Livro de Urantia

Grupo de Aprendizes da Informação Aberta

Contato

Índice Superior    Vai para o próximo: Capítulo 4

Arquivos de Impressão: Tamanho A4.

Livro em Texto (txt).

Capítulo 3
Luta contra o Nacional-Socialismo - Profissão de Fé



Albert Einstein
Como Vejo
o Mundo

Tradução de H.P. de Andrade
11a edição

EDITORA NOVA FRONTEIRA
Edição Eletrônica Original
Luta contra o Nacional-Socialismo - Profissão de Fé
    3.1  Correspondência com a Academia das Ciências da Prússia
        3.1.1  Resposta de A. Einstein à Academia de Ciências da Prússia
        3.1.2  Duas cartas da Academia da Prússia
        3.1.3  Resposta de Albert Einstein
    3.2  Carta da Academia das Ciências da Baviera
        3.2.1  Resposta de Albert Einstein
        3.2.2  Resposta ao convite para participar de uma manifestação

Março 1933

     Recuso-me a permanecer em um país onde a liberdade política, a tolerância e a igualdade não são garantidas pela lei. Por liberdade política entendo a liberdade de expressar publicamente ou por escrito minha opinião política; e por tolerância, o respeito a toda convicção individual.

     Ora, a Alemanha de hoje não corresponde a estas condições. Os homens mais devotados à causa internacional e alguns grandes artistas são ali perseguidos.

     Como um indivíduo, um organismo social pode cair psicologicamente doente, sobretudo em épocas de crise. Em geral, as nações tomam a peito vencer tais doenças. Espero portanto que sadias relações se restabeleçam na Alemanha e que, no futuro, gênios como Kant e Goethe não sejam motivo de rito de um festival de cultura, mas que os princípios essenciais de suas obras se imponham concretamente na vida pública e na consciência de todos.

3.1  Correspondência com a Academia das Ciências da Prússia

Declaração da Academia a 1o de abril de 1933

     Com indignação, a Academia das Ciências da Prússia tomou conhecimento, mediante artigos dos jornais, da participação de Albert Einstein na abominável campanha de imprensa levada a efeito na França e na América. Por conseguinte exigiu imediatamente suas explicações. Nesse ínterim, Einstein pediu demissão da Academia, apresentando como pretexto não mais poder se considerar cidadão prussiano sob um tal regime. E já que foi cidadão suíço, parece assim ter o propósito de renunciar à nacionalidade prussiana recebida em 1913, quando foi admitido na Academia como membro ordinário.

     Diante deste comportamento contestatário de A. Einstein no estrangeiro, a Academia de Ciências da Prússia sente grande tristeza, quanto mais que ela e seus membros, já há longos anos, se sentem afeiçoados ao Estado da Prússia e que, apesar das reservas que se impõem estritamente no domínio político, sempre defenderam e exaltaram a idéia da Nação. Por este motivo, a Academia não vê nenhum motivo para lastimar a partida de Einstein. Pela Academia de Ciências da Prússia,

Prof. Doutor Ernst Heymann,
Secretário perpétuo

3.1.1  Resposta de A. Einstein à Academia de Ciências da Prússia

Le Coq, perto de Ostende, 5 de abril de 1933

     Soube por fonte absolutamente segura que a Academia das Ciências falou, em uma declaração oficial, sobre a "participação de Albert Einstein na abominável campanha de imprensa levada a efeito na França e na América".

     Declaro que jamais participei de uma campanha e devo acrescentar que nunca assisti a qualquer coisa deste gênero. Em realidade, no máximo em algumas reuniões contentaram-se com lembrar e comentar as ordens e manifestações oficiais de personalidades responsáveis do governo alemão, bem como o programa relativo ao aniquilamento dos judeus alemães no domínio econômico.

     As declarações que entreguei à imprensa referem-se à minha demissão da Academia e à minha renúncia à cidadania prussiana. Baseei minha decisão neste argumento: jamais viverei num lugar onde os cidadãos suportam a desigualdade de direitos perante a lei e onde as idéias e o ensino dependem de controle do Estado.

     Já expliquei com clareza meu ponto de vista sobre a Alemanha atual, com as massas enfermas psiquicamente, e também expliquei minha opinião sobre as causas dessa moléstia.

     Em escrito entregue, para fins de difusão, à Liga Internacional para a Luta contra o Anti-semitismo - texto não diretamente destinado à imprensa - eu pedia a todos os homens sensatos e ainda fiéis aos ideais de uma civilização ameaçada, que unissem todos os esforços para que esta psicose das massas que se manifesta na Alemanha de maneira tão horrível não venha a se alastrar mais ainda.

     Teria sido fácil para a Academia conseguir o texto exato de minhas declarações antes de se pronunciar a meu respeito da maneira como o fez. A imprensa alemã reproduziu minhas declarações de modo tendencioso, como se poderia esperar de uma imprensa amordaçada como a de hoje. Declaro-me responsável por cada palavra publicada por mim. E espero, já que ela se associou a esta difamação, que leve também esta declaração ao conhecimento de seus membros, bem como do público alemão, diante do qual fui caluniado.

3.1.2  Duas cartas da Academia da Prússia

I
Berlim, 7 de abril de 1933

     Digníssimo Sr. Professor,

     Como secretário atualmente em exercício da Academia da Prússia, acuso o recebimento de sua comunicação, datada de 28 de março, pela qual pede demissão desta Academia. Na sessão plenária de 30 de março, a Academia tomou conhecimento de sua saída.

     Se a Academia lamenta profundamente esta saída, o pesar se baseia principalmente no fato de que um homem do mais alto valor científico, cuja atividade exercida durante longos anos entre os alemães e o fato de pertencer à nossa Academia deveriam ter integrado na maneira de ser e de pensar alemã, tenha se adaptado, atualmente e no estrangeiro, a um meio-ambiente que - certamente e em parte pelo desconhecimento das circunstâncias e dos reais acontecimentos - se empenha em difundir juízos errôneos e suspeitas injustificadas para prejudicar o povo alemão. De um homem que por tanto tempo pertenceu a nossa Academia, teríamos o direito de esperar sem dúvida que, sem considerações sobre sua posição política pessoal, se poria ao lado daqueles que em nossa época defendem nosso povo contra uma campanha de calúnias. Nestes dias de suspeitas em parte escandalosas, em parte ridículas, como teria sido poderoso no estrangeiro seu testemunho em favor do povo alemão. Que, ao contrário, seu testemunho tenha sido aproveitado por aqueles que, superando a fase de desaprovação do atual governo, se consideram no direito de rejeitar e combater o povo alemão, isto nos causou grande e amarga desilusão, que nos teria constrangido a um rompimento, mesmo que sua carta de demissão não nos houvesse chegado às mãos.

Com nossos profundos respeitos,
von Ficker.
II
11 de abril de 1933

     A Academia das Ciências comunica, a respeito, que sua declaração do dia 1o de abril de 1933 não se baseia exclusivamente nas informações da imprensa alemã, mas sobretudo nos jornais estrangeiros, particularmente belgas e franceses, que o Sr. Einstein não rejeitou. Além do mais, a Academia veio a conhecer, entre outras coisas, sua declaração à Liga contra o Anti-semitismo, declaração largamente difundida sob sua forma literal, em que dirige ataques contra a volta alemã à barbárie de tempos de há muito esquecidos. Aliás, a Academia verifica que o Sr, Einstein, que, segundo a própria declaração, não participou de nenhuma campanha, nada absolutamente fez para contestar as calúnias e as difamações; no entanto, julgava que um de seus membros mais antigos tinha o dever de combatê-las. Muito ao contrário, o Sr. Einstein fez declarações no estrangeiro que, como testemunho de um homem de reputação internacional, foram aproveitadas e deformadas naqueles meios que desaprovam o atual governo alemão e contestam e condenam a totalidade do povo alemão.

Pela Academia das Ciências da Prússia,
H. von Ficker, E. Heymann,
secretários perpétuos.

3.1.3  Resposta de Albert Einstein

Le Coq/Mer, Bélgica,
12 de abril de 1933

     Acabo de receber sua carta de 7 de abril e deploro imensamente o estado de espírito que revela.

     Quanto aos fatos, eis minha resposta.

     A afirmação sobre minha atitude retoma sob outra forma sua declaração anterior: os senhores me acusam de ter participado de uma campanha contra o povo alemão. Repito minha carta precedente: sua afirmação é uma calúnia.

     Os senhores também observam que "um testemunho" de minha parte em favor do "povo alemão" teria tido imensa repercussão no estrangeiro. A isto respondo. Semelhante testemunho, como os senhores o imaginam, significaria para mim a negação de todas as concepções de justiça e de liberdade, pelas quais me bati durante a vida inteira. Tal testemunho, como dizem, não teria servido à honra do povo alemão, degradado e aviltado. Não teria o lugar de honra que o povo alemão conquistou na civilização mundial. Por um testemunho assim, nas atuais circunstâncias e mesmo de modo indireto, eu teria permitido o terrorismo dos costumes e a aniquilação de todos os valores.

     Justamente por estas razões eu me senti moralmente obrigado a deixar a Academia. Sua carta me confirma quanta razão tenho eu em fazê-lo.

3.2  Carta da Academia das Ciências da Baviera

Munique, 8 de abril

     Senhor,

     Em sua carta à Academia das Ciências da Prússia, o senhor fundou sua demissão no estado de fato reinante na Alemanha. A Academia das Ciências da Baviera, que o elegeu há alguns anos como membro correspondente, é igualmente uma Academia alemã, em total solidariedade com a Academia da Prússia e as outras. Por conseguinte, sua ruptura com a Academia das Ciências da Prússia não pode ficar sem influência sobre suas relações com nossa Academia.

     Depois do que se passou entre o senhor e a Academia da Prússia, queremos portanto perguntar-lhe como encara suas relações conosco?

A Presidência da Academia das
Ciências da Baviera

3.2.1  Resposta de Albert Einstein

Le Coq/Mer, 21 de abril de 1933

     Baseei minha demissão da Academia das Ciências da Prússia nesta evidência: na situação atual, não posso ser cidadão alemão nem me encontrar, seja de que modo for, sob a tutela do Ministério da Instrução Pública da Prússia. Esta razão por si só não me obrigaria a uma ruptura com a Academia da Baviera. No entanto, se desejo que meu nome seja riscado da lista dos membros correspondentes, tenho uma outra razão. As Academias reconhecem como principal responsabilidade sua a promoção e a salvaguarda da vida científica de um país. Ora, as comunidades culturais alemães, na medida em que posso sabê-lo, aceitaram sem protestos que uma parte não pequena de sábios e de estudantes alemães, bem como de trabalhadores dependentes da instrução acadêmica, tivesse sido privada da possibilidade de trabalho e até mesmo de viver na Alemanha! Com uma Academia que tolera semelhante segregação, mesmo por constrangimento exterior, eu jamais poderei colaborar!

3.2.2  Resposta ao convite para participar de uma manifestação

     Estas linhas são a resposta ao convite dirigido a Einstein para participar de uma manifestação francesa contra o anti-semitismo alemão.

     Analisei cuidadosamente, sob todos os pontos de vista, seu pedido tão importante. Porque ele me diz respeito de modo muito íntimo. Recuso-me a participar de sua manifestação, malgrado sua extrema importância, por duas razões:

     Em primeiro lugar, sou ainda cidadão alemão, e em segundo, sou judeu. Não me esqueço de que trabalhei em instituições alemãs e fui considerado na Alemanha uma pessoa de confiança. Mesmo sofrendo e deplorando que fatos tão inquietadores se estejam produzindo em meu país, mesmo devendo condenar as terríveis aberrações que se realizam com a cumplicidade do governo, não posso colaborar pessoalmente com uma organização provinda de personalidades oficiais de um governo estrangeiro. Para avaliar corretamente este ponto de vista, peço-lhe imaginar um cidadão francês, colocado em idêntica situação, quer dizer, organizando com eminentes políticos alemães uma manifestação contra as decisões do governo francês. Mesmo que julgasse perfeitamente fundada esta atitude, o senhor com toda a probabilidade consideraria a participação de seu concidadão um ato de traição! Se Zola, por ocasião da questão Dreyfus, tivesse sido obrigado a deixar a França, certamente não teria participado de uma manifestação de personalidades alemãs, ainda que, de fato, a aprovasse totalmente. Ele se isolaria, rubro de vergonha por seus compatriotas.

     Eu sou judeu. Um protesto contra as injustiças e os atos de violência adquire incomparável valor significativo quando provém de pessoas que participam exclusivamente por sentimentos de humanidade e de amor da justiça. Mas eu, por ser judeu, considero os outros judeus meus irmãos e sinto a injustiça feita a um judeu como uma injustiça pessoal. Penso que não posso tomar partido. Mas espero que pessoas não diretamente envolvidas definam sua posição.

     São estas as minhas razões. Não me esqueço de que sempre admirei e respeitei o elevado desenvolvimento do sentimento da justiça. Constitui um dos aspectos mais nobres da tradição do povo francês.