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Neste capítulo retomo ao tema da boa consciência, como ela se expressa nos grandes conflitos e o seu lado aniquilador da vida, muitas vezes com consequências fatais para muitos indivíduos e grandes grupos, com os quais os indivíduos estão ligados.
A questão é: como surgem esses conflitos? O que lhes serve de justificativa? O que nos entrega a eles?
Por outro lado, nós nos perguntamos: como podemos conduzi-los de uma forma que sirvam ao progresso e à renovação, de uma forma que, no final, nos reúna ao invés de nos separar uns dos outros?
Podemos também nos fazer a pergunta: o que devemos considerar e o que podemos fazer para que, no seu final, vivenciemos a paz e estejamos mais enriquecidos, ao invés de mais empobrecidos e, ainda, ao invés de desumanos, humanos.
Neste capítulo me limito à visão geral: o que leva a esses conflitos e como os solucionamos?
Eu descrevi e mostrei em situações concretas, em vários livros e também em vídeos e DVDs, como cada um de nós pode se expor aos grandes conflitos, evitá-los e superá-los.
152 p., 2007, Editora Cultrix A paz começa na alma
As Constelações familiares a serviço da reconciliação
Familien-Stellen mit Opfern von Trauma, Schicksal und Schuld 255 Seiten, 186 Abb. 2000.
Nachkommen von Tãtern und Opfern stellen ihre Familie 370 Seiten, 260 Abb. 2. überarbeitete und erweiterte Auflage 2001.
Ihre Wurzeln und ihre Wirkung. 240 Seiten. 1. Auflage 2004.
Familien-Stellen mit Opfern von Trauma, Schicksal und Schuld
3 Videos, 6 Stunden, 30 Minuten
1 Video, 55 Minuten (vergriffen)
Lósungsperspektiven durch das Familien-Stellen bei ethnischen Konflikten
2 Videos, 4 Stunden, 30 Minuten
3 Videos, 2001, 9 Stunden, 30 Minuten
Wie Versõhnung gelingt o Athen
1 Video, 1 Stunde, 37 Minuten. Deutsch/Griechisch
Familien-Stellen in Istanbul, Video 2, Der Friede.
Was die Getrennten wieder vereint
1 Video, 2 Stunden, 41 Minuten. Deutsch/Türkisch
Das Überleben überleben o Nachkommen von Überlebenden des Holocaust stellen ihre Familie
1 Video, 2 Stunden, 30 Minuten
Die Toten • Was Táter und Opfer versõhnt
Ein weiteres Video zu diesem Thema dokumentiert einen dreitágigen Kurs in Israel im September 2002.
5 Videos, 10 Stunden, 50 Minuten
Familien-Stellen mit Opfern von Trauma, Schicksal und Schuld
Todo grande conflito pretende remover algo do caminho e, em última análise, destruí-lo. Por trás desses conflitos atua uma vontade de extermínio. De que forças ou medos ela se alimenta? Ela se nutre, principalmente, da vontade de sobreviver. Quando nossa vida é ameaçada, reagimos com a fuga para não sermos exterminados por um outro ou pela agressão, tentando liquidar o outro ou, pelo menos, colocá-lo em fuga. Tirar o adversário do caminho é o extremo da vontade de extermínio.
O que importa nisso não é apenas, via de regra, liquidar o outro, mas também incorporá-lo e apropriar-se do que ele possui. Isso também está a serviço da sobrevivência. Horrorizamo-nos com o canibalismo, contudo, apenas na aparência. Pois ainda existem situações em que os seres humanos asseguram sua sobrevivência à custa de outros seres. Muitas vezes, a assimilação do que foi exterminado por nós é inevitável para nossa sobrevivência. É verdade que nos alimentamos também dos frutos da natureza, mas isso também exige o sacrifício de outros seres, principalmente de animais.
Portanto, esses conflitos - principalmente os mortais - são desumanos? Em caso de extrema necessidade, não podemos evitá-los.
Uma vez que esses conflitos, embora assegurem a sobrevivência também a colocam em risco, desde o início os homens sempre lançaram mão de meios pacíficos para resolvê-los, por exemplo, através de acordos, fronteiras bem definidas, associação de grupos menores sob uma jurisdição comum e por meio de leis. A regulamentação jurídica mantém os conflitos mortais dentro de certos limites, principalmente porque o monopólio da força pelo governante impede a solução violenta de conflitos pelos indivíduos ou por grupos subordinados.
Essa ordem é exterior. Ela se baseia, por um lado, no consenso mas, por outro, também e principalmente, no medo da punição, que pode chegar à pena de morte ou de exclusão da comunidade. Essa ordem, que é imposta pela força, é simultaneamente conflito e luta. Mas esse conflito é administrado de modo a servir à sobrevivência do grupo e de seus membros individuais.
Assim, a ordem jurídica estabelece limites à vontade pessoal de extermínio e protege os indivíduos e os grupos contra as irrupções dessa vontade. Quando esses limites deixam de existir, como acontece na guerra, ou quando o poder da ordem desmorona, como nas revoluções, irrompe de novo a vontade original de extermínio, com suas terríveis consequências.
No interior dos grupos em que a ordem jurídica protege o indivíduo contra a vontade de extermínio de seus semelhantes e da sua própria, essa vontade se move, às vezes, para outras áreas. Por exemplo, manifesta-se em disputas políticas, mas também em muitas disputas científicas e ideológicas.
Que nessas áreas também atua frequentemente uma vontade de extermínio é o que vemos sempre que abandonamos a objetividade. Em vez de buscarmos juntos a melhor solução, pela observação e pela comprovação objetiva, procuramos difamar os representantes do partido ou da tendência contrária, muitas vezes com calúnias e ofensas. Tais agressões pouco diferem da vontade física de extermínio. Pelo seu sentimento e pela sua intenção, elas visam à destruição do outro, pelo menos moralmente, declarando-o um inimigo do grupo, com todas as inevitáveis consequências.
Pode o indivíduo proteger-se contra isso? Ele está entregue ao conflito, mesmo que não intervenha nele. Contudo, existe o perigo de que, ao reagir a tais agressões, ele também sinta igual vontade de extermínio e dificilmente consiga resguardar-se dela.
Essas disputas tiram sua energia, não apenas da vontade de extermínio mas também de uma necessidade, comum a todos os seres humanos de equilíbrio entre o dar e o tomar, entre ganhos e perdas. Nós a conhecemos também como necessidade de justiça. Só teremos paz quando alcançarmos esse equilíbrio, por isso a justiça é para nós um bem altamente valioso.
Mas isso acontece em todos os casos ou apenas em determinado contexto, quando se trata da compensação de um bem? Pois a necessidade de justiça tem consequências totalmente diversas, quando se trata de perdas e danos.
Esclareço com um exemplo. Quando alguém nos faz algum mal, planejamos vingança. Isto é, para compensar queremos causar um mal também a essa pessoa. Por um lado, pela necessidade de compensação - aqui seria pela necessidade de justiça. Por outro lado, porém, também nos impele a vontade de sobrevivência e extermínio. Queremos impedir que o outro nos torne a ferir e causar danos. Por isso, ao nos vingarmos, ultrapassamos a necessidade de compensação e justiça e causamos mais sofrimento e dano ao outro do que ele nos causou. Mas ele também quer vingança e assim o conflito entre nós nunca tem fim.
A justiça torna-se aqui um pretexto para a vingança. Em nome da justiça, faz-se valer novamente a vontade de extermínio.
Ainda uma outra coisa estimula o conflito: é algo que julgamos bom e que, não obstante, produz o mal. É a boa consciência. Tal como a justiça, também a boa consciência é atrelada, como um cavalo, ao coche da vontade de extermínio, pois sempre que alguém se julga melhor do que outros, achando-se no direito de fazer-lhes mal, age sob a influência de sua consciência, com boa consciência. Essa consciência é realmente sua? Ela é a consciência da família e do grupo que assegura a sobrevivência do indivíduo. É a consciência de um grupo que defende a própria sobrevivência, no conflito com outros grupos, por meio de uma vontade de extermínio. Essa consciência, que é considerada por muitos como algo sagrado, santifica os ataques a pessoas que pensam ou agem de modo diferente e mesmo o extermínio delas. Daí nascem as "guerras santas", tanto nos campos de batalha quanto no interior dos grupos, onde os que pensam e agem de maneira diferente são vistos como um perigo para a união desses grupos. Como numa guerra, também aqui todos os meios para tal fim são justificados e santificados pela boa consciência. Por isso, todo apelo à consciência ou à honestidade de tais agressores é inútil e esvazia-se; não porque sejam maus, mas porque têm uma boa consciência e julgam combater por uma boa causa.
Por outro lado, quem apela para a consciência deles o faz sob a influência de uma outra consciência, de sua própria boa consciência, e corre o risco de recorrer, com o seu incentivo, aos mesmos recursos dos agressores. Por isso são vãs as tentativas de resolver os grandes conflitos, apelando à justiça e à boa consciência.
Tudo o que abala as tradições é sentido como ameaça, tanto pela consciência individual quanto pela consciência do grupo, se é que podemos diferenciar as duas pois, afinal de contas, toda consciência é a consciência de um grupo. O que é novo ameaça a coesão desse grupo e, consequentemente a sua sobrevivência em sua forma atual, pois quando um grupo abre espaço ao novo, precisa reorganizar-se para não se dissolver.
Por esse motivo, muitas ideologias políticas desmoronaram depois de algum tempo, por não poder resistir duradouramente à percepção da realidade, a exemplo do comunismo. Isso, porém, só ocorreu depois que muitos que apontaram para o caráter ilusório dessas ideologias foram executados em nome da sobrevivência desses grupos ou condenados à morte de outras maneiras, por exemplo, por fomes decorrentes da aplicação dessas ideologias.
Somente quando os grupos que apoiam as novas compreensões ficam suficientemente fortes para proteger seus integrantes contra a vontade de extermínio dos velhos grupos é que seus adeptos se sentem seguros da própria vida. Quem se aventura cedo demais está ameaçado. O exemplo de muitos hereges e outros dissidentes nos serve de advertência.
Entretanto, os que crucificaram hereges ou os queimaram em praça pública eram maus por causa disso? Eles lutavam pela sobrevivência do grupo; portanto, pela sua própria. Sua vontade de extermínio estava a serviço dessa sobrevivência e agiam com boa consciência.
Quando alguém, sob a influência de sua boa consciência, rejeita alguém - não importam os motivos uma outra instância anímica força-o a dar ao rejeitado um lugar na sua alma. Isso se mostra na medida em que passa a sentir em si algo que rejeitou no outro - por exemplo, sua agressão. Porém, o alvo dessa agressão muda, ela não se volta contra o agressor que ele rejeitou mas contra outras pessoas que associa ao agressor, sem que o sejam. Com isso, fica-lhe oculto que se trata apenas de uma transferência, entretanto o impulso é o mesmo.
Contudo, de uma maneira estranha e compensadora, uma instância interior oculta leva essa boa consciência a ferir-se com a própria arma e fracassar.
Nesse contexto existe ainda uma transferência. Em seu estudo sobre as projeções, Freud fala também de um outro tipo de transferência, pela qual combatemos numa outra pessoa aquilo que rejeitamos e negamos em nós mesmos.
Outro modo de transferência se mostra quando os filhos incorporam em seu comportamento algo rejeitado por seus pais. É o que se percebe, muitas vezes, nos radicais da direita. Muitas vezes, através de seu radicalismo, prestam uma homenagem ao pai rejeitado ou desprezado pela mãe. Vemos isso também em muitos que combatem os radicais de direita. Eles o fazem com a mesma agressão e os mesmos meios, todos porém igualmente com boa consciência.
A imagem de campo nos permite entender melhor esses contextos. Rupert Sheldrake fala de um campo espiritual ou de um espírito ampliado, que chamou de extended mind. Ele observou que existe uma comunicação entre seres vivos que somente podemos entender quando admitimos a presença de um campo espiritual, em cujos limites esses seres se mantêm e se movem. Como poderia explicar-se, de outra maneira, que um animal encontra exatamente a planta de que precisa para aliviar um sintoma físico ou que um cão sabe quando seu dono está voltando para casa? Somente a admissão desse campo comum permite compreender também os fenômenos manifestados nas Constelações familiares: por exemplo, que os representantes de algum membro da família, quando colocados uns em relação aos outros, de repente passam a sentir-se como aquela pessoa que representam, embora nada saibam a seu respeito.
Neste campo todos estão em ressonância entre si. Ninguém e nada pode escapar-lhe. Até mesmo o passado e os mortos continuam nele, presentes e atuantes. Por isso, todas as tentativas de excluir uma pessoa ou de livrar-se dela são fadadas ao fracasso. Pelo contrário, o que foi excluído, desprezado ou exterminado ganha mais poder nesse campo com as tentativas de eliminá-lo. Quanto mais se tenta eliminá-lo, tanto mais fortemente ele atua. O campo fica perturbado e em desordem até que também o reprimido seja reconhecido e receba o lugar que lhe cabe.
Podemos entender melhor os modos de atuação da consciência levando em consideração a associação com os campos espirituais. Então fica evidente que nos movemos em diferentes campos e, por essa razão, também temos diferentes consciências. As reações da consciência nos mostram como atua um determinado campo, quem é incluído por ele, quem e o quê dele é excluído ou reprimido.
Assim, a influência da boa consciência polariza o campo. Isto significa, que apenas uma parte do campo - aplicada às relações humanas - apenas uma parte das pessoas que o integram, são reconhecidas como pertencentes. Na linguagem da consciência, os que são admitidos são os bons. Mas "bom" no sentido da consciência, é apenas quem rejeita e exclui o diferente. Entretanto, o que foi reprimido ou excluído não pode ser expulso do campo; pelo contrário, reforça-se nele. Por consequência, o que foi reprimido coloca sob uma pressão crescente os pretensos "bons". Isso se mostra porque estão constantemente se defendendo contra o pretenso mau em sua alma e em seu entorno. Nessa luta contra a sombra de sua luz eles se consomem, até que se esgote sua força e eles cedam lugar ao "mau" ou sucumbam a ele. Entretanto, sem respeitá-lo, sentindo-se derrotados e com má consciência.
Qual é, portanto, o grande conflito? É o conflito entre a boa e a má consciência. Daí nascem os conflitos mais implacáveis entre os grupos e dentro da própria alma.
Sob a influência da boa consciência e da irresistível necessidade de pertencer, nasce um movimento dotado de um zelo cego. Ele desperta, por um lado, um sentimento exaltado de inocência, boa consciência e vinculação ao próprio grupo e volta-se cegamente contra outros. Esse movimento leva a uma disposição de morrer, associada a uma vontade de extermínio contra outros, sem que outros entrem no campo de visão como seres humanos. Eles são sacrificados anonimamente ao paroxismo dessa exaltação, como alimento para um ídolo cego, e são assassinados em sua homenagem. Por isso, o grande e, ao mesmo tempo, insensato conflito retira a sua força de tal delírio.
Nesse delírio, naturalmente existem graus, mas o movimento básico é o mesmo. Nele a individualidade se dissolve na coletividade anônima, e a boa consciência induz a um sentimento de superioridade em relação a outros grupos. Este é o movimento que conduz à exaltação, onde a verdade é diminuída ou mesmo abolida, assumindo traços delirantes.
Quem se retira da multidão dos exaltados e volta à razão não colabora mais com o grande conflito, já não se deixa seduzir por ele, mas corre o perigo de voltar contra si os exaltados, como se fosse um traidor, tornando-se vítima do conflito. E por que razão? Porque já não tem a boa consciência dos demais.
Os grandes conflitos começam na alma, sob a influência da boa consciência. A eles são sacrificadas, muitas vezes, a própria vida e a de muitos outros. Dessa forma, os grandes conflitos se tornam algo sagrado para a alma, sim, algo divino, ao qual, de bom grado, oferecem-se os maiores e mais extremos sacrifícios - mas apenas ao próprio deus particular. Por isso, os grandes conflitos estão a serviço desse deus. São iniciados e recompensados por ele. Como? Sobretudo depois da morte, pois a vida das vítimas é o alimento que lhe é constantemente oferecido. Ela glorifica esse deus no grupo e assegura a sua dominação sobre ele.
Existe alguma saída para nós? Vou procurá-la no próximo capítulo.
Além dos conflitos que nascem, em grande número, da boa consciência e da vontade de sobrevivência, existe também entre os seres humanos um movimento para aproximar-se dos semelhantes, um anseio de ligação com eles, a curiosidade e o desejo de melhor conhecimento mútuo.
Este movimento começa com o amor entre o homem e a mulher, quando provêm de famílias diferentes. Por intermédio do novo casal, essas famílias se aproximam e formam um clã, em cujas fronteiras reina a paz.
Outro caminho que leva diferentes famílias e grupos a se aproximarem, superando o temor recíproco, é o intercâmbio entre o dar e o tomar. Ele traz vantagens a ambos os lados, unindo-os mais intimamente entre si. Às vezes esses grupos também se associam contra a ameaça de outros grupos, procurando assegurar juntos suas chances de sobrevivência.
Quando necessitam de aliados num conflito, eles se associam contra um inimigo externo comum, intensificando assim o seu intercâmbio e a coesão mútua. Dessa maneira, a ameaça proveniente de um inimigo externo contribui para a paz interior.
Paralelamente, esse grupo desenvolve uma consciência comum, sob cuja influência seus membros se distinguem daqueles que estão fora deste grupo. Essa consciência faz com que se sintam melhores do que os outros e os depreciem. Tudo o que está a serviço do próprio grupo e é exigido como condição para fazer parte dele é recompensado pela consciência com o sentimento de ser bom e de ser melhor.
Nesse contexto, todas as ações empreendidas contra outros para reforçar a distinção e a proteção contra eles, inclusive os sentimentos agressivos que aumentam a disposição para a luta e o conflito, são aprovados e recompensados pela consciência. A paz no interior do grupo e a boa consciência que a garante são condições para o bom êxito na condução dos conflitos contra o exterior.
Como se alcança, então, a paz entre grupos em conflito? Geralmente, apenas quando ambos os lados já não suportam, quando esgotaram suas forças, com a condição de serem equiparados e perceberem que a continuação do conflito só lhes traz perdas. Então fazem a paz. Traçam novas fronteiras, respeitam-nas de comum acordo. Depois de algum tempo, recomeçam o intercâmbio do dar e do tomar ou, até mesmo, associam-se, para constituir um todo maior.
O que acontece, porém, quando um grupo vence e subjuga outro que antes talvez tentara exterminar? Depois da vitória, o grupo vencedor perde sua coesão interna e o grupo dominado volta a afirmar-se. Com o triunfo, começam, portanto, a dissolução do grupo vencedor e o seu declínio.
Descrevi isso, até aqui, numa perspectiva mais ampla e em traços essenciais. Como em outras coisas da vida, essa generalização não faz justiça à multiplicidade da realidade concreta. Também não se trata disso. Vistas do exterior, a guerra e a paz, em sua alternância e em sua dependência recíproca, aparecem como um destino inevitável. E continuarão a sê-lo, enquanto as conexões mais profundas entre a guerra e a paz em nossa alma permanecerem inconscientes e, portanto, indisponíveis para compreensões essenciais.
Uma dessas compreensões é que todo grande conflito termina em fracasso. Por que forçosamente fracassa? Porque nega o que é evidente e porque projeta no exterior o que só pode ser resolvido na própria alma.
Com isso não quero dizer que todos os conflitos podem ser resolvidos dessa maneira ou que podemos viver sem eles. Os conflitos são parte integrante da evolução dos indivíduos e dos grupos. Entretanto, por meio das compreensões essenciais, eles podem ser resolvidos de outra maneira, com mais cuidado e com o reconhecimento das diferentes necessidades e dos limites impostos às soluções adotadas em comum. Em última instância, toda paz é alcançada através de alguma renúncia.
O indivíduo sente permanentemente em si o conflito entre diferentes emoções, necessidades e instintos. Embora importantes, eles só podem impor-se e alcançar suas metas à medida que se respeitarem e se compatibilizarem entre si. Nesse processo eles ganham algo, mas também precisam renunciar a algo, pelo bem do todo maior. Quando eles estão balanceados entre si, sentimo-nos bons e em paz. Mas enquanto estiverem em conflito, permanecendo indefinidos seus limites e suas possibilidades, sentimo-nos mal e, eventualmente, nervosos, estressados e doentes.
A questão é: trata-se aqui de um conflito interno ou a internalização de um conflito externo? Trata-se da projeção externa de um conflito interno. Para esclarecer essa interação entre o exterior e o interior, retorno à imagem dos campos espirituais.
A paz num campo espiritual pressupõe que todos os que o integram sejam igualmente reconhecidos como tais. Isto só acontece quando os denominados bons compreenderam o lado mau e perigoso de sua boa consciência. Só então podem ultrapassar os limites da boa consciência, mesmo que seja com um sentimento de culpa e de má consciência. Só então podem conceder ao que rejeitaram, de modo especial às pessoas rejeitadas, um lugar com os mesmos direitos nesse campo.
No interior de um campo é limitada a visão de seus integrantes, e os padrões se repetem, inclusive os padrões humanos de comportamento. Isso acontece, sobretudo, porque os rejeitados também rejeitam, com boa consciência, aqueles que os rejeitaram. O conflito entre os dois lados reduz-se a um conflito entre duas boas consciências que se opõem. Ambos os lados são limitados, e cada um deles imagina que vencerá o outro e se livrará dele. Por isso a roda do conflito gira de uma maneira em que, alternadamente, os "bons" são vistos como "maus" e vice-versa.
Rupert Sheldrake observou que um campo só pode mudar se é colocado em movimento por um novo impulso externo. Este impulso é algo espiritual, isto é, provém de uma nova compreensão. Inicialmente o campo se defende contra ela e procura reprimi-la. Mas quando ela se apossa de um número suficiente de seus integrantes, o campo põe-se em movimento como um todo. Então, pode abrir-se às novas compreensões, deixar para trás algo superado e mudar seu comportamento.
Uma nova compreensão seria, por exemplo, a percepção de que os grandes conflitos têm suas raízes na boa consciência e tiram dela suas energias agressivas.
Outra compreensão nova resultou da evolução do trabalho com as Constelações familiares e seu desenvolvimento, o acompanhamento dos movimentos da alma. Verificou-se que, quando damos aos representantes, numa constelação familiar, tempo suficiente para se centrarem e não interferimos, de repente eles são tomados por um movimento que se desenvolve sempre na mesma direção, no sentido de conectar, num nível superior, o que até então estava separado. Com isso, esses movimentos da alma nos proporcionam um caminho de conhecimento em cujo termo os grandes conflitos perdem a sua fascinação e o seu sentido. Pois esses movimentos ultrapassam os limites da boa consciência e, consequentemente, os limites do próprio grupo. Eles juntam numa unidade maior os lados até então separados, e isso os enriquece e faz progredir.
No nível dos movimentos da alma atua uma outra consciência. À semelhança de nossa consciência habitual, que percebemos em termos de culpa e inocência, essa outra consciência que nos faz transpor os limites de nosso grupo e sintonizar com algo maior, congregando numa unidade e num patamar superior os lados opostos, também se deixa perceber por meio do sentimento. Isso só ocorre, porém, quando já progredimos um pouco no caminho que vai além de nossa consciência habitual. Essa outra consciência se torna perceptível por meio da paz ou da intranquilidade; da serenidade centrada ou de um sentimento de desorientação, precipitação e recusa de saber. De resto, quando perdemos o centramento interior recaímos no domínio da boa e da má consciência. Estar em sintonia significa estar harmonizado com muitos, com todos, em definitivo, e não ser inimigo de ninguém. Na esfera da boa consciência, pelo contrário, uno-me a um dos lados e estou em conflito com o outro, até a vontade de extermínio.
Ingressar na esfera dessa outra consciência significa, portanto, abandonar as imagens de inimizade. Nesse nível continua havendo conflitos - eles são inerentes ao crescimento e ao desenvolvimento, - mas sem imagens de inimizade e sem a vontade de extermínio e, sobretudo, sem exaltação e sem zelo.
Onde começa, portanto, a grande paz? Ela começa onde termina a vontade de extermínio, seja como for que o justifiquemos, e onde o indivíduo reconhece que não existem seres humanos melhores e piores. Todos estão emaranhados de seu modo particular, nem mais nem menos do que nós. Neste sentido, somos todos iguais.
Quando sabemos e reconhecemos isso, quando sabemos que nossa consciência tolhe a nossa liberdade, podemos nos aproximar uns dos outros sem arrogância. Respeitando os limites que nos são impostos, podemos olhar mais longe e ultrapassar nossa boa consciência anterior, para nos encontrarmos mutuamente em algo maior. Aí começa a grande paz.
O caminho para essa paz é preparado por um outro amor, que leva a transpor os limites da boa consciência. Jesus descreveu esse caminho quando disse: "Sede compassivos como meu Pai no céu, que faz brilhar o sol sobre bons e maus e faz chover sobre justos e injustos."
Esse amor por todos, tais como são, é o outro amor, o grande amor que está além do bem e do mal, além dos grandes conflitos.
Há alguns anos atrás viajei de trem com o meu amigo Zenon, de Breslau a Krakau, na Polônia. Eu lhe pedira: "Conte-me algo sobre Krakau." Ele disse: "Lá existiu uma grande comunidade judaica. Aproximadamente um terço da população era judia. Nas proximidades também estava o grande distrito da Galícia que era habitado principalmente por judeus. Contudo, todos foram embora."
Então imaginei essa cidade de Krakau. Eu vi, em uma imagem interna: ao redor de toda a cidade estão muitas pessoas que querem entrar, mas não podem.
Dei um curso em Krakau. Na manhã depois do curso, disse: "Gostaria muito de ir até o bairro judeu." Então fomos juntos. Lá, tudo ainda estava intacto. Ainda existia a sinagoga, muitas inscrições hebraicas sobre as lojas, mas não havia mais nenhum judeu. Olhei através das janelas e vi muitos rostos. Os seus olhos estavam cheios de lágrimas.
Na mesma noite dei uma palestra em Kattowitz. Estavam presentes mais de 100 pessoas. Contei isso a eles e disse: "A minha imagem é que os judeus estão faltando na alma dos poloneses. Isto é sentido na alma. Essa alma somente vai se curar, quando esses judeus - todos eles também eram poloneses - receberem um lugar na alma da atual Polônia."
Ao mesmo tempo viajamos também através da Silésia. Senti exatamente como os silesianos estão faltando. Eles faltam aos poloneses. Não que agora precisem ou devam regressar, mas precisam receber um lugar na alma dos poloneses. Dessa forma a alma deles estará completa.
Eu ouvi que lá existem determinados conflitos entre os descendentes dos silesianos e dos poloneses, mas talvez o que disse agora seja um passo importante para a solução.
Na verdade, trabalhei muito com tais situações onde existiam conflitos entre povos e conflitos entre grandes grupos. Sobretudo, é claro, entre judeus e alemães, mas também entre alemães e russos e, na Palestina, entre israelitas e palestinos. Também trabalhei em outros países nesse sentido, por exemplo, no ano passado, na Nicarágua. Depois da guerra civil eles têm necessidade de uma solução, de um recomeço.
Vou contar o exemplo da Nicarágua. Lá existiu o ditador Somoza, que dominou de forma cruel. Então um se levantou contra ele, o seu nome era Sandino. Ele foi assassinado por Somoza. Após isso formou-se o movimento dos sandinistas. Eles se rebelaram contra Somoza e ganharam. Entretanto, eram tão cruéis quanto o Somoza. Ele foi assassinado no exílio.
Então coloquei um representante para Somoza e um representante para Sandino. Ambos os representantes não eram da Nicarágua, eram da Espanha. Desta forma, às vezes, pode ocorrer de maneira mais leve porque não estão comprometidos. Eles se dirigiram um até o outro lentamente, de punhos erguidos. Então coloquei entre eles representantes para os mortos, isto é, para os mortos de ambos os lados. Somoza e Sandino deixaram cair as suas mãos e olharam juntos para os mortos. Depois coloquei uma representante para Nicarágua. Ela gritou de dor e se deitou junto aos mortos. Então o representante de Somoza se ajoelhou, dirigiu-se, ajoelhado para o outro lado e deitou-se ao lado deles. O representante de Sandino também se ajoelhou, foi deslizando ao redor dos mortos e se deitou ao lado de Somoza. Era como se os dois quisessem descansar no mesmo túmulo junto com os mortos.
Depois disso, coloquei representantes para os descendentes e para os partidários de Somoza e representantes para os descendentes e partidários de Sandino. Eles se dirigiram uns aos outros e alcançaram as suas mãos. Então deixei que a representante da Nicarágua se levantasse e a coloquei no meio deles. Aqui a Nicarágua respirou aliviada.
Portanto, o que precede à reconciliação? Todos olham para os mortos de ambos os lados e fazem o luto conjunto: sem censuras, somente o luto. Isto tem um efeito que cura.
O que o efeito que cura tem? Finalmente pode ficar no passado. Essa é a solução. Aqui ninguém mais está excluído. Não existem mais os maus e nem agressores e vítimas - todos são apenas seres humanos, todos iguais. Depois todos têm um futuro conjunto.