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Capítulo 10
Validez da metafísica geral (ontologia)


Mário Ferreira dos Santos
Filosofia Concreta
Tomo 1o
Enciclopédia de Ciências
Filosóficas e Sociais
Vol. X

Livro Original na Internet
10  Validez da metafísica geral (ontologia)
    10.1  Validez da metafísica especial

     A forma, que há nas coisas, como vimos no exemplo que citamos, não é uma imagem (subjectiva), não é um objecto mera e simplesmente da experiência, pois ultrapassa de certo modo a esta. Ora, tal demonstra, definitivamente, que a cognição objectivo-metafísica é possível.

     Para que a Metafísica seja possível, temos de mostrar a validez objectiva, a sistência extra mentis, o fundamento sistencial dos conceitos universais e dos juízos universais. Dos conceitos, a prova já apresentamos. Resta, agora, mostrar a dos juízos universais.

     Os juízos metafísicos surgem das comparações realizadas entre os conceitos abstractos.

     Os conceitos abstractos de primeiro grau, como vimos, são os que se realizam através de uma abstracção total. Êstes, porém, não transcendem a experiência possível.

     Por essa abstracção, alcançamos os chamados conceitos concretos, como homem, triangular, etc.

     Êstes conceitos se referem a algo que tem uma matéria, um subjectum material, e que, portanto, não transcendem a experiência, embora não sejam imagens experimentais, mas referem-se a coisas experimentáveis. Embora tais conceitos, tomados em si, sejam imateriais, porque, do contrário, se singularizariam num singular e não poderiam repetir-se em muitos, não transcendem a experiência. Não são, pois, transcendentais.

     Contudo, há conceitos que transcendem a experiência, como os conceitos de humanidade, sapiência, triangularidade, eternidade, causalidade, etc., os quais não têm um subjectum material que os represente.

     Para alcançá-los, é necessário não a abstracção total, mas uma abstracção formal. Não se referem êles a nenhum grau de materialidade.

     Poder-se-ia objectar que são tais abstracções puras ficções, mas a objecção seria improcedente, porque não podemos recusar-lhes uma sistência, como veremos ainda.

     Ao compararmos tais formas entre si, podemos predicar alguma forma, dizer que um ou outro predicado lhes convém. Assim, podemos considerar o ser enquanto ser, enquanto forma pura, excluindo absolutamente o não-ser.

     Tais juízos transcendem a tôda experiência.

     Tais objectos, precisivamente metafísicos, têm uma sistência, o que demonstra que a cognição metafísica, através de abstracções formais, é possível.

     Cabe-nos provar a objectividade de tais abstracções, a sistência de tais abstracções. Tomemos o conceito contingência. Êste implica o "ter causa eficiente". Todo ser que tem causa eficiente é contingente e a experiência o comprova.

     Tomemos o exemplo de um conceito que aponta a uma perfeição pura como o de sapiência. Sapiência é apenas sapiência, sem mescla de qualquer outra coisa que não seja sapiência. A sapiência é infinitamente sapiência, perfeitìssimamente sapiência. Contudo, nos homens, observam-se graus de sapiência, mais ou menos). Como se poderia observar êsse mais ou menos de sapiência de que os homens participam, se sapiência fôsse um mero nada? Há, pois, uma sapiência máxima, sistente, não aqui ou ali, mas da qual participam todos os que têm sapiência e que não são sapiência. Tais perfeições não são de nenhum ser finito, assim como João, que é homem, não é humanidade, mas tem humanidade, ou seja, participa dela. Êste triângulo é triangular, não é, porém, a triangularidade, apenas a tem. Essas perfeições são do haver e não do ser das coisas finitas, ou melhor, seu ser participa dessa perfeição.

10.1  Validez da metafísica especial

     A sistência objectiva dos universais, que transcendem à experiência possível, está demonstrada. Resta provar a sistência objectiva de certos universais, que constituem o objecto da metafísica especial.

     O Ser Supremo é um dêsses conceitos. Nós somos capazes de construir, por abstracção formal, conceitos universais, que têm sistência objectiva fora de nós, como já vimos. E entre êsses, o das perfeições simples. Assim, da mutabilidade e da contingência dos seres finitos, que não têm em si mesmos sua razão de ser, alcançamos a contingência do mundo, do cosmos, que é a totalidade coordenada dos sêres finitos, dos que não têm em si sua razão de ser. Tais entes têm uma causa. Se todos os entes fôssem causados não haveria a origem da própria causa. Ou teriam em si mesmos a sua causa (e existiriam antes de existir, o que é absurdo), ou a receberiam de outros, que, causados por outros, teriam, fatalmente, necessàriamente, de ter uma causa primeira; caso contrário, cairíamos ou no círculo vicioso ou na negação da própria causa, porque cada um daria o ser a outro sem o ter, pois recebendo um o ser de outro, um há de ser o primeiro.

     Há de haver, portanto, um perfeito existente, cuja certeza e apoditicidade é o fundamento esquemático de tôdas as provas da existência de um Ser Supremo, primeiro, fonte e origem de todos os outros.

     Nosso conhecimento das coisas é dependente de nossa natureza. Sabemos que nosso conhecimento é adequado à nossa natureza. Conhecemos, proporcionadamente à nossa capacidade cognoscitiva.

     O principal valor da concepção kantiana está em afirmar que nosso conhecimento é proporcionado à nossa esquemática. Nosso conhecimento não é exaustivo, mas, embora total, é apenas relativo aos esquemas que podemos acomodar para a assimilação que lhes será proporcionada. Contudo, sabemos quais os nossos limites. Alcançar o limite já é ultrapassá-lo, porque ao sabermos até onde podemos conhecer, sabemos que algo outro (aliquid aliud) há além de nosso conhecimento, que não é um puro nada. Sua objectividade é evidente. E é evidente, ainda, que nós podemos construir conceitos que se referem às perfeições puras, das quais participam os sêres da nossa experiência. Tais conceitos referem-se ao que escapa à nossa experiência, mas são válidos porque os limites desta afirmam, apontam a sistência objectiva dos mesmos.

     Do que há de imperfeito nas coisas podemos ascender, por abstracção, às perfeições, sem que delas tenhamos uma intuição sensível, mas apenas podemos alcançá-las através de operações do nosso entendimento.

     Tais conceitos são também atribuíveis às coisas da nossa experiência, não, porém, unívoca, nem equìvocamente, mas analògicamente.

     Se se desse a univocidade, o Ser Supremo e as coisas seriam o mesmo, e cairíamos no antropomorfismo, ou no panteísmo.

     Se se desse a equivocidade, o Ser Supremo permaneceria desconhecido totalmente e cairíamos no agnosticismo.

     Portanto, só resta a cognição analógica.

* * *

     1) Um dos pressupostos falsos da doutrina kantiana está em considerar que, por não conhecermos exaustivamente os factos reais, nada conhecemos deles. Ora, sabemos pela experiência que, por desconhecermos o que fica além do nosso conhecimento, o que conhecemos de uma coisa não é falso por ser incompleto. Nós mesmos nos conhecemos à proporção que os anos sucedem e sucedem as nossas experiências. Tal não quer dizer que tudo quanto conhecemos de nós, porque não conhecemos exaustivamente a nós mesmos, seja, por isso, falso.

     2) Outro pressuposto falso de Kant consiste na distinção que faz dos juízos sintéticos a priori e dos juízos analíticos. Não há apenas as duas condições.

     a) ou o predicado já está contido no sujeito, ou

     b) o predicado, de nenhum modo, está contido no sujeito.

     Há uma terceira condição que Kant esqueceu:

     c) o predicado pode estar contido virtualmente no sujeito.

     Essa virtualidade não é apenas a que pertence à imanência conceitual do sujeito, mas a que está correlacionada ao mesmo, e também aos juízos quando comparados, como vemos pela dialéctica concreta. É precisamente esta terceira condição que é o fundamento dessa dialéctiea, e permite compreender a iluminação apofântica, que pode surgir pela análise dialéctica, como a entendemos e realizamos.

     A doutrina kantiana, por não ter considerado este ponto, é irremediàvelmente falsa e refutada in limine. Consideramos esta condição a mais importante.

     3) O terceiro pressuposto falso de Kant consiste em considerar que a experiência se dá apenas com os factos meramente contingentes, ou nos factos meramente contingentes, porque aqui também se dá uma terceira hipótese não considerada pelo filósofo de Koenigsberg: a da experiência sôbre entes não meramente contingentes.