Índice Superior Vai para o próximo: Capítulo 3
Arquivos de Impressão: Tamanho A4.
Para o mais criterioso pensamento filosófico do Ocidente, a filosofia não é um mero ludus, mas sim o afanar-se na obtenção de um saber epistêmico, especulativo, teórico, capaz de levar o homem ao conhecimento das primeiras e últimas causas de tôdas as coisas.
Pode a filosofia, em mãos pouco hábeis, ter servido apenas para a pesquisa desenfreada de temas vários, ao sabor da afectividade e até da sem-razão. Entretanto, o que se busca com mais segurança no pensamento ocidental é a construção de juízos apodíticos, isto é, necessários, suficientemente demonstrados, para justificar e comprovar os postulados propostos, e permitir que o filosofar se processe em terreno mais seguro. Sente-se, não obstante, que a filosofia, em certas regiões e em certas épocas, fundou-se mais em juízos assertóricos, meras asserções de postulados aceitos, os quais recebiam a firme adesão dos que nêle viam algo adequado às suas vivências intelectuais e afectivas. Êsse o motivo por que a, filosofia, no Oriente, quase não se separa da religião, e com ela até se confunde, porque aquela como esta fundam-se mais em juízos assertóricos, para os quais é suficiente a fé, que dispensa a demonstração.
Entre os gregos, predominantemente cépticos e pessimistas, a aceitação de uma nova idéia impunha e exigia a demonstração. Vêmo-lo quando São Paulo propõe-se cristianizar os gregos. Estes não se satisfazem com o que afirma, e exigem-lhe demonstrações.
A filosofia na Grécia, além de especulativa, o que de certo modo já era esotèricamente em outras regiões, caracteriza-se, sobretudo, pela procura da apoditicidade. A filosofia busca demonstrar os seus princípios, e com êsse afã atravessou os séculos até os nossos dias.
Na Ciência Natural, a demonstração é feita em grande parte por via experimental. Mas, se observarmos a matemática, veremos que a demonstração se processa dentro do maior rigor ontológico.
Esta, como ciência auxiliar, serve inegàvelmente de elo entre a ciência experimental e a Filosofia.
Quem quer fazer filosofia com absoluta segurança deve dar à sua demonstração o rigor matemático, e nunca esquecer que os esquemas, que a filosofia constrói, são análogos aos que a ciência examina e estuda.
Bastam, para a fé, os juízos assertóricos; mas o verdadeiro filósofo exige juízos apodíticos.
Ao desejar-se construir uma Filosofia Concreta, isto é, uma filosofia que dê uma visão unitiva, não só das idéias como também dos factos, não só do que pertence ao campo pròpriamente filosófico, como também ao campo da ciência, deve ela ter a capacidade de penetrar nos temas transcendentais. Deve demonstrar as suas teses e postulados com o rigor da matemática, e deve justificar os seus princípios com a analogia dos factos experimentais.
Porque só assim a filosofia será concreta, pois não pairará apenas num sector da realidade, numa esfera do conhecimento, mas englobará, no seu processo, todo o campo da actividade epistêmica do homem. Suas leis devem ser válidas para tôdas as esferas e regiões do saber humano. Uma lei, válida apenas para uma região, se não se subordina às leis transcendentais, é uma lei provisória. Ao estabelecerem-se leis e princípios, devem êstes ter validez em todos os campos do conhecimento humano, porque só assim se construirá o nexo que estructurará o saber epistêmico num conjunto coordenado, no qual se dê aquele princípio de harmonia dos pitagóricos, que é a adequação dos opostos analogados, cujas funções subsidiárias estão subordinadas à função principal, cuja normal é dada pela totalidade.
Um rápido estudo do processo filosófico grego, mostra-nos que, após a vinda de Pitágoras à Magna Grécia, desenvolveu-se uma tendência marcante para a demonstração dos postulados filosóficos.
E fácil depreender que a ânsia da apoditicidade, que se observa nesse filosofar, tornado exotérico, deve-se, sobretudo, à influência dos estudos matemáticos, e, dentre êles, a geometria, que por exigir constantemente demonstrações, fundadas no que anteriromente ficou provado, desenvolveu a tendência para o saber teórico, que só o é quando fundado apodìticamente.
A filosofia, tendendo para êsse caminho, embora partindo do conhecimento empírico e da doxa, tornou-se uma legítima epistéme, um saber culto. Êsse tender é assim uma norma ética do verdadeiro filosofar.
Os primeiros esquemas noéticos do filosofar grego tinham de provir da conceituação comum, e nêles trazer as aderências da sua origem. Mas há uma expressiva tendência a afastar-se dos preconceitos de tipo psicologista, e tender para o sentido da matemática, como vemos no pensamento pitagórico de grau mais elevado.
Sabe-se que Pitágoras foi um grande divulgador dos conhecimemos matemáticos, por ele adquiridos em suas viagens e estudos, embora alguns tenham dúvida quanto à sua existência histórica, o que não cabe aqui discutir. Mas o pitagorismo é um facto histórico, e vemos que é êle que anima o estudo da matemática, e é dentre os pitagóricos que vão surgir os mais ilustres dos tempos antigos.
A demonstração separa-se da matemática, e ademais esta não é apenas uma ciência auxiliar do conhecimento, um simples método, como alguns pretendem considerar. Tem ela uma significação ontológica muito mais profunda, e a justificação dessa afirmativa não caberia ainda aqui.
A matematização da filosofia e a única maneira de afastá-la dos perigos da estética e das meras asserções. Não que consideremos um defeito a presença do estético na filosofia, mas o perigo está em o estético tender a bastar-se a si mesmo, e reduzir o filosofar ao seu campo, com o predomínio da conceituação, com conteúdos apenas psicológicos, sem a depuração que a análise ontológica pode oferecer.
E essa é a profunda razão que levava os pitagóricos a exigir, para os iniciados, o estudo prévio da matemática, e a Platão, êsse grande pitagórico, a considerar imprescindível o conhecimento da geometria para entrar na Academia4.
Quanto ao logos analogante de Sócrates e de Platão, cuja validez nunca é demais salientar, sobretudo quando tão poucas vêzes, na filosofia, houve uma nítida compreensão do verdadeiro sentido do seu significado, estudá-lo-emos mais adiante.
Impõe-se que se revise com cuidado o têrmo concreto, cuja origem etimológica vem do aumentativo cum e de crescior, ser crescido.
Êsse cum, além de aumentativo, pode ser considerado ademais como a preposição com, o que indicaria o crescer-se com, pois a concreção implica, na sua estructura ontológica, a presença, não só do que é afirmado como entidade especìficamente determinada, mas também das coordenadas indispensáveis para o seu surgimento.
Convém afastar a acepção comum e vulgar que se tem do têrmo concreto, como sendo tal apenas o captado pelos nossos sentidos.
Para alcançarmos a concreção de algo, precisamos, não só do conhecimento sensível da coisa, se é objecto dos nossos sentidos, mas também da sua lei de proporcionalidade intrínseca, e da sua heceidade, que inclui o esquema concreto, que é a lei (logos) da proporcionalidade intrínseca da sua singularidade, e, também, das leis que presidem à sua formação, à sua existência e perduração, bem como ao seu término.
Um conhecimento concreto é um conhecimento circular, num sentido semelhante ao de Raimundo Lúlio, um conhecimento que conexiona tudo quanto é do objecto estudado, analogado às leis (logoi analogantes), que o definem, conexionado, por sua vez, com a lei suprema que rege a sua realidade, isto é: um conhecimento harmônico, que capte os opostos analogados, subordinados à normal e normais dadas pela totalidade a que pertencem, o que nós chamamos, em suma, a decadialéctica. Esta não se cinge apenas aos dez campos do raciocinar hierárquico, que estudamos em "Lógica e Dialéctica", mas inclui também o conexionamento com a Dialéctica Simbólica e o Pensar Concreto, que reúne todo o saber, através dos Logoi analogantes, analogando, dêsse modo, um facto, ou um objecto em estudo, à totalidade esquemática das leis universais, ontológicas em suma.
Um triângulo ônticamente é êste triângulo. Podemos conhecê-lo sensìvelmente, por que a sua figura pode ser desenhada. Mas um conhecimento concreto do triângulo implica o conhecimento da lei da triangularidade, que é a lei de proporcionalidade intrínseca dos triângulos, e a subordinação dessa lei às leis da geometria, que são outras tantas leis da proporcionalidade intrínseca das figuras, que se subordinam às normas estabelecidas por essa disciplina. Êste conhecimento é mais concreto. E o será ainda mais, se concrecionarmos as leis da geometria às leis ontológicas.
Como justificação de nossa obra, entendemos por Filosofia Concreta aquela que busca e justifica os postulados de um saber ontológico, válido em qualquer sector da realidade, e nas diversas esferas da realidade, porque as há e muitas, pois há uma realidade física, uma metafísica e ontológica, como há uma psicológica, uma histórica, etc., com seus respectivos critérios de verdade e de certeza.
Subordinar assim um conhecimento específico à normal dada pelas leis fundamentais da Ontologia, que são manifestações da lei suprema do ser, e conexionar o conhecimento, de modo a torná-lo concreto.
O método usado por nós, nesta obra, para prova dos postulados fundamentais de uma filosofia coerente e fundada em juízos universalmente válidos, é o seguinte:
Se permanecêssemos apenas no campo da lógica formal, poderiam acusar-nos de formalismo. Como o emprêgo de qualquer via demonstrativa exclusiva pode suscitar dúvidas quanto aos fundamentos das teses expostas, usamos, nesta obra, tôda a gama da demonstração e tôdas as vias até agora conhecidas e manejadas pelo ser humano. Esta a razão por que fazemos varias vêzes a prova de um mesmo postulado. Notará o leitor que cada nova demonstração usa uma via diferente. Preferimos as seguintes: a via formal, que nos oferece a lógica aristotélico-escolástica, primacialmente deductiva, o método inductivo-deductivo e deductivo-inductivo, a demonstração a more geometrico, a demonstração pela reductio ad absurdum, a demonstração e converso, a demonstração pela dialéctica idealista, pela dialéctica socrático-platônica, que emprega com eficiência a analogia, na cata dos logoi analogantes, pela dialéctica pitagórica, pelo método do pensamento circular de Raimundo Lúlio e, finalmente, pelo emprêgo de nessa dialéctica ontológica, que inclui a metodologia da decadialéctica, da pentadialéctica e da dialéctica simbólica5.
Desta forma, estamos certos que tôdas as principais teses que postulam os fundamentos da Filosofia Concreta, por nós construída, como uma matematização (no seu genuíno sentido pitagórico) do pensamento filosófico, fundada em juízos universalmente válidos, são demonstradas através dos mais hábeis meios e vias, umas corroborando as outras, umas completando o que há de deficiente em outras, favorecendo, afinal, a robusta prova do que pretendemos realizar neste livro.
A matematização da filosofia entendemo-la no genuíno sentido de Pitágoras, como metamatemática, e não no sentido da matemática vulgar, da Logistiké como a chamavam os pitagóricos, que trabalha apenas com as abstracções de segundo grau.
Um rápido exame é suficiente para a boa clareza do que pretendemos realizar neste livro.
Os pitagóricos, e posteriormente Aristóteles e os escolásticos, distinguiam o número numerante (numerus numerans) de o número numerado (numerus numeratus). Êste último se referia ao número das coisas sensíveis, enquanto o primeiro ao número abstracto, tomado em sua pureza ontológica, o número absoluto.
Podemos partir do emprego do número em relação as coisas sensíveis, o número da aritmética, o número de medida e conta. Mas o triângulo, na geometria, é um número (arithmós, em sentido pitagórico). Podemos tornar o triângulo isósceles como um arithmós, independentemente da sua medida extensista, pois já o consideramos em sua forma. Assim também a circunferência, e as outras figuras geométricas. Tôdas são arithmoi geometrikoi. Pela algebrização, podemos alcançar a um conjunto de arithmoi ainda mais formais, que não são meramente ficcionais, como nos prova a aplicação da matemática à ciência.
Alcançamos, afinal, a Filosofia Concreta, quando principiamos a trabalhar com arithmoi de estructura ontológica rigorosa, como: anterioridade e posteriorioade, dependência e independência, sucessivo e simultâneo, ontológico e ôntico, abaliedade, sub-alternidade, finitivo, materiado (materiatum), efectível, activo, agível, operação, operador e operado, unidade, multiplicidade, necessidade, contingência, etc., desde que seus conteúdos esquemáticos sejam rigorosamente definidos no campo ontológico e no ôntico.
São conceitos, com os quais podemos rigorosamente construir a matematização da filosofia. Se se entendesse por tal a sua redução a conceitos da Logistikê (da matemática de cálculo, ou dos números sensíveis), estaríamos transformando esta, que é uma disciplina auxiliar, hieràrquicamente inferior aquela, em melhor método para o exame filosófico, quando a Filosofia Concreta é realmente o ápice da filosofia, no seu afã de saber, e possuidora, por sua vez, de um rigor ontológico mais seguro, que os factos, em sua onticidade, servem como testemunhos de prova.
Dêste modo, justificamos, embora em linhas gerais, o que empreendemos nesta hora.
Depois de examinada a relaçao entre sujeito e objecto6, compreendemos facilmente que as diversas providências tomadas pela filosofia, com o intuito de alcançar a apoditicidade, obedeceram a dois vectores, em que a actualização de um processou-se sempre a custa da virtualização do outro, e só em raros momentos aceitou o homem a presença actual de ambos.
O homem, ao filosofar, na busca de uma certeza apodítica, devidamente demonstrada, de cuja verdade não poderia duvidar, o ponto arquimédico, procurou, ora na observação do mundo objectivo, ao seguir os caminhos do empirismo em geral, ora, ante a impossibilidade de, neste vector, encontrar a certeza desejada, buscá-la, através de caminhos interiores, através da certeza de si mesmo, para sôbre ela fundar todo o desenvolvimento posterior dos postulados filosóficos.
Ao examinar a adequação entre os juízos e os factos do mundo, nem sempre se estabeleceu um estado de certeza que satisfizesse ao ser humano.
Na certeza, encontramos êstes caracteres: um acto mental de adesão, e um acto de firmeza sem o mínimo temor de êrro. O espírito adere firmemente ao juízo que enunciou. Quando se dá um acto mental de adesão, porém não firme e com receio de errar, estamos em face da doxa, da opinião.
Quando o acto mental não é adesivo, não é firme, e teme-se errar, estamos em plena dúvida.
Para que a demonstração seja satisfatória, deve oferecer certeza: a firme adesão ao juízo enunciado.
Na dúvida, a adesão da mente está em suspensão, pois teme-se que não seja verdadeiro o que é enunciado pelo juízo.
Não iremos agora examinar a longa polêmica sôbre o problema crítico que vem até os nossos dias, pois já o fizemos em "Teoria do Conhecimento" e em "Noologia Geral".
Antes de examinar a conveniência ou não dos dois vectores, seguidos para a demonstração das proposições filosóficas, precisamos estabelecer se é ou não possível ao ser humano provar apodìticamente alguma coisa.
Estabelecida esta possibilidade, deve-se ver se ela cabe no campo da filosofia, e se, finalmente, é aplicável num daqueles dois vectores. E se não é, que outro caminho se pode oferecer à especulação filosófica na sua busca de apoditicidade?
Comecemos, portanto, por partes. Examinemos primeiramente as, razões pró e contra a possibilidade da demonstração.
A posição clássica contra a possibilidade da demonstração é a céptica, que estabelece que é impossível um conhecimento cientìficamente objectivo e certo. Outra posição, a idealística, estabelece que não podemos saber o que as coisas são em si; não podemos inteligir o que elas são em si, nem poderíamos comprovar os nossos conhecimentos sôbre elas.
A posição relativista estabelece que o nosso conhecimento é mutável e relativo às diversas fases do desenvolvimento intelectual do homem.
É comum hoje, na filosofia, o ponto de vista de que não é possível a demonstração que resolva legìtimamente, não só o problema crítico, como também o conhecimento exacto, a certeza. Vejamos as razões desta posição.
Tôda a demonstração é uma argumentação legítima, que decorre de premissas certas e evidentes, isto é, ela parte de princípios aceitos como certos. Portanto, tôda a demonstração supõe necessàriamente uma verdade aceita, cuja demonstracão é impossível, porque, do contrário, teria de ser reduzida a outra verdade, a qual deveria ser aceita sem demonstração. Desta forma, o fundamento da demonstração reduz-se, em última análise, à fé numa verdade não demonstrada.
Outro argumento é o seguinte: quem admite a demonstração, e a exige para a filosofia, deverá demonstrar suas premissas, e assim sucessivamente, o que o levará, fatalmente, à aceitação de uma verdade prévia indemonstrável. Foi em parte êste o pensamento de Aristóteles quando afirmava que nenhuma ciência particular pode demonstrar os seus fundamentos7.
Convém distinguir os têrmos mostrar e demonstrar.
O que se mostra faz-se imediatamente sem têrmo médio; o que se demonstra faz-se mediatamente com têrmo médio.
A demonstração, portanto, implica este têrmo médio, mas êste não implica um outro, porque êle poderia ser evidente de per si, e servir como têrmo médio para as demonstrações posteriores.
O meio de combater a demonstração é sofismático, porque a operação demonstrativa tem seu início quando ela se realiza. Ela não é gerada por uma forma que é transmitida.
A demonstração gera-se da demonstração, portanto não se poderia pedir um círculo vicioso, como o de demonstrar as premissas que serviram de ponto de partida para ela, e assim sucessivamente, porque ela não exige uma causa unívoca para ser suficiente, pois, em última análise, ela consiste na comparação que se faz entre um juízo e um juízo evidente, verificando-se quais as semelhanças e as diferenças entre ambos.
Não é a demonstração que gera a demonstração. É o acto intelectual da comparação entre o que ainda não se sabe como verdadeiro, com algo já dado como verdadeiro. Só se poderia negar validez à demonstração se se provasse, com absoluta validez, que o homem nada pode provar com absoluta validez.
A demonstração não alcançaria sua finalidade se o cepticismo absoluto representasse a única verdade gnosiológica.
Vimos, contudo, na "Teoria do Conhecimento", que o cepticismo não se sustenta como posição gnosiológica.
E a demonstração estaria justificada, se mostrássemos algo de validez universal, sôbre o qual não pudesse pairar nenhuma dúvida séria, honesta, sã.
A demonstração implica algo mostrado como evidente. Êste seria o ponto arquimédico de um filosofar concreto. Encontrado este ponto, sôbre êle poderíamos construir tôda a filosofia.
Em "Filosofia e Cosmovisão", no capítulo sôbre o incondicionado, examinamos as diversas posições clássicas que propuseram um ponto arquimédico para o homem.
Esses pontos poderiam ser classificados: a) fundados no mundo objectivo e no mundo exterior, como procedem os empiristas, os materialistas, os sensualistas, etc., ou b) numa certeza interior, como procedem alguns racionalistas, os idealistas, alguns existencialistas, etc.
Esses dois caminhos não satisfizeram por não oferecerem o ponto arquimédico desejado. A nosso ver, o defeito de todas as buscas do incondicionado, na filosofia, funda-se num preconceito céptico, do qual os filósofos não se libertam. Como é o homem que filosofa, é no homem, ou com o homem, que devemos encontrar a certeza. Por isso, ou se busca num objecto, que é em parte construído pelo homem, ou no mundo subjectivo, o mundo das nossas íntimas certezas. Resta saber se nós, no acto de despojamento de nós mesmos, somos capazes de alcançar uma evidência, sôbre a qual nenhuma das posições filosóficas poderia pôr uma dúvida, depois de devidamente enunciada.
Partamos da dúvida, e ponhamos em dúvida todos os nossos conhecimentos: o mundo objectivo e o mundo subjectivo, e levemo-la até à última conseqüência. Deveria surgir um ponto do qual não se poderia mais duvidar.
Conhecemos o processo cartesiano da dúvida metódica, em que pondo tudo em dúvida, alcançou a uma certeza, porque não podia deixar de reconhecer que, ao duvidar, cogitava, tendo a vivência de si mesmo ao cogitar, da qual não podia duvidar.
O cogita cartesiano não é apenas uma operação intelectual, mas também afectiva, porque significa sentir-se imediatamente como uma coisa que cogita, cuja existência não pode duvidar. Êste é o seu verdadeiro sentido.
Ora, Descartes partiu de que a verdade devia ser fundada em idéias claras e distintas, e o que êle cogitava era, para êle, claro e distinto, portanto, verdadeira a sua existência.
A idéia clara e distinta é aquela que é indubitável, que não pode levar à dúvida, que é infalível, que não pode levar ao êrro, e que é inata (não proveniente da realidade objectiva).
O cogito apresenta êstes caracteres. Três são, portanto, os caminhos estabelecidos por Descartes:
O método cartesiano, entretanto, oferece graves dificuldades, e tem sido objecto de repulsa, porque não nos leva com segurança a outra ou outras certezas fora de nós. Não temos necessidade de, nesta obra, criticar tal método, mas podemos usar a dúvida até do próprio cogita. Poderíamos pensar que pensamos, poderíamos duvidar até de nós mesmos. O que precisamos é alcançar uma certeza da qual ninguém possa duvidar com seriedade.