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Capítulo 4
A educação acontece na relação com o "outro" ...


Escola da Ponte
Uma escola pública em debate
José Pacheco
Maria de Fátima Pacheco
(organizadores)
Re-editado do Original
A educação acontece na relação com o "outro" ...
    4.1  O ato educativo é um ato de relação
    4.2  Mudar: aprendendo a lidar com o desconforto ...
    4.3  No "mundo real" ...

"Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os
homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo."

Paulo Freire

4.1  O ato educativo é um ato de relação

     Há algo que se sobressai no cotidiano das escolas que estudamos - o olhar atento e cuidadoso no estabelecimento de um "espaço de escuta" com a equipe de educadores e crianças. Mas muitos professores manifestam as reais dificuldades enfrentadas na busca de um processo de mudança, visto não encontrarem pares, esbarrarem na burocracia e resistências. Sinto que há angústia, porque a busca é solitária, ao invés de tentarmos fazer a diferença buscando dispositivos, alterações físicas nos espaços, pensarmos em uma tentativa de mudança que pressupõe esse espaço de escuta, ainda que no contexto da própria sala de aula de cada educador. O que você nos diz se esse começo for centrado nas relações entre educadores e crianças? É possível começarmos por esse caminho?

     Professor:

     No pouco que sei, creio saber que qualquer ato educativo é um ato de relação. E que a relação é sempre de um para um, no exercício da escutatória.

     A inovação ao nível dos instrumentos ou das reconfigurações dos espaços é importante. Mas os dispositivos de relação são bem mais importantes. Compreendemos isso bem cedo. E criamos espaços de escuta: o debate, a assembléia, a caixinha de segredos, a comissão de ajuda, o grupo de acolhimento, o professor-tutor ...

     Mesmo no restrito contexto da sala de aula, um educador pode (e deve) instalar estes, ou outros dispositivos. O ótimo será que a escuta se realize ao nível de toda a escola. Enquanto tal não for possível, que cada um seja a mudança que deseja para o mundo, que faça a sua parte, que institua vínculos, ainda que apenas na sua sala de aula.

4.2  Mudar: aprendendo a lidar com o desconforto ...

     O meu filho disse que queria saber "aonde vai dar aquela porta lá da escola, subindo as escadas da quadra". Como você lidou com as primeiras perguntas, com os primeiros conflitos? De tanta informação que recebemos, sem nenhuma construção de fato, a gente acaba se sentido sabendo tudo, sem saber o que fazer diante de uma pergunta, de um problema real.

     Professor:

     A chamada "turma de lixo" era constituída por jovens que apenas conheciam uma linguagem: a da violência. No tempo a que me reporto, conceitos como "auto-estima" não constavam do léxico docente. Mas, na verdade, o que aconteceu foi que, sem que disso tivéssemos verdadeira noção, consideramos prioritário encontrar a pessoa perdida em cada jovem para, depois, poder encontrar o aluno. Quando conseguimos alcançar esse objetivo, o desenvolvimento pessoal (afetivo, emocional, social, moral ... ) caminhou a par com o desenvolvimento no domínio cognitivo.

     Foi surpreendente a rápida "recuperação" de conteúdos que, durante anos, os professores da escola não tinham sido capazes de transmitir. Mas não aconteceu por acaso. Os professores da Ponte tinham conseguido (finalmente!) tornar esses conteúdos significativos para os ex-alunos do lixo ... a partir de perguntas - perguntas dos alunos!

     Depois, foi uma questão de reconfigurar a escola. E aquilo que mais tem surpreendido, nos últimos trinta anos de trabalho em escolas que pedem colaboração, é verificar que os professores complicam o que é simples. As escolas estão organizadas para a transmissão de conteúdos, vemos o resultado desse tipo de organização (Prova Brasil, OCDE, ENEM ... ) e os professores ajudam a manter uma organização de trabalho escolar que não resulta ... O trabalho dos excelentes profissionais de que as escolas dispõem é desperdício.

     É muito simples "reconfigurar" a organização das escolas. É simples transformar alunos sem motivação em alunos motivados, é mais fácil para o professor trabalhar num tipo de organização centrada na aprendizagem (que acontece na relação), sem detrimento da atividade de ensino (os professores não são objetos descartáveis). Surpreende que os professores prefiram sofrer, que admitam ser uma fatalidade que um ou mais alunos não aprendam. Surpreende-me que os alunos não façam perguntas. Que os professores não façam perguntas ...

     Deixamos uma pergunta: o que impede que as escolas mudem e que TODOS os alunos aprendam? Precisamos escutar perguntas, fazer perguntas. O mistério "para lá da porta" pode ser um bom princípio de projeto.

     Na Escola Estadual, trabalhamos com alunos desmotivados e com falta de perspectiva de vida. Muitos nem sabem o que é um cinema ou algo mais sofisticado. Na Escola Municipal, o quadro se repete em todos os sentidos. Porém, há um agravante: periferia com muita violência. Nos dois casos, pais ausentes, famílias separadas, uma porcentagem grande na sala de aula nem conhece a figura do pai, nem seu nome. Na Escola Particular, os pais são ausentes e tentam substituir a atenção por bens de consumo. Como trabalhar esse multiculturalismo de disciplinas familiares em um ambiente tão "livre" e "delicioso"? Como recorrer ao código disciplinar da Ponte e à lista de direitos e deveres, se o panorama descrito anteriormente é factível com uma superlotação, com cobranças de gestores, que seguem uma "cartilha" diferente, e a liberdade de cátedra é engessada pela política educacional pública de interesses a mascaração numérica por avaliações externas, que submetem o professor a vincular salário à aprendizagem?

     Professor:

     Infelizmente só tenho uma não resposta: mudando a gestão. Compreendo que dificilmente isso será possível, mas a questão é, em grande parte, essa. Cada escola tem que assumir o seu rumo. Aceito (apesar de ter dificuldades de compreender) que o caminho seja exclusivamente o das notas e que o mercado se rege por isso. É compatível a democracia e a liberdade com a existência de bons resultados acadêmicos!

     Os pais, alunos, funcionários e professores da Ponte também querem que os alunos tenham bons resultados no nível das "notas". Mas não queremos só isso ...

     Minha questão é: como poderemos atingir a parte gestora? Em algumas situações percebo que existem professores até motivados, mas que não encontram apoio em suas propostas, ficando assim numa sensação de "estranho no ninho". Que orientações vocês dariam a um professor que tem esta vontade de modificar e melhorar, mas não encontra apoio - nem moral como também material - em sua Direção, Coordenação?

     Professor:

     Dar-lhe-ei a minha opinião, baseada na minha experiência e no contato com muitos outros colegas que estão a tentar alterar a sua prática.

     Remar sozinho e conseguir que, dentro da Escola, alguns colegas nos apóiem é muito difícil. Mas Roma e Pavia não foram feitas num só dia, tudo tem o seu tempo: Lentamente, começando a existir resultados e esclarecendo todos os intervenientes, é possível mudar algo.

     Na escola em que trabalhamos, estamos passando por um momento em que há muita motivação para mudar o jeito de aprender e ensinar. As transformações, algumas delas inspiradas pela escola da Ponte, estão recheadas de impasses e indagações nesse caminho de educar *na cidadania*; parece um longo caminho até que alcancemos algum sucesso.

     "Levantar a mão para solicitar a vez de falar", por exemplo, é uma regra que perpassa todas as turmas, todos os anos; os alunos a reconhecem, os professores também. Mas você pensa que funciona na prática?! Que nada!

     Professora:

     Começo por felicitar esse grupo de professores motivados para a mudança. O questionamento é um ingrediente essencial para que qualquer alteração, por menor que seja, aconteça sem ser por mero acaso. Esse longo caminho da aprendizagem da cidadania faz-se dia-a-dia, por isso, é quase inconcluso.

     Eu sei que a regra de pedir a palavra funciona na prática, porque a experiencio todos os dias. Essa é uma das regras definidas pelos próprios alunos e que consta da listagem dos deveres deles. Isso acontece porque compreendem a funcionalidade dessa norma: conhecem os seus benefícios e a confusão do seu incumprimento. Este é um exercício básico de cidadania. Não podemos confundir liberdade com libertinagem. A liberdade não pressupõe a ausência de quaisquer regras, até porque vivemos em comunidade, em constante interação. O que procuramos é que a liberdade seja sempre responsável e solidária.

     Os adultos também estão em contínuo processo de aprendizagem da cidadania, alguns mais do que outros. É natural que as nossas vivências passadas (ou a ausência delas) e determinados contextos determinem o ato de ser cidadão, até porque há sempre a "tentação" do facilitismo, do individualismo, do prazer momentâneo, como acontece no caso que relatou. O certo é que a cidadania também é o respeito pelo outro, assim como a liberdade.

     Quando fala que a postura tem mudado ao longo do tempo esse é o sinal de que a cidadania aprende-se na prática. Os nossos alunos aprendem a ser cidadãos ativos e felizes, em contexto de exercício da cidadania. Exemplo claro disso é a existência semanal de uma assembléia de alunos, onde eles debatem e solucionam os problemas da escola.

     A verdade é que os alunos são o reflexo dos seus educadores: se os professores não são nem autônomos nem cidadãos ativos, como poderão orientar naquilo que desconhecem? A orientação caminha de mãos dadas com a aprendizagem. Também são os nossos erros que nos proporcionam a reflexão e o crescimento, seja ele a que nível for. Todos os desvios podem ser controlados ou evitados através de uma postura atenta, crítica, construtiva e solidária. É preciso confiança e determinação nos nossos ideais. Estou certa de que é o seu (o vosso) caso.

     Como estimular nos estudantes a responsabilidade, se o meio no qual estão inseridos não propicia tal formação? Como estimular uma formação cidadã, se a sociedade vive em questão do mercado e do vestibular, sendo que estes exigem apenas o aprendizado técnico?

     Professora:

     De fato, a parceria entre o ensino e a formação integral do indivíduo pode tornar-se, facilmente, em antagonismo, quando aprendizagens sem sentido, vazias de significado para aqueles que as retêm até ao exame final, se sobrepõem ao desenvolvimento de competências como a responsabilidade, a autonomia, a consciência crítica, a participação, a entre-ajuda ...

     Vive-se, uma quase esquizofrenia entre o que acreditamos ser o caminho para a formação integral de cada ser e as exigências impostas pelos exames. Na Ponte, defendemos que a avaliação imposta pelo professor ou pelo Ministério, num teste igual para todos e de duração rigidamente definida não tem qualquer significado. Contudo, como a autonomia que nos foi concedida pela administração central só é válida dentro da lei geral, os alunos que terminam o 3o ciclo são submetidos aos exames nacionais. Compreenderá que também nós nos confrontamos com essa dicotomia. Entendemos, no entanto, que o essencial na formação é a valorização de cada indivíduo, o desenvolvimento das competências gerais, bem como as aprendizagens que terão significado para si próprio, com o objetivo máximo de ajudar cada criança a construir um quadro de valores e de se tornar um adulto socialmente bem integrado.

     No nosso dia-a-dia, procuramos que cada aluno planifique as suas aprendizagens, se avalie e aperfeiçoe, permitindo o desenvolvimento de tarefas e projetos de acordo com os seus interesses e problemas vividos, mas garantindo por sua vez que as competências essenciais previstas para cada ciclo também sejam desenvolvidas.

     Para além da escolha responsável das suas aprendizagens, a motivação ou o estímulo de um aluno fluem também da entre-ajuda do seu grupo de trabalho, do equilíbrio emocional e orientação mais próxima desenvolvida com o professor-tutor.

     Sugiro por fim algumas reflexões. Aquilo que a sociedade pretende é profissionais competentes, com muita formação acadêmica sem saber aplicá-la, ou excelentes técnicos sem capacidade de inovar perante uma nova situação? O que a sociedade pretende são trabalhadores individualistas, ou equipes de trabalho, que cooperem para o sucesso de todos? O que a sociedade pretende são indivíduos formatados, ou indivíduos capazes de aprender e se aperfeiçoarem?

     Fiquei pensando o quanto se faz necessário constituir-se um espaço de escuta na escola, mas que este espaço avance das queixas de senso comum e lamurias para uma atitude reflexiva e embasada. O que hoje enfrentamos em nossa escola, é que neste espaço os professores fazem uso para queixas e as soluções são de senso comum. Nosso desafio é promover um avanço nisso. Mas sinto que, às vezes, não damos conta e vejo muitos professores culpabilizando e tercerizando responsabilidades, ao invés de buscar soluções conjuntas. Algo muito em pauta ultimamente é a "indisciplina dos alunos". Ao invés de se debruçarem em ações diferenciadas queixam-se que a escola é permissiva, e os pais também e que se os alunos tivessem uma punição tudo se resolveria. Questionamos tais posicionamentos e até investimos em provocações para que se revejam e repensem as concepções que possuem, mas a disponibilidade é muito pequena ou nula.

     Como promover um espaço que promova a reflexão e a transformação pessoal?

     Professor:

     Conseguir tal espaço é como conseguir a quadratura do círculo ...

     Infelizmente, aqueles que recusam mudar e melhorar podem recusar mudar, podem recusar melhorar. Vivemos um tempo de desmoralização e perda de sentido da profissão. E não creiam que eu sou pessimista! Resta-nos a esperança. Como diria o nosso amigo Rubem, um educador não é otimista, é esperançoso. Porque o otimismo é da natureza do tempo. E a esperança é da natureza da eternidade. Nós, educadores, trabalhamos para os nossos alunos de hoje, mas os nossos atos refletem-se na eternidade.

     Há muitos anos, tivemos a sorte de encontrar companheiros de projeto. Fazemos votos de que outros os encontrem.

     Os temas ou assuntos que são motivo das reflexões coletivas são propostos por quem?

     Há algum "estatuto" que rege as Assembléias? Como posso conhecê-lo?

     Professora:

     Integro o Projeto Educativo "Fazer a Ponte" há apenas dois anos. Neste tempo, os momentos de reflexão crítica conjunta têm sido, infelizmente, ainda escassos. Há um espaço de partilha entre orientadores educativos denominado "Espaço Prof.", que conta, habitualmente, com a presença de um convidado.

     Neste ano letivo, pretende-se que as reuniões de Equipa recuperem do passado o hábito de ser um momento coletivo de reflexão pedagógica. Pensamos que só assim as reuniões farão sentido, sem nos perdermos nas teias das questões burocráticas.

     Os temas são propostos por todos os orientadores educativos que o desejam fazer. De uma forma geral cada um de nós pode e deve lançar temas de discussão. Os Coordenadores de Núcleo e o Coordenador Geral têm também um papel importante. Na verdade, é a dinâmica do dia-a-dia que exige de nós uma reflexão coletiva, atenta e crítica, ou seja, a discussão não surge ao acaso, mas sim decorrente das práticas, para sobre elas, posteriormente, incidir o debate.

     Darei dois exemplos: a reflexão sobre o papel e a utilização dos dispositivos pedagógicos do Projeto Educativo "Fazer a Ponte", ou sobre o entendimento da lógica (infrutífera e sem verdadeiro sentido pedagógico) do castigo.

     Respondendo à segunda questão, a Assembléia possui o seu regimento. Poderá consultá-lo no site da Escola:

http://www.escoladaponte.pt/site/

     Professor:

     Nas reuniões de dimensão estão no máximo onze professores. São relativamente pequenas e a agenda, em grande parte, já provém de reuniões anteriores ou de conversas que vão surgindo. Por vezes, mas muito raramente, o Conselho de Gestão pede às dimensões que discutam alguns pontos específicos.

     Na reunião de núcleo, o coordenador respectivo propõe uma ordem de trabalhos com base nos problemas que o núcleo atravessa, do que observa e das conversas que teve com os colegas e com o restante Conselho de Gestão. Saliento o "propõe" ... Muitas vezes, os colegas do núcleo sugerem outros assuntos, ou colocam outras prioridades.

     Nas reuniões gerais existe, quase sempre, uma convocatória que fixa a ordem de trabalhos. É lógico que, mesmo havendo uma ordem de trabalhos, nem sempre é respeitada, porque surgem novos assuntos, considerados importantes e a discussão não é estanque.

4.3  No "mundo real" ...

     É de conhecimento que muitos alunos da Ponte foram "recusados" por outras escolas e devem ter chegado até vocês desmotivados e bastante descrentes quanto ao seu futuro. Imagino que foram acolhidos pela Ponte, trabalhados emocionalmente quanto à auto-estima e outros processos emocionais e cognitivos, estimulando-os. Também imagino que muitos são alunos economicamente desprivilegiados. Não sei como é o sistema de admissão nas faculdades e universidades de Portugal, mas gostaria de saber como os alunos da Ponte enfrentam este processo, se eles se saem bem. Mesmo os que não cursam uma faculdade, como estão se saindo no "mundo real"? Usam sua autonomia no dia a dia? Vocês poderiam citar exemplos disso?

     Professora:

     De fato, há alunos que chegam à nossa escola marginalizados por outras, desmotivados em relação à função da escola nas suas vidas e com um profundo sentimento de frustração. A organização da escola dita "tradicional", idealizada para um suposto "aluno médio", pode desencadear isso mesmo. Como referiu, alguns desses alunos vivem ainda em contextos familiares com inúmeras fragilidades.

     Como valorizamos a individualidade de cada aluno, a organização do trabalho e da escola procura promover a dimensão individual e social de cada percurso educativo. Assim sendo, a tutoria tem um papel importante nesse acompanhamento individualizado. Por outro lado, os grupos de trabalho nos quais esses alunos se inserem também os ajudam na integração no novo contexto, no estímulo pela aprendizagem e na auto-descoberta. Há ainda um conjunto de dispositivos, como o "Eu preciso de ajuda" ou a "Comissão de Ajuda", promotores da solidariedade entre todos os alunos da escola.

     O fato de os alunos terem a liberdade responsável de escolha das tarefas a realizar, de se promover a aprendizagem pela descoberta e uma perspectiva construtivista do conhecimento leva a que as aprendizagens se tornem significativas. Deste modo, os alunos desenvolvem a motivação intrínseca para a aprendizagem, para se tornarem cidadãos autônomos, solidários e ativos.

     Penso que, infelizmente, ainda não foram feitos estudos em relação ao desempenho dos nossos antigos alunos noutros contextos, por exemplo, escolares. Contudo, pelos testemunhos de alguns colegas e dos próprios alunos, a adaptação a esses diferentes contextos é feita, de uma forma geral, com sucesso, sobretudo pela autonomia adquirida. Uma autonomia posta em prática na habitual dinâmica dos estudos: no autoplanejamento, na resolução de problemas, na pesquisa ...

     Que desafio para nós educadores: fazer acontecer uma escola que atenda a todos, com o amor, afeto, carinho, com conhecimentos científicos com qualidade, que desenvolva o ser, com toda a sua inteireza, de forma plena. Tarefa fácil? Com certeza, não.

     É preciso e urgente acontecer uma revolução (mesmo que silenciosa) no sistema educacional. A escola, o ambiente formal para esse desenvolvimento, não tem conseguido atingir aos objetivos, é claro que escrevo o óbvio.

     Recordo dos nossos pequenos serem mal tratados, com palavras grosseiras, com insultos ... E o pior que não era pelos seus pares, mas por professores, supervisores.

     Sei que temos muitos profissionais da educação que buscam encontrar respostas, que querem ajudar a humanidade, o progresso da pessoa e do coletivo, conduzindo-os para o Ser Feliz. Por que não conseguimos fazer mais nós nessa rede? Será que um processo criterioso de avaliação dos profissionais da educação ajudaria a mudar o quadro? Como? Valorização profissional? Será que as nossas universidades precisariam de reformas?

     Eu acredito que não é em vão que estamos tecendo essa rede. Nós temos um compromisso de fazer acontecer a revolução necessária e urgente. Como a bela canção: "Quem sabe faz a hora, não espera acontecer ... " Ou vamos escolher chegar ao caos?

     Sei que, por mais que queiramos sozinhos não fazemos nada, precisamos buscar parceiros, companheiros solidários. E não estamos sós.

     Quem pensou na Assembléia para a Escola da Ponte? Como se deu o processo de criação? Teve algum referencial que o embasasse? O que a assembléia decide em relação à comunidade externa? Qual o nível de escolaridade dos pais? Qual o percentual de presença da família na escola? Quais são os problemas familiares mais presentes do cotidiano da Ponte? Já aconteceu entre vós, graúdos, algum desrespeito, ou com palavras, gestos, diante dos miúdos? Se afirmativo, com foi feito resgate? As crianças participaram?

     Acredito muito na educação, sei, tenho certeza que ela é capaz de ajudar a humanidade, no entanto somos fortes, e nos deixamos enfraquecer. Tenho medo de não conseguir fazer o papel do beija-flor ... Há muitos indefesos que não conhecem o que teriam o direito de conhecer, são enganados, mal tratados ... E o que nós, o que a escola está fazendo e tem feito por estes SERES? ...

     Lembro a proposta da Juana, contada no Congresso: juntar todo esse povo que está comungando, partilhando suas inquietudes, seguranças, reflexões, experiências, utopias, em um só lugar. Imagine se pudéssemos mudar a realidade, transformar, incomodar a todos a fazerem as transformações necessárias ...

     Professor:

     É gratificante ler o que escreveu: "Sei que temos muitos profissionais da educação que buscam encontrar respostas, que querem ajudar a humanidade, o progresso da pessoa e do coletivo, conduzindo-os para o Ser Feliz". Partindo dessa afirmação, direi que só precisamos agir como o beija-flor da história do incêndio na floresta. Partamos do que temos: nós.

     Parafraseando Kenedy, de um modo livre, em vez de perguntar o que o sistema pode fazer por nós, perguntemo-nos o que poderemos fazer para melhorar o sistema. Um "processo criterioso de avaliação dos profissionais da educação ajudaria a mudar o quadro". Mas como poderemos garantir que o processo seja criterioso. Todas as louváveis tentativas realizadas em Portugal nesse sentido revelaram-se pouco rigorosos e foram aniquiladas pelo corporativismo manifestado por muitos "professores".

     É preciso valorizar a profissão, aumentar o seu reconhecimento social. Mas a imagem social da profissão não melhorará enquanto a escola continuar a ser produtora de insucesso e infelicidade. Para exigir reconhecimento, é preciso apresentar resultados. Para conseguir melhores resultados, é preciso elevar a auto-estima dos professores. Círculo vicioso? ...

     Pergunta: "Será que as nossas universidades precisariam de reformas?". Não. Muitas universidades deveriam ser fechadas ...

     Quem pensou na Assembléia para a Escola da Ponte foram os professores e os alunos, quando sentiram necessidade de um dispositivo promotor de participação e democraticidade. Como nunca criamos novo, inspirámo-nos em autores como Freinet, Ferrer, Rogers ... A assembléia fez intervenções na comunidade externa, quando debateu projetos de intervenção na comunidade.

     O nível médio de escolaridade da maioria dos pais é muito baixo, à semelhança do nível socioeconômico. Somos uma escola da rede pública.

     A presença da família na escola é constante. O presidente da associação de pais comparece na escola quase todos os dias. As reuniões periódicas são muito participadas. Embora, em períodos de crise, a participação diminua ...

     Vocês percebem diferenças entre vocês e alunos de escolas tradicionais? Vocês acham que é mais fácil ou mais difícil estudar na Ponte do que em escolas tradicionais?

     Aluno:

     É com muito gosto que respondo as questões sobre a minha escola. Em relação à primeira questão, penso que as pessoas que entram para a Escola da Ponte, por vezes, têm uma adaptação um pouco demorada. Mas, com ajuda de todos os alunos e de todos os professores, e com um bom ambiente escolar, essa adaptação torna-se mais fácil. E os nossos colegas que chegam acabam por perceber o nosso projeto e o método de estudo.

     Em relação à segunda questão, acho que isso de ser mais fácil ou mais difícil não são os termos certos, porque são métodos de estudo diferentes. O nosso método de estudo abrange mais a autonomia, responsabilidade, permite-nos exprimir a nossa opinião.

     Nós sabemos que em outras escolas o método é diferente do nosso, que a autonomia é um pouco esquecida, que os alunos fazem mais ou menos aquilo que os professores indicam. Apenas são métodos de estudo diferentes. O nosso projeto abrange umas coisas e os outros projetos abrangem outras.

     Para alunos e ex-alunos: Vocês já se encontraram diante de alguma situação em que sentiram falta de algum conhecimento, por não terem escolhido estudar aquele determinado assunto? Como se sentiram e como reagiram?

     Como era a Educação Física na Escola da Ponte e o que você aprendeu com esta área de conhecimento, que você considera importante para a sua vida?

     Aluna:

     Todo o programa estipulado pelo Ministério tem de ser cumprido. Acaso isso não aconteça, o que é muito comum em muitas escolas, pelo menos, a sua maioria tem de ser estudado! Embora tenhamos a liberdade de escolher a ordem dos assuntos a estudar em determinada disciplina, todos os temas terão de ser aprendidos. Se não forem hoje, sê-lo-ão amanhã ...

     Pessoalmente, ainda não me deparei com situações em que os meus colegas, que freqüentaram uma escola diferente, tenham estudado algo que eu não havia estudado na Ponte. Contudo, é possível isso acontecer, assim como é normal ocorrer o contrário. O que se verifica mais é que muitos dos alunos que freqüentaram a Escola da Ponte aprofundaram um pouco mais os assuntos, o que não acontece muito nas escolas do ensino "tradicional".

     Quanto à sua questão sobre a Educação física, penso que o melhor é colocá-la aos professores dessa disciplina, que poderão ser mais explícitos do que eu, nesta matéria. Porém, posso dizer-lhe que essa disciplina me ajudou a compreender o quão importante e divertido é conhecer o corpo e fazer desporto, além de nos mostrar também as vantagens de trabalho de grupo e de união de equipe! Todos estes ensinamentos são transportados para a vida real e trazem consigo o maior sentido de vida!

     Professor:

     Só um pequeno acrescento ao que foi afirmado pela nossa aluna, utilizando mais um provérbio chinês: "Dê um peixe a um homem faminto e você o alimentará por um dia. Ensine-o a pescar e você o estará alimentando pelo resto da vida". Deveria ser um dos objetivos de todo o ato educativo. Na Ponte, tentamos ...

     Gostaria que você me contasse um pouco sobre o clima de trabalho entre os alunos e Professores na escola da Ponte. Como são tratadas as regras, há discussões e brigas entre os alunos? Como os Professores trabalham essas questões?

     Aluna:

     É com muito prazer que respondo à sua pergunta, pois tenho vindo a perceber que muita gente pensa que a Escola da Ponte, sendo diferente das outras, não "sofre" os mesmos problemas com que várias instituições educacionais se deparam.

     O clima entre alunos é idêntico ao clima vivenciado em outras escolas. Por estudarmos nesta escola "diferente", não deixamos de ser humanos e de termos os nossos problemas com aqueles que nos rodeiam. Mas, sinceramente, nunca houve (pelo menos, que eu me lembre) agressões entre alunos. Penso que isso é explicável pelo fato de estarmos habituados a viver rodeados de regras por nós criadas e por estarmos mais do que cientes de que o respeito é a base da vida em comunidade. Além do mais, uma escola cujos alunos defendem a igualdade e a comunicação como via de protesto, não deveria agir contra os seus princípios.

     Apesar disso, há quem o deseje, mas para isso temos dispositivos como o "Acho Mal", que nos lembra que há outras vias para resolvermos os nossos problemas. Quando escrevemos no "Acho Mal" o que achamos que não está correto - não só ao nível da escola, como também no que diz respeito ao comportamento dos colegas - o problema é levado à Assembléia. E aí, em conjunto, chegamos a uma solução que sirva aos intervenientes. Caso o problema tome proporções indesejáveis, os professores intervêm, chamando-nos à razão ou, caso seja necessário, informam os nossos pais do ocorrido.

     Ex-aluna:

     A relação aluno-professor é muito mais intensa na Escola da Ponte, uma vez que a proximidade é muito maior. Tal proximidade faz com que vejamos mais facilmente as qualidades e os defeitos de cada um, o que nos leva a gostarmos mais ou menos de alguém. Contudo, não a trocaria por nenhuma distância! ...

     É difícil explicar o clima de trabalho entre professores e alunos, uma vez que eu os via como amigos. Sei que isto deve parecer estranho, uma vez que é raro, quando freqüentamos uma escola de ensino tradicional, termos um professor como um amigo. Não, porque outros não tenham sentimentos, mas porque a distância a que alguns professores se impõem não lhes permite tais familiaridades com os alunos.

     Embora a amizade exista entre professores e alunos na Escola da Ponte, o respeito está sempre presente!