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Capítulo 5
Em jeito de síntese:


Escola da Ponte
Uma escola pública em debate
José Pacheco
Maria de Fátima Pacheco
(organizadores)
Re-editado do Original
Em jeito de síntese:
    5.1  Seis perguntas e três depoimentos ...
    5.2  Primeiro depoimento
    5.3  Segundo depoimento
    5.4  Terceiro depoimento

5.1  Seis perguntas e três depoimentos ...

     Se eu não tivesse assistido algumas vezes e visto com meus próprios olhos eu dificilmente acreditaria se me contassem: mais de 200 crianças entre os 8 e 12 anos num auditório, praticamente nenhum ruído, nenhuma algazarra, erguendo uma das mão antes de falar e somente falando quando a palavra lhes é concedida. Como se consegue chegar a este comportamento com crianças que normalmente nesta idade costumam ser tão barulhentas? Eu não conseguiria conceber ter uma dúzia de crianças reunidas fazendo aquele silêncio. Mais de duzentas, então, seria impossível. Como vocês conseguem tornar possível este impossível?

     Um dos dispositivos usados na Ponte é a relação de Direitos e Deveres dos alunos. Como esta relação é construída? Vocês professores apresentam algum modelo ou alguma proposta para os alunos ou eles criam de forma mais livre e espontânea? Contem um pouco como é este processo que geralmente ocorre ao início de cada ano letivo.

     Outro dispositivo usado na Ponte são as chamadas "responsabilidades", os grupos de alunos que cuidam da manutenção do silêncio nos espaços de estudo, do clima amistoso nos intervalos de recreação, a chamada "comissão de ajuda". Contem-nos um pouco a respeito disto e de como funcionam.

     A indisciplina é citada com muita freqüência como um dos maiores problemas enfrentada por professores com relação a seus alunos nas escolas convencionais. Por favor, imaginem-se por um momento como um professor numa destas escolas: o que vocês fariam para prevenir e/ou combater a indisciplina? Que procedimentos vocês sugeririam para professores que atuam em escolas convencionais para vencerem este problema?

     De alguns anos para cá, a Escola da Ponte tem recebido alunos vindos de escolas das quais foram expulsos entre outras coisas por problemas de indisciplina. Que trabalho vocês fazem com alunos com este perfil para que respeitem direitos e deveres e não incorram nos comportamentos que em outras escolas provocaram sua expulsão?

     Haveria algum artigo ou livro que vocês nos recomendariam ler para entender melhor o problema da indisciplina na escola e ajudar e encontrar soluções? Que artigos ou livros mais ajudaram vocês a encontrarem os caminhos que tem levado a resultados tão positivos com suas crianças e adolescentes?

5.2  Primeiro depoimento

     Relativamente à primeira questão, essa foi de fato uma das atitudes que mais me surpreendeu, quando eu participei pela primeira vez numa Assembléia de alunos. Foi a reunião da Assembléia onde a Constança passava o "testemunho" da presidência ao João Coutinho e se despedia para ingressar na Escola EB 2/3. Não acreditava no que os meus olhos estavam a ver: uma criança de 12 anos, que chorava em frente a todos os outros colegas da escola e balbuciava, dizendo que esta tinha sido para ela uma das melhores experiências de sempre na Escola da Ponte. Desejava boa sorte e um bom trabalho ao seu "sucessor" com uma franqueza e sinceridade que nos fazia corar (aos adultos). As outras crianças olhavam-na fixamente e não se ouvia nem sequer um murmúrio, até eu não contive as lágrimas e a emoção, agindo disfarçadamente. Percebi neste momento que estava de fato numa escola diferente, uma escola construída numa base de valores humanos não institucionalizados, de crianças diferentes e de orientadores diferentes.

     Hoje, passados três anos, percebo que estes alunos são assim porque, desde o primeiro dia em que entram para este projeto, iniciam um percurso de construção individual e coletiva que privilegia acima de tudo o indivíduo na sua essência e na relação com os outros (pais, colegas, orientadores e auxiliares).

     De fato, desde a primeira vez, todos os alunos aprendem numa base de cooperação e respeito pelo outro, que passa, essencialmente e em termos práticos, pelo pedido de palavra. Respeitar os outros é saber ouvi-los e saber intervir quando oportuno. Quero com isto dizer que estes comportamentos e estas atitudes são desenvolvidas sistematicamente e coletivamente. Uma das estratégias também muito utilizada na promoção destes comportamentos é o debate de preparação da convocatória, isto é, os alunos permanecem em silêncio quando percebem as dinâmicas que ali estão a ser criadas no encontro, quando têm uma opinião sobre os assuntos em debate e principalmente quando percebem a pertinência desses assuntos.

     Contudo, para mim, o fator fundamental dessas atitudes, face à reunião da assembléia, é o fato de ser um momento significativo para eles, uma vez que foram os próprios a determinar os assuntos da convocatória e são os próprios a sentir mais proximamente os problemas da escola como seus.

     Apesar de ter citado como dispositivo regulador de comportamentos o pedido de palavra, os alunos regem-se acima de tudo por um documento que orienta e norteia todas as suas atitudes perante a comunidade escolar: a lista de Direitos e Deveres.

     A lista de Direitos e Deveres funciona como uma espécie de código de conduta, que pretende regular os comportamento dos alunos e promover a atitude de respeito pelo coletivo. Este referencial é totalmente construído pelos alunos, embora parta sempre da lista aprovada no ano anterior. É um documento que, pela sua essência, começa a ser trabalhado logo no início do ano letivo e debatido exaustivamente em diferentes situações com o objetivo de ser conscientemente aprovado na Reunião de Assembléia. Os alunos podem eliminar, inserir ou alterar qualquer direito ou dever, de acordo com as suas necessidades. Mas, acima de tudo, devem fazer cumprir seja qual for a votação da maioria.

     Este exercício é, logo na abertura do ano letivo, um exercício de democracia por excelência. Os alunos que entram para a Ponte percebem desde cedo que o dia a dia não é construído segundo uma atitude individual e sim coletiva e solidária (como deverá acontecer com os professores e funcionários), num espírito de comunidade escolar.

     Como comunidade que é, todos se devem sentir responsabilizados para atuar e mudar o que os rodeia. É segundo esse princípio que todos os anos surge a necessidade de criar grupos de Responsabilidade que atuem na comunidade, que também é a sua, e melhorem o seu funcionamento. Neste sentido, no início de cada ano, os alunos juntam-se para elencar as suas necessidades e se inscreverem na responsabilidade onde gostariam de colaborar. Esta postura de co-responsabilização dos alunos pretende promover a sua atitude cívica e, mais uma vez, o espírito de cooperação e entre-ajuda.

     Os alunos juntam-se em pequenos grupos (de diferentes núcleos) e desenvolvem atividades semanais mais relacionadas com a sua responsabilidade, decidindo e atuando diretamente no melhoramento de determinado aspecto da escola.

     Neste ano, as responsabilidades foram, entre outras: o refeitório, o jornal, a biblioteca, o correio da ponte, as visitas na ponte, a assembléia, o recreio bom ... Os professores também se inscrevem numa responsabilidade e ajudam na dinamização das atividades ou na realização das tarefas.

     Mas nem sempre as coisas correm bem e é inevitável que determinados alunos tenham ainda dificuldade em interiorizar os deveres votados e as regras instituídas. Quando isso acontece, os alunos são os primeiros a ajudar os seus pares, antes de qualquer intervenção de um adulto. Falo, especificamente, da Comissão de Ajuda.

     Os alunos encontraram uma forma de poder manifestar o seu desagrado ou agrado em relação à escola toda e desenvolver o seu espírito crítico: o Acho Bem e o Acho Mal. Estes dispositivos são o primeiro sinal de que tudo corre bem ou de que algo está mal e precisa ser melhorado.

     A Comissão de ajuda monitoriza estes dispositivos e atua de imediato, tentando negociar conflitos entre os meninos, ou dar sugestões para problemas do dia a dia. Esta Comissão é eleita pelos alunos e pelos professores e trabalha em parceria com a Mesa da Assembléia, porque, por vezes, também ela precisa da ajuda de toda a escola, para encontrar respostas. Por vezes, a intervenção da Comissão de Ajuda não basta e os adultos têm de intervir nos casos mais delicados.

     Para que ocorra a indisciplina, haverá fatores que devem ser objeto de reflexão dos orientadores: o contexto familiar, sócio-moral e afetivo do aluno, o percurso escolar e as experiências anteriores de aprendizagem, a relação com os anteriores agentes educativos, as expectativas face à escola e a dificuldade de aquisição das ferramentas básicas para a aprendizagem (a leitura, escrita e cálculo matemático).

     Numa primeira fase, é muito importante perceber com rigor todo o histórico da criança em relação a estes aspectos, pois vão ser eles a primeira base de trabalho individual com o aluno. Este trabalho é desenvolvido pelo professor-tutor em parceria com a família e a psicóloga da escola. Depois, é fundamental fazer compreender à criança que a sua adaptação na escola depende inevitavelmente do cumprimento dos mesmos deveres pelos quais todos os outros alunos se regem. Em minha opinião, uma das formas do orientador transmitir isso é respeitar a inclusão, agindo sem diferenciação de procedimentos. Ou seja, cada criança é um ser único, irrepetível e tem direito a um percurso de ensino aprendizagem que respeite os seus ritmos, aptidões e expectativas. Como orientadora, devo velar pelo cumprimento das decisões coletivas e agir em conformidade com as regras estabelecidas.

     Cada criança é especial, mas nenhuma é mais especial que as outras. A indisciplina dos alunos começa com a indisciplina dos professores e, para que não seja mal interpretada, explico-me: é necessário perceber que nem todos os alunos fizeram o seu percurso na Ponte desde a primeira vez e que talvez não tenham tido as oportunidades que qualquer criança por direito deveria ter. A atitude mais honesta que os professores podem ter para com estes alunos, desde o primeiro dia, é facilitar a adaptação à escola, não escamoteando tudo o que já disse atrás e que são valores matriciais e princípios orientadores do Projeto Educativo: a cooperação, a solidariedade, o respeito pelos outros e a responsabilidade.

     Como fazer estes alunos perceber e interiorizar estes valores? Esse tem sido o nosso maior desafio, pois as estratégias são poucas para dar resposta aos problemas de indisciplina. Algumas das estratégias implementadas são: a diversificação das aprendizagens (indo ao encontro dos interesses e expectativas individuais do aluno), o contacto permanente com os encarregados de educação (responsabilizando-os pelo comportamento do educando e ajudando-os a encontrar novas estratégias de entendimento, de diálogo e de negociação de regras comportamentais), o acompanhamento psicológico (trabalhando com a psicóloga as questões de fundo que podem estar na base de alguns comportamentos) e o constante reforço positivo na relação com os orientadores e com os colegas (trabalhar em grupo, ter a ajuda dos outros, ser parte de um grupo que decide e dá a sua opinião, promover iniciativas inovadoras, ser responsável por algo, dialogar livremente com qualquer professor, sentir que os outros se interessam pelos seus problemas, sentir que a escola é formativa e não "seletiva" e que os professores promovem a reflexão e não a sanção). E, também, encontrar um ponto de equilíbrio entre o carinho e a firmeza, porque há momentos em que um olhar assertivo ou uma chamada de atenção são indispensáveis e porque liberdade não pode ser confundida com abuso ou falta de respeito; para nós autoridade não é sinônimo de autoritarismo.

     A Escola da Ponte não é diferente das outras escolas e lida com muitas dúvidas sobre como resolver os problemas de indisciplina. Porém, em nenhum momento das nossas reflexões e ansiedades, a exclusão ou expulsão do aluno se apresenta como resposta. Como conseguiremos viver numa escola de afetos, valores, cidadania, democraticidade e liberdade se dermos como resposta a um aluno a exclusão?

     Tenho-me debruçado pouco sobre esta matéria em termos de leituras, pelo simples motivo de que ainda estou a fazer leituras que se relacionam mais com conceitos como a autonomia, a avaliação e a metodologia do trabalho de projeto. Contudo, houve alguns livros que me ajudaram a pensar um pouco sobre esta questão: CUNHA, Pedro; Conflito e Negociação, edições ASA; SOUSA, Jesus Maria, O Professor como pessoa, Edições ASA; COSME, Ariana e TRINDADE, Rui, manual de sobrevivência para professores, Edições ASA.

5.3  Segundo depoimento

     Antes de mais, entendo ser importante começar por relatar o meu pequeno historial enquanto orientador educativo na Escola da Ponte.

     Depois de terminar o meu estágio pedagógico numa escola de práticas comuns (ditas tradicionais), aproveitei o ano seguinte para conhecer melhor o modo de funcionamento desta escola. Trabalhei como professor voluntário durante todo o ano, com todos os núcleos da escola, inclusivamente, com o núcleo do aprofundamento, inserido num outro contexto espacial. Foi de fato, uma experiência fantástica, que mudou a minha visão sobre a educação em Portugal (pequena como professor ... enorme enquanto aluno!).

     Fiquei impressionado com o modo tranqüilo como a Assembléia decorria e, principalmente, a forma como os alunos participavam na mesma. Ainda mais surpreendido ficava quando falava com o José Pacheco e este me dizia que a escola passava por tempos de crise e que a Assembléia também sofria dessa mesma crise. Imaginava eu como seria no chamado "tempo do projeto"!

     Acompanhei todo o processo de aprendizagem dos alunos que constituíam a Mesa da Assembléia. Neste ano, de forma mais direta, uma vez que se trata da "responsabilidade" a que estou diretamente ligado com outra colega. É incrível assistir ao crescimento destes miúdos com o decorrer do ano. Foi um desafio muito grande. Alunos e professores estavam com vontade de aprender. Como referi anteriormente, trata-se de um processo de aprendizagem para todos (Mesa, professores, auxiliares, pais e Assembléia propriamente dita).

     Começamos o ano com imensas dificuldades: dificuldade em gerir os tempos, muita inexperiência dos alunos em situações de exposição pública, poucas intervenções da Assembléia (o que obrigava a Mesa a intervir) alunos muito novinhos, vários tempos "mortos" entre intervenções (o que cria alguma instabilidade nas reuniões) e os alunos membros da Mesa da Assembléia referiam que não recebiam a ajuda necessária por parte dos colegas.

     Evidentemente, todas estas dificuldades foram sendo trabalhadas com o avançar do ano e fora do espaço da Assembléia. Os alunos aprendiam muito com os erros que iam cometendo e, graças ao desenvolvimento do sentido crítico, a uma aprendizagem cooperativa e à aprendizagem por tentativa e erro, a evolução aconteceu a olhos vistos. No que concerne ao modo como os alunos se comportam e intervêm na assembléia, é evidente que isto não acontece por acaso. Para começar, existe toda uma base de trabalho, que vem dos anos anteriores, atitudes que ajudam a integrar os novos. Os alunos percebem que a Assembléia é um espaço de trabalho e que, para decorrer com normalidade, exige muita concentração e participação de todos os intervenientes (sem exceção). Por outro lado, a Assembléia é vista por toda a escola como um momento muito importante do trabalho semanal. Talvez o mais importante, uma vez que é aqui que se decide muito do presente e do futuro da escola. Além disso, neste espaço, os alunos podem resolver e partilhar dificuldades e alegrias da vida escolar. O fato de se discutirem assuntos que dizem muito aos alunos, - e por vezes até algo delicados para professores, pais e auxiliares - faz com que estes entendam a Assembléia como muito significativa.

     A lista dos Direitos e Deveres está relacionada com a própria assembléia (tudo na Ponte está ligado e relacionado ... ), uma vez que determina todo o dia a dia da escola. São os alunos que criam as regras que têm que cumprir - regras significativas e não impostas - o que facilita o trabalho de todos os intervenientes na aprendizagem. Quando um aluno não respeita um dever, o orientador o relembra que não está a cumprir as regras, por si criadas, por si sugeridas e por si votadas. Trata-se de uma relação cooperativa, ou seja, a consciência do eu individual e do eu com os outros é produto e condição da cooperação, pois só a cooperação conduz à autonomia e, por inerência, ao exercício da cidadania.

     O "modelo" de criação dos direitos e deveres surge um pouco do que está estabelecido de um ano para outro. Os alunos já têm o referencial do ano anterior e partem daí para novas sugestões, alterações, eliminações, ou manutenção de algum direito ou dever. Apesar de o processo de criação da lista de direitos e deveres ser da responsabilidade de todos, cabe à Mesa da Assembléia (previamente constituída), assegurar a dinâmica deste processo.

     Todos os alunos da escola poderão dar as suas sugestões para alteração dos direitos e deveres que, posteriormente, serão votados, num bom exemplo de cidadania.

     As "responsabilidades" (assembléia, terrário e jardim, correio da ponte, recreio bom, biblioteca, comissão de ajuda, mapa de presenças, datas e aniversários, refeitório etc.) são a garantia do bom funcionamento da escola. Apesar de os alunos estarem mais ligados a uma determinada responsabilidade, tal não significa que apenas deverão zelar pelo bom funcionamento da sua responsabilidade, não se preocupando com os problemas das restantes. Os problemas da escola dizem respeito a todos. O fato de estarem divididos por responsabilidades apenas acontece por uma questão de organização. Os alunos escolhem a sua responsabilidade no início do ano, de acordo com os seus gostos pessoais (tal como os professores).

     No que diz respeito ao problema da indisciplina, como é óbvio, não possuo receitas mágicas. Apenas poderei falar de procedimentos que são implementados na escola, que defendo como os mais corretos, mas que ... nem sempre resultam. Mais importante do que procedimentos a aplicar, é a uniformidade dos mesmos. Os professores têm de compreender os problemas - muitos específicos - que assolam a sua escola, ou um determinado aluno referenciado como "complicado". Depois de os entenderem e os perceberem, têm de agir com assertividade e coerência, não alinhando em práticas de ocasião. Quando um aluno sente que um professor age de forma passiva perante um comportamento agressivo e que outro professor age de forma mais ativa e não aceita que ocorram comportamentos diferentes dentro da mesma escola, corremos o risco de se registrarem problemas de indisciplina.

     É bom não esquecer que os alunos são muito inteligentes e estudam-nos ao pormenor! É evidente que os professores possuem personalidades diferentes e que esta tarefa se torna muito complicada quando o professor está sozinho dentro da sala de aula. Se dentro de um espaço estiverem vários professores com modos de ser diferentes, mas com um referencial comum, a tarefa fica mais fácil.

     A Escola da Ponte recebeu nos últimos anos (chamados anos da crise ... ), imensos alunos rejeitados/expulsos por outras comunidades educativas. Como é óbvio, a tarefa torna-se demasiado complicada à partida, quando um aluno sente que foi rejeitado por outra escola! Como foi possível tal acontecer? Não terão essas escolas de tentar resolver os problemas, por mais difíceis que sejam em vez de mudá-los para outro lugar? Não daremos um mau exemplo ao chamado aluno "complicado", quando o expulsamos?

     Ao contrário do que é habitual, e apesar do eventual insucesso curricular que estes alunos possam apresentar, verificamos que, quando aqui são acolhidos, raramente faltam à escola e acabam por criar laços afetivos muito fortes. Não pensemos que é tudo muito bonito e que os problemas raramente surgem. Muito pelo contrário! É preciso muito empenho e dedicação, obriga a enfrentar imensos conflitos, ao invés de fazermos de conta que está tudo bem.

     Entendo ser importante compensar esses alunos com o afeto que, porventura, não terão fora da escola, criando uma forte ligação de amizade com os mesmos. Por outro lado, também entendo que estes alunos não poderão viver debaixo de um regime de exceção, no que diz respeito ao cumprimento dos deveres.

     Quanto à bibliografia, aqui vão algumas sugestões. Apontamos para autores e não para obras, porque na sua maioria, estes autores estão editados em inglês e são muito referenciados nestas problemáticas (relação, comportamentos desviantes, desenvolvimento da identidade, tomada de perspectiva pessoal e social): MUCHIELLI, R., KOHLBERG, L., PIAGET, J., SELMAN R.L., SHULTZ, L.H., SPRINTHALL, M.A., ERICKSON, E., POSTIC, M.

5.4  Terceiro depoimento

"A ordem e a disciplina são necessárias"
(Freinet, Invariante no22)

     O aluno precisa de autoridade, para se orientar no processo de formação da personalidade. Na Ponte o orientador educativo exerce uma autoridade complementada com os "direitos e deveres" dos alunos. Essa autoridade exercida não pode ser confundida com o autoritarismo, que é a negação da autoridade, por ser domesticação do outro. A disciplina é a liberdade exercida que conduz à ordem.

     Os direitos e deveres são propostos, discutidos e aprovados pelos alunos. Através desta espécie de "Magna Carta", os alunos libertam-se da tutela do professor, responsabilizam-se pelas suas atitudes.

     O projeto "Fazer a Ponte" pretende formar cidadãos democráticos, participativos, solidários e tolerantes. A Assembléia e a Comissão de Ajuda são dispositivos pedagógicos por excelência, para o exercício da cidadania.

     Ser livre é ser responsável e essa responsabilidade está presente em pequenos gestos do cotidiano: no pedir a palavra, quando se arruma a cadeira sem fazer barulho; quando se ajuda um colega do grupo; quando se apanha lixo do chão ... A solidariedade acaba por ser um caminho indispensável para exercer a cidadania e a responsabilidade. Ser cidadão é respeitar os outros.

     Os alunos vindos de outras escolas precisam de um tempo de adaptação, principalmente aqueles que têm um comportamento perturbador. Os professores exercem uma autoridade construtiva, para que eles conheçam e reconheçam os direitos e deveres elaborados. Esses alunos trazem para a escola os valores e atitudes que foram apreendendo até àquele momento. É fundamental, desde o início, tratar a criança como pessoa, contribuindo para a formação de uma auto-estima forte. O orientador educativo deve gerir as relações, fazer-se respeitar começando por respeitar os alunos e conferir-lhes responsabilidades.

     Os professores não podem atribuir as causas da indisciplina exclusivamente aos alunos, têm que compreender que a responsabilidade é, também, deles próprios. É evidente que não existe uma fórmula mágica para resolver os problemas de comportamento. Na Ponte, os alunos necessitam de interiorizar regras e adquirir atitudes, que façam deles pessoas autônomas e solidárias. Isto só é possível se os orientadores educativos também interiorizarem regras e adquirirem atitudes que reflitam autonomia e solidariedade.

     Autores das respostas:

     Adelina Monteiro, Amélia Ferreira, Belanita Abreu, Catarina Silva, Cláudia Santa Rosa, Constança Azevedo, Cristiana Almeida, Diana Gonçalves, Filipe Correia, Francisca Monteiro, Geraldo Castro, José Pacheco, Manuel Carlos, Mafalda Nogueira, Marco Gonçalves, Paula Fonseca, Paulo Freitas, Paulo Machado, Paulo Topa, Pedro Arsénio, Ricardo França, Rosa Ferreira, Thais Costa, Tiago Oliveira, Wilson Azevedo.