Índice Superior Vai para o próximo: Capítulo 3
Arquivos de Impressão: Tamanho A4.
A vontade é o princípio ativo do "EU", não uma função psíquica. Ela dirige, regula as funções psíquicas de modo criativo, individual e único a cada momento. Desta forma, pode-se afirmar que as sub-personalidades têm desejos e impulsos, visão de mundo limitada, e são comandadas pelo desejo de serem amadas e aceitas. As sub-personalidades não tem vontade, não escolhem, apenas reagem.
A experiência da vontade acontece em três fases: a primeira é o reconhecimento de que a vontade existe; a segunda, é a constatação de ter uma vontade e a terceira que a torna mais completa e efetiva, é de "Ser" uma vontade.
A experiência do "querer" pode manifestar-se durante uma crise, uma ameaça ou de modos mais tranquilos e sutis. Durante as horas de meditação e silêncio, ao examinar com atenção as motivações, nos momentos de deliberação e decisão refletida, às vezes uma "voz" sutil, mas inteligível se faz ouvir e incita a determinada linha de ação. É um impulso diverso, dos impulsos e motivos cotidianos, que provêm do âmago, do centro do ser como uma iluminação interior que nos torna conscientes da realidade da vontade.
Todavia o modo mais simples e frequente de descobrir a própria vontade é por meio da ação e da luta determinada. Ao realizar um esforço físico ou mental, ou em ocasiões de luta ativa contra um obstáculo, ou de confrontação com forças opostas, sente-se que uma força aparece; é a energia interior que proporciona a experiência do querer.
A descoberta da vontade e, mais ainda, a tomada de consciência que o Self e a vontade estão intimamente ligados pode acontecer como uma genuína revelação e pode modificar a autoconsciência de uma pessoa e toda a sua atitude em relação a si mesmo, a outras pessoas e ao mundo.
Na realidade, esta experiência está implícita na consciência humana. É o que a distingue dos animais, que são conscientes, mas não conscientes de si próprios. A mente animal não alcançou a dignidade da vontade, e não experimenta a supraconsciência, ou a consciência da consciência. Os animais têm percepção e reagem emocionalmente às situações, mas não sabem, nem percebem, como os seres humanos. A autoconsciência humana pode estar distorcida por diversos conteúdos do ego e relaciona-se normalmente com a função predominante ou com o foco da consciência e com o papel que a pessoa desempenha na vida
Algumas pessoas identificam-se com os seus corpos e sensações e funcionam como se fossem os próprios corpos. Outros se identificam com os sentimentos, experimentando e descrevendo seu estado de ser em termos afetuosos e crêem que seus sentimentos constituem a parte central e mais íntima de si mesmos, enquanto que os pensamentos e as sensações são percebidos com mais distantes e até separados. Os que se identificam com a própria inteligência, vêem-se como estruturas intelectuais e consideram os sentimentos e sensações em segundo plano. Muitos identificam-se com um papel que desempenham e vivenciam a si mesmos em termos desse papel, tais como a "mãe", o "marido", a "esposa", o "estudante", o "homem de negócios", a "professora" etc.
Essa identificação com apenas uma parte da personalidade pode ser interessante por um tempo, mas tem desvantagens para a compreensão do "EU", que provém do fato de saber-se quem é, do profundo senso de auto-identificação com o espírito eterno. Por outro lado, ao excluir ou decrescer a importância das demais partes da personalidade, a expressão fica limitada a apenas uma fração do que poderia ser, o que pode gerar frustração e sentimentos de inaptidão e insucesso. O atleta que envelhece e perde a sua força física, a atriz cuja beleza física se esvai, ou a mãe de filhos crescidos que a deixaram ou o estudante que deixa a escola para enfrentar uma série de responsabilidades profissionais, são exemplos que podem produzir crises graves e até dolorosas.
O envelhecimento, doenças e morte são passagens que mostram a transitoriedade da vida e a necessidade de busca do Self, e requer um "renascimento", envolvendo toda a personalidade e despertando o verdadeiro "EU", mais completo e harmônico. Este processo que muitas vezes acontece sem a participação da vontade, pode ser realizado por meio de um processo deliberado de desidentificação e auto-identificação. Por meio dele ganha-se a liberdade e a faculdade de escolha para se identificar de qualquer aspecto da personalidade segundo o que for mais apropriado em cada situação. O objetivo é aprender a dominar, dirigir e a utilizar todos os elementos e aspectos da personalidade.
A verdadeira função da vontade não é atuar contra os impulsos da personalidade e forçar a realização de propósitos. A vontade tem função diretriz e reguladora; equilibra e utiliza construtivamente todas as demais energias do ser humano, sem nunca reprimir nenhuma delas. Um exemplo sobre o desempenho da vontade é o do timoneiro de um navio, que o leva ao seu curso, mantendo-se na direção certa apesar dos ventos e correntezas. A força de que necessita para segurar o leme é inteiramente diferente da que propulsiona o navio pelo mar afora, seja ela proveniente dos geradores, dos ventos nas velas ou do esforço dos remadores.
Outra forma de resistência provém da tendência geral à inércia, geralmente presente, que permite que o lado comodista da natureza assuma o controle e deixe que os impulsos internos ou as influências externas dominarem a personalidade. Essa tendência pode ser resumida como "uma relutância de se dar ao trabalho" ou de pagar o preço exigido por um empreendimento compensador. O treinamento da vontade necessita de esforços e persistência, requeridos para o desenvolvimento de qualquer qualidade, seja física ou mental. Tal esforço é mais que compensador, pois a utilização da vontade está na base de qualquer atividade e quanto mais desenvolvida há de melhorar a eficácia de todos os empreendimentos futuros.
Segundo definição do Prof. Calò, em seu artigo sobre a vontade na Enciclopédia,
" ... a atividade volitiva está intimamente ligada à consciência do Eu, como centro ativo e unificador de todos os elementos da vida psíquica. O Eu, a princípio obscura subjetividade, ponto de referência de toda experiência psíquica, afirma-se gradualmente à medida que se distingue, como fonte de atividade, de cada um dos seus elementos específicos (sentimentos, tendências, instintos, idéias). A vontade é precisamente essa atividade do Eu, que é uma unidade situada acima da multiplicidade de seus conteúdos e que substitui a ação prévia impulsiva, fracionária e centrífuga daqueles conteúdos. Eu e vontade são termos correlatos; o Eu existe na medida em que tem sua capacidade específica de ação, que é a vontade; e a vontade só existe como atividade distinta e autônoma do Eu" (CALÒ [6], 1945, pag 80).
Assagioli (1927) utilizou três categorias - ou dimensões - para descrever a vontade: aspectos, qualidades e estágios. A primeira categoria, a dos aspectos, é a mais básica e representa as facetas que se pode reconhecer na vontade plenamente desenvolvida. A segunda categoria, a das qualidades, refere-se à maneira de expressão da vontade em ação. Os estágios da vontade especificam como se desenrola, desde o início até o fim o ato da vontade.
Na Psicossíntese é importante discriminar entre a disposição baseada em motivação inconsciente e a verdadeira vontade do eu pessoal. A psicologia do século XIX baseava-se essencialmente no aspecto consciente da personalidade e ignorava as forças inconscientes que Freud, Jung e outros enfatizaram.
Existe uma "vontade inconsciente" do Eu superior, a qual tende sempre a harmonizar a personalidade com o propósito global do Eu espiritual. Uma das metas da psicossíntese espiritual é fazer dessa "vontade inconsciente" do Eu espiritual uma experiência consciente. Para isso, é preciso conhecer os aspectos da vontade delineados por Assagioli (1927): a vontade forte, a vontade hábil, a boa vontade e a vontade transpessoal.
"Em primeiro lugar é preciso reconhecer que a vontade existe, depois que cada homem pode ter uma vontade, e, finalmente, que ele pode se tornar essa vontade, resumindo: um ego que sabe querer" (ASSAGIOLI [1], 1927).
Depois é preciso desenvolver essa vontade, tornando-a suficientemente forte para que se adapte às suas múltiplas utilizações, em todos os domínios da vida. A força é apenas um aspecto da vontade, dissociada dos demais, pode ser, e não raro realmente é, ineficaz e prejudicial à própria pessoa e aos outros. Ao desenvolver a força de vontade, tem-se consciência de que um ato de vontade contém suficientemente intensidade para levar avante o seu projeto.
A habilidade consiste na capacidade de obter os resultados desejados com o menor dispêndio possível de energia. A fim de utilizar mais eficazmente a vontade deve-se compreender a própria constituição interna e tomar conhecimento de diferentes funções, impulsos, desejos, hábitos padronizados e das relações entre eles, de modo que a qualquer tempo pode-se ativar e usar estes aspectos, pois a qualquer momento já tendem a produzir a ação específica. É importante lembrar que a vontade é capaz de realizar seus desígnios, contando que não conte somente com a sua força, mas igualmente com a sua habilidade. Esta é capaz de estimular, regular e dirigir todas as demais funções e forças do ser, a fim de que elas possam conduzir a um objetivo predeterminado. Compreendendo isto, podem-se escolher os meios e estratégias mais práticas e eficientes, que economizem mais esforços para conduzir ao objetivo desejado.
É importante citar algumas das funções psicológicas mais abrangentes: Sensação - Emoção - Sentimento - Impulso/Desejo - Imaginação - Pensamento - Intuição - Vontade. A Vontade está próxima do SELF e tem uma posição central sobre as demais funções psicológicas, regulando-as e dirigindo-as. Para o psicólogo Jung (1915) as quatro principais, que ele denominou de a "Bússula da Psique" são:
Razão - termo descritivo de pensamento, sentimentos e ações que estão de acordo com atitudes baseadas em valores objetivos, estabelecidos por experiência prática, por meio da reflexão. Segundo Jung (1910), o pensamento é o processo mental daquilo que é percebido e o sentimento, é a função psicológica que avalia ou julga o valor de alguma coisa ou alguém e não apresenta manifestações físicas ou fisiológicas tangíveis.
Emoção - Reação involuntária, devido a um complexo ativo, que envolve o afeto, reações emocionais marcadas por sintomas físicos e distúrbio no pensamento, que rompe muitas vezes com o componente do julgamento (bom X mau, gosto X não gosto). Os complexos são idéias carregadas de sentimentos, que, com o correr do tempo, se acumulam ao redor de determinados arquétipos, "mãe", "pai", por exemplo. Quando estes complexos se constelam, fazem-se invariavelmente pelo afeto, sendo relativamente autônomos.
Intuição - é a função irracional, cuja apreensão vem do inconsciente. A intuição pode receber informações de dentro (ex. um vislumbre de insight de origem desconhecida) ou ser estimulada pelo que ocorre a outrem.
Sensação - é função psicológica que percebe a realidade imediata por meio dos sentidos físicos. É uma função irracional, percebendo os fatos concretos sem fazer julgamento sobre o que significam e sobre o seu valor.
Os relacionamentos entre essas funções são complexos, mas existem duas espécies de interação, a que ocorre mecanicamente e as que são influenciadas, governadas e dirigidas pela vontade. Isso leva a considerar a diferença entre o que se pode chamar de inconsciente "plástico" (suscetível a influências, como um amontoado de filmes virgens) Inconsciente "estruturado" ou "condicionado" (reflexões, complexos e conflitos, pode ser representado como um filme já exposto). As novas impressões não permanecem em condição estática. Elas agem em nós, são forças vivas que estimulam e evocam outras, de acordo com as leis psicológicas.
O inconsciente absorve continuamente impressões do ambiente psicológico. Assimila, respira substâncias psicológicas cuja natureza determina se seus efeitos serão benéficos ou prejudiciais. As várias funções psicológicas interagem e interpenetram-se, mas a vontade está em condições de dirigir esta interação, esta interpenetração. A posição central da vontade proporciona-lhe supremacia por meio do seu poder regulamentador, mas esse poder, por sua vez, é governado por leis psicológicas. Ignorar essas leis significa esperdiçar ou arriscar-se a empregar mal o poder inerente da vontade, por sua posição central.
Segundo Assagioli existem algumas leis sobre o funcionamento da Vontade:
Mesmo quando a vontade é dotada de força e habilidade nem sempre é satisfatória, podendo se tornar uma arma nociva se dirigida a fins maldosos. A boa vontade, portanto, além de desejável, é fundamentalmente inevitável. Aprender a escolher o objetivo certo é aspecto essencial do treinamento da vontade. É necessário, para o bem estar geral e individual, que a vontade seja boa, ao mesmo tempo, que forte e hábil.
Nesta etapa do desenvolvimento da vontade, o que se leva em conta são as interações do homem: com a família, com os companheiros de trabalho e com a sociedade em geral. Seus relacionamentos são muitos e diversos. É um grande esforço de vontade substituir competição por cooperação; conflito por arbitragem e acordo. O êxito destas tentativas depende da harmonização gradual das vontades envolvidas em que os diferentes objetivos individuais podem ajustar-se ao círculo de uma solidariedade humana mais ampla. Existem dois métodos para realizar esta tarefa:
O perigo da vontade desenfreada é a carência de coração, podendo ser fria, severa e mesmo cruel. Mas, por outro lado, o amor destituído de vontade pode tornar a pessoa débil, sentimental, excessivamente emocional, além de ineficaz. Uma das principais causas das desordens dos dias atuais é a falta de amor por parte dos que têm vontade e falta de vontade por parte dos que são bons e carinhosos. Mas o desequilíbrio entre amor e vontade, pode acentuar-se ainda mais pelas diferenças de qualidade, natureza e direção existente entre estes dois sentimentos. O amor sendo atrativo, magnético e extrovertido tende a ligar e unir. A vontade, por outro lado, sendo dinâmica, tende a ser afirmativa, separativa, dominadora, bem como estabelecer relacionamentos de dependências.
Normalmente, o amor é considerado como algo espontâneo e independente da vontade, algo que na realidade, "acontece" até mesmo contra a vontade individual. Por mais verdadeiro que isto seja no início de um relacionamento afetivo, cultivar um amor humano, gratificante, duradouro e criativo é uma verdadeira arte. O amor não é simplesmente uma questão de sentimento, uma condição ou disposição afetiva. O amar bem exige tudo o que é necessário para a prática de qualquer arte, ou mesmo de uma atividade humana, isto é, uma adequada medida de disciplina, paciência e persistência. Todas estas qualidades pertencem à vontade.
Os três aspectos da vontade aqui mencionados constituem as características da vontade para o ser humano "normal" e são suficientes para a sua auto-realização e para levar uma vida intensa e útil. Isso, aliás, representa o objetivo da psicossíntese pessoal e interpessoal. Mas existe outra dimensão. Embora muitos não tenham consciência dela e cheguem a negar-lhe a existência - existe outra espécie de percepção, cuja realidade foi testemunhada pela experiência direta de grande número de indivíduos, no decorrer da História. A dimensão em que funciona essa consciência pode ser chamada "vertical". No passado, era geralmente considerada como pertencendo ao domínio da experiência religiosa ou "espiritual", mas hoje vai ganhando cada vez maior reconhecimento, como campo válido de investigação científica.
Este é o domínio ou dimensão da vontade transpessoal que é a vontade do Self transpessoal. É igualmente o campo de relacionamento interno de cada indivíduo, entre a vontade do Self pessoal e a vontade do Self Transpessoal. Este relacionamento conduz à maior interação entre eles e, eventualmente, à fusão do pessoal com o transpessoal e desta ao relacionamento com a realidade última, o Self Universal, que se incorpora e demonstra a Vontade Universal e Transcendente. O anseio pelo transcendente, muitas vezes se manifesta como um "vazio existencial", que não é nenhuma neurose.
As aspirações e a vontade do eu pessoal, bem como a atração do Self Transpessoal, no sentido de transcender as limitações da consciência "normal" e da vida, não se manifestam apenas na busca e na vontade de encontrar significado e iluminação. Existem outros tipos de transcendência que são experimentados pelos tipos de ser humano que lhe corresponde: Transcendência através do amor transpessoal - Transcendência através da ação transpessoal - Transcendência através da beleza e Transcendência através da realização do SELF. Esses modos de transcendência podem ser expressos também em termos de vontade, de vontade fundamental de transcender as limitações da personalidade por meio da união com alguém ou algo maior e mais elevado. Mais exatamente: em todos esses modos encontramos a união do amor e a vontade.
Assagioli (1927) se refere às qualidades como a expressão da vontade. Ao estudar as características apresentadas pelos que "querem", pode-se encontrar um grande número de qualidades, que existem também, em certa medida, em cada ser humano e que se necessário, podem ser despertadas e passar da latência à manifestação. As qualidades da vontade são: energia - força dinâmica - intensidade; comando - controle - disciplina; concentração - direcionalidade - atenção - foco; determinação segura - decisão - resolução - prontidão; persistência - resistência - paciência; iniciativa - coragem - arrojo; organização - integração - síntese.
Esta qualidade é a mais forte característica natural da "força de vontade". Quando a vontade é utilizada de forma tirânica, opressiva e proibitiva, pode ter efeitos desastrosos tanto ao sujeito, quanto a suas metas. O mau uso dela produz violenta reação, que leva a um outro extremo, isto é, a tendência à recusa de qualquer espécie de controle ou disciplina de impulsos, exigências, desejos, caprichos, levando a um culto da "espontaneidade" desenfreada. Uma adequada compreensão da vontade incluiria, portanto, uma apreciação clara e equilibrada de sua natureza dupla: existem dois pólos diferentes, mas não contraditórios. De um lado, o "elemento poder", que deve ser reconhecido, avaliado e, se necessário, reforçado e depois sabiamente aplicado. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que existem atos volitivos que não exigem obrigatoriamente esforço.
Esta qualidade da vontade está intimamente ligada à primeira, porque comando e controle exigem energia e esforço e porque um dos principais usos da energia da vontade é exercer controle sobre outras funções psicológicas. Controle não significa repressão ou supressão. A repressão implica numa condenação inconsciente ou em medo (ou em ambos) e o esforço consequente de impedir o afloramento do material reprimido do inconsciente para a consciência. Supressão é a consciente e violenta eliminação do material percebido indesejável, impedindo assim a sua expressão. O controle correto, no entanto, significa a regulamentação da expressão visando a uma utilização dirigida e construtiva das energias biológicas e psicológicas. Na prática, portanto, o controle sensato é quase sempre o oposto absoluto da repressão e da supressão.
É um erro pensar que toda espontaneidade e expressividade são sempre boas e que um controle é sempre mau e indesejável. Há diversos significados para o autocontrole, ou inibição, e alguns deles são absolutamente desejáveis e saudáveis. Controle não precisa significar frustração ou renúncia a uma necessidade ou gratificação básica. O resultado de todo esse controle, disciplina e treinamento é a conquista do comando, que significa o máximo de eficiência e o mais intenso e duradouro senso de segurança, satisfação e alegria (MASLOW [8], 1970, pág. 76).
A concentração é uma qualidade da vontade, cuja falta pode tornar ineficaz uma vontade forte; ao passo que a sua aplicação pode compensar uma "relativa debilidade de voltagem" ou poder da vontade. Esta qualidade atua exatamente como uma lente que enfeixa os raios de sol, concentrando-os ou intensificando o seu calor.
A concentração é consequência da atenção, que pode ser "involuntária", no sentido de produzir-se às vezes por uma necessidade ou interesse prevalecente. Mas se o objeto da atenção não é atraente ou "interessante" por si mesmo, a atenção precisa de uma concentração firme e intencional, além de um esforço persistente.
A atenção concentrada pode ser exercitada em três campos ou esferas de realidade. Pode ser dirigida para fora, como quando se observa um objeto, ao estudar um assunto ou realizar uma ação. Pode também ser dirigida para dentro, quando se utiliza para adquirir consciência e analisar estados psicológicos subjetivos: os pensamentos, fantasias ou impulsos. E, por fim, pode ser dirigida para o alto, quando o centro da consciência, o "Eu" dirige sua contemplação interior para os processos mais elevados e supra-conscientes do Self Transpessoal.
Essa última espécie de concentração é necessária para levar a efeito a atividade interior de meditação e para manter o estado de contemplação. Um costume importante e prático na efetivação de atos voluntários de concentração, combinados com controle, consiste em manter clara e constantemente no campo da consciência as imagens e idéias das ações que se quer realizar. As imagens ou quadros mentais tendem a produzir as condições físicas e os atos externos que lhes correspondem.
Esta qualidade da vontade é demonstrável principalmente no estágio de deliberação. A falta de decisão e resolução é uma das fraquezas, dos sistemas democráticos, os quais a deliberação tende a ser um processo sem fim. É preciso, porém, ter o cuidado de não confundir prontidão e rapidez com impulsividade. Esta não delibera coisa alguma, pula, por assim dizer o estágio da deliberação. Deliberar, portanto, é importante, mas sem muita demora, pois não decidir é também uma decisão e pode se revelar a pior delas.
Para tarefas de longo prazo são indispensáveis a persistência e um propósito inabalável, mais ainda do que a energia. Em situações de pouca energia, pode-se utilizar a técnica do "pouco e sempre". Isto é realizar o trabalho em suaves prestações, interrompendo-o com períodos curtos e frequentes de repouso, ao primeiro sinal de fadiga.
A persistência pode se apresentar como tenacidade, resistência ou paciência. Verificou-se que a recusa em aceitar sofrimentos pode, não raro, criar condições neuróticas, ao passo que a generosa aceitação de sofrimentos inevitáveis (resistência) leva ao discernimento, ao amadurecimento e ao progresso. A paciência é outra forma de persistência e faz parte de uma vontade plenamente desenvolvida.
São qualidades de raiz duplas. Uma delas é o reconhecimento de que a plena e duradoura segurança é fundamentalmente uma ilusão. Não existe segurança completa na vida, nem física, nem financeira e nem de qualquer outro tipo. Portanto, o anseio de segurança a qualquer preço, frustra-se a si próprio.
Outro incentivo à coragem é o realce e o estímulo proporcionado pelo perigo, o qual frequentemente traz consigo um sentimento de clareza e de vida intensa, capaz de criar verdadeira expansão da consciência e mesmo um estado de êxtase. O risco, é claro, não deve ser temerário e imprudente. Aqui existe o perigo do excesso e do risco desnecessário que não teria propósito, a não ser pela excitação emocional que proporciona. O risco aceito com coragem se justifica e só convém quando tem uma finalidade bem pensada e de alto valor - mas nunca como um fim em si mesmo.
Essas qualidades da vontade são, em certo sentido, as mais importantes, pois habilitam-na a preencher sua única função específica. Essa função e o seu modo de operar, podem ser esclarecidos por meio de uma analogia com o corpo em estado saudável. O corpo evidencia a cooperação inteligente de cada elemento, desde as células até os grandes sistemas funcionais, tais como o respiratório, o digestivo, e assim por diante. Existe uma interação complexa e um equilíbrio mútuo da atividade das glândulas endócrinas, reguladas pelo sistema nervoso, a fim de criar condições de equilíbrio mútuo e mantê-las, a despeito de todos os impactos perturbadores do mundo externo. O corpo é, portanto, um organismo unificado, uma unidade funcional de partes diversas incontáveis - é uma demonstração perfeita de unidade na diversidade.
Qual é o princípio unificador que torna isso possível? Sua natureza real escapa: só pode-se chamá-la de vida; mas algo pode-se dizer quanto às suas qualidades e modos de operar. Elas têm recebido vários nomes: coordenação, interação ou síntese orgânica. Esta qualidade da vontade opera de vários modos. Primeiro, como sinergia interior, coordenando as várias funções psicológicas: ela é a força unificadora que tende para a psicossíntese pessoal e nos habilita para a sua realização. Ela também age no nível transpessoal e funciona no sentido da unificação do centro pessoal da consciência ou do "eu", ou ego, com o Self Transpessoal, conduzindo à correspondente cooperação harmônica da vontade pessoal com a Vontade Transpessoal (psicossíntese transpessoal ou espiritual).
A operação das leis de cooperação e síntese é evidente, não só no reino intrapessoal como também o largo campo das relações interpessoais, desde o casal até os demais grupos sociais e, finalmente, a toda a humanidade. Suas expressões têm sido chamadas de vários modos: empatia, identificação, amor, vontade social. Ela tende a transcender a oposição entre o indivíduo e a sociedade e entre a polaridade egoísmo X abnegação. Quer o conceba como ser divino ou energia cósmica - o Espírito que labora sobre e no interior de toda a criação está lhe dando uma forma ordenada, harmonia e beleza, unindo todos os seres (alguns de boa vontade, mas a maioria cega e rebelde) uns aos outros por meio de laços de amor e - de forma lenta e silenciosa, mas forte e irresistível - dando realidade à Suprema Síntese.
Com o intuito de alcançar o mais alto grau da vontade em sua jornada para alcançar a própria Vontade Universal, para sua ascensão progressiva por meio da realização da força, da habilidade, da bondade e da universalidade, existem seis fases ou estágios. Eles são iguais aos elos de uma corrente e o desempenho de um ato de vontade será mais ou menos bem sucedido e eficaz segundo o êxito e eficácia de cada um dos estágios de sua execução.
Baseados na avaliação, motivação e intenção, a principal característica do ato da vontade é a existência de um propósito a ser alcançado. Mas enquanto essa visão permanecer no campo da imaginação não é ainda uma vontade em ação. O alvo deve primeiro ser avaliado e determinado, precisa, além disso, despertar motivações, que engendram impulso, a intenção de o atingir. A própria palavra "motivo" indica algo de ativo e dinâmico. Os motivos são despertados pelos valores emprestados às metas perseguidas.
Outro modo de indicar estes relacionamentos é o seguinte: os motivos e intenções são baseados em avaliações, as avaliações por sua vez, são dadas pelo alvo ou propósito atribuído à própria vida e por sua realização. Portanto, uma coisa que ajuda a colocar a vontade em funcionamento é ter uma concepção positiva do significado e propósito da própria vida, admitir antes de mais nada, que a vida tem um propósito e que este é significativo; depois que este propósito é positivo, construtivo, valioso - em uma palavra, que é bom.
Observa-se quase sempre que, ao lado dos motivos humanitários surgem outros, tais como a ambição, a vaidade, o desejo de ser louvado, a solicitação da aprovação alheia, a auto-afirmação entre outros. Não será, portanto, apropriado emitir julgamentos "bons" ou "maus", "elevados" ou "inferiores" em sentido absoluto. Tudo é relativo ao indivíduo, ao seu estágio de evolução, às circunstâncias ambientais, além de outros fatores. O que pode ser bom para um pode ser mau para outro.
Ao desejar levar a efeito o primeiro estágio do ato da vontade deve ter claramente seus objetivos e propósitos. Avaliará, depois de examinados, estes objetivos e, no processo de avaliação, examinará suas motivações, tentando tomar consciência das que permanecem inconscientes. Trata-se da verificação da vantagem do que é considerado como objetivo. Os motivos, depois de examinados, devem ser despertados e usados.
De outro modo, a escolha dos motivos e a análise do Self permaneceriam apenas acadêmicos. As energias psicológicas devem ser postas em movimento e utilizadas com a intenção clara de servir a um bem maior, devem ser passadas em revista e combinadas, a fim de que a vontade possa efetivamente prosseguir com a ação que levará do objetivo à realização. Sem o dinamismo das motivações, não importa quão claros e proveitosos sejam estes objetivos, pode carecer de ímpeto, e continuar a ser um sonhador, em vez de autor de um ato de vontade.
Como existem muitos objetivos possíveis, certamente não se pode atingir a todos ao mesmo tempo. Tem que ser feita, portanto, uma escolha, determinar qual entre as metas possíveis é a preferível. Essa determinação é função da Deliberação, na qual os diversos alvos, a possibilidade de realizar, a questão de saber se são aconselháveis e quais as consequências que deles adviriam, e todos os fatores relevantes precisam ser mantidos na lembrança e examinados.
Assim, os primeiros passos no processo de deliberação consistem em ver claramente, em propor plenamente o problema e em formular as alternativas que se defrontam, em considerar o caminho a trilhar e o resultado que advirá da opção de cada uma das alternativas. A seguir, vem a apreciação, a partir de um ponto de vista realista, da possibilidade de poder realizar o propósito, ou propósitos, e da ocasião apropriada para a ação. Neste estágio, deve-se estabelecer a sequência natural dos vários passos a serem adotados, e da ocasião em que devem passar do projeto inicial, por meio do programa, para a realização do objetivo.
A deliberação deve ser seguida da escolha de um objetivo determinado, e a decisão de abandonar os demais. É preciso considerar as consequências do ato proposto. Trata-se de um exercício de precisão, exige uma reflexão cuidadosa e discernimento psicológico, em especial quando há envolvimento de outras pessoas. Não tomando esses cuidados, as palavras e atos podem muito bem produzir efeitos muito diferentes do que inicialmente proposto.
O comando "Fiat" da vontade - a escolha ou decisão devem ser confirmados pela afirmação que ativa e estimula as energias dinâmicas e criativas que devem assegurar a consecução do objetivo. O que está implícito na afirmação da vontade é um senso ou estado de certeza. Ela tem dois aspectos: a fé e a convicção. A fé que leva a um estado de certeza requer, antes de tudo, a fé em si mesmo, isto é, no Self real, a essência do Ser. A convicção é, por natureza, mental: ela é alcançada tanto por via da razão como pela aceitação intelectual de uma intuição reconhecida como algo que está em harmonia com a verdade.
Na experiência viva, a fé e a convicção coexistem e mesclam-se em proporções variadas. De sua combinação resulta a certeza. Para ser efetiva, a afirmação tem que ser vigorosa, deve possuir forte potencial dinâmico ou intensidade. A afirmação pode ser considerada um comando, dado por uma autoridade. Tal autoridade pode provir de uma posição de responsabilidade ou de alguma função exterior no mundo, mas é essencial e especialmente uma qualidade interior, uma realidade interna, psicológica ou espiritual. Quem quer que a exerça sente, verdadeiramente, ou sabe que a possui, e também aqueles aos quais é dirigida o percebem imediatamente. Essa autoridade pode e deve ser exercida particularmente sobre as energias e funções psicológicas do interior de cada pessoa, energias e funções que devem ser utilizadas a fim de conseguir nosso propósito.
Após a afirmação, é preciso elaborar cuidadosamente um plano e um programa. Eles devem se basear na consideração e seleção dos vários meios e fases da execução do plano no tempo, segundo as circunstâncias, condições e possibilidades. Ao se considerar um programa é importante considerar a sua praticabilidade. Um erro frequente é conceber planos e programas cuja magnitude exige capacidades, circunstâncias e recursos situados muito além do alcance de quem os deseja realizar. A construção de planos grandiosos é muito agradável e até fascinante, como todos sabem por experiência. Ao compreender que um plano é ambicioso demais, é preciso estar disposto a reconhecer este fato, embora já se tenha dado início ao programa. É preciso estar preparados para ajustar as aspirações e programas ao que é racional e a aceitar alegremente as possibilidades reais. Isso leva a outra regra de planejamento: o estabelecimento sempre que possível, da cooperação adequada, evitando a duplicação das atividades e otimizando recursos. A quarta regra do planejamento consiste em reconhecer, distinguir e dar sequência adequada às várias fases, que são respectivamente, a formulação, a programação, a estruturação, a realização de projetos, o modelo ou projeto-piloto.
Esta é uma tarefa específica da vontade, cuja função própria não é levar a efeito a execução diretamente. A vontade pode e deve fazer um uso habilidoso das outras funções e energias corporais e psicológicas da personalidade, do pensamento e da imaginação, da percepção e da intuição, dos sentimentos e dos impulsos, bem como dos órgãos físicos da ação. Essa direção deve incluir uma constante supervisão da execução. A vontade, a princípio, convoca ou conclama as várias funções necessárias para a realização de seu propósito e lhes dá instruções, ordens e comandos definidos. Mas a vontade deve também supervisionar as atividades das várias funções, observar o desenvolvimento do programa e verificar se está seguindo a direção certa. Isso envolve uma firme subordinação dos vários meios para se alcançar o propósito subjacente e uma constante adaptação deles às mudanças de circunstâncias e condições.