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Capítulo 9
Conselho aos Chefes de Família


O Evangelho de Sri Ramakrishna
Por M. (Mahendranath Gupta)
(Um discípulo direto de Sri Ramakrishna)

Introdução Biográfica e Tradução para o Inglês
De Swami Nikhilananda

Conselho aos Chefes de Família

13 de agosto de 1882

     O MESTRE ESTAVA CONVERSANDO com Kedar e outros devotos em seu aposento. Kedar era um funcionário do Governo e havia passado muitos anos em Dacca, Bengala oriental, onde tornou-se amigo de Vijay Goswami. Os dois passavam grande parte do tempo juntos, falando sobre Sri Ramakrishna e suas experiências espirituais. Kedar já fora membro do Brahmo Samaj. Seguia o caminho de Bhakti. Conversar sobre assuntos espirituais sempre lhe trazia lágrimas aos olhos.

     Eram cinco horas da tarde, Kedar estava muito feliz naquele dia, tendo organizado um festival religioso para Sri Ramakrishna. Um cantor foi contratado por Ram e o dia inteiro foi passado com muita alegria.

     O Mestre explicou aos devotos o segredo da comunhão com Deus.

     Mestre: "Com a realização de Satchidananda entra-se em samadhi. Então os deveres caem. Suponhamos que eu esteja falando sobre o ostad e ele apareça. Qual a necessidade de se continuar a falar dele? Por quanto tempo a abelha zumbe? Até que pose numa flor. Não é para um sadhaka, renunciar aos deveres. Deve cumprir seus deveres tais como adoração, japa, meditação, oração e peregrinação."

     "Quando virem uma pessoa ainda empenhada em raciocinar, mesmo depois de realizar Deus, podem compará-la a uma abelha que zumbe um pouco, após ter sugado o mel de uma flor."

     O Mestre estava gostando muito da música do ostad. Disse-lhe: "Há uma manifestação especial do poder de Deus, num homem que possui certos dotes especiais, como habilidade em música."

     Músico: "Qual o caminho para se realizar Deus?"

     Mestre: "Bhakti é essencial. Certamente Deus existe em todas as criaturas. Quem então é um devoto? Aquele cuja mente mora em Deus. Isso, entretanto, não é possível enquanto houver egoísmo e vaidade. A água da graça de Deus não pode permanecer no alto do morro do egoísmo. Sou uma simples máquina."

     (A Kedar e outros devotos): "Deus pode ser realizado por todos os caminhos. Todas as religiões são verdadeiras. A coisa mais importante é atingir o terraço. Pode-se chegar lá por degraus de pedra ou de madeira, de bambu ou mesmo, por uma corda. Pode-se, também, subir por uma vara de bambu."

     "Pode-se dizer que há muitos erros e superstições em outras religiões. Eu responderia: Suponhamos que haja. Todas as religiões têm seus erros. Cada um pensa que só o seu relógio dá a hora certa. É suficiente ter anseio por Deus. Basta amá-Lo e sentir-se atraído por Ele. Não sabem que Deus é o Guia Interno? Ele vê o anelo de nosso coração e a ânsia de nossa alma. Suponhamos que um homem tenha vários filhos. Os mais velhos podem chamá-lo `Baba' ou `Papa', mas os muito pequenos podem, no máximo, chamá-lo `Ba' ou `Pa'. Agora, o pai vai ficar zangado com aqueles que não podem chamá-lo de forma correta? O pai sabe que eles também o estão chamando, somente não têm a capacidade de pronunciar seu nome direito. Todos os filhos são iguais para o pai. Assim também, os devotos chamam somente Deus, embora por diferentes nomes. Chamam somente uma Pessoa. Deus é Uno, mas Seus nomes são vários."

Quinta-feira, 24 de agosto de 1882

     Sri Ramakrishna conversava com Hazra na longa varanda noroeste de seu quarto, quando M. chegou e saudou-o com reverência.

     Mestre: "Gostaria de visitar Iswar Chandra Vidyasagar mais algumas vezes. O pintor primeiro desenha os contornos e somente depois, coloca os detalhes e cores à sua vontade. O escultor primeiro faz a imagem de barro, em seguida o molde, dá uma mão de cal e por fim, uma pintura com pincel. Todos esses passos têm que ser dados sucessivamente. Vidyasagar está completamente pronto, mas seu interior está coberto por uma fina camada. Agora ocupa-se em fazer boas ações, mas ignora o que tem em seu interior. O ouro está escondido dentro dele. Deus mora dentro de nós. Se alguém sabe disso, sente o desejo de abandonar todas as atividades e apenas orar a Deus com alma anelante."

     O Mestre falava com M., ora em pé, ora passeando de um lado para o outro, na grande varanda.

     Mestre: "Necessitamos de um pouco de disciplina espiritual para conhecermos o que há dentro de nós."

     M.: "É necessário praticar-se disciplinas a vida inteira?"

     Mestre: "Não, mas é imprescindível fazê-lo no começo. Depois disso não é mais necessário trabalhar-se muito. O timoneiro de pé segura o leme com firmeza, quando o barco passa através de grandes ondas, tempestades, ventos fortes ou pelas curvas de um rio. Quando um barco passa pelas curvas e o timoneiro sente um vento favorável, senta-se confortavelmente e apenas toca no timão. Em seguida abre as velas e prepara-se para fumar. Assim também, o aspirante goza de paz e calma depois de ter passado pelas ondas e tempestades de `mulher e ouro'."

     "Alguns nascem com as características de um yogi, mas eles também têm que ter cuidado. É somente `mulher e ouro' o grande obstáculo; fazem-nos desviar do caminho da yoga e joga-nos no mundanismo. Talvez tenham algum desejo de prazer. Depois de satisfazerem seu desejo, direcionam novamente suas mentes para Deus e assim, recuperam seu estado mental anterior, pronto para a prática da yoga."

     "Já viu uma armadilha para peixe chamada `satkakal'?"

     M.: "Não senhor, nunca vi."

     Mestre: "É usada em nossa parte do país. Uma das extremidades da vara de bambu é presa no chão e a outra é curvada, onde se coloca um gancho. Deste final de vara, uma linha com um anzol fica dependurada sobre a água, a isca presa no anzol. Quando o peixe abocanha a isca, subitamente o bambu dá um salto e retoma sua posição ereta."

     "Assim também, tome por exemplo os pratos de uma balança. Se um peso é colocado num dos lados, a agulha mais baixa se desloca da mais alta. A agulha mais baixa é a mente e a mais alta, Deus. O encontro das duas é Yoga."

     "A não ser que a mente se torne estável, não pode haver yoga. É o vento do mundanismo que sempre perturba a mente, semelhante à chama de uma vela. Quando a chama está imóvel, diz-se que uma pessoa atingiu yoga, Somente `mulher e ouro' são obstáculos à yoga. Analise sempre o que você vê. O que há no corpo de uma mulher? Apenas sangue, carne, entranhas e coisas semelhantes. Por que deveria uma pessoa de amar tal corpo?"

     "Às vezes eu tinha o hábito de assumir um estado rajásico a fim de praticar renúncia. Um dia tive o desejo de vestir uma roupa bordada em ouro, um anel no dedo e fumar um longo cachimbo. Mathur Babu providenciou todas essas coisas para mim. Usei a roupa bordada em ouro e disse para mim mesmo, depois de um certo tempo. `Mente! É isso que é chamada uma roupa bordada em ouro'. Então me desfiz dela. Não podia suportá-la mais. Novamente disse a mim mesmo: `Mente! Isto chama-se xale, isto é anel e isto, fumar um longo cachimbo.' Desfiz-me dessas coisas de uma vez por todas e nunca mais o desejo de desfrutá-las surgiu em minha mente."

     Era o entardecer. O Mestre e M. permaneceram de pé, conversando sozinhos perto da porta, na varanda sudeste.

     Mestre (a M.): "A mente do yogi está sempre absorta no Ser. Pode-se reconhecer tal homem, simplesmente olhando para ele. Seus olhos estão muito abertos, sem alvo certo, tal qual o olhar de uma mãe passarinho chocando os ovos. A mente inteira está dirigida para os ovos e há um olhar vago nos olhos. Pode mostrar-me um quadro como esse?"

     M.: "Vou tentar obter."

     Como a noite estava chegando, os templos foram iluminados. Sri Ramakrishna estava sentado em seu divã pequeno, meditando na Mãe Divina. Passou a cantar os nomes de Deus. Queimou-se incenso no aposento onde um lampião a óleo fora aceso. Os sons das conchas e gongos flutuavam no ar, quando o culto começou no templo de Kali. O luar inundava. O Mestre novamente dirigiu-se a M.

     Mestre: "Cumpra todas as suas obrigações de forma desinteressada. O trabalho que Vidyasagar realiza é muito bom. Procure sempre cumprir seus deveres, sem desejar qualquer resultado."

     M.: "Sim, senhor. Posso saber se uma pessoa pode realizar Deus enquanto leva a cabo seus deveres? Podem `Rama' e `desejo' coexistirem? Outro dia li num verso hindi: `Onde está Rama, não pode haver qualquer desejo; onde está o desejo, Rama não pode estar'."

     Mestre: "Todos, sem exceção, fazem um trabalho. Mesmo cantar o nome e as glórias do Senhor é trabalho; também, é a meditação não-dualista `Eu sou Ele'. Respirar é uma atividade. Não há como renunciar completamente à ação e portanto, faça seu trabalho, mas entregue os frutos a Deus."

     M.: "Senhor, posso me esforçar para ganhar mais dinheiro?"

     Mestre: "É permitida tal coisa a fim de manter uma família religiosa. Pode-se aumentar a renda familiar, mas de forma honesta. A meta da vida não é ganhar dinheiro, mas servir a Deus. O dinheiro não é prejudicial se for dedicado ao serviço de Deus."

     M.: "Por quanto tempo um homem tem obrigações com esposa e filhos?"

     Mestre: "Enquanto tiverem necessidade de comida e roupa, mas uma pessoa não tem responsabilidade em relação a um filho, quando este estiver em condições de se manter. Quando a avezinha já tiver condições de encontrar seu próprio alimento, a mãe a bica se ela lhe pedir comida."

     M.: "Por quanto tempo deve uma pessoa cumprir seus deveres?"

     Mestre: "As flores caem quando a fruta aparece. Não se tem que cumprir qualquer dever, depois de ter alcançado Deus, nem sentir-se inclinado a fazê-lo."

     "Se um bêbado bebe muito, não pode controlar sua consciência. Se tomar apenas dois ou três copos, pode continuar seu trabalho. À medida que se aproxima cada vez mais de Deus, Ele irá reduzindo pouco a pouco suas atividades. Não tenha medo."

     "Termine os poucos deveres que tem em mãos e terá paz. Quando a dona de casa vai tomar banho, depois de ter acabado de cozinhar e fazer os outros serviços domésticos, por mais que alguém grite por ela, não voltará ao trabalho."

     M.: "Senhor, o que significa realizar Deus? O que quer dizer visão de Deus? Como alcançá-la?"

     Mestre: "De acordo com os vaishnavas, os aspirantes e os videntes de Deus estão divididos em diferentes grupos. Esses são o pravartaka, o sadhaka, o siddha e o siddha do siddha. Aquele que apenas pôs o pé no caminho é chamado pravartaka. É chamado de sadhaka quando já há algum tempo vem praticando disciplinas espirituais como adoração, japa e meditação e cantando o nome e as glórias de Deus. Chama-se siddha aquele que sabe, por experiência interna, que Deus existe. A Vedanta faz uma analogia para explicar tal fato. O dono de uma casa está dormindo num quarto escuro e uma pessoa tateia para encontrá-lo. Toca no divã e diz: `Não, não é ele'. Toca na janela e diz, `Não, não é ele'. Toca na porta e diz, `Não, não é ele'. Tal processo é chamado na Vedanta `Neti, neti', `Isto não, isto não'. Por fim toca o corpo do dono da casa e exclama, `Aqui está!'. Em outras palavras, está consciente da `existência' do senhor. Encontrou-o, mas ainda não o conhece intimamente."

     "Há um outro tipo, conhecido como siddha do siddha, o `supremamente perfeito'. É bem diferente quando uma pessoa fala ao dono da casa intimamente, quando conhece Deus com muita intimidade através do amor e da devoção. Um siddha atingiu Deus sem qualquer dúvida, mas o `supremamente perfeito' conhece Deus intimamente."

     "Para se realizar Deus, deve-se adotar uma dessas atitudes: santa, dasya, sakhya, vatsalya ou madhur."

     "Santa é a atitude serena. Os rishis de outrora tiveram essa atitude em relação a Deus. Não almejavam qualquer gozo material. É como a devoção exclusiva da esposa para seu marido. Ela sabe que seu marido é a personificação do amor e beleza, um verdadeiro Madan."

     "Dasya é a atitude do servo para com seu senhor. Hanuman tinha essa atitude com relação a Rama. Sentia a força de um leão quando trabalhava para Rama. Uma esposa também tem essa atitude. Serve seu marido com todo o coração e alma. Uma mãe também tem um pouco dessa atitude, como Yashoda teve com Krishna."

     "Sakhya, atitude de amizade. Os amigos dizem uns para os outros: `Venham aqui e sentem-se perto de mim', Sridama e outros amigos às vezes alimentavam Krishna com fruta que já haviam provado e às vezes, pulavam em Seus ombros."

     "Vatsalya, a atitude de uma mãe em relação a seu filho. Tal era a atitude de Yasoda para com Krishna. A esposa, também, tem um pouco desse sentimento. Alimenta seu marido com seu próprio sangue de vida, por assim dizer; a mãe só fica satisfeita quando a criança comeu a quantidade que seu coração pede. Yashoda perambulava com manteiga na mão, para alimentar Krishna."

     "Madhur, a atitude da mulher para seu amante. Radha tinha essa atitude em relação a Krishna. A esposa sente-se assim, por seu marido. Essa atitude inclui todas as outras quatro."

     M.: "Quando uma pessoa vê Deus, ela O vê com esses olhos?"

     Mestre: "Deus não pode ser visto com esses olhos físicos. Ao longo da disciplina espiritual adquire-se o `corpo do amor', dotado de `olhos do amor', `ouvidos do amor', etc. Vê-se Deus com esses `olhos do amor'. Ouve Deus com `ouvidos do amor'. Tem-se mesmo um órgão sexual feito do amor."

     Ao ouvir essas palavras, M. caiu na gargalhada. O Mestre, porém, sem se aborrecer continuou: "Com esse `corpo do amor' a alma comunga com Deus."

     M. tornou-se novamente sério.

     Mestre: "Mas isso só é possível com um amor intenso por Deus. Uma pessoa vê somente Deus em todos os lugares, quando O ama intensamente. É o mesmo que uma pessoa com icterícia, que vê tudo amarelo. Sente então; `Sou realmente Ele'."

     "Um bêbado, profundamente embriagado, diz, `Sou realmente Kali!' As gopis intoxicadas de amor, exclamam, `Realmente sou Krishna!' "

     "Quem pensa em Deus dia e noite, O vê em todos os lugares, é como um homem que fica vendo chamas em todos os lados, depois de ter olhado fixamente para uma, durante algum tempo."

     "Mas aquela não é uma chama real", um pensamento passou rápido pela mente de M.

     Sri Ramakrishna, que podia ler os pensamentos mais recônditos de uma pessoa, disse: "Não se perde a consciência se pensar n'Ele que é todo Espírito, toda Consciência. Shivanath certa vez comentou que pensar muito em Deus perturba o cérebro. Eu, porém, disse-lhe: `Como pode uma pessoa tornar-se inconsciente quando pensa na Consciência?' "

     M.: "Sim, senhor, compreendo. Não é como pensar num objeto irreal. Como pode um homem perder sua inteligência se fixa sempre a mente n'Ele cuja natureza verdadeira é inteligência eterna?"

     Mestre (com alegria): "É pela graça de Deus que se compreende isso. As dúvidas da mente não desaparecerão sem Sua graça. As dúvidas não desaparecem sem a Auto-realização."

     "Mas uma pessoa nada tem a temer, se recebeu a graça de Deus. É fácil uma criança tropeçar quando segura a mão de seu pai, mas não há esse perigo se é o pai quem segura sua mão. Um homem nada mais tem a sofrer, se Deus remove todas as dúvidas, por Sua graça e revela-Se a ele. Tal graça, porém, só desce sobre ele depois de ter orado com intenso anseio do coração e praticado disciplinas espirituais. A mãe sente pena de seu filho quando o vê correndo de um lado para o outro, já sem fôlego. Ela vinha se escondendo, mas agora, aparece diante da criança."

     "Mas por que Deus nos faz correr de um lado para o outro?" pensou M.

     Imediatamente Sri Ramakrishna disse: "É Sua vontade que corramos um pouco. É um grande divertimento. Deus criou o mundo como se fosse um grande espetáculo. Isto é chamado Mahamaya, a Grande Ilusão. Por conseguinte, devemos refugiar-nos na Mãe Divina, o Próprio Poder Cósmico. É Ela quem nos prendeu nos grilhões da ilusão. A realização de Deus só é possível depois que essas cadeias forem cortadas."

     O Mestre continuou: "Uma pessoa deve propiciar a Mãe Divina, a Energia Primordial, para obter a graça de Deus. O Próprio Deus é Mahamaya que engana o mundo com Sua ilusão e confere a magia da criação, preservação e destruição. Ela estendeu esse véu de ignorância diante de nossos olhos. Só podemos penetrar na câmara interior, se Ela nos deixar passar pela porta. Vivendo no exterior, apenas vemos os objetos exteriores e não, o Ser Eterno, Existência-Conhecimento-Bem-aventurança Absolutos. É por isso que se diz nos Puranas, que as divindades como Brahman pediam à Mahamaya, a destruição dos demônios como Madhu e Kaitabha."

     "Somente Shakti é a raiz do universo. Essa Energia primordial tem dois aspectos: vidya e avidya. Avidya ilude. Avidya proclama `mulher e ouro' que encanta a todos. Vidya promove devoção, gentileza, sabedoria e amor que levam a Deus. Essa Avidya deve ser propiciada e esse é o propósito dos ritos do culto de Shakti."

     "O devoto toma diversas atitudes perante Shakti, a fim de propiciá-La; a atitude de uma empregada, de `herói' ou de filho. A atitude de `herói' é para agradá-La do mesmo modo que um homem agrada a mulher durante o ato sexual."

     "A adoração à Shakti é extremamente difícil. Não é brincadeira. Passei dois anos como serva e companheira da Mãe Divina, mas a minha atitude foi sempre a de um menino em relação à sua mãe. Olho os seios de qualquer mulher como os de minha própria mãe."

     "Todas as mulheres são a verdadeira imagem de Shakti. No noroeste da Índia, a noiva segura uma faca por ocasião da cerimônia de casamento: em Bengala, um quebra-nozes. O significado disso é que, o noivo com a ajuda da noiva, que é a personificação do Poder Divino, cortará os laços da ilusão. Essa é a atitude de `herói'. Jamais adorei a Mãe Divina dessa maneira. Minha atitude foi sempre a de um filho para com sua Mãe."

     "A noiva é realmente a própria personificação de Shakti. Você já notou que durante a cerimônia de casamento, o noivo senta-se atrás como um idiota? Mas a noiva - ela fica em tanta evidência!"

     "Depois de alcançar Deus, esquecese de Seu esplendor externo, as glórias de Sua criação. Não se pensa mais nas glórias de Deus, depois de tê-Lo visto. Um devoto depois de submerso na Bem-aventurança Divina, não mais cogita das coisas externas. Quando vejo Narendra não preciso perguntar-lhe: `Qual é o seu nome? Onde você mora?' Há razão para tais perguntas? Um homem, uma vez, perguntou a Hanuman em que dia da quinzena estavam. `Irmão', disse Hanuman, `Não sei nada a respeito dos dias da semana, ou da quinzena ou da posição das estrelas. Só penso em Rama!"

16 de outubro de 1882

     Era uma segunda-feira, poucos dias antes do Durga Puja, festival da Mãe Divina. Sri Ramakrishna estava muito feliz, porque Narendra estava com ele. Narendra havia trazido ao templo, dois ou três jovens membros do Brahmo Samaj. Além deles, Rakhal, Hazra e M. estavam com o Mestre.

     Narendra tomou sua refeição do meio-dia com Sri Ramakrishna. Em seguida, uma cama improvisada foi arrumada no chão do quarto do Mestre, para os discípulos descansarem um pouco. Uma esteira foi estendida, sobre a qual colocaram um acolchoado coberto por um lençol branco. Algumas almofadas e travesseiros completavam essa cama simples. Como uma criança, o Mestre sentou-se perto de Narendranath na cama. Conversava com os devotos com muita alegria. Um sorriso radiante iluminava seu rosto e com os olhos fixos em Narendra, dava-lhes vários ensinamentos espirituais, entremeando-os com incidentes de sua própria vida.

     Mestre: "Depois de ter experimentado samadhi, minha mente ansiou intensamente para ouvir falar somente de Deus. Eu sempre procurava lugares onde estavam lendo ou explicando os livros sagrados, tais como o Bhagavata, o Mahabharata e o Adhyatma Ramayana."

     "Que fé tremenda tinha Krishnakishore! Uma vez, enquanto estava em Vrindavan, sentiu sede e foi até um poço. Perto, viu um homem. Ao lhe pedir que pegasse um pouco de água, o homem disse-lhe: `Pertenço a uma casta inferior. O senhor é um brahmin. Como posso apanhar água para o senhor?' Krishnakishore respondeu-lhe: `Toma o nome de Shiva, repetindo o Seu santo nome, você se tornará puro'. O homem de casta inferior fez o que ele lhe mandara e Krishnakishore, um brahmin ortodoxo, bebeu a água. Que tremenda fé!"

     "Um dia um santo chegou às margens do Ganges e passou a viver perto do ghat de banho de Ariadaha, não longe de Dakshineswar. Pensamos fazer-lhe uma visita. Disse a Haladhari: `Krishnakishore e eu vamos ver um santo. Você quer vir conosco?' Haladhari respondeu: `Qual a vantagem de se ver um simples corpo humano, que não é superior a uma `jaula de argila'? Haladhari era um estudante do Gita e da filosofia Vedanta e por conseguinte, considerava o santo como uma simples `jaula de argila'. Repeti o comentário a Krishnakishore que, com muita raiva, disse: `Como Haladhari foi imprudente em fazer tal comentário! Como pode ele ridicularizar como uma `jaula de argila' o corpo de um homem que pensa constantemente em Deus, que medita em Rama e que a tudo renunciou por amor ao Senhor? Ele não sabe que um homem assim é a personificação do Espírito? Ficou tão chocado com o comentário de Haladhari que passou a lhe virar o rosto sempre que o encontrava no templo e deixou de lhe dirigir a palavra."

     "Uma vez Krishnakishore perguntou-me: `Por que o senhor deixou de lado o cordão sagrado?' Naqueles dias da visão de Deus, sentia-me como se estivesse no meio da grande tempestade de Ashwin e que tudo havia desaparecido de mim. Não sobrou qualquer traço de minha antiga personalidade. Perdi toda consciência do mundo, mal podia ficar vestido, para não falar do cordão sagrado! Disse a Krishnakishore: `Ah! Você me compreenderá se um dia ficar intoxicado por Deus, como eu estava'."

     "E de fato isto chegou a acontecer. Ele também passou por um estado de intoxicação de Deus, quando apenas repetia a palavra Om e trancava-se em seu quarto. Seus parentes pensaram que estivesse ficando realmente louco e chamaram um médico. Ram Kaviraj de Natagore veio vê-lo. Krishnakishore disse-lhe: `Cure minha doença se isso lhe agrada, mas não o meu Om.' (Todos riem)."

     "Um dia fui visitá-lo e encontrei-o muito pensativo. Quando lhe perguntei o motivo, respondeu: `O coletor de impostos esteve aqui. Ameaçou-me carregar meus copos, jarras e outros utensílios de latão, se eu não pagar o imposto. Por isso estou muito preocupado'. Disse-lhe: `Mas por que haveria você de se preocupar? Deixe-o levar os potes e as panelas, deixe-o mesmo prender seu corpo. O que isso lhe poderá afetar? Sua natureza é a de Kha!' (Narendra e os outros riem). Costumava dizer-me que era o Espírito que Tudo penetra, como o céu. Tinha tirado essa idéia do Adhyatma Ramayana. Eu costumava implicar com ele, de vez em quando, chamando-o de `Kha'. Portanto, disse-lhe aquele dia, com um sorriso: `Você é Kha. Os impostos não podem afetá-lo!' "

     "Naquele estado de intoxicação divina, eu costumava dizer a todos, o que pensava. Não respeitava ninguém. Mesmo a homens de posição social importante, não tinha medo de falar a verdade."

     "Um dia Jatindra foi à chácara de Jadu Mallick. Eu também estava lá e perguntei-lhe: `Qual é o dever de um homem? Não é nosso dever pensar em Deus?' Jatindra respondeu: `Somos homens do mundo. Como nos é possível atingir a liberação? Mesmo o rei Yudhisthira teve que passar pela experiência da visão do inferno.' Isto me deixou muito zangado. Disse-lhe: `Que tipo de homem é o senhor? De todos os acidentes da vida de Yudhisthira, o senhor só se recorda do incidente do inferno. Não se lembra de sua veracidade, sua tolerância, sua paciência, sua discriminação, seu desapego e sua devoção a Deus'. Já estava a ponto de dizer muitas coisas quando Hriday fez-me calar. Logo em seguida Jatindra saiu, alegando que tinha um outro compromisso para atender."

     "Muitos dias depois fui com o Capitão ver Raja Sourindra Tagore. Assim que o vi, disse-lhe: `Não posso dirigir-me ao senhor como `Raja' ou qualquer outro título, porque estaria mentindo.' Conversamos alguns minutos, mas nossa conversa foi constantemente interrompida pelas visitas de europeus e outros. Homem de temperamento rajásico, Sourindra ocupava-se naturalmente com muitas coisas. Jatindra, seu irmão mais velho, foi informado de minha chegada, mas ele mandou dizer que estava com dor de garganta e não poderia ver-me."

     "Um dia, naquele estado de intoxicação divina, fui ao ghat de banho no Ganges, em Baranagore. Lá vi Jaya Mukherji repetindo o nome de Deus, mas sua mente estava distante. Subi e dei-lhe duas bofetadas nas faces."

     "Outra vez Rani Rasmani estava passando uns tempos no templo. Veio até o altar da Mãe Divina, como fazia frequentemente, enquanto eu celebrava o culto de Kali e pediu-me para entoar uma ou duas canções. Enquanto cantava, percebi que ela estava arrumando as flores para o culto com a mente distraída. Imediatamente esbofeteei-a. Ela ficou bastante embaraçada e sentou-se com as mãos postas."

     "Alarmado com meu estado mental, disse a meu primo Haladhari. `Veja minha natureza! Como posso livrar-me dela?' Após orar, com fervor, à Mãe Divina, consegui acabar com esse hábito."

     "Quando alguém se encontra em tal estado mental só sente prazer em conversas a respeito de Deus. Costumava chorar quando ouvia as pessoas falarem de coisas mundanas. Quando acompanhei Mathur Babu numa peregrinação, passamos alguns dias em Benares, na casa de Raja Babu. Um dia eu estava sentado na sala com Mathur Babu, Raja Babu e outros. Ouvindo-os falar sobre diversos assuntos mundanos, tais como perdas financeiras etc., chorei amargamente e disse à Mãe Divina: `Mãe, onde Tu me trouxeste? Estava muito melhor no templo de Dakshineswar. Aqui estou num lugar em que tenho ouvir a respeito de `mulher e ouro', mas em Dakshineswar poderia evitar isso'."

     O Mestre pediu aos devotos, sobretudo a Narendra, Latu , M., Hazra e Priya, amigo Brahmo de Narendra, estavam presentes. O canto foi acompanhado pelo tambor.

     Medite, Ó mente minha, no Senhor Hari,
O Imaculado, Puro Espírito por todos os tempos.
Como é inigualável a Luz que brilha n'Ele
Como enfeitiça a alma, Sua forma maravilhosa!
Como Ele é amado por todos os seus devotos! ...
Depois dessa canção, Narendra cantou:
Ó quando despertará para mim aquele dia de bênção
Quando Ele que é todo o Bem, toda a Beleza e toda a Verdade
Iluminará o altar mais interior do meu coração?
Quando mergulharei, afinal, sempre contemplando-O?
No Oceano de Alegria?
Senhor, como Sabedoria Infinita, Tu entrarás em minha alma
E minha mente inquieta, tornada sem fala por Tua visão.
Encontrará um refugio em Teus pés.
No firmamento do meu coração, Tu surgirás
Como Imortalidade Bem-aventurada.
E como, quando o chakora contempla a lua que surge.
Brinca de um lado para o outro, por simples alegria.
Assim, também, ficarei cheio de felicidade celestial
Quando Tu apareceres para mim.
Tu, Uno sem segundo, todo Paz, Rei dos Reis!
Em Teus amados pés renunciarei minha vida
E assim finalmente, atingirei a meta da vida:
Gozarei a felicidade do céu ainda aqui na terra!
Onde mais é concedido um favor tão raro?
Então verei Tua glória, pura e imaculada
Como a escuridão foge da luz, assim, meus piores pecados
Abandonam-me com a aproximação de Tua aurora
Acende em mim, Ó Senhor, o fogo ardente da fé
A fim de ser a minha estrela guia
Ó Socorro dos fracos, concede meu único desejo!
Então banharei tanto o dia como a noite
Na felicidade ilimitada do Teu amor, me esquecerei totalmente
Ó Senhor, ao alcançar-Te.

     Narendra cantou novamente:

     Com a face brilhante canta o doce nome de Deus
Até que no Teu coração o néctar transborda
Bebe-o incessantemente e divida-o com todos!
Se algum dia Teu coração secar queimado pelas chamas
Do desejo humano, canta o doce nome de Deus.
E o amor celestial umidecerá tua alma árida.
Fique certa, Ó mente, de que jamais te esquecerás de cantar
O Teu santo nome quando olhar o teu rosto,
Chama-O, teu Pai Misericordioso:
Com o trovão de Seu nome, quebra as cadeias do pecado!
Venha, vamos satisfazer os desejos de nossos corações
Bebendo inteiramente da Alegria Duradoura,
Tornada una com Ele no puro êxtase do amor.

     Agora Narendra e os devotos começaram a cantar o kirtan acompanhados pelo tambor e pelos pratos.

     Andavam em volta do Mestre cantando:

     Mergulhe para sempre, Ó mente
N'Ele que é Puro Conhecimento e Pura Bem-aventurança.

     Em seguida cantaram:

     Ó quando despertará para mim aquele dia de bênção
Quando Ele que é todo o Bem, toda a Beleza e toda a Verdade
Iluminará o altar mais íntimo do meu coração? ...

     Por fim o próprio Narendra estava tocando os tambores e cantou com o Mestre, cheio de alegria:

     Com a face brilhante canta o doce nome de Deus ...

     Quando a música acabou, Sri Ramakrishna abraçou Narendra por um longo tempo e disse: "Você nos fez muito felizes hoje." A comporta do coração do Mestre estava tão aberta aquela noite, que mal podia se conter de alegria. Eram oito horas da noite. Intoxicado pelo amor divino, caminhava de um lado para o outro, ao longo da varanda norte de seu aposento. De vez em quando podia-se ouvi-lo, conversando com a Mãe Divina.

     Subitamente disse com a voz exaltada: "O que Tu podes me fazer?" Estava ele dando a entender que maya não tinha poder sobre ele, uma vez que possuía a Mãe Divina como seu suporte?

     Narendra, M. e Priya iam passar a noite no templo. Isto alegrou muito o Mestre, sobretudo porque Narendra cantaria com ele. A Santa Mãe , que estava morando no nahabat, havia preparado a ceia. Surendra pagava a maior parte das despesas do Mestre. A refeição estava pronta e os pratos tinham sido colocados na varanda sudeste do aposento do Mestre.

     Perto da porta leste de seu quarto, Narendra e outros devotos conversavam.

     Narendra: "O que você pensa dos jovens de hoje?"

     M.: "Não são ruins mas não recebem qualquer instrução religiosa."

     Narendra: "Mas segundo minha experiência, creio que vão por um mal caminho. Fumam, mantém conversas frívolas, são afetados, preguiçosos e outras coisas parecidas. São até vistos frequentando lugares questionáveis."

     M.: "Não notei essas coisas nos nossos dias de estudante."

     Narendra: "Talvez você não tenha se misturado com os estudantes intimamente. Vios conversando com pessoas de caráter imoral. Talvez sejam íntimos deles."

     M.: "É muito estranho."

     Narendra: "Soube, também, que muitos adquirem maus hábitos. Gostaria que os responsáveis e as autoridades ficassem atentas a essas coisas."

     "Estavam assim conversando, quando Sri Ramakrishna, aproximando-se, perguntou-lhes com um sorriso":

     "Bem, de que estão falando?"

     Narendra: "Estava perguntando a M. a respeito dos jovens nas escolas. A conduta deles hoje em dia não é o que deveria ser."

     O Mestre fez uma expressão grave e disse a M. um tanto seriamente: "Esse tipo de conversa não é boa. Não é bom que se fale de outra coisa que não seja Deus. Você é o mais velho e inteligente. Não deveria tê-los encorajado a falar desses assuntos."

     Narendra tinha mais ou menos dezenove anos e M., vinte e oito. Assim repreendido, M. sentiu-se constrangido e os outros permaneceram em silêncio.

     Enquanto os devotos comiam, Sri Ramakrishna em pé, observava-os com grande alegria. Naquela noite a felicidade do Mestre era muito grande.

     Depois de comerem, os devotos foram descansar na esteira estendida no chão do quarto do Mestre.

     Começaram a conversar com ele. Parecia mesmo um mercado de felicidade. O Mestre pediu a Narendra para cantar a canção que começasse com o verso: "No firmamento da Sabedoria, a lua do Amor está surgindo cheia."

     Narendra cantou e os outros devotos tocaram tambores e pratos:

     No firmamento da Sabedoria a lua do Amor está surgindo cheia.
E a maré do Amor, em ondas agitadas, está fluindo em todos os lugares.
Ó Senhor, como cheio de Bem-aventurança Tu és! Salve!
De todos os lados brilham os devotos, como estrelas em volta da lua;
Seu Amigo, o Senhor misericordioso, alegremente brinca com eles.
Olhem! As portas do paraíso estão de par em par abertas.
O suave vento da primavera do Novo Dia levanta ondas refrescantes de alegria.
Gentilmente carrega para a terra a fragrância do Amor de Deus.
Até que todos os yogis embriagados de felicidade, estejam mergulhados em êxtase.
No mar do mundo desabrocha o lótus do Novo Dia
E aí a Mãe sentia-se entronada em majestade venturosa.
Vejam como as abelhas estão loucas de alegria, sorvendo pouco a pouco o néctar ali!
Contemplem a face radiante da Mãe, que tanto encanta o coração
E cativa o universo! Em Seus Pés de Lótus
Bandos de homens santos extasiados dançam alegremente.
Que encanto incomparável é o d'Ela! Que felicidade infinita!
Invade o coração quando Ela aparece! Ó irmãos, diz Premdas:
Humildemente lhes imploro a cada um, cantem a canção da Mãe!

     Sri Ramakrishna cantou e dançou com os devotos que dançaram à sua volta.

     Quando a canção acabou o Mestre começou a andar de lá para cá, na varanda nordeste onde Hazra estava sentado com M. O Mestre sentou-se e perguntou a um devoto: "Você sonha sempre?"

     Devoto: "Sim, senhor. Outro dia tive um sonho estranho. Vi o mundo inteiro envolvido em água. Havia água por todos os lados. Somente alguns barcos podiam ser vistos, mas de repente, imensas ondas apareceram e afundaram-nos. Estava a ponto de embarcar com algumas pessoas, quando vi um brahmin andando sobre as águas. Perguntei-lhe: `Como pode o senhor caminhar sobre as águas?' O brahmin respondeu-me com um sorriso: `Ó, não há qualquer dificuldade. Há uma ponte debaixo d'água.' Disse-lhe: `Onde o senhor vai?' `A Bhawanipur, a cidade da Mãe Divina', respondeu. `Espere um pouco', gritei, `Vou lhe acompanhar'."

     Mestre: "Ó, estou muito impressionado, ouvindo essa história."

     Devoto: "O brahmin disse: `Estou com pressa. Você ainda terá um certo tempo para sair do barco. Adeus. Lembre-se desse caminho e siga-me num outro barco'."

     Mestre: "Ó! Meu cabelo está de pé! Por favor seja iniciado por um guru o mais breve possível."

     Um pouco depois da meia-noite, Narendra e outros devotos foram se deitar no quarto do Mestre.

     Ao amanhecer alguns devotos levantaram-se e viram o Mestre nu como uma criança, andando de um lado para o outro no quarto, repetindo os nomes de vários deuses e deusas. Sua voz era doce como néctar. Ora olhava para o Ganges, ora parava em frente dos quadros e curvava-se diante deles, cantando o tempo todo, os seus santos nomes, com voz suave. Cantou: "Veda, Puranas, Tantras, Gita, Gayatri, Bhagavata, Bhakta, Bhagavan."

     Referindo-se ao Gita, repetiu inúmeras vezes: "Tagi, tagi, tagi" e de vez em quando dizia: "Ó Mãe, Tu és realmente Brahman e Tu és realmente Shakti. Tu és Purusha e Tu és Prakriti. Tu és Virat. Tu és o Absoluto e Tu Te manifestas como o Relativo. Tu és realmente os vinte e quatro princípios cósmicos."

     Nesse meio tempo, o serviço já tinha começado nos templos de Kali e Radhakanta. Sons das conchas acústicas e pratos pairavam no ar. Os devotos saíram do quarto e viram os sacerdotes e empregados apanhando flores no jardim para o culto nos templos. Do nahabat flutuava a suave melodia dos instrumentos musicais, apropriados para aquela hora da manhã.

     Narendra e outros devotos terminaram suas obrigações da manhã e vieram até o Mestre. Com um doce sorriso nos lábios, Sri Ramakrishna estava de pé na varanda nordeste, perto de seu quarto.

     Narendra: "Vimos vários sannyasis pertencentes à seita de Nanak no Panchavati."

     Mestre: "Sim, chegaram ontem. (A Narendra): Gostaria que todos se sentassem, na esteira."

     Quando assim o fizeram, o Mestre olhou-os com alegria. Começou, então, a conversar. Narendra perguntou a respeito de disciplina espiritual.

     Mestre: "Bhakti, o amor de Deus, é a essência de toda a disciplina. Pelo amor, uma pessoa adquire renúncia e discriminação de forma natural."

     Narendra: "Não é verdade que os Tantras prescrevem disciplina espiritual na companhia de mulher?"

     Mestre: "Isso não é desejável. É um caminho muito difícil e muitas vezes ocasiona a queda do aspirante. Há três tipos de disciplinas. Podemos considerar a mulher como sua amante. Ou considerar-se sua serva ou seu filho. Olho a mulher como minha mãe. Ver-se como serva é bom também; mas é extremamente difícil praticar disciplina espiritual olhando a mulher como amante. Considerar-se seu filho é uma atitude muito pura." Os sannyasis pertencentes à seita de Nanak entraram no aposento e saudaram o Mestre, dizendo: "Namo Narayanaya". Sri Ramakrishna pediu que se sentassem.

     Mestre: "Nada é impossível para Deus. Ninguém pode descrever Sua natureza por meio de palavras. Tudo é possível para Ele. Num certo lugar viviam dois yogis que praticavam disciplinas espirituais. Um dia o sábio Narada passou por ali. Percebendo quem ele era, um dos yogis disse-lhe: `O senhor acabou de estar com o Próprio Deus. O que Ele está fazendo agora?' Narada responde: `Ora, eu O vi passar e tornar a passar camelos e elefantes pelo buraco de uma agulha.' A isso o yogi disse: `O que há de extraordinário nisso? Tudo é possível para Deus.' Mas o outro yogi disse: `O que? Fazer elefantes passar pelo buraco de uma agulha? Será isso possível acontecer alguma vez? O senhor jamais esteve na casa de Deus'."

     Às nove horas da manhã, quando o Mestre ainda estava em seu quarto, Manomohan chegou de Konnagar com alguns membros de sua família. Às perguntas gentis de Sri Ramakrishna, Manomohan explicou que os estava levando para Calcutá. O Mestre disse: "Hoje é o primeiro dia do mês bengali, auspicioso para se fazer uma viagem. Espero que tudo venha a correr bem com vocês." Com um sorriso, começou a falar de outros assuntos.

     Quando Narendra e seus amigos voltaram do seu banho no Ganges, o Mestre falou-lhes francamente: "Vão meditar no Panchavati, debaixo do baniano. Querem algo para se sentarem?"

     Mais ou menos às dez e meia Narendra e seus amigos Brahmos estavam meditando no Panchavati. Depois de algum tempo, Sri Ramakrishna chegou, M. também estava presente.

     O Mestre disse aos devotos Brahmos: "Na meditação a pessoa deve permanecer absorvida em Deus. Se ficar flutuando na superfície da água, pode alguém alcançar as pedras preciosas que jazem no fundo do mar?"

     Em seguida cantou:

     Tomando o nome de Kali, mergulhe profundamente, Ó mente,
Nas profundezas insondáveis do coração,
Onde muitas pedras preciosas jazem escondidas.
Mas jamais acreditem que o fundo do oceano está sem pedras
Se nas primeiras vezes que mergulharem, fracassarem
Com firme resolução e autocontrole
Mergulhe fundo e abre teu caminho em direção ao reino da Mãe Kali.
Nas profundezas do oceano da Sabedoria celestial estão
As maravilhosas pérolas da Paz, Ó mente;
E você mesma pode juntá-las.
Se apenas tiver amor puro e seguir as prescrições das escrituras.
Dentro dessas profundezas do oceano também
Seis crocodilos espreitam - luxúria, raiva e os outros -
Nadando de um lado para o outro em busca de presa.
Envolva-os com o açafrão da discriminação.
Seu cheiro a protegerá de suas armadilhas
No oceano jazem
Inúmeras pérolas e pedras preciosas;
Mergulhe, diz Ramprasad, e apanhe montões delas ali!

     Narendra e seus amigos desceram da plataforma elevada do Panchavati e ficaram em pé junto do Mestre, que voltou para seu quarto com eles. O Mestre continuou: "Quando vocês mergulham no oceano, podem ser atacados pelos crocodilos. Não os tocarão se estiverem com o corpo untado com açafrão. Sem dúvida há seis jacarés - luxúria, raiva, avareza etc. - dentro de vocês, nas `profundezas insondáveis do coração', mas protejam-se com o açafrão da discriminação e renúncia e eles não o tocarão."

     "O que vocês podem alcançar com simples conferências e erudição, sem discriminação e desapego? Só Deus é real e tudo o mais irreal. Só Deus é substância e tudo o mais é não-entidade. Isto é discriminação."

     "Em primeiro lugar entronize Deus no santuário de seu coração e em seguida, façam conferências, se assim o desejarem. Como a simples repetição de `Brahma' lhes trará proveito se não forem dotados de discriminação e desapego? É o mesmo que o som vazio de uma concha."

     "Vivia numa vila, um jovem chamado Padmalochan. Era chamado de `Podo', para abreviar. Neste vilarejo havia um templo bastante dilapidado. Não tinha em seu interior qualquer imagem de Deus; ashwattha e outras plantas cresciam pelas ruínas das paredes. Morcegos viviam em seu interior e o chão estava coberto de poeira e fezes. Os aldeões haviam deixado de visitar o templo. Um dia, depois do entardecer, ouviram o som de uma concha, vindo daquela direção. Pensaram que provavelmente alguém houvesse instalado uma imagem no altar e estivesse fazendo o culto vespertino. Uma das pessoas abriu devagarinho a porta e viu Padmalochan em pé, num dos cantos, soprando a concha. Não havia qualquer imagem no altar; o templo não tinha sido varrido nem lavado. Havia lixo e sujeira por todos os lados. Gritou, então, para Podo":

     Você não instalou qualquer imagem aqui.

     No santuário, Ó tolo!

     Soprando a concha, você simplesmente provoca

     Confusão ainda maior.

     Dia e noite onze morcegos

     Gritam ali incessantemente. ...

     "Não adianta simplesmente fazer barulho, se desejar entronizar a Divindade no altar do coração, se desejar realizar Deus. Em primeiro lugar purifique a mente. Deus toma assento no coração puro. Ninguém pode colocar uma imagem sagrada num templo onde há sujeira de morcegos por toda a parte. Os onze morcegos são nossos onze órgãos: cinco da ação, cinco da percepção e a mente."

     "Em primeiro lugar invoque a Divindade, em seguida faça conferências se o seu coração assim o pedir. Antes de tudo mergulhe fundo. Mergulhe até o fundo e apanhe as pedras preciosas. Poderá, então, fazer outras coisas. Ninguém, porém, deseja mergulhar. As pessoas são sem disciplina espiritual e oração, sem renúncia e desapego. Aprendem algumas palavras e já querem dar conferências. É difícil ensinar os outros. Só quem tem autorização de Deus, depois de realizá-Lo, está habilitada a fazê-lo."

     Assim conversando, o Mestre chegou até o canto da varanda. M. estava de pé, junto dele. Sri Ramakrishna havia repetido várias vezes que Deus não pode ser realizado sem discriminação e renúncia. Isso fez M. ficar extremamente preocupado. Era um jovem de vinte e oito anos, casado, educado numa universidade à moda ocidental. Tendo senso de dever, perguntou a si mesmo: "Discriminação e desapego significam abandonar `mulher e ouro'?" Estava mesmo desorientado, sem saber o que fazer.

     M. (ao Mestre): "O que deve uma pessoa fazer se a esposa um dia lhe diz: `Você está me negligenciando. Vou me matar?' "

     Mestre (em tom sério): "Abandone essa esposa se ela constituir obstáculo à sua evolução espiritual. Deixe-a cometer suicídio ou qualquer outra coisa que queira. A esposa é um entrave na vida espiritual do marido, se não for espiritualizada."

     Mergulhando em profunda reflexão, M. permaneceu encostado contra a parede. Narendra e outros devotos ficaram em silêncio por alguns minutos. O Mestre trocou muitas palavras com eles e subitamente, chegando perto de M., sussurrou-lhe no ouvido: "Mas se o homem tem amor sincero por Deus, então, tudo ficará sob seu controle - o rei, as pessoas más e a esposa. O amor sincero por Deus da parte do marido por fim, levará a esposa à vida espiritual. Se o marido é bom, então, pela graça de Deus, a esposa também, poderá seguir seu exemplo."

     Isto teve efeito tranquilizante na mente perturbada de M. Todo o tempo havia pensado: "Que ela se suicide. O que posso fazer?"

     M. (ao Mestre): "Esse mundo é certamente um lugar terrível."

     Mestre (aos devotos): "É por isso que Chaitanya disse a seu companheiro Nityananda: `Ouça, irmão, não há esperança de salvação para os que têm mente mundana'."

     Numa outra ocasião o Mestre havia dito a M. particularmente: "Sim, não há esperança para um homem do mundo se ele não é sinceramente devotado a Deus, mas não tem nada a temer se ficar no mundo depois de realizar Deus. Também não há necessidade de temer o que quer que seja do mundo, se alcançar devoção sincera praticando disciplina espiritual de vez em quando na solidão. Chaitanya teve diversos devotos chefes de família, porém, o eram apenas no nome, uma vez que viviam desapegados do mundo."

     Era meio-dia. O culto havia terminado e a oferenda de comida já havia sido preparada no templo. As portas do templo foram fechadas. Sri Ramakrishna sentou-se para almoçar e Narendra e outros devotos compartilharam das oferendas no templo.

Domingo, 22 de outubro de 1882

     Era o dia de Vijaya, o último dia da celebração da adoração de Durga, quando a imagem de argila é imersa nas águas de um lago ou rio.

     Mais ou menos às nove horas da manhã, M. estava sentado no chão do quarto do Mestre em Dakshineswar, perto de Sri Ramakrishna, que estava reclinado no divã pequeno. Rakhal estava, morando com o Mestre e Narendra e Bhavanath visitavam-no frequentemente. Baburam o havia visto apenas uma ou duas vezes.

     Mestre: "Você teve dia de folga durante o Durga Puja?"

     M.: "Sim, senhor. Fui à casa de Keshab diariamente durante os primeiros três dias de adoração."

     Mestre: "Foi mesmo?"

     M.: "Lá ouvi uma interpretação muito interessante do Durga Puja."

     Mestre: "Conte-me tudo a esse respeito, por favor."

     M.: "Keshab Sen fazia orações diárias de manhã em sua casa, que terminavam às dez ou onze horas. Durante essas orações, explicava o significado intrínseco do Durga Puja. Disse que se alguém pudesse realizar a Mãe Divina, isto é, pudesse instalar a Mãe Durga no santuário de seu coração, então, Lakshmi, Saraswati, Kartika e Ganesha chegariam por si mesmos. Lakshmi significa riqueza, Saraswati, conhecimento, Kartika, força e Ganesha, sucesso. Realizando a Mãe Divina no coração, obtém-se tudo isso sem esforço algum."

     Sri Ramakrishna ouviu a descrição, perguntando a M. de vez em quando, a respeito das orações dirigidas por Keshab. Por fim disse-lhe: "Não vá lá e aqui. Venha somente aqui. Aqueles que pertencem ao círculo íntimo de meus devotos vêm somente aqui. Rapazes como Narendra, Bhavanath e Rakhal são meus discípulos muito íntimos. Não devem ser considerados com pouco caso. Alimente-os um dia desses. O que pensa de Narendra?"

     M.: "Tenho-o em grande consideração, senhor."

     Mestre: "Você já observou suas muitas virtudes? Não é apenas bem versado em música, canto e instrumento, mas também, muito letrado. Além disso, controlou suas paixões e diz que vai levar vida de celibato. É devotado a Deus desde tenra idade."

     "Como está você com sua meditação no momento? Qual o aspeto de Deus que atrai sua mente - com forma ou sem forma?"

     M.: "Senhor, agora não posso fixar minha mente em Deus com forma. Por outro lado, não posso me concentrar firmemente em Deus sem forma."

     Mestre: "Agora você vê que a mente não pode se fixar, de súbito, no aspecto sem forma de Deus. É mais conveniente pensar em Deus com forma nos primeiros estágios."

     M.: "O senhor quer dizer que se deve meditar sobre as imagens de argila?"

     Mestre: "Por que de argila? Essas imagens são a personificação da Consciência."

     M.: "Mesmo assim há de se pensar nas mãos, pés e outras partes do corpo. Também compreendo que a mente só pode estar concentrada se meditar, no começo, em Deus com forma. O senhor mesmo me disse isso. Deus pode facilmente assumir formas diferentes. Pode-se meditar na forma de sua própria mãe?"

     Mestre: "Sim, a mãe deveria ser adorada. Ela é realmente, a personificação de Brahman."

     M. sentou-se em silêncio. Depois de alguns minutos, perguntou ao Mestre: "O que uma pessoa sente quando pensa em Deus sem forma? Não é possível descrever isso?" Depois de pensar por algum tempo, o Mestre disse: "Você quer saber como é?" Ficou em silêncio por um momento e disse algumas palavras a M. a respeito de suas experiências por ocasião de sua visão de Deus com e sem forma.

     Mestre: "Veja, deve-se praticar disciplinas espirituais para compreender isso corretamente. Suponhamos que haja tesouros num aposento. Se desejar vê-los e apanhá-los, deve se dar ao trabalho de buscar a chave e abrir a porta. Em seguida, apanhar o tesouro, mas suponhamos que o aposento esteja fechado e, do lado de fora, você diga a si mesmo: `Abri a porta. Quebrei a fechadura. Agora peguei o tesouro.' Pensando dessa maneira em frente à porta, não conseguirá nada."

     "Você tem que praticar disciplina."

     "Os jnanis pensam em Deus sem forma. Não aceitam a Encarnação Divina. Em louvor a Sri Krishna, Arjuna disse: `Tu és Brahman Absoluto.' Sri Krishna respondeu, `Siga-me e verá se Eu sou ou não, Brahman Absoluto.' Assim falando, Sri Krishna levou Arjuna a um lugar e perguntou o que ele estava vendo. `Vejo uma grande árvore,' disse Arjuna, `e nela vejo frutos pendurados como cachos de amoras.' Então Krishna disse a Arjuna: `Chegue mais perto e verá que não são cachos de amoras, mas cachos de inúmeros Krishnas como Eu, pendendo da árvore.' Em outras palavras, um sem número de Encarnações Divinas aparecem e desaparecem na árvore do Brahman Absoluto."

     "Karvidas tinha uma forte inclinação para Deus sem forma. À simples menção do nome de Krishna, dizia: `Por que devo adorá-Lo? As gopis batiam palmas enquanto Ele dançava como um macaco. (Com um sorriso). Mas aceito Deus com forma quando estou na companhia de pessoas que acreditam nesse ideal e também, concordo com aqueles que crêem em Deus sem forma'."

     M. (sorrindo): "O senhor é tão infinito quanto Aquele de quem estamos falando. Na verdade ninguém pode sondar sua profundidade."

     Mestre (sorrindo): "Ah! Vejo que você descobriu isto. Vou dizer-lhe uma coisa. Deve-se seguir diversos caminhos. Deve-se praticar cada credo durante um certo tempo. No jogo de sattrancha uma peça não pode atingir o quadrado do centro enquanto não tiver completado o círculo, mas uma vez no quadrado, não pode ser tomada por qualquer outra peça."

     M.: "É verdade, senhor."

     Mestre: "Há duas classes de yogis: os vahudakas e kutichakas. Os vahudakas peregrinam visitando diversos lugares santificados e ainda não encontraram paz de espírito. Os kutichakas, porém, tendo já visitado todos os lugares sagrados, acalmaram suas mentes. Sentindo-se serenos e em paz, instalam-se num lugar e não mais se mudam dali. Nesse lugar são felizes: não sentem necessidade de ir a qualquer outro lugar, são felizes. Se um deles alguma vez visitar um lugar de peregrinação, será somente com o propósito de obter nova inspiração."

     "Tive de praticar cada religião, durante certo tempo: hinduísmo, islamismo, cristianismo. Além disso segui o caminho dos shaktas, vaishnavas e vedantistas. Realizei que há apenas um Deus, em direção ao qual todos estão se dirigindo: mas os caminhos são diferentes."

     "Ao visitar os lugares santificados, às vezes eu sofria muita agonia. Uma vez fui com Mathur à casa de Raja Babu em Benares. Lá só se falava de assuntos mundanos - dinheiro, propriedade e coisas assim. Comecei a chorar, dizendo à Mãe Divina: `Mãe! Aonde Tu me trouxeste? Eu estava muito melhor em Dakshineswar.' Em Allahabad vi as mesmas coisas que já tinha visto em outros lugares os mesmos lagos, a mesma grama, as mesmas árvores, as mesmas folhas de tamarindo."

     "Mas sem dúvida nenhuma, uma pessoa encontra inspiração em lugares sagrados. Acompanhei Mathur Babu em Vrindavan. Hriday e as senhoras da família de Mathur faziam parte de nosso grupo. Mal vi o Ghat de Kaliyadaman, fui tomado por uma emoção divina. Fiquei completamente deslumbrado. Hriday costumava me banhar ali, como se eu fosse uma criancinha."

     "Ao entardecer eu caminhava às margens do Jamuna, quando o rebanho de vacas voltava do pasto ao longo das margens arenosas. À simples visão daquelas vacas, o pensamento de Krishna passou de relance pela minha mente. Corria, gritando como um louco: `Ó, onde está Krishna? Onde está o meu Krishna?' "

     "Fui para Syamakunda e Radhakunda num palanquim e saí para visitar o sagrado Monte Govardhan. À vista dele, fui tomado por uma emoção divina e corri até o cume. Perdi completamente a consciência do mundo em minha volta. Os habitantes do lugar ajudaram-me a descer. A caminho dos lagos sagrados de Syamakunda e Radhakunda, vi os campos, as árvores, os arbustos, os pássaros e os veados, e então, entrei em êxtase, com as roupas molhadas pelas lágrimas. Disse: `Ó Krishna! Tudo aqui está como era nos tempos antigos. Só Tu estás ausente.' Sentado no interior do palanquim, perdi a fala. Hriday seguia o palanquim. Havia pedido aos condutores que tivessem cuidado comigo."

     "Gangamayi tornou-se muito amiga minha em Vrindavan. Era uma velha senhora que vivia sozinha numa cabana perto de Nidhuvan. Referindo-se à minha condição espiritual e êxtase, disse: `Ele é realmente, a Encarnação de Radha.' Chamava-me `Dulali'. Quando estava com ela, costumava esquecer-se de comer, beber, tomar banho e nem tinha qualquer pensamento de voltar para casa. Alguns dias Hriday costumava-me trazer comida de casa e alimentar-me. Gangamayi também me servia comida feita por suas próprias mãos."

     "Gangamayi costumava ter transes. Nessas ocasiões uma grande multidão costumava vir vê-la. Um dia, em êxtase, pulou nos ombros de Hriday."

     "Eu não queria deixá-la e voltar para Calcutá. Tudo foi arranjado para que eu ficasse. Eu comeria arroz cozido duas vezes e nossas camas ficariam em cada canto da cabana. Quando tudo já estava pronto, Hriday disse: `O senhor tem um estômago muito fraco. Quem cuidará do senhor?' `Ora', disse Gangamayi. `Eu cuidarei dele. Serei sua atendente.' Como Hriday me puxasse de um lado e ela do outro, lembrei-me de minha mãe que estava vivendo sozinha no nahabat do templo. Achei que era impossível para mim, ficar longe dela e disse para Gangamayi: `Não, tenho que ir. Gostei muito da atmosfera de Vrindavan'."

     Mais ou menos às onze horas da manhã, o Mestre tomou sua refeição do que havia sido oferecido no templo de Kali. Depois da sesta, continuou a conversar com os devotos. De vez em quando repetia a palavra sagrada "Om" ou os sagrados nomes das divindades.

     Depois do pôr do sol foi feito o culto da tarde, nos templos. Uma vez que se tratava do dia de Vijaya, os devotos saudaram primeiro a Mãe Divina e depois, tomaram a poeira dos pés do Mestre.

Terça-feira, 24 de outubro de 1882

     Eram três ou quatro horas da tarde. O Mestre estava de pé perto da estante onde guardava a comida, quando Balaram e M. chegaram de Calcutá e saudaram-no. Sri Ramakrishna disse-lhes, com um sorriso: "Ia pegar uns doces da prateleira, mas assim que pus minha mão neles, uma lagartixa caiu em cima de mim. Imediatamente tirei a mão.(Todos riem)."

     "Ó sim! Devemos prestar atenção a todas essas coisas. Vejam, Rakhal está doente, meus membros doem também. Sabem qual é a causa? Hoje de manhã quando me levantei da cama, vi uma pessoa por quem tomei por Rakhal. (Todos riem). Ó sim! A aparência física deve ser analisada. Outro dia Narendra trouxe um dos seus amigos, um homem com apenas um olho sadio, embora o outro não estivesse totalmente cego. Disse a mi mesmo: `O que é esse problema que Narendra trouxe com ele?' "

     "Uma pessoa vem aqui, mas não posso comer o que ela traz. Trabalha num escritório, ganhando um salário de vinte rupias e outras vinte, fazendo falsificações. Não posso pronunciar uma só palavra em sua presença, porque diz mentiras. Às vezes fica aqui durante dois ou três dias sem ir trabalhar. Sabe qual é a razão? É para que eu o recomende a alguém para que consiga emprego em algum lugar."

     "Balaram é de uma família de devotos vaishnavas. Seu pai, agora já velho, é um devoto piedoso. Tem um tufo de cabelos na cabeça, um rosário de contas de tulsi no pescoço e uma corrente de contas na mão. Passa o tempo repetindo o nome de Deus. Tem propriedades em Orissa e construiu templos para RadhaKrishna em Kothar, Vrindavan e outros lugares, e também, casas de hóspedes."

     (A Balaram): "Outro dia veio aqui um homem que, entendi, é escravo daquela megera que é sua esposa. Por que uma pessoa não vê Deus? Por causa da barreira de `mulher e ouro'. Como foi leviano ao dizer, no outro dia: `Um paramahamsa veio ver meu pai que lhe deu galinha ao curry para comer!' "

     "No meu atual estado mental, só posso tomar um pouco de sopa de peixe se tiver sido previamente oferecida à Mãe Divina. Não posso comer carne de espécie alguma, mesmo que tenha sido oferecida à Mãe Divina, mas a provo com a ponta do meu dedo, com medo d'Ela ficar zangada. (Risada)."

     "Bem, podem explicar esse meu estado mental? Certa vez eu estava ido de Burdwan para Kamarpukur, num carro de boi, quando desabou uma violenta tempestade. Algumas pessoas juntaram-se perto do carro. Meus companheiros disseram que se tratava de assaltantes. Comecei a repetir os nomes de Deus, às vezes o de Kali, outras, o de Rama ou Hanuman. O que acha disso?"

     Estava o Mestre querendo dizer que Deus é um só, mas é chamado de maneira diferente pelas diversas seitas?

     Mestre (a Balaram): "Maya é apenas `mulher e ouro'. Um homem que vive nesse meio, aos poucos perde a consciência espiritual. Pensa que tudo está bem com ele. Um catador de lixo leva uma vasilha na cabeça e ao longo do tempo, perde a repulsa. Uma pessoa gradualmente adquire amor a Deus pela prática de cantar Seu santo nome e Suas glórias. (A M.): Não se deve ter vergonha de cantar o santo nome de Deus. Como diz o ditado: `Uma pessoa não será bem sucedida enquanto tiver uma dessas três coisas: vergonha, ódio e medo'."

     "Em Kamarpukur cantam o kirtan muito bem, com acompanhamento de tambores."

     (A Balaram): "Já instalaram alguma imagem em Vrindavan?"

     Balaram: "Sim, senhor. Temos um bosque onde Krishna é adorado."

     Mestre: "Estive em Vrindavan. O bosque de Nidhu é realmente muito lindo."