Índice Superior Vai para o próximo: Capítulo 6
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Em 1881 Hriday foi despedido do serviço do templo de Kali, devido a uma indiscrição e foi proibido de voltar ao templo. De uma certa maneira a mão da Mãe Divina foi vista mesmo nesse acontecimento. Tendo tomado conta de Sri Ramakrishna, durante seus tormentosos dias de disciplina espiritual, Hriday naturalmente passou a se considerar o único guardião de seu tio. Ninguém podia aproximar-se do Mestre, sem seu conhecimento. Ficava muito ciumento se Sri Ramakrishna prestasse atenção a qualquer outra pessoa. O afastamento de Hriday tornou possível aos verdadeiros devotos do Mestre, aproximarem-se livremente e viverem com ele no templo.
Nos fins de semana, os chefes de família aliviados de suas obrigações de trabalho, visitavam o Mestre. Os encontros nas tardes de domingo tinham o sabor de pequenos festivais. Eram frequentemente oferecidos lanches. De vez em quando músicos profissionais entoavam cânticos devocionais. O Mestre e os devotos cantavam e dançavam. Sri Ramakrishna muitas vezes entrava em estado extático. A feliz lembrança desses domingos permanecia por longo tempo na memória dos devotos. Aqueles a quem o Mestre desejava dar instrução especial, mandava que o procurassem nas terças-feiras e sábados. Esses dias eram particularmente auspiciosos para o culto de Kali.
Os jovens discípulos destinados a serem monges eram convidados por Sri Ramakrishna nos fins de semana, quando então, os chefes de família não estavam presentes. O treinamento de chefes de família e dos futuros monges tinha que seguir linhas completamente diferentes. Uma vez que M. geralmente visitava o Mestre nos fins de semana, o Evangelho de Sri Ramakrishna não faz muita menção aos futuros discípulos monásticos.
Finalmente houve um grupo de discípulos afortunados, chefes de família, assim como jovens, que tiveram o privilégio de passar as noites com o Mestre. Viam-no acordar cedo e andar de um lado para o outro no quarto, cantando com voz doce e conversando afetuosamente com a Mãe.
Um dia, em janeiro de 1884, o Mestre dirigia-se ao bosque de pinheiros, quando entrou em transe. Estava sozinho. Não havia ninguém para segurá-lo nem guiar seus passos. Caiu e deslocou um dos ossos de seu braço. Esse acidente teve uma influência importante em sua mente, cuja inclinação natural era pairar acima da consciência do corpo. A dor aguda do braço forçou sua mente a permanecer na consciência do corpo e do mundo exterior, mas mesmo nisso viu um propósito divino porque, com a mente obrigada a ficar no plano físico, compreendeu mais do que nunca que era um instrumento nas mãos da Mãe Divina, que tinha uma missão a cumprir através do corpo e da mente. Descobriu também, que no mundo fenomenal, Deus manifesta-Se de uma maneira inescrutável por meio de diversos seres humanos, tanto bons como maus. Assim referia-se a Deus sob o disfarce de mau, Deus sob o disfarce de piedoso, Deus sob o disfarce de hipócrita, Deus sob o disfarce de licencioso. Começou a sentir uma alegria especial observando o jogo divino no mundo relativo. Às vezes o relacionamento humano com Deus parecia-lhe mais atraente do que o Conhecimento de Brahman que tudo apaga. Muitas vezes orava: "Mãe, não me tornes inconsciente através do Conhecimento de Brahman. Não me dês Brahmajnana, Mãe. Não sou Teu filho e naturalmente, tímido? Necessito de minha Mãe. Um milhão de saudações ao Conhecimento de Brahman. Dá esse Conhecimento àqueles que o desejem." Orava também: "Ó Mãe, deixa-me ficar em contato com os homens! Não me tornes um asceta seco. Desejo gozar Teu jogo no mundo." Ele era capaz de apreciar essa experiência divina muito rica e gozar o amor de Deus em companhia de Seus devotos porque sua mente, em consequência do acidente com o braço, foi obrigada a descer à consciência do corpo. Assim também zombava das pessoas que o proclamavam uma Encarnação Divina, apontando para o braço quebrado e dizendo: "Você já ouviu falar que Deus tivesse quebrado o braço?" A cura do braço levou mais ou menos cinco meses.
Em abril de 1885 a garganta do Mestre ficou inflamada. Conversas prolongadas ou absorção em samadhi, fazendo o sangue fluir para a garganta, agravava a dor. Contudo quando o festival anual vaishnava foi celebrado em Panihati, Sri Ramakrishna compareceu, apesar do conselho médico. Com um grupo de discípulos, desgastou-se na música, dança e êxtase. A doença piorou e foi diagnosticada como "dor de garganta do pregador". O paciente foi advertido contra conversa e êxtases. Embora seguisse as recomendações médicas, no que dizia respeito a remédios e dieta, não podia controlar os transes, nem se afastar dos que procuravam o consolo de seus conselhos. Às vezes, como uma criança zangada, queixava-se à Mãe sobre a multidão de pessoas que não lhe davam descanso dia e noite. Ouviam-no dizer a Ela: "Por que trazes aqui tanta gente sem valor, que é como leite diluído em cinco vezes a mesma medida de água? Meus olhos estão quase destruídos, tentando soprar o fogo para secar a água. Minha saúde acabou. Está além de minhas forças. Fazes Tu mesma se quiseres que isso seja feito. Este (apontando para seu próprio corpo) é somente um tambor furado e se Tu continuares a bater nele dia e noite, quanto tempo durará?"
Seu grande coração jamais mandou alguém embora. Dizia: "Que eu seja condenado a nascer muitas vezes, mesmo sob a forma de um cachorro se servir de ajuda a uma simples alma." Aguentava a dor, cantando alegremente. "Que o corpo se preocupe com a doença, mas Tu, Ó mente, mora para sempre na Felicidade de Deus!"
Uma noite teve uma hemorragia na garganta. O médico diagnosticou a doença, como câncer. Narendra foi o primeiro a levar aos discípulos essa notícia arrasadora. Em três dias o Mestre foi removido para Calcutá a fim de ter melhor atendimento. Ficou na casa de Balaram uma semana até que foi encontrado um lugar mais adequado em Syampukur, na parte norte de Calcutá. Durante essa semana dedicou-se praticamente sem descanso, à instrução daqueles discípulos queridos que não podiam visitá-lo com mais frequência em Dakshineswar. Palestras fluíam de sua boca e muitas vezes entrava em samadhi. Dr. Mahendra Sarkar, o famoso médico homeopata de Calcutá, foi convidado a assumir o tratamento.
No começo de 1885, Sri Ramakrishna foi removido para Syampukur. Ali Narendra organizou os jovens discípulos para que o Mestre fosse atendido dia e noite. No início esconderam a doença do Mestre e de suas famílas, mas quando ela se agravou, permaneceram com ele, praticamente o tempo todo, pondo de lado as objeções de seus parentes e dedicando-se de todo o coração, a tratar de seu querido guru. Esses jovens, sob os olhares atentos do Mestre e sob a direção de Narendra, tornaram-se antaranga bhaktas, devotos do círculo íntimo de Sri Ramakrishna. Tiveram o privilégio de testemunhar muitas manifestações dos poderes divinos do Mestre. Narendra recebeu instruções concernentes à propagação de sua mensagem após sua morte.
A Santa Mãe - assim ficou Sarada Devi afetuosamente conhecida pelos devotos de Sri Ramakrishna - foi trazida de Dakshineswar, a fim de cuidar da cozinha e preparar a dieta especial do paciente. Sendo o lugar de dimensões extremamente limitadas, teve de se adaptar ao exíguo espaço disponível. Às três horas da manhã terminava o banho no Ganges e ia para um lugar pequeno, coberto, no terraço, onde passava o dia inteiro, cozinhando e orando. Depois das onze da noite, quando os visitantes iam embora, descia para um pequeno quarto no primeiro andar, a fim de desfrutar algumas poucas horas de sono. Assim ela passou três meses, trabalhando duro, dormindo pouco e orando incessantemente pela recuperação do Mestre.
Em Syampukur os devotos levavam uma vida intensa. O atendimento ao Mestre era em si mesmo, uma forma de disciplina espiritual. Sua mente elevava-se constantemente a um plano exaltado de consciência. De vez em quando eles eram contagiados pelo seu fervor espiritual. Procuravam adivinhar o significado dessa doença do Mestre, a quem a maioria deles havia aceito como uma Encarnação Divina. Um grupo, encabeçado por Girish, com seu profundo otimismo e grande poder de imaginação, acreditava que a doença era um mero pretexto para servir a um propósito mais profundo. O Mestre havia desejado a doença a fim de manter os devotos unidos e promover solidariedade entre eles. Logo que esse propósito fosse alcançado, ele se livraria da doença. Um segundo grupo pensava que a Mãe Divina em cujas mãos o Mestre era um instrumento, havia ocasionado essa doença para servir Seus misteriosos propósitos. Os jovens racionalistas, liderados por Narendra, porém, recusavam-se a atribuir uma causa sobrenatural a um fenômeno natural. Acreditavam que o corpo do Mestre, uma coisa material, estava sujeito, como todas as outras coisas materiais, às leis físicas. Crescimento, desenvolvimento, decadência e morte eram leis da natureza às quais o corpo do Mestre só poderia estar sujeito. Embora possuindo pontos de vista diferentes, todos acreditavam que somente a ele deveriam recorrer para atingir a meta espiritual.
Apesar dos esforços do médico e das orações e cuidados dos devotos, a doença rapidamente progrediu. A dor às vezes parecia insuportável. O Mestre vivia apenas de alimentação líquida e seu frágil corpo estava se tornando um simples esqueleto. O rosto, contudo, estava sempre irradiando alegria e continuava dando as boas vindas aos visitantes que acudiam em multidão, para receberem suas bênçãos. Quando alguns devotos zelosos quiseram manter os visitantes afastados, foram advertidos por Girish: "Vocês não podem conseguir isso; ele nasceu com essa finalidade - sacrificar-se para a redenção dos outros."
Quanto mais o corpo era consumido pela doença, mais ele se tornava a morada do Espírito Divino. Através de sua transparência os deuses e deusas começaram a brilhar com uma luminosidade crescente. No dia do Kali Puja, os devotos viram claramente nele, a manifestação da Mãe Divina.
Por esta época, notou-se que alguns devotos faziam uma descontrolada exibição de suas emoções. Um certo número deles, particularmente entre os chefes de família, começaram a cultivar, embora a princípio inconscientemente a arte de derramar lágrimas, sacudir o corpo, contorcer o rosto, entrar em transe, tentando dessa maneira, imitar o Mestre. Abertamente começaram a declarar Sri Ramakrishna, uma Encarnação Divina e a se olharem como seus escolhidos, que poderiam negligenciar suas disciplinas espirituais impunemente. Os olhos penetrantes de Narendra compreenderam a situação. Descobriu que algumas dessas manifestações exteriores haviam sido cuidadosamente ensaiadas em casa, enquanto que outras, eram expressões de má nutrição, fraqueza mental ou debilidade nervosa. Desmascarou duramente os devotos que fingiam ter visões e pediu a todos para desenvolver um espírito religioso saudável. Narendra entoava canções inspiradoras para os devotos jovens, lia com eles a Imitação de Cristo e o Gita e colocou à sua frente, os ideais positivos de espiritualidade.
Quando a doença de Sri Ramakrishna mostrou sinais de agravamento, os devotos, seguindo o conselho do Dr. Sarkar, alugaram uma espaçosa chácara em Cossipore, subúrbio ao norte de Calcutá. O Mestre foi removido para esse lugar, no dia 11 de dezembro de 1885.
Foi em Cossipore que a cortina caiu nas variadas atividades da vida do Mestre no plano físico. Sua alma ainda ia demorar oito meses no corpo. Foi o período de uma grande Paixão, uma crucificação constante do corpo e a revelação triunfante da Alma. Aqui se pode ver o lado humano e divino do Mestre, passando e tornando a passar pela fina linha divisória. Cada minuto desses oito meses foram tomados por uma suavidade do coração e uma maravilhosa elevação do espírito. Cada palavra que pronunciava estava cheia de simpatia e sublimidade.
O grupo levou apenas alguns dias para se ajustar ao novo ambiente. A Santa Mãe, ajudada pela sobrinha de Sri Ramakrishna, Lakshmi Devi e algumas devotas, encarregaram-se da comida do Mestre e de seus atendentes. Espontaneamente, Surendra cobria a maior parte das despesas e os outros chefes de família contribuíam de acordo com seus meios. Doze discípulos eram atendentes constantes do Mestre: Narendra, Rakhal, Baburam, Niranjan, Jogin, Latu, Tarak, Gopal mais velho, Kali, Sashi, Sarat e o jovem Gopal, Sarada, Harish, Hari, Gangadhar e Tulasi visitavam o Mestre de vez em quando e praticavam sadhana em suas casas. Narendra, preparando-se para os exames de Direito, trouxe seus livros para a chácara a fim de continuar a estudar nos poucos momentos livres. Encorajou seus discípulos irmãos a intensificar a meditação, estudo das escrituras e outras disciplinas espirituais. Todos esqueceram-se de seus parentes e obrigações mundanas.
Entre os atendentes, Sashi era a personificação do serviço. Não praticava meditação, japa ou qualquer outra disciplina seguida pelos seus devotos irmãos. Estava convencido de que o serviço ao guru era sua única religião. Esquecia-se de comer, descansar e estava sempre à cabeceira do Mestre.
O pundit Shashadhar um dia sugeriu ao Mestre que deveria curar sua doença, concentrando a mente na garganta, uma vez que as escrituras declaravam que os yogis tinham o poder de se curarem dessa maneira. O Mestre repreendeu o pundit: "Como um erudito como você, faz uma tal proposta!" disse, "Como posso retirar minha mente dos Pés de Lótus de Deus e colocá-la nessa gaiola sem valor de carne e sangue?" "Pelo menos pelo nosso bem", imploraram Narendra e outros discípulos. "Mas", respondeu Sri Ramakrishna. "Pensam vocês que estou gostando desse sofrimento? Desejo recuperar-me, mas isso depende da Mãe."
Narendra: "Então por favor, ore a Ela. Ela deverá escutá-lo."
Mestre: "Mas não posso rezar pelo corpo."
Narendra: "Mas o senhor tem que fazer isso, pelo menos para nós."
Mestre: "Muito bem, vou tentar."
Algumas horas mais tarde, o Mestre disse a Narendra: "Falei com Ela: `Mãe, não posso engolir por causa da dor. Faz com que eu coma um pouco.' Ela apontou para todos vocês e disse:: `O que? Tu estás comendo suficiente através de todas essas bocas. Não é assim?' Fiquei envergonhado e não pude pronunciar uma palavra." Isso pôs por terra todas as esperanças dos devotos da recuperação do Mestre.
"Tornarei tudo público antes de ir embora", o Mestre dissera algum tempo antes. No dia 1 de janeiro de 1886 sentiu-se melhor e desceu ao jardim para um pequeno passeio. Eram aproximadamente três horas da tarde. Uns trinta discípulos leigos estavam no hall ou sentados sob as árvores. Sri Ramakrishna disse a Girish: "Bem, Girish o que você vê em mim, que o faz proclamar-me diante de todo o mundo uma Encarnação de Deus?" Girish não era homem para ser tomado de surpresa. Ajoelhou-se ante o Mestre e disse de mãos postas: "O que pode uma pessoa insignificante como eu falar a respeito do Uno cujas glórias sábios como Vyasa e Valmiki não puderam medir?" O Mestre ficou profundamente comovido. Disse: "O que mais posso dizer? Abençôo a todos vocês. Sejam iluminados!" Entrou em estado espiritual. Ouvindo essas palavras, os devotos, um a um, foram tomados pela emoção. Precipitaram-se para ele e caíram a seus pés. Ele os tocou, cada um recebeu a bênção que necessitava. Ao toque do Mestre, cada um, experimentou uma felicidade inefável. Alguns riam, outros choravam, outros sentavam-se para meditar, outros oravam. Uns viram luz, alguns tiveram a visão de seus Ideais Escolhidos e alguns sentiram dentro de seus corpos, a precipitação da força espiritual.
Narendra, consumido por uma febre terrível de realização, queixou-se ao Mestre que todos os outros haviam conseguido paz e que somente ele, não havia ficado satisfeito. O Mestre perguntou-lhe o que queria. Narendra pediu-lhe samadhi, para que pudesse esquecer o mundo por três ou quatro dias. "Você é um tolo", o Mestre retrucou. "Há um estado ainda mais alto do que esse. Não é você quem canta, `Tudo o que existe és Tu?' Primeiramente acerte o seu relógio familiar e depois, venha para mim. Você experimentará um estado ainda mais elevado do que o samadhi."
O Mestre não escondia o fato de que desejava fazer de Narendra o seu herdeiro espiritual. Narendra deveria continuar a obra depois da morte de Sri Ramakrishna. Sri Ramakrishna disse-lhe: "Deixo esses jovens a seu cargo. Veja que desenvolvam a espiritualidade e não voltem para casa." Um dia pediu aos rapazes, que estavam se preparando para a vida monástica, para mendigar comida de porta em porta, sem pensamento de casta. Obedeceram à ordem do Mestre e saíram com as tigelas de pedinte. Poucos dias mais tarde deu a roupa ocre de sannyasin a cada um deles, incluindo Girish, que se tornara incomparável em seu espírito de renúncia. Assim o próprio Mestre lançou as fundações da Ordem Ramakrishna de Monges.
Sri Ramakrishna piorava dia a dia. Sua dieta foi reduzida ao mínimo e achava quase impossível engolir. Murmurou para M.:
"Estou aguentando tudo isso com alegria, porque do contrário, vocês todos estariam chorando. Se vocês todos dizem que é melhor que o corpo se vá a sofrer essa tortura, estou pronto." Na manhã seguinte disse a seus discípulos deprimidos, sentados ao lado da cama. "Vocês sabem o que vejo? Vejo que só Deus tornou-Se tudo. Os homens e animais são somente estruturas cobertas de pele e é Ele quem está movendo-se através de suas cabeças e membros. Vejo que foi o Próprio Deus quem Se tornou o cadafalso, o carrasco e a vítima para o sacrifício." Desmaiou de emoção. Retornando à consciência parcial disse: "Agora não tenho dor. Estou muito bem." Olhando para Latu disse: "Aí está Latu descansando a cabeça na palma de sua mão. Para mim é o Senhor quem está sentado nessa postura."
As palavras foram doces e tocantes. Como se fosse uma mãe, gentilmente acariciava Narendra e Rakhal. Disse num sussurro a M.:
"Tivesse esse corpo tido permissão para durar um pouco mais, muitas almas teriam sido iluminadas." Parou por um momento e então, disse: "Mas a Mãe ordenou outra coisa. Ela vai me levar senão, achando-me ingênuo e tolo, as pessoas tirariam vantagem de mim e me persuadiriam a lhes doar os raros dons da espiritualidade." Poucos minutos depois, tocando o peito disse: "Aqui há dois seres. Um deles é Ela e o outro, Seu devoto. Foi esse último que quebrou o braço e é ele quem, de novo, está agora doente. Vocês me compreendem?" Depois de uma pausa, acrescentou: "Ó! A quem vou contar tudo isso? Quem vai me compreender?" "A dor", consolou-os de novo, "é inevitável enquanto houver corpo. O Senhor toma um corpo, para o bem de Seus devotos".
Não se sabe, contudo, se a alma do Mestre realmente estava torturada por essa doença cruciante. Pelo menos nos seus momentos de exaltação espiritual - que tornaram quase constantes nos últimos dias de sua vida na terra - perdeu completamente a consciência do corpo, da doença e do sofrimento. Um dos seus atendentes disse mais tarde: Enquanto Sri Ramakrishna esteve doente, nunca realmente sofreu dor. Muitas vezes disse:
"Ó mente! Esqueça o corpo, esqueça a doença e permaneça mergulhada em Bem-aventurança.' Não, ele na verdade não sofreu realmente. Houve momentos em que esteve num estado em que o enlevo da alegria se manifestava claramente em seu corpo. Mesmo quando não podia falar, de qualquer maneira fazia-nos saber que não havia sofrimento e este fato era claramente evidente para todos nós que o observávamos. As pessoas que não o compreendiam pensavam que seu sofrimento era muito grande. Que alegria espiritual nos transmitiu naquela época! Poderia tal coisa ser possível se ele estivesse sofrendo fisicamente? Foi nesse período que nos ensinou novamente estas verdades: `Brahman está sempre desapegado. Os três gunas estão n'Ele, mas Ele não é afetado por eles, assim como o vento carrega o cheiro, mas permanece sem cheiro.' Brahman é o Ser Infinito, Sabedoria Infinita, Bem-aventurança Infinita. N'Ele não existe desilusão, miséria, doença, nem morte, nem crescimento, nem decadência.' `O Ser Transcendental e o ser inferior são um e o mesmo. Há uma Existência Absoluta'."
A Santa Mãe secretamente foi ao templo de Shiva do outro lado do Ganges, para interceder ante a Divindade, pela recuperação do Mestre. Numa revelação foi-lhe dito que se preparasse para o final inevitável.
Um dia, quando Narendra estava no andar térreo, meditando, o Mestre estava deitado, acordado, em sua cama, no andar de cima. Nas profundezas de sua meditação, Narendra sentiu como se um lampião estivesse queimando na parte de trás de sua cabeça. Subitamente perdeu a consciência. Era a experiência tão ansiada do Nirvikalpa Samadhi que tudo apaga, quando a alma encarnada realiza sua unidade com o Absoluto. Depois de muito tempo recobrou a consciência parcial, mas ficou incapaz de encontrar o corpo, só podia ver a cabeça.
"Onde está meu corpo?" gritou. Gopal mais velho entrou no quarto e disse, "Ora, está aqui, Naren!" Mas Narendra não podia encontrá-la. Gopal, assustado, correu para cima, até o Mestre. Sri Ramakrishna apenas disse: "Deixe-o ficar desse jeito durante um certo tempo. Ele já me importunou bastante."
Depois de outro longo período, Narendra recobrou totalmente a consciência. Banhado em paz, foi ao Mestre que disse: "Agora a Mãe mostrou-lhe tudo, mas esta revelação ficará trancada e guardarei a chave comigo. Quando você tiver feito o trabalho da Mãe, encontrará o tesouro novamente."
Alguns dias mais tarde, estando Narendra sozinho com o Mestre, Sri Ramakrishna olhou para ele e entrou em samadhi. Narendra sentiu a penetração de uma força sutil e perdeu a consciência exterior. Retomando ao seu estado normal, encontrou o Mestre chorando.
Sri Ramakrishna disse-lhe: "Hoje dei-lhe tudo de mim e agora, sou apenas um pobre faquir, não possuindo nada mais. Com esse poder, você fará um bem imenso ao mundo e somente quando ele estiver pronto, você voltará." Dali em diante o Mestre viveu no discípulo.
A dúvida, contudo, custa a morrer. Depois de um ou dois dias, Narendra disse para si mesmo: "Se em meio de uma terrível dor física, ele declarar sua Divindade, só então, o aceitarei como uma Encarnação Divina." Estava sozinho ao lado da cama do Mestre. Foi um pensamento passageiro, mas o Mestre sorriu. Juntando a força que lhe sobrava, disse-lhe claramente: "Aquele que foi Rama e Krishna é agora, nesse corpo, Ramakrishna - mas não no seu sentido vedantista." Narendra foi tomado de vergonha.
Domingo, 15 de agosto de 1886. O pulso do Mestre tornou-se irregular. Os devotos estavam de pé, junto à cama. Ao entardecer, Sri Ramakrishna teve dificuldade de respirar. Pouco tempo depois queixou-se de fome. Um pouco de comida líquida foi colocada em sua boca: uma parte foi engolida e o restante escorreu pelo queixo. Dois atendentes começaram a abaná-lo. Imediatamente entrou em samadhi de um tipo incomum. O corpo tornou-se rígido. Sashi começou a chorar, mas depois da meia-noite, o Mestre reviveu. Estava agora com muita fome e serviu-se de uma tigela de mingau. Disse que estava suficientemente forte de novo. Sentou-se em cima de cinco ou seis travesseiros, escorados pelo corpo de Sashi que o abanava. Narendra colocou os pés no seu colo e começou a massageá-los. Repetidamente, o Mestre disse-lhe, "Tome conta desses rapazes." Então pediu para se deitar. Por três vezes, num tom ritmado, chamou pelo nome de Kali, a Bem-amada de sua vida e voltou-se a se deitar. Dois minutos depois de uma hora, ouviu-se um som baixo, vindo da garganta e ele tombou para um lado. Um arrepio cobriu seu corpo. O cabelo ficou em pé, os olhos fixaram-se na ponta do nariz. O rosto iluminou-se com um sorriso. O êxtase final começou. Era o mahasamadhi, total absorção, do qual a mente jamais volta. Narendra, incapaz de suportar, desceu as escadas correndo.
Dr. Sarkar chegou ao meio-dia seguinte e declarou que a vida havia ido embora há mais de meia hora. Às cinco horas o corpo do Mestre foi trazido para baixo, colocado numa padiola, vestido com roupa ocre e enfeitado com pasta de sândalo e flores. Formou-se uma procissão. Os transeuntes choravam enquanto o corpo era levado para o crematório, no Ghat de Baranagore, no Ganges. Quando os devotos estavam voltando para a chácara, carregando a urna com as cinzas sagradas, uma resignação calma desceu sobre suas almas e eles gritaram: "Salve o Guru!"
A Santa Mãe estava chorando no quarto, não pelo marido, mas porque sentia que a Mãe Kali a havia abandonado. Quando estava a ponto de colocar os símbolos de um viúva indiana, num momento de revelação, ouviu as palavras de fé, "Apenas passei de um cômodo para o outro."