Índice Superior Vai para o próximo: Capítulo 5
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A paixão pelo conhecimento em si mesmo, a paixão da justiça até o fanatismo e a paixão da independência pessoal exprimem as tradições do povo judeu e considero minha pertença a esta comunidade como um dom do destino.
Aqueles que hoje se desencadeiam contra os ideais de razão e de liberdade individual e que, com os meios do terror, querem reduzir os homens a escravos imbecis do Estado, nos consideram com justiça como seus irreconciliáveis adversários. A História já nos impôs um terrível combate. Mas, por longa que seja nossa defesa do ideal de verdade, de justiça e de liberdade, continuamos a existir como um dos mais antigos povos civilizados, e sobretudo realizamos no espírito da tradição um trabalho criador para a melhoria da humanidade.
Não penso que exista semelhante concepção do mundo, no sentido filosófico do termo. O judaísmo, quase exclusivamente, trata da moral, quer dizer, analisa uma atitude na e para a vida. O judaísmo encarna antes as concepções vivas da vida no povo judeu do que o resumo das leis contidas na Torá e interpretadas no Talmude. A Torá e o Talmude representam para mim o testemunho mais importante da ideologia judaica nos tempos de sua história antiga.
A natureza da concepção judaica da vida se traduz assim: direito à vida para todas as criaturas. A significação da vida do indivíduo consiste em tornar a existência de todos mais bela e mais digna. A vida é sagrada, representa o supremo valor a que se ligam todos os outros valores. A sacralização da vida supra-individual incita a respeitar tudo quanto é espiritual - aspecto particularmente significativo da tradição judaica.
O judaísmo não é uma fé. O Deus judeu significa a recusa da superstição e a substituição imaginária para este desaparecimento. Mas é igualmente a tentação de fundar a lei moral sobre o temor, atitude deplorável e ilusória. Creio no entanto que a possante tradição moral do povo judeu já se libertou amplamente deste temor. Compreende-se claramente que "servir a Deus" equivale a "servir à vida". Com esta finalidade, as melhores testemunhas do povo judeu, em particular os profetas e Jesus, se bateram incansavelmente.
O judaísmo não é uma religião transcendente. Ocupa-se unicamente da vida que se leva, carnal por assim dizer, e de nada mais. Julgo problemático que possa ser considerado como religião no sentido habitual do termo, tanto mais que não se exige do judeu nenhuma crença, mas antes o respeito pela vida no sentido suprapessoal.
Existe enfim outro valor na tradição judaica, que se revela de modo magnífico em numerosos salmos. Uma espécie de alegria embriagadora, um maravilhar-se diante da beleza e da majestade do mundo exalta o indivíduo, mesmo que o espirito não consiga conceber sua evidência. Este sentimento, onde a verdadeira pesquisa vem haurir sua energia espiritual, lembra o júbilo expresso pelo canto dos pássaros diante do espetáculo da natureza. Aqui se manifesta uma espécie de semelhança com a idéia de Deus, um balbuciar de criança diante da vida.
Tudo isto caracteriza o judaísmo e não se encontra em outra parte sob outros nomes. Com efeito, Deus não existe para o judaísmo, onde o respeito excessivo pela letra esconde a doutrina pura. Contudo considero o judaísmo como um dos simbolismos mais puros e mais vivos da idéia de Deus, sobretudo porque recomenda o princípio do respeito à vida.
É revelador que, nos mandamentos relativos à santificação do Sabat, os animais sejam expressamente incluídos, de tal forma a comunidade dos vivos é percebida como um ideal. Mais nitidamente ainda se expressa a solidariedade entre os humanos, e não é por acaso que as reivindicações socialistas emanem sobretudo dos judeus.
Como é viva no povo judeu a consciência da sacralização da vida! É muito bem ilustrada até na historiazinha que Walter Rathenau me contou um dia: "Quando um judeu diz que caça por seu prazer, ele mente". A vida é sagrada. A tradição judaica manifesta esta evidência.
Se se separa o judaísmo dos profetas, e o cristianismo tal como foi ensinado por Jesus Cristo de todos os acréscimos posteriores, em particular aqueles dos padres, subsiste uma doutrina capaz de curar a humanidade de todas as moléstias sociais.
O homem de boa vontade deve tentar corajosamente em seu meio, e na medida do possível, tornar viva esta doutrina de uma humanidade perfeita. Se realizar lealmente esta experiência, sem se deixar eliminar ou silenciar pelos contemporâneos, terá o direito de se julgar feliz, ele e sua comunidade.
Tenho dificuldade em vencer minha atração por uma vida de retiro tranquilo. Todavia não posso me furtar ao apelo das sociedades O.R.T. e O.Z.E.5. Ele evoca o apelo de nosso povo judeu tão duramente perseguido. E eu lhe respondo.
A situação de nossa comunidade judaica dispersa pela terra indica igualmente a temperatura do nível moral no mundo político. Que poderia haver de mais revelador para avaliar a qualidade da moral política e do sentimento de justiça que a atitude das nações diante de uma minoria indefesa, cuja única singularidade consiste em querer manter uma tradição cultural?
Ora, esta qualidade está desaparecendo em nossa época. Nosso destino prova-o tragicamente. Porque a atitude dos homens para conosco fornece a prova: é preciso portanto consolidar e manter esta comunidade. A tradição do povo judeu comporta uma vontade de justiça e de razão, proveitosa para o conjunto dos povos de ontem e de amanhã. Spinoza e Karl Marx estavam impregnados desta tradição.
Quem quer manter o espírito deve se preocupar também com o corpo, que é seu invólucro. A sociedade O.Z.E. presta serviços ao corpo de nosso povo, no sentido literal da palavra. Na Europa Oriental, ela trabalha sem descanso para manter o bom estado físico de nosso povo, lá onde já é severamente oprimido na sobrevivência econômica, ao passo que a sociedade O.R.T. está a postos para conjurar uma terrível injustiça social e econômica a que o povo judeu está submetido desde a Idade Média. Com efeito, desde a Idade Média, as profissões diretamente produtivas nos foram proibidas, fomos então obrigados a nos entregar a profissões mercantis. Nos países orientais, ajudar realmente o povo judeu equivale a dar-lhe livre acesso a novos setores profissionais e por essa causa o povo judeu se bate no mundo inteiro. A sociedade O.R.T. trabalha com eficácia para resolver este problema delicado.
Os senhores, compatriotas ingleses, estão convidados para esta obra de grande envergadura, dela participando e continuando o trabalho criado por homens superiores. Nestes últimos anos, e mesmo nestes últimos dias, causaram-nos uma decepção que deve ser de grande interesse para todos os senhores. Não lamentemos nossa sorte! Mas procuremos encontrar no fato um motivo suplementar de viver e de manter nossa fidelidade à causa da comunidade judaica. Creio muito sinceramente que, de modo indireto, nós preservamos os objetivos comuns da humanidade. Ora, estes devem continuar a ser para nós os mais elevados.
Reflitamos também que dificuldades e obstáculos impelem à luta e a provocam, dando saúde e vida a toda a comunidade. A nossa não teria sobrevivido, se apenas tivéssemos vivido nos prazeres. Disto estou intimamente persuadido.
Um consolo ainda mais belo nos espera. Nossos amigos não são uma multidão, mas entre eles há homens de inteligência e senso moral elevadíssimos. Consideram um ideal de vida aperfeiçoar a comunidade humana e libertar os indivíduos de qualquer opressão aviltante.
Estamos contentes e felizes por contar entre nós hoje homens deste calibre. Não pertencem ao mundo judeu, mas conferem a esta importante sessão uma solenidade particular. Alegro-me por ver diante de mim Bernard Shaw e H. G. Wells. Suas concepções da vida me seduzem.
O senhor, Sr. Shaw, foi bastante feliz em ganhar a afeição e a estima alegre dos homens num terreno em que outros ganharam o martírio. Não apenas o senhor pregou a moral aos homens, mas soube zombar daquilo que para todos parecia um tabu inviolável. O que fez, somente um artista era capaz. O senhor fez surgir de sua caixinha mágica inúmeras figurinhas que se parecem com os homens, e criou-as, não de carne e osso, mas de espírito, de fineza e de graça. Elas chegam a se assemelhar aos homens mais do que nós próprios, tanto que esquecemos de que não se trata de criações da natureza, mas obra sua. O senhor movimenta estas figurinhas em um pequeno universo, onde as graças estão vigilantes e impedem todo o ressentimento. Quem quer que tenha observado este microscópico universo terá descoberto nosso universo real visto sob nova luz. Vê as figurinhas se introduzirem tão habilmente nos homens reais que estes de repente adquirem nova imagem, bem diferente da anterior. E por colocar nas mãos de todos nós o espelho, o senhor nos ensina a libertar-nos, como quase nenhum de nossos contemporâneos o soube fazer. Com isto o senhor retirou da existência algo de seu peso terrestre. Nós lhe estamos agradecidos do fundo do coração e aplaudimos o acaso que nos gratificou, através de penosos sofrimentos, com um médico da alma, com um libertador. Pessoalmente eu lhe agradeço pelas inesquecíveis palavras dirigidas a meu irmão mítico, que complica muito minha vida, embora em sua grandeza rija, honorífica, no fundo não passe de um camarada inofensivo.
Aos senhores, meus irmãos judeus, repito que a existência e o destino de nosso povo dependem menos de fatores exteriores que de nossa fidelidade às tradições morais que nos sustentaram durante séculos na vida, apesar das terríveis tempestades desencadeadas sobre nós. Sacrificar-se a serviço da vida equivale a uma graça.
Enquanto vivíamos num gueto, o fato de pertencermos ao povo judeu acarretava dificuldades materiais, às vezes até perigos físicos; em compensação jamais problemas sociais e psíquicos. Com a emancipação, a situação de fato se modificou radicalmente, em particular para os judeus que se encaminharam às profissões liberais.
O jovem judeu na escola e na universidade está sob a influência de uma sociedade estruturada de maneira nacional. Ele a respeita, admira-a, recebe sua bagagem intelectual; sente que lhe pertence, mas ao mesmo tempo percebe ser tratado por ela como estrangeiro, com um certo desdém e até alguma aversão. Mas arrastado pela sugestiva influência desta força psíquica superior mais do que por considerações utilitárias, ele se esquece de seu povo e de suas tradições e se considera definitivamente integrado aos outros, enquanto procura se disfarçar, a si e aos outros, mas sem resultado porque esta conversão é sempre unilateral. Assim se reconstitui a história do funcionário judeu convertido, ontem como hoje digna de lástima! As causas são, não a falta de caráter ou a ambição desmedida, mas antes, como já fiz notar, a força de persuasão de um ambiente mais ponderável em número e em influência. Evidentemente bom número de filhos muito dotados do povo judeu contribuiu largamente para os progressos da civilização européia, mas, com algumas exceções, seu comportamento não foi sempre desta natureza?
Como para todas as doenças psíquicas, a cura exige uma clara explicação da natureza e das causas do mal. Temos de elucidar perfeitamente nossa condição de estrangeiro e daí deduzir as consequências. É estúpido querer convencer outrem, mediante todo tipo de raciocínio, de nossa identidade intelectual e espiritual com ele. Porque a própria base de seu comportamento não é obtida pela mesma camada cerebral. Temos de emancipar-nos socialmente, encontrar por nós mesmos a solução para nossas necessidades sociais. Temos de formar nossas sociedades de estudantes, comportar-nos frente a não-judeus com toda a cortesia, mas com lógica. Queremos também viver a nosso modo, não imitar os costumes dos espadachins e dos beberrões. Nada disto nos diz respeito. Pode-se conhecer a cultura da Europa e viver como bom cidadão de um Estado, sem deixar de ser ao mesmo tempo um judeu fiel. Não nos esqueçamos disto e façamos assim! O problema do anti-semitismo, em sua manifestação social, será resolvido então.
1. Há dez anos, tive a alegria de encontrá-los pela primeira vez. Tratava-se de incrementar a idéia sionista e tudo ainda estava no futuro. Hoje, podemos encarar estes dez anos passados com alguma alegria. Porque neles, as forças conjuntas do povo judaico realizaram na Palestina uma obra magnífica de construção, perfeitamente eficaz e bem superior a nossas mais loucas esperanças.
Assim superamos a dura provação que os acontecimentos dos últimos anos nos infligiram. Um trabalho incessante, sustentado por uma ideologia elevada, conduz lenta mas seguramente ao êxito. As últimas declarações do governo inglês marcam uma volta a uma avaliação mais correta de nossa situação. Nós o reconhecemos com gratidão.
Todavia não nos esqueçamos nunca da lição desta crise. O estabelecimento de uma satisfatória cooperação entre judeus e árabes não é problema da Inglaterra, mas nosso. Nós, judeus e árabes, temos de nos pôr de acordo entre nós acerca das linhas diretrizes de uma política de comunidade eficaz e adaptada às necessidades dos dois povos. Uma solução honrosa, digna de nossas duas comunidades, exige de nós a seguinte convicção: o objetivo, capital e magnífico, conta tanto quanto a própria realização do trabalho. Reflitamos neste exemplo: a Suíça representa uma evolução estatal mais progressista do que qualquer outro Estado, justamente por causa da complexidade dos problemas políticos. Mas sua solução exige, por hipótese, uma constituição estável, já que se refere a uma comunidade formada de vários agrupamentos nacionais.
Muito ainda há por fazer. Mas um dos pontos mais ardentemente desejados por Herlz já foi alcançado. O trabalho pela Palestina ajudou o povo judeu a descobrir em si a solidariedade e a forjar para si uma disposição de ânimo. Porque todo organismo tem precisão dela para se desenvolver normalmente. Aquele que deseja compreendê-lo realmente pode ver hoje esta evidência.
Aquilo que realizamos para a obra comum, não a realizamos somente por nossos irmãos, na Palestina, mas para a moral e a dignidade de todo o povo judeu.
2. Estamos hoje reunidos para comemorar uma comunidade milenar, seu destino e seus problemas. É uma comunidade de tradição moral, que nos momentos de provação sempre revelou sua força e amor pela vida. Em todas as épocas, suscitou homens que encarnaram a consciência do mundo ocidental, e que defenderam a dignidade da pessoa humana e da justiça.
Enquanto esta comunidade for cara a nosso coração, ela se perpetuará para a salvação da humanidade, embora continue informal sua organização. Há algumas décadas, homens inteligentes, entre eles o inesquecível Herzl, pensaram que tínhamos necessidade de um centro espiritual para manter o sentimento de solidariedade no momento da provação. Assim se desenvolveu a idéia sionista e a colonização na Palestina. Pudemos ver os sucessos dessas realizações, sobretudo nos inícios cheios de promessas.
Com satisfação, foi-me dado verificar que esta obra tinha grande impacto no moral do povo judeu. Minoria dentro das nações, o judeu conhece problemas de coexistência, mas sobretudo tem de se haver com outros perigos, mais íntimos, inerentes à sua psicologia.
Nestes últimos anos, a obra de construção sofreu uma crise que pesou enormemente sobre nós e ainda não está totalmente superada. Contudo as últimas notícias provam que o mundo e em particular o governo inglês estão dispostos a reconhecer os elevados valores morais, revelados em nosso ardor pela realização sionista. Neste exato momento, tenhamos um pensamento reconhecido para com nosso chefe Weizmann que assegurou o êxito da boa causa com um devotamento e uma prudência sem igual.
As dificuldades encontradas provocaram felizes consequências. De novo mostraram o poder dos laços entre os judeus de todos os países, principalmente acerca de seu destino. Mas esclareceram nossa maneira de ver o problema palestino, libertando-a das impurezas de uma ideologia nacionalista. Proclamou-se abertamente que nossa meta não é a criação de uma comunidade política, mas que nosso ideal, fundado na antiga tradição do judaísmo, se propõe a criação de uma comunidade cultural, no sentido mais amplo do termo. Para consegui-lo, temos de resolver, nobremente, publicamente, dignamente, o problema da coabitação com o povo irmão dos árabes. Temos a oportunidade de provar aquilo que aprendemos durante os séculos de um passado vivido duramente. Se descobrirmos o caminho exato, ganharemos e serviremos de exemplo para outros povos.
Aquilo que empreendemos para a Palestina, nós o realizamos pela dignidade e a moral de todo o povo judeu.
3. Alegro-me com a ocasião que me é oferecida de dizer algumas palavras à juventude deste país, fiel aos objetivos gerais do judaísmo. Não desanimem pelas dificuldades que temos de enfrentar na Palestina. Situações deste tipo constituem experiências indispensáveis para o dinamismo de nossa comunidade.
Com razão criticamos as medidas e as manifestações do governo inglês. Não devemos contentar-nos com isto, mas procurar também tirar suas conseqüências.
Devemos manter em nossas relações com o povo árabe a mais extrema vigilância. Graças a esta atitude, poderemos evitar que no futuro tensões muito perigosas venham a se manifestar e poderiam ser aproveitadas como uma provocação a atos belicosos. Com facilidade poderemos atingir nosso objetivo, porque nossa realização foi e é concebida de maneira a servir também aos interesses concretos da população árabe.
Conseguiremos então impedir a situação catastrófica tanto para os judeus quanto para os árabes de apelar para a potência mandatária como árbitro. Neste espírito, seguiremos a via da sabedoria, mas também das tradições que dão à comunidade judaica seu sentido e sua força. Porque esta comunidade não é política e não deve vir a sê-lo. Exclusivamente moral, assim ela existe. Unicamente nesta tradição poderá encontrar novas energias, e unicamente nesta tradição reconhece sua razão de ser.
4. Há dois milênios, o valor comum a todos os judeus está encarnado em seu passado. Para este povo disperso pelo mundo somente existia um único lugar, ciosamente mantido, o da tradição. Evidentemente judeus, enquanto indivíduos, criaram grandes valores de civilização. Mas o povo judeu, como tal, não parecia ter a força das grandes realizações coletivas.
Tudo se transformou agora. A História confiou-nos nobre e importante missão sob a forma de uma colaboração ativa para construir a Palestina. Irmãos notáveis já trabalham com todas as forças para a realização deste objetivo. Temos a possibilidade de instalar focos de civilização nos quais todo o povo judeu pode reconhecer sua obra. Esperamos profundamente estabelecer na Palestina um lugar para as famílias e para uma civilização nacional própria, que permita despertar o Oriente Médio para uma vida econômica e intelectual.
A meta preconizada pelos chefes sionistas não quer ser política, mas antes social e cultural. A comunidade na Palestina deve aproximar-se do ideal social de nossos antepassados, tal como está escrito na Bíblia; deve ao mesmo tempo tornar-se um lugar para os encontros intelectuais modernos, um centro intelectual para os judeus do mundo inteiro. A fundação de uma Universidade judia em Jerusalém representa, nesta ordem de idéias, uma das metas principais da organização sionista.
Fui nestes últimos meses à América para auxiliar a constituir a vida material desta Universidade. O sucesso dessa campanha impôs-se por si mesmo.
Graças à incansável atividade, à generosidade ilimitada dos médicos judeus, recolhemos bastantes meios para iniciar a fundação de uma faculdade de medicina e imediatamente começamos seus trabalhos preparatórios. De acordo com os atuais resultados, sem dúvida alguma obteremos as estruturas materiais indispensáveis para as outras faculdades, e sem delongas. A faculdade de medicina deve ser concebida principalmente como um instituto de pesquisa. Agirá diretamente para o saneamento do país, função indispensável em nossa empresa.
O ensino em um nível mais alto só se desenvolverá mais tarde. Como já se encontrou suficiente número de sábios capazes e responsáveis para uma cátedra na Universidade, a fundação da faculdade de medicina, ao que parece, não coloca mais problemas. Noto no entanto que um fundo particular foi previsto para a Universidade, fundo absolutamente separado dos capitais necessários à construção do país. Para estes fundos particulares, nos últimos meses, graças ao incansável esforço do professor Weizmann e de outros chefes sionistas na América, reuniram-se somas muito importantes, graças sobretudo às elevadas doações da classe média. Termino por um vibrante apelo aos judeus alemães. Que contribuam, apesar da terrível situação econômica atual, para possibilitar com todas as suas forças a criação de um lar judeu na Palestina. Não, não se trata de um ato de caridade, mas de uma obra que diz respeito a todos os judeus. Seu êxito será para todos a ocasião da mais perfeita satisfação.
5. Para nós, judeus, a Palestina não se apresenta sob o aspecto de uma obra de caridade ou de uma implantação colonial. Trata-se de um problema de fundo, essencial para o povo judeu. E em primeiro lugar, a Palestina não é um refúgio para os judeus orientais, mas antes a encarnação renascente do sentimento da comunidade nacional de todos os judeus. Será necessário, será oportuno despertar e reforçar este sentimento? A esta pergunta não respondo levado por um sentimento reflexo, mas por sólidas razões.
Digo sim sem reserva alguma. Analisemos rapidamente o desenvolvimento dos judeus alemães nestes últimos cem anos! Há um século, nossos antepassados viviam, com raras exceções, no gueto. Eram pobres, sem direitos políticos, separados dos não-judeus por um muro de tradições religiosas, de conformismo na vida e de jurisdições limitativas. Estavam mesmo fechados, em sua vida intelectual, dentro da própria literatura. Eram pouco e superficialmente marcados pelo possante despertar que havia sacudido a vida intelectual da Europa desde a Renascença. Mas estes homens, de pouca importância e sem grande influência, guardavam uma força superior à nossa. Cada um deles pertencia por todas as fibras de seu ser a uma comunidade da qual se sentia membro integral. Exprimia-se e vivia em uma comunidade que nada exigia dele que fosse de encontro com seu modo de pensar natural. Nossos antepassados de então eram certamente miseráveis física e intelectualmente, mas socialmente se revelavam de espantoso equilíbrio moral.
Depois houve a emancipação, que, de repente, ofereceu ao indivíduo possibilidades de progresso insuspeitadas. Os indivíduos, cada qual por seu lado, adquiriam rapidamente situações nas camadas sociais e econômicas mais elevadas da sociedade. Com paixão haviam assimilado as conquistas principais que a arte e a ciência ocidental criaram. Participavam com intenso fervor deste movimento, e eles próprios criavam obras duradouras. Devido a esta atitude, adotaram as formas exteriores do mundo não-judeu e aos poucos foram se afastando de suas tradições religiosas e sociais, aceitando costumes, padrões de vida, modos de pensar estranhos ao mundo judeu. Poder-se-ia pensar que iriam assemelhar-se completamente aos povos entre os quais viviam, povos quantitativamente mais numerosos e política e culturalmente mais bem coordenados, ao ponto de, em algumas gerações, nada mais subsistir de visível do mundo judeu. Completo desaparecimento da comunidade judaica parecia inevitável na Europa Central e Ocidental.
Ora, nada disto aconteceu. Os instintos das nacionalidades diferentes, ao que parece, impediram uma fusão completa; a adaptação dos judeus aos povos europeus entre os quais viviam, a suas línguas, a seus costumes e até parcialmente a suas formas religiosas, não pôde destruir o sentimento de ser um estrangeiro, que se mantém entre o judeu e as comunidades européias que o acolhem. Em última análise, este sentimento de estranheza constitui a base do anti-semitismo. Este não será extirpado do mundo por escritos, por bem intencionados que sejam. Porque as nacionalidades não querem se misturar, mas seguir o próprio destino. Uma situação pacífica só se instaurará na compreensão e na indulgência recíprocas.
Por esta razão, é importante que nós, judeus, retomemos consciência de nossa existência como nacionalidade e que recuperemos de novo o amor-próprio indispensável a uma vida realizada. Temos de reaprender de novo a interessar-nos lealmente por nossos antepassados e por nossa história, e devemos, como povo, assumir missões suscetíveis de reforçar nosso sentimento de comunidade. Não basta que participemos como indivíduos do progresso cultural da humanidade, é preciso também que enfrentemos o gênero de problemas que competem às comunidades nacionais. Eis a solução para um judaísmo novamente social.
Peço-lhes que considerem o movimento sionista nesta perspectiva. A história, hoje, nos confiou uma missão, a de participar eficazmente na reconstrução econômica e cultural de nossa pátria. Pessoas entusiastas e notavelmente dotadas analisaram a situação e muitos de nossos melhores concidadãos estão prontos para se consagrarem de corpo e alma a esta tarefa. Que cada um dos senhores considere realmente suas capacidades em relação à obra e contribua com todas as forças!
Entre as organizações sionistas, a "Palestina no trabalho" representa a que mais bem corresponde pela atividade, de modo mais preciso, à categoria mais digna de estima das pessoas de lá, trabalhadores manuais, transformando o deserto em colônias florescentes. Estes trabalhadores são uma seleção de voluntários vindos de todo o povo judeu, uma elite de homens corajosos, conscientes e desinteressados. Não se trata de operários sem categoria, que vendem sua força a quem mais paga, mas homens instruídos, de espírito vivo e livres, cuja luta pacífica com um solo abandonado redunda em proveito de povo inteiro, mais ou menos diretamente. Diminuir, se possível, a rudeza de seu destino significa salvar vidas humanas singularmente preciosas. Porque o combate dos primeiros colonos contra um solo ainda não saneado se traduz por esforços duros e perigosos e uma abnegação pessoal rigorosa. Somente uma testemunha ocular pode compreender como é justa esta idéia. Por isso, aquele que ajuda estes homens, possibilitando a melhoria dos utensílios, ajuda a obra de modo benéfico.
E esta classe de trabalhadores é a única a tornar possíveis sadias relações com o povo árabe: e é este o objetivo político mais importante para o sionismo. Com efeito, as administrações aparecem e desaparecem. Em compensação as relações humanas constituem na vida dos povos a etapa decisiva. Assim sendo, um auxílio à "Palestina no trabalho" significa também a realização de uma política humana e respeitável na Palestina, e ainda um combate útil contra os vagalhões nacionalistas retrógrados. Porque o mundo político em geral e, em menor escala, o pequeno universo da obra palestina, ainda sofrem suas consequências.
Os maiores inimigos da consciência e da dignidade judaica se chamam decadência dos estômagos cheios, se chamam frouxidão provocada pela riqueza e vida fácil, se chamam forma de submissão interior ao mundo não-judeu, já que a comunidade judaica se relaxou. O que há de melhor no homem somente desabrocha quando se desenvolve em uma comunidade. Terrível portanto se mostra ó perigo moral para o judeu que perde contacto com a própria comunidade e se descobre estrangeiro até mesmo para aqueles que o acolhem. O balanço de uma situação destas quase sempre resulta em egoísmo desprezível e sombrio.
Ora, atualmente se revela particularmente importante a pressão contra o povo judeu. E este gênero de miséria nos cura. Porque suscita uma renovação da vida comunitária judaica tal que até a penúltima geração não poderia imaginar. Sob a influência do sentimento de solidariedade, tão novo, a colonização da Palestina, iniciada por chefes devotados e prudentes através de dificuldades aparentemente insuperáveis, começou a dar frutos tão belos que não posso mais pôr em dúvida o sucesso final. Para os judeus do mundo inteiro, a importância da obra se revela de primeira ordem. A Palestina será para todos os judeus um lugar de cultura, para os perseguidos um lugar de refúgio, para os melhores de nós um campo de ação.
Para os judeus do mundo inteiro, ela encarnará o ideal de unidade e um meio de renascimento interior.
Sua carta muito me alegrou. Prova-me, com efeito, que de seu lado há a clarividência necessária para uma solução razoável: nossos dois povos podem resolver as dificuldades pendentes. Os obstáculos me parecem de natureza mais psicológica do que objetiva, e poderão ser vencidos se, de parte a parte, se agir com a vontade de eliminar os problemas!
Nossa situação atual apresenta-se desfavorável porque judeus e árabes são postos face a face como dois adversários pela potência mandatária. Esta situação é indigna dos dois povos e somente será modificada se descobrirmos entre nós um terreno onde os dois campos possam dialogar e se unir.
Explicarei aqui como encaro a realização de uma mudança nas atuais condições deploráveis. Apresso-me a dizer que esta opinião é exclusivamente minha, já que não a comuniquei a ninguém.
Constitui-se um "conselho privado" para o qual judeus e árabes delegam respectivamente e em separado quatro representantes, absolutamente independentes de qualquer organismo político.
Assim, de parte a parte se reuniriam: um médico, eleito pelo conselho da ordem; um jurista, eleito pelas instâncias jurídicas; um representante operário, eleito pelos sindicatos; um chefe religioso, eleito por seus semelhantes. Estas oito pessoas se reúnem uma vez por semana. Comprometem-se sob juramento a não servir os interesses de sua profissão nem de sua nação, mas exclusivamente a procurar com toda a consciência a felicidade da população inteira. As discussões são secretas e nada deve ser divulgado; nem mesmo na vida particular.
Se se tomar uma decisão sobre um problema qualquer com o assentimento de pelo menos três de cada lado, esta decisão poderá ser publicada, mas sob a responsabilidade do conselho inteiro. Se um dos membros não aceitar uma decisão, poderá abandonar o conselho, mas sem nunca se ver livre da obrigação do segredo. Se um dos grupos citados responsáveis pelas eleições não se considerar satisfeito com uma resolução do conselho, poderá substituir seu representante por um outro.
Embora o conselho secreto não tenha competência alguma bem delimitada, pode no entanto permitir que sejam progressivamente aplainados os desacordos e apresentar, diante da potência mandatária, uma representação comum dos interesses do país realmente oposta a uma política a curto prazo.
Li seu artigo sobre o sionismo e o congresso de Zurique. É preciso que eu lhe responda, ainda que brevemente, como o faria alguém que estivesse inteiramente convencido desta idéia.
Os judeus formam uma comunidade de sangue e de tradição, sendo que a tradição religiosa não representa o único ponto comum. Revela-se antes pelo comportamento dos outros homens diante dos judeus.
Quando cheguei à Alemanha, há quinze anos, descobri pela primeira vez que era judeu e esta descoberta me foi revelada mais pelos não-judeus do que pelos judeus.
A tragédia da condição judia consiste nisto: os judeus representam indivíduos que chegaram a um estágio evidente de evolução, mas não têm o sustentáculo de uma comunidade para uni-los. A insegurança dos indivíduos, que pode provocar grandíssima fragilidade moral, vem como consequência. Aprendi por experiência que a saúde moral deste povo não seria possível, a não ser que todos os judeus do mundo se reunissem numa comunidade viva, à qual cada um de plena vontade se associaria e que lhe permitiria suportar ódio e humilhação que encontra em todas as partes.
Vi o execrável mimetismo em judeus de grande valor e este espetáculo me fez chorar lágrimas de sangue. Vi como a escola, os panfletos e as inúmeras potências culturais da maioria não-judia haviam minado o sentimento de dignidade, mesmo nos melhores de nossos irmãos de raça, e senti que isto não poderia mais continuar.
Aprendi por experiência que somente uma criação comum, que os judeus do mundo inteiro levassem a peito, poderia curar este povo doente. Esta foi a obra admirável de Th. Herzl: compreendê-lo e bater-se com toda a energia para a realização de um centro ou - para falar mais claramente ainda - de um lugar central na Palestina. Essa obra exigia todas as energias. Contudo inspirava-se na tradição do povo judeu.
O senhor dá a isto o nome de nacionalismo, não sem se enganar. Mas o esforço para criar uma comunidade, sem a qual não podemos viver nem morrer neste mundo hostil, sempre poderá ser designado por este termo odioso. De qualquer modo, será um nacionalismo, mas sem vontade de poder, preocupado pela dignidade e saúde morais. Se não fôssemos constrangidos a viver no meio de homens intolerantes, mesquinhos e violentos, eu seria o primeiro a rejeitar todo o nacionalismo em troca de uma comunidade humana universal!
A objeção - se queremos, nós judeus, ser uma "nação", não poderemos mais ser cidadãos integrais, por exemplo, do Estado alemão - revela um desconhecimento da natureza do Estado, a fundar sua existência partindo da intolerância da maioria nacional. Contra esta intolerância jamais estaremos protegidos, tenhamos ou não o nome de "povo", "nação", etc.
Disse tudo o que penso, resumidamente, sem floreios e sem concessões. Mas, a julgar por seus escritos, sei que o senhor aprecia mais o sentido do que a forma.
- Feliz quem atravessa a vida prestativo, sem medo, estranho à agressividade e ao ressentimento! Numa natureza assim, revelam-se as testemunhas magníficas que trazem um reconforto para a humanidade nas situações desastrosas que cria para si mesma.
- O esforço para unir sabedoria e poder raramente dá certo e somente por tempo muito curto.
- O homem habitualmente evita reconhecer inteligência em outro, a não ser quando, por acaso, se trata de um inimigo.
- Poucos seres são capazes de dar bem claramente uma opinião diferente dos preconceitos de seu meio.
A maioria é mesmo incapaz de chegar a formular tais opiniões.
- A maioria dos imbecis permanece invencível e satisfeita em qualquer circunstância. O terror provocado por sua tirania se dissipa simplesmente por sua distração e por sua inconsequência.
- Para ser um membro irrepreensível de uma comunidade de carneiros, é preciso, antes de tudo, ser também carneiro.
- Os contrastes e as contradições podem coexistir de modo permanente numa cabeça, sem provocar nenhum conflito. Esta evidência atrapalha e destrói qualquer sistema político pessimista ou otimista.
- Quem banca o original neste mundo da verdade e do conhecimento, quem imagina ser um oráculo, fracassa lamentavelmente diante da gargalhada dos Deuses.
- A alegria de contemplar e de compreender, eis a linguagem a que a natureza me incita.