado na época moderna seus cultores. Protágoras é considerado o fundador dessa posição, e a tese fundamental do relativismo consiste em afirmar que a nossa verdade é relativa ao sujeito cognoscente. Não conhecemos o objecto como êle o é em si; afirma e ainda nega possamos adequadamente distinguir entre cognição absolutamente verdadeira e cognição falsa, já que a coisa não pode ser captada, senão segundo as nossas medidas. Se há um relativismo absoluto, há, ademais, um relativismo moderado. Êste afirma que nossas verdades são relativas ao sujeito cognoscente, segundo o seu modo de conhecer, aceitando, portanto, que há um conhecimento verdadeiro do que a coisa é em si, mas proporcionado ao sujeito cognoscente.
Ora, tanto o agnosticismo, como o relativismo universal e até o moderado não podem pôr em dúvida a tese fundamental da filosofia concreta, pois se o agnóstico declara que não podemos saber o que a coisa é em si, não nega que algo há e, por sua vez, o relativismo afirmaria que a relação há, e a relação não é um puro e absoluto nada.
Os relativistas intelectualistas, como os idealistas e os fenomenalistas, que chegam a negar a existência da coisa em si, e apenas afirmam a das nossas idéias e representações, não negam, conseqüentemente, que algo há.
No fundo o relativismo é céptico, e sôbre êle cai a mesma refutação. Pode-se, de certo modo, considerar o agnosticismo científico, bem como o psicologismo, o historicismo, o pragmatismo como cépticos, pois tôdas essas doutrinas se fundamentam nos mesmos postulados.
Em "Teoria do Conhecimento" refutamos essas posições filosóficas. Agora, porém, em face dos postulados fundamentais da filosofia concreta, o filosofar de tais filósofos em nada ofende os seus fundamentos, que seriam válidos, inclusive para êles.
O idealismo em geral, afirma que o objecto conhecido é totalmente imanente ao cognoscente, chegando até a negação do mundo exterior, como o idealismo acosmístico de alguns, que não nega, portanto, que algo há.
Se os acosmísticos negam a existência real do mundo corpóreo, não afirmam uma negação absoluta de que algo há, nem o fenominístico, ao afirmar que nosso único conhecimento é aparente, nem os idealistas monísticos, nem os pluralistas negam tal postulado. O idealismo é, em suma, relativismo, e, conseqüentemente, céptico.
Em oposição ao idealismo, poder-se-ia dizer que o intelecto humano é naturalmente ordenado a verdade, e que a verdade objectiva existe independentemente da cognição humana. Mas a prova de tal postulado não cabe por ora, pois virá a seu tempo, após havermos trilhado os caminhos da dialéctica-ontológica. O que, no entanto, fica afirmado, ante essas posições, é que algo há.
Também entre os filósofos anti-intelectualistas, como Bergson, Nietzsche, e os existencialistas, que afirmam serem insuficientes os meios intelectuais de conhecimento, e que a realidade concreta nós a atingimos através de uma experiência vital e alógica, apesar da fraqueza dos seus postulados, aceitam também que algo há.
A fenomenologia moderna, em todos os seus aspectos, não nega validez ao nosso postulado fundamental.
Restaria apenas a posição nihilista absoluta, que negaria terminantemente que algo há, e afirmaria que nada absolutamente não há. Tudo seria mera e absoluta ficção. Mas tal posição ainda afirmaria que a ficção, que é algo, há, e, conseqüentemente, que algo há.
Portanto, sob nenhum dos aspectos do filosofar, sob nenhum dos seus ângulos, em nenhuma das posições filosóficas consideradas em todos os tempos, nenhuma sequer nega validez ao postulado fundamental da filosofia concreta, o que prova também a sua universal validez.
Poder-se-ia, ainda, discutir a validez dos conceitos alguma coisa (áliquid) e o de haver (há). Mas que apontam tais conceitos? Áliquid diz-se do que tem positividade de qualquer modo, do que se põe, do que se dá, do que se afirma. Haver indica presença de certo modo. O predicado afirma que se pode predicar a presença de algo (ser, devir, ficção, não importa), e que essa presença tem uma positividade, pois não se pode predicar a absoluta ausência. Entre os conceitos de presença e de ausência total e absoluta, a mente não pode vacilar, pois a afirmação da segunda seria negada pela própria afirmação.
Conseqüentemente, prova-se ainda que é verdadeiro o postulado expresso na tese abaixo:
TESE 27 - É absolutamente falsa a predicação da ausência total e absoluta.
TESE 28 - É absolutamente, verdadeira a predicação de uma presença.
Tem, assim, o filosofar um ponto arquimédico de partida sôbre o qual nenhuma objecção pode ser feita; ou seja: há um juízo universalmente válido e absolutamente verdadeiro, sôbre o qual se podem construir os fundamentos de um filosofar coerente, que era o que desejávamos mostrar e demonstrar.
TESE 29 - A verdade ontológica prescinde do rigor psicológico.
Há distinção, sem dúvida, quando não há reciprocidade verdadeira. Entre o rigor ontológico e o rigor psicológico, há distinção, embora muitos afirmem que não há, reduzindo-se aquêle a êste. Há distinção porque o rigor psicológico exige o ontológico, mas este não exige aquêle.
Uma verdade psicológica é tal realmente, quando ontològicamente é verdadeira, mas uma verdade ontológica pode prescindir do rigor psicológico.
TESE 30 - O Ser, que sempre foi e sempre é, é plenitude absoluta de ser.
O que contradiz o Ser que sempre foi e sempre é, seria o nada absoluto, ausência total e absoluta de ser. Qualquer redução no ser enquanto tal, seria nada absoluto17.
O Ser, enquanto tal, é plenamente ser. Não pode surgir de uma composição de ser e de nada absoluto, porque êste não pode compor, porque é impossível, e o têrmo positivo da composição seria plena e absolutamente ser. Se êste não fôsse plenitude absoluta de ser seria nada, o que é impossível.
Portanto, Ser é plenitude absoluta de ser. Ora, o ser, que sempre houve e sempre foi, se não fôsse plenitude absoluta de ser, teria composição com o nada absoluto, o que é absurdo.
O ser do alguma coisa que sempre houve e sempre é, e sempre existiu, é plenitude absoluta, sem desfalecimentos, sem ruptura, num continum absoluto de ser, no seu pleno exercício, pois é essencial e existencialmente ser, como vimos.
TESE 31 - O Ser é, pelo menos, de certo modo, absoluto e infinito.
É absoluto o que é ab-solutum, o que é desligado, o que não provém de outro, o que não precisa de outro para ser, o que se põe a si mesmo no seu pleno exercício.
Diz-se que um ser é infinito quando não tem finitude, quando não tem fronteiras, nem limites. Ora, o que poderia limitar êsse ser absoluto e primordial, enquanto primordial?
O nada absoluto? Mas este não é; nem teria eficacidade de determinar, de dar limites; pois, se tivesse essa aptidão, seria ser. Portanto, não poderia finitizá-lo o nada, porque o ser, que sempre houve e há, é ab-solutum, é absoluto e primordial, é plenitude de ser, pois essência e existência nêle se identificam, são a mesma coisa.
Não tendo sua origem em outro, nem dependendo de outro, êle é:
Conseqüentemente, o ser absoluto é infinito.
E mais adiante se provará que é único.
O têrmo infinito pode ser tomado privativa e negativamente.
O infinito privativo consiste na ausência de uma finitude.
Neste caso, poder-se-ia dizer que o Ser absoluto não tem finitude de qualquer espécie.
O infinito negativo consiste em não ter pròpriamente limites.
Tomá-lo quantitativamente não seria aplicável ao Ser absoluto, porque, como veremos mais adiante, a sua infinitude não é quantitativa.
Mas se considerarmos os limites como a fronteira do seu poder, ao Ser absoluto não se lhe antepõem fronteiras.
Portanto, êle é infinito. Surgiriam aqui diversos aspectos a serem justificados e demonstrados. Como princípio, êsse ser seria absoluto, pois é ab-solutum, desligado de outrem.
Mas há heterogeneidade de entidades, vários seres que não são absolutos, mas ligados a outros. Resta saber se o Ser, que é imprincipiado e absoluto, é independente dos outros sêres, o que se provará mais adiante, embora desde logo se veja que os outros, que são posteriores, dêle dependem, enquanto êle não depende de outro, pois então dependeria do nada.
Resta ainda saber se a sua infinitude é dada enquanto visualizamos o nada absoluto, não enquanto visualizamos os outros sêres.
Essa infinitude ante os outros sêres será demonstrada, mais adiante, de modo apodítico.
TESE 32 - O não-ser relativo é o apontar de uma ausência de perfeições determinadas.
O não ser relativo não é a negação total e absoluta do ser.
E se não o é, aponta a algo, a uma perfeição18, que é do ser, e positiva, ou a uma negação de algo positivo, que está ausentado de algo. Nesse apontar indica apenas a recusa da presença de determinada perfeição. Portanto, o não-ser relativo é positivo, pois é o apontar de uma recusa da presença de algo19.
A não-presença de algo positivo dá suficiente positividade ao não-ser relativo. Compreendendo-se assim, não cabe mais a primária confusão entre não-ser relativo e não-ser absoluto. Ambos se excluem absolutamente. E como o não-ser relativo tem positividade, êle se analoga com o ser o suficiente para não contradizê-lo.
Dêste modo, o não-ser relativo não ofende o princípio de não-contradição, nem o princípio ontológico de identidade, como ainda veremos.
A perfeição recusada é uma certa perfeição. A recusa do que não é, do impossível, inclui-se na mesma demonstração, mas, neste caso, o que é recusado não é positivo.
Ademais o nada, considerado enquanto tal, não é perfeição; é nada.
TESE 33 - A afirmação precede ontològicamente à negação.
A negação implica o negado, e êste é positivo, pois negar-se o que não é, retiraria da negação a sua positividade e, neste caso, ela aniquilar-se-ia. Conseqüentemente, para negar-se, é preciso que algo esteja afirmado.
A afirmação posiciona-se e positiva-se por si mesma. Não precisa de outrem para ter realidade. A negação recusa alguma coisa; implica, portanto, algo positivo, afirmativo.
Conseqüentemente, a tese está demonstrada: a afirmação precede ontològicamente à negação.
Ora, o ser é afirmação, afirmação imediata sem determinação (indeterminada). Como afirmativo, é presença, é o agir imanente que se coloca e possui a si mesmo.
TESE 34 - O ser tem prioridade à relação.
A relação implica o dual, e no mínimo duas positividades, pois uma relação entre têrmos não positivos deixaria automàticamente de ser positiva.
A relação implica anteriormente substância e oposição, duas categorias que a antecedem.
Os que consideram que ser é expresso na cópula ser, reduzem-no a uma relação. Mas uma relação é relação de qualquer coisa que é. E, afinal, qualquer coisa deve ser para que haja relações. Portanto, há prioridade ontológica do ser à relação.