Livro de Urantia

Grupo de Aprendizes da Informação Aberta

Contato

Índice Superior    Vai para o próximo: Capítulo 6

Arquivos de Impressão: Tamanho A4.

Livro em Texto (txt).

Capítulo 5
Do valor do nosso conhecimento


Mário Ferreira dos Santos
Filosofia Concreta
Tomo 1o
Enciclopédia de Ciências
Filosóficas e Sociais
Vol. X

Livro Original na Internet
Do valor do nosso conhecimento
    5.1  Comentários subordinados

     Através do método que usamos nesta obra, tendemos a construir uma dialéctica ontológica que não pretende substituir a lógica, mas apenas dar-lhe os fundamentos ontológicos que julgamos nela faltar. A via lógica pode levar-nos à verdade, mas também à falsidade, enquanto a via ontológica, como o provaremos, se não nos leva a tôdas as verdades, pode, contudo, evitar, com segurança, que resvalemos na falsidade.

     Ademais, demonstraremos que a via ontológica é muito mais segura, e nos permite, nela fundados, reexaminar tôdas as estructuras lógicas, dando-lhes os conteúdos precisos, que nosso método dialéctico-ontológico pode oferecer.

     Ao construirmos a "Filosofia Concreta", dirigimo-nos aos nossos semelhantes, e se procuramos fundar nossas primeiras teses sem a imprescindibilidade do homem, não podemos negar que é como ser humano, que a fundamos.

     Poderia alguém precipitadamente dizer que a verdade ontológica, por nós afirmada, ainda é relativa a nós, é, portanto, inerente à esfera antropológica, pois é através de nossos meios de comunicação e de pensamento que argumentamos a favor da nossa tese.

     Mas essa objecção cai facilmente por terra, porque é no homem, é no antropológico, que se dá a comunicação do pensamento ontológico, não, porém, seu fundamento. "Alguma coisa há" não se funda no homem, mas neste apenas a sua comunicação. E, ademais, se se fundasse apenas no homem, a tese estaria por sua vez demonstrada, e a afirmativa estaria salva, pois uma ilusão não poderia ser um nada absoluto, mas ao ser ilusão, era alguma coisa, e afirmaria, por sua vez, que "alguma coisa há". Conseqüentemente, a afirmação tem prioridade, pois o conceito de prioridade implica que algo é anterior a algo, em qualquer esfera que tomemos, e sob qualquer espécie que a consideremos. Algumas teses subordinadas decorrem das primeiras.

     TESE 18 - O que tem prioridade é alguma coisa.

     Se a prioridade vem do que é absolutamente nada, a prioridade está negada. A afirmação é, pois, o fundamento real da prioridade.

     TESE 19 - O que tem prioridade é afirmativo.

     Se o que tem prioridade é nada absolutamente, a afirmação está conseqüentemente negada. A prioridade, portanto, fundamenta-se numa afirmação.

     TESE 20 - Se o nada absoluto tivesse prioridade não seria nada absoluto, pois seria afirmativo.

     Provado que o que tem prioridade é afirmativo, se o nada absoluto tivesse prioridade ao ser seria afirmativo, e não se lhe poderia chamar de nada absoluto. O nada absoluto é ontològicamente impossível de qualquer modo, como já vimos nas outras demonstrações já feitas.

     TESE 21 - A dúvida, humana afirma.

     De qualquer forma a dúvida humana afirma, mesmo quando ela se dirija até à própria dúvida, dúvida da dúvida. O acto de duvidar é afirmativo, porque algo duvida, algo afirmando e afirmante duvida.

     TESE 22 - A dúvida absoluta é impossível.

     A dúvida seria absoluta quando até o que duvida não fôsse absolutamente nada. Neste caso, nada duvidaria, e a dúvida estaria totalmente negada. Portanto, não sendo possível a dúvida absoluta, a dúvida só pode ser relativa e, de certo modo, fundada afirmativamente, o que, por sua vez, afirmaria algo, o que é excludente da absoluta negação.

     TESE 23 - A afirmação tem de preceder necessàriamente à negação.

     Como necessàriamente o que tem prioridade é algo afirmativo, a afirmação, ontològicamente, precede à negação. Ademais se provará, oportunamente, que a negação é sempre relativa, pois ao negar algo, a negação afirma o afirmado. Se a negação afirma, ela não pode ser absolutamente negativa, mas apenas relativamente negativa. Conseqüentemente:

     TESE 24 - A negação afirma a afirmação.

     A negação, por ser relativa, afirma por sua vez algo. Pois negar só pode ser a alegação que exclui da existência, ou do ser, algo que, de certo modo, é actual ou possível. A negação da negação por sua vez afirmaria a afirmação.

     E daí:

     TESE 25 - A negação absoluta seria, por sua vez, afirmação de algo.

     Se, como o demonstramos, a negação relativa fundamenta-se em algo que é, mas que é negado, a negação absoluta seria a negação de algo que absolutamente não é. Portanto, a negação absoluta terminaria por afirmar que algo é. Conseqüentemente:

     TESE 26 - A negação é sempre afirmativa, seja de que modo fôr.

     Parta-se de onde partir, a negação sempre afirma, o que termina por negar uma negação absolutamente simples, vindo corroborar a tese fundamental, que é nosso ponto de partida: Alguma coisa há.

5.1  Comentários subordinados

     O cepticismo sistemático parte, conseqüentemente, de uma afirmação. O céptico, de certo modo, afirma; afirma, portanto.

     Imaginemos que ele negue a tese do dogmatismo moderado, que diz: "por introspecção, somos cônscios de que em nós existe um estado de certeza, ora de dúvida, ora de opinião, pois nós, ora temos certeza (alguns), ora duvidamos, ora opinamos." Êsses estados se dão. Contudo, o céptico sistemático suspende seu juízo, considerando que nada pode afirmar.

     Por mais sistemático que seja o cepticismo, em nada ofenderia a validez apodítica de nossa tese, como passaremos a provar.

     Passaremos, em primeiro lugar, a dar todos os argumentos favoráveis ao dogmatismo moderado, depois a considerar as razões dos cépticos, e, finalmente, seguiremos o caminho da dialéctica ontológica.

     A certeza, para os dogmáticos moderados, é a adesão firme do entendimento ao objecto conhecido, fundada em um motivo evidente, que exclui todo temor de errar.

     Há verdade lógica, quando há conformidade entre o esquema eidético-noético e a realidade da coisa conhecida. E diz-se que há verdade metafísica ou ontológica, quando a coisa conhecida é adequada ao nosso esquema.

     Ora, à verdade lógica opõe-se a falsidade; à verdade ontológica opõe-se a negação de tôda realidade, o nada. Se algo ontològicamente não é, só lhe podemos predicar o nada.

     A verdade ontológica de um juízo decorre da perfeita adequação do que se predica ao sujeito, cuja relação ou é necessária ou é da própria natureza da coisa. Assim a prioridade indica a anterioridade de algo em vector ou ordem ou espécie a outro do mesmo vector ou ordem ou espécie, necessàriamente. A anterioridade está necessàriamente inclusa na estructura ontológica da prioridade. Assim qualquer acto do espírito é em si afirmativo, porque onde há uma acção, há afirmação, embora a acção seja negadora, que, neste caso, é a afirmação da não presença, da ausência de alguma coisa ou da recusa de algo, como vimos.

     Os dogmáticos moderados fundam em geral sua posição na certeza, que é humana. E esta surge, para êles, apodìticamente (apoditicidade lógica), pela reflexão ou pela observação subjectiva, que revela muitos actos psíquicos heterogêneos, entre êles os representativos, nos quais se distinguem vários estados, tais como:

     Ora, a verdade lógica está no juízo; a verdade ontológica está na essência da própria coisa. A certeza ontológica é firme. O que tem prioridade é de certo modo anterior. Se a prioridade é cronológica, tem anterioridade no tempo; se axiológica, tem-na como valor, etc.

     Na certeza ontológica, há uma evidência intrínseca. Colocando-nos do ângulo antropológico, o que engendra a certeza na mente deve ser um motivo supremo, o último porquê de tôda certeza. E êsse motivo supremo deve ter as seguintes condições:

     O que tem tais condições é a evidência objectiva. Assim a evidência objectiva de que o todo macrofísico é quantitativamente maior que cada uma de suas partes é suficiente para obrigar qualquer mente a assentir firmemente com a verdade que tal princípio encerra.

     A certeza é subjectiva, mas a evidência é objectiva. É a segunda que engendra a primeira. A luz da evidência é bastante para si mesma, e nada mais se poderia pedir, porque é ela suficiente. É a evidência que encerra em si todos os requisitos anteriormente apontados. Poder-se-ia objectar que a evidência pode levar ao êrro. Se alguns são levados ao êrro, deve-se a não terem usado a verdade e a razão.

     Não é essa a evidência que empregamos para assegurar a validez apodítica de nossas teses. Não precisamos aqui repetir a longa polêmica em tôrno dêste tema, que está dispersa nas obras de filosofia, porque não é dela que lançamos mão, sem que por isso lhe neguemos validez.

     Se na verdade lógica há a adequação entre o intelecto e a coisa, e, na verdade ontológica, a da coisa com o intelecto, em ambas, há, portanto, a adequada assimilação entre o esquema noético-eidético e a coisa. Numa, daquele com esta; noutro, desta com aquêle.

     Mas a verdade dialéctico-ontológica exclui o esquema eidético-noético do homem. Não parte dêle, mas da razão do próprio ser. Quem dá a solidez aos nossos esquemas noéticos-eidéticos é a razão ontológica, é o logos do ontos.

     A prioridade da afirmação é necessária, e ela afirma que alguma coisa há. Essa verdade dispensa adequação. É verdade em si mesma. O que construímos noèticamente vale na proporção que corresponde ao que é ontològicamente verdadeiro. Nossa verdade é dada pelo conteúdo ontológico; por isso a Lógica deveria ser sempre a posteriori à análise ontológica.

     É o fundamento ontológico que baseia a validez do lógico, e não o inverso.

     A validez das idéias humanas está na proporção em que o ontológico lhes dá conteúdo. E por essa razão pode-se daí partir para tôda uma revisão dos nossos juízos lógicos, como ainda veremos.

     Nossos esquemas (species) constituem o que, pelo qual (quo), é conhecido o objecto, não o que é conhecido (species est id quo objectum cognoscitur, non id quod cognoscitur). Esta afirmação escolástica é de grande valor. O esquema eidético-noético expressado representa o objecto como nós entendemos. Mas a validez de tais esquemas é dada pela validez dialéctico-ontológico.

     Ao partirmos do lógico, sòmente deduzimos o que já está nas premissas somente deduzimos o que nas premissas já pusemos. Por essa razão, com o uso da lógica apenas, pode o homem perder-se e alcançar o êrro. Mas, na captação ontológica, há outro modo de proceder. Por meio dela não extraímos o que pomos, mas o que já está na razão da coisa. Desse modo, pode o ser humano errar quando usa a lógica, não quando usa a via dialéctico-ontológica. Podiam-se apresentar argumentos contra os antípodas, porque todos os corpos pesadas caem, e se houvesse sêres abaixo de nós cairiam, mas ontològicamente nada impediria que houvesse antípodas. Posteriormente, conclui-se, graças aos conhecimentos científicos, que os corpos pesados caem em direção ao centro da Terra, (como se dá em nosso planêta), o que já afirmava Tomás de Aquino. Já nesse enunciado, os antípodas não são mais absurdos.

     São motivos como tais que nos levam a afirmar que a via dialéctico-ontológica supera a via lógica, para alcançarmos a evidência, sem que se despreze o valor que aquela oferece para o filosofar. Mas o que queremos estabeleceu nesse nosso intuito de matematizar no bom sentido a filosofia, é que devemos sempre submeter as premissas lógicas à análise ontológica por nós preconizada, a fim de evitar os erros que a deficiência humana fatalmente provoca.

     E aqui encontramos ademais uma justificação a favor de nossa posição filosófica. Chamamos a nossa filosofia de concreta, precisamente porque se funda ela no ontológico, e êste é a realidade última da coisa, é a realidade fundamental da coisa. Não surgem as estructuras ontológicas de elaborações mentais. Elas não são impostas pela nossa mente, mas se lhe impõem. As estructuras ontológicas são válidas de per si e justificam a sua validez, mostrando-se a nós. O que construímos lògicamente temos de demonstrar, mas o fundamento dessa demonstração está na mostração da raiz ontológica. Por isso, a via dialéctico-ontológica é concreta, e só pode levar à construção de uma filosofia concreta.

     Não seguimos, assim, o caminho usado pelos filósofos de todos os tempos, sem que tal impeça que muitas das nossas afirmativas e das teses por nós demonstradas coincidam com o pensamento exposto por outros. Não é, porém, o pensamento alheio que fundamenta a nossa posição; é o nosso método dialéctico-ontológico que fundamenta os seus postulados. A Filosofia Concreta não é, assim, uma construção sincrética do que há de mais seguro no filosofar. É que o que há mais seguro no filosofar, através dos tempos, é o fundamental concreto, no sentido que damos. A Filosofia Concreta forma, assim, uma unidade, e a sua validez é dada por si mesma. Para mostrar a diferença entre o filosofar submetido apenas ao lógico e o filosofar dialéctico-ontológico, apresentamos diversas diferenças, mas queremos oferecer outro exemplo.

     Não devemos confundir a gênese noética do conceito com o conteúdo lógico, nem com a sua estructura ontológica. Tomemos, como exemplo, o conceito de infinito.

     Combatendo os argumentos escotistas, os suarezistas, que são filósofos tão grandes como aquêles, e tão grandes como os maiores de todos os tempos, repelem a afirmativa dêstes de que a primeira diferença de Deus é constituída pela infinitude. Para estes, Deus é o ente simpliciter infinitum, absolutamente infinito. Ora, tal não procede, afirmam, porque infinito é algo negativo, e o negativo funda-se em algo positivo. E se fundado em algo positivo, êsse positivo seria a diferença primeira, e constitutiva de Deus. O infinito seria, pois, um accidente, e não poderia constituir a diferença primeira. Há outras objecções ainda dos suarezistas que virão a seu tempo, mas enquanto a esta poder-se-ia, através de uma análise dialéctico-ontológica, responder do seguinte modo:

     No nosso modo de conceber, a gênese do conceito de infinito (etimològicamente tomado) surge da negação da finitude, in-finito. Mas se, genèticamente, o conceito é negativo, não o é em sua estructura ontológica, como não o é o conceito de Não-eu, o de átomo (a-tomos), porque se referem a conteúdos positivos. Mas o conteúdo positivo de infinito é a absoluta independência, o ser absolutamente necessário. Se a mente humana percorre um longo caminho para alcançar o conteúdo concreto-ontológico do conceito de infinito, o seu verdadeiro conteúdo é o final, e não o que é dado nos primeiros ensaios. Neste caso, se tomarmos infinito em sentido meramente lógico, o argumento dos escotistas é inaceitável, mas se tomarmos em seu conteúdo ontológico é êle válido. Êste ponto vai merecer de nós mais adiante outros exames, pois exige tivéssemos alcançado vários estágios da análise dialéctico-ontológica, o que ainda não fizemos.

     Queremos apenas mostrar, de modo suficiente por ora, como se diferenciam os dois processos: o lógico e o ontológico. E se apresentamos até aqui algumas razões em favor de nosso método, no decorrer desta obra acrescentaremos outros elementos que corroborarão ainda mais a nossa posição.