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Nunca estivemos tão perto da paz. Mas, ao mesmo tempo, jamais ela nos pareceu tão distante. Já podemos curar doenças que até bem pouco tempo atrás eram terrivelmente mortais. Das pranchetas dos cientistas brotam animais e plantas que a natureza não criou.
Em laboratórios que fariam inveja a filmes de ficção científica, surgem robôs capazes de executar todo tipo de serviço, da faxina doméstica à pesquisa espacial. São olhos eletrônicos que espionam os confins do universo em busca de nossos eventuais parceiros distantes na aventura da vida.
Médicos ousam substituir corações, rins e membros avariados por órgãos biônicos criados em oficinas. Maravilhas.
Ao olharmos em volta, porém, damos de cara com os terríveis subprodutos desse desenvolvimento: miséria, violência, medo.
A humanidade atingiu o limiar de uma nova era e vive, agora, uma espécie de dor do crescimento. Deixamos de ser crianças, mas ainda não sabemos nos portar como gente grande.
Acumulamos conhecimentos em quantidade. Mas, sem sabedoria para usá-los, podemos destruir-nos e ao mundo que habitamos.
Felizmente, uma nova consciência está se estabelecendo no espírito de grande parte das pessoas. Ela inspira outra maneira de ver as coisas em ciência, filosofia, arte e religião.
Somos os espectadores privilegiados e os atores principais de mais este ato da "comédia humana". Trata-se de um momento de síntese, integração e globalização. Nesta fase, a humanidade é chamada a colar as partes que ela mesma separou nos cinco séculos em que se submeteu à ditadura da razão.
Esse esforço começa a se fazer necessário porque a crise de fragmentação chegou a limites extremos e ameaça a sobrevivência de todas as formas de vida sobre a Terra.
Dividimos arbitrariamente o mundo em territórios, pelos quais matamos e morremos. Já se produziram armas nucleares que poderiam destruir várias vezes o nosso planeta. A loucura e a competição são tão ferozes que ignoram o óbvio: não haverá uma segunda Terra para ser destruída, nem ninguém ou coisa alguma para acionar o gatilho atômico depois da primeira vez.
Quebramos a unidade do conhecimento e distribuímos os pedaços entre os especialistas. Aos cientistas, demos a natureza; aos filósofos, a mente; aos artistas, o belo; aos teólogos, a alma.
Não satisfeitos, fragmentamos a própria ciência, espalhando-a pelos domínios da matemática, da física, da química, da biologia, da medicina e de tantas outras disciplinas. O mesmo ocorreu com a filosofia, a arte e a religião, cada um desses ramos se subdividindo ao infinito.
Como conseqüência, o mundo do saber tornou-se uma verdadeira "torre de babel", em que os especialistas falam cada qual a sua língua e ninguém se entende.
A mais ameaçadora de todas as fragmentações, no entanto, foi a que dividiu os homens em corpo, emoção, razão e intuição, porque ela nos impede de raciocinar com o coração e de sentir com o cérebro.
Autor da Teoria da Relatividade, o físico Albert Einstein demonstrou no início do século passado que tudo no universo é formado pela mesma energia1, do mesmo modo que, embora vistos como diferentes, o gelo e o vapor são em último caso apenas água ...
Desse modo, a fragmentação só existe no pensamento humano, cuja propriedade essencial é justamente classificar, dividir e fracionar para, em seguida, estabelecer relações entre esses fragmentos.
Recuperar a unidade perdida significa reconquistar a paz. Mas, desta vez, o inimigo a derrotar não é estrangeiro. Ele mora dentro de nós. É a força que isola o homem racional de suas emoções e intuições.
Foi a própria ciência moderna que começou a exigir o surgimento de uma nova consciência. Incapazes de responder às questões que eles mesmos formulavam, muitos físicos saíram em busca da psicologia, da religião e das mais importantes tradições2 da humanidade.
Este encontro entre a ciência moderna, os estudos transpessoais e as tradições espirituais constitui o que chamamos de visão holística. É importante que tenhamos uma clara noção dessa mudança de visão e das conseqüências que ela traz para a educação.
Examinemos agora como o próprio conceito de paz foi afetado pela especialização do conhecimento (ver quadro 1).
Quadro 1 | ||||
Visão não fragmentada da energia | ||||
Formas de manifestação e ciências correspondentes | ||||
Quadro sinótico | ||||
Natureza | ||||
Homem | ||||
Sociedade |
A toda ação corresponde uma reação. Essa verdade cristalina é freqüentemente ignorada pela cultura da fragmentação. Assim, é interessante observar como sujeito e objeto, nessa visão do real, estão sempre irremediavelmente separados, do mesmo modo que causa e efeito.
Os perigos de tal concepção são evidentes, e os exemplos, inúmeros. Comportamo-nos como se pudéssemos cortar todas as árvores, como se tivéssemos salvo-conduto para destruir rios e oceanos sem que o planeta nos puna pela ousadia.
Nas relações com os outros homens não é diferente: somos agressivos com as pessoas que nos cercam e reclamamos quando elas nos ferem. Agimos como se nossos atos não tivessem conseqüências, como se as nossas vítimas não pudessem jamais reagir.
Essa visão fragmentária do real bem que poderia ser chamada de "cultura da irresponsabilidade", na medida em que reforça uma confortável mas perigosíssima cegueira sobre as relações entre o sujeito e o objeto.
Um dos principais erros que cometemos ao falar sobre a paz consiste em vê-la sempre como uma aparência, como algo externo ao homem. Assim, dizemos que os homens vivem em paz se eles não estão em guerra, se não há conflito evidente.
Se enxergarmos a paz apenas dessa forma, nossas preocupações se concentrarão no tratamento do conflito e de suas causas específicas. Assim, tudo faremos para obter um desarmamento geral. Obviamente, este é apenas um dos lados do problema, e, aliás, o menos importante.
Mais do que ausência de conflito, a paz é um estado de consciência. Ela não deve ser procurada no mundo externo, mas principalmente no interior de cada homem, comunidade ou nação.
De nada adianta desarmar todos os homens. Eles continuarão a se matar aos socos, se os espíritos não forem pacificados. E, na primeira oportunidade, produzirão máquinas ainda mais mortíferas para se destruir mutuamente.
A paz está dentro de nós. Ou então não existe. Se é na mente dos homens que começam as guerras, então, como disse Robert Muller em 1989, "é nas escolas da Terra que se moldará a nova consciência, capaz de pôr um termo a toda violência"3.
Para entender melhor aonde nos leva a visão da paz como um fenômeno externo ao homem, acompanhemos o seguinte raciocínio: onde não há ódio, não há guerra; nem haverá nunca; também não existirá conflito armado onde não houver armas; mas, se não tratarmos o interior dos homens, bastará que alguém forneça a munição, e o conflito explodirá tão ou mais forte que antes.
O ódio habita o interior das pessoas, enquanto as armas são um sinal exterior. Se olharmos a paz apenas como ausência de guerra, abriremos mão de cultivá-la na consciência dos homens. Ficaremos satisfeitos retirando suas armas.
Se a paz fosse um fenômeno apenas externo ao homem, sua natureza seria cultural, jurídica, social, política ou econômica. Em resumo, as ciências sociais poderiam, sozinhas, desvendar todos os mecanismos pelos quais os povos guerreiam e os homens entram em conflito.
Não é assim. A paz é um fenômeno mais complexo, que exige a contribuição de outras ciências e de outros saberes para ser explicado. Ao afirmarmos isso, contudo, não estamos desmerecendo a enorme contribuição que as ciências sociais deram ao conhecimento das causas e do desenvolvimento da guerra e da paz.
Ainda dentro do quadro de referenciais externos ao homem, podemos distinguir dois estados diferentes da paz:
1) A paz vista como ausência de violência e de guerra dá ênfase ao tratamento do conflito e de suas causas e ao desarmamento geral, conforme já foi dito. Ela desarma os homens, resolve as causas específicas de uma briga, mas é ineficaz para desarmar os espíritos.
Alguns autores entendem que o conflito em si pode ser construtivo e evolutivo. O problema das guerras não estaria aí, e sim na violência, espécie de degeneração do conflito.
A matança de inocentes ou a agressão pura e simples se originariam de uma incapacidade de obter o consenso, solução civilizada para esses conflitos4. Vários especialistas em direito internacional insistem em resolver a questão da violência baseando-se na substituição do conceito jurídico de "guerra justa" pelo de "direito à paz". Em outras palavras, eles querem substituir a lei da força pela força da lei5.
Segundo essa visão, é função dos tribunais internacionais a resolução dos conflitos. Aos juízes caberia dar as sentenças a partir de um princípio essencial: o homem tem direito à paz. Embora nos pareça bastante justa essa perspectiva, acreditamos que ela seja insuficiente para prevenir a eclosão violenta dos conflitos.
Na prevenção propriamente dita, tem prevalecido um conceito muito enraizado entre os povos do mundo, o de "paz armada". Existe até mesmo uma antiqüíssima máxima militar que resume o problema: "Se queres a paz, prepara-te para a guerra". Esse princípio é ensinado e desenvolvido nas escolas militares. Ele apresenta um paradoxo fundamental: a função essencial das Forças Armadas é manter a paz pelo emprego da força. Quando a Organização das Nações Unidas envia suas famosas forças de paz para agir em determinado país, é esse princípio que está sendo aplicado. A postura oposta consiste em afirmar: "Se queres a paz, prepara a paz". Nessa ótica incluem-se os esforços de desarmamento iniciados já no tempo da Sociedade das Nações, antecessora da ONU.
Convém notar, no entanto, que essa última tese não poderá ser posta em prática de maneira completa senão com a condição de que ela seja absolutamente multilateral, ou seja, que se estenda a todas as nações, sem exceção. Caso contrário, corremos o risco de assistir à dominação de muitas nações indefesas, por parte de uma nação armada. Esse é o argumento essencial dos chefes de exércitos nacionais para manter suas organizações e mesmo desenvolvê-las.
Poderíamos citar como precedente histórico os conquistadores europeus - armados até os dentes -, que massacraram as pacíficas populações indígenas da América, explorando-as e escravizando-as. Os cientistas políticos tentam explicar o problema da paz a partir de um ponto de vista diferente, embora também externo ao homem. Segundo eles, a competição e a possessividade nacionalistas constituem fatores importantes da guerra. Para alcançar a paz, esses cientistas preconizam a criação de um governo mundial, do qual a Sociedade das Nações e, posteriormente, a ONU teriam sido uma espécie de fase preparatória.
2) A paz vista como um estado de harmonia e fraternidade entre os homens e as nações parte do pressuposto de que só um trabalho direto e construtivo sobre os grupos e as sociedades poderá pôr fim definitivamente às guerras.
Escolas, jornais, televisão, cinema, teatro, informática e todos os veículos mais modernos6 seriam convidados a participar dessa reeducação das sociedades, com o objetivo de mudar efetivamente o plano das atividades coletivas. Esse é também um dos focos de ação da Unesco.
"Ausência de violência e de guerra" ou "estado de harmonia e fraternidade" podem ser classificados como partes de uma só categoria, que diz respeito às relações entre os homens. Chama-se a isso "ecologia social".
Pode-se estender a noção de paz como estado de harmonia à natureza e ao planeta. A própria Unesco defende a união dos problemas do meio ambiente àqueles da segurança mundial e da paz, conforme esclarece a Declaração de Responsabilidades Humanas para a Paz e o Desenvolvimento Sustentável (veja íntegra na pág. 177):
"Todos os seres pertencem inseparavelmente à natureza, sobre a qual são erigidas a cultura e a civilização humanas. A vida sobre a Terra é abundante e diversa. Ela é sustentada pelo funcionamento ininterrupto dos sistemas naturais que garantem a provisão de energia, ar, água e nutrientes para todos os seres vivos, que dependem uns dos outros e do resto da natureza para sua existência, seu bem-estar e seu desenvolvimento. Toda manifestação de vida sobre a Terra é única, razão pela qual lhe devemos respeito e proteção, independentemente de seu valor aparente para a espécie humana".
Assim, não se pode mais pensar em paz sem relacionar esse conceito ao de "ecologia planetária"7.
Até aqui, falamos em educação de sociedades e nações, mencionamos tribunais internacionais e um governo mundial. Como se pode perceber, tratamos categorias generalizantes, que se referem a amplas comunidades de homens e mulheres. Examinemos agora uma nova perspectiva, que se refere ao sujeito. Falemos, portanto, sobre a paz interior.
Este ponto de vista corresponde ao conteúdo do Preâmbulo do Ato Constitutivo da Unesco, que afirma que:
"as guerras nascem na mente dos homens, e é nele, primeiramente, que devem ser erguidas as defesas da paz8. Poderíamos dar a esta tese o nome de `ecologia interior ou pessoal"'.
Ainda que freqüentemente citado, esse preâmbulo tem sido pouco aplicado, como demonstra um breve estudo que publicamos recentemente9. Essa pesquisa revela, a partir de dados da Unesco, que, nas 310 instituições consagradas ao ensino e à pesquisa sobre a paz, somente um quarto das disciplinas estudadas tem eventualmente relação com a paz interior. Apenas 14% dos trabalhos de pesquisa realizados se concentram nesse assunto.
A idéia de que é na mente dos homens que começam as guerras, base da Declaração de Yamoussoukro, também admite duas variantes:
1) A paz como resultado da ausência ou dissolução de conflitos intrapsíquicos. É uma tese de natureza psicoterápica, segundo a qual a paz será possível por meio do restabelecimento do equilíbrio entre o id e o superego, ou, em outras palavras, entre o coração e a razão, ou entre o instinto e o coração.
2) A paz como um estado de harmonia interior, resultado de uma visão não fragmentada do saber. É uma tese de natureza espiritual, ligada às grandes tradições da humanidade10, assim como aos recentes trabalhos da psicologia transpessoal. Caracteriza-se por ser inseparável do amor altruísta e desinteressado.
Um dos principais objetivos dessa harmonia interior é integrar a ciência (no caso, a psicologia) à tradição espiritual. Lembremos, de passagem, que essas duas áreas do conhecimento se separaram ao longo dos últimos séculos por conta do domínio absolutista da razão.
Em resumo, a visão fragmentada da paz nos põe em contato com teses limitadas, expressão de especializações e fragmentações do conhecimento. Todas têm suas verdades, mas nenhuma aborda o problema completamente. Daí o porquê de a guerra ser um drama aparentemente insolúvel em nossas vidas.
Uma nova visão da paz será, certamente, holística. Ela levará em conta todos os aspectos mas, como se trata de uma síntese, irá adiante. Essa visão inovadora implica:
1) Uma teoria não fragmentada do universo, segundo a qual a matéria, a vida e a informação são apenas formas diferentes de manifestação da mesma energia.
2) Uma perspectiva que leve em conta o homem, a sociedade e a natureza, ou seja, a ecologia interior, a ecologia social e a ecologia planetária. Esses três aspectos estão estreitamente ligados e em constante interação.
Segundo esse ponto de vista, a paz é ao mesmo tempo felicidade interior, harmonia social e relação equilibrada com o meio ambiente.
Assim, não pode haver verdadeira paz no plano pessoal quando se sabe que reinam a miséria e a violência no plano social ou que a natureza nos ameaça com a destruição porque nós a devastamos.
A visão ou consciência holística implica um alargamento progressivo das fronteiras humanas. Começamos pela pessoa, cujas características egocentradas diminuem quando ela se abre para a sociedade em que vive. Já é uma evolução, mas pode-se ir além.
Progressivamente, esse indivíduo descobre que sua vida e a de seus semelhantes dependem de um delicado equilíbrio ecológico: a consciência sociocentrada se desdobra então em consciência planetária.
Mesmo esta, no entanto, ainda é geocêntrica, ou seja, vista de uma perspectiva limitada ao nosso planeta, como se ele fosse o centro do universo.
A visão holística é, pois, uma consciência cósmica11 de natureza transpessoal, transocial e transplanetária, integrando esses três aspectos numa perspectiva mais ampla.
O estudo e a administração da paz, por isso, devem ser o resultado de um trabalho interdisciplinar e transdisciplinar, ou seja, um esforço de integração dos vários saberes que a humanidade desenvolveu em sua história.
Assim como a paz, a educação também pode ser concebida numa perspectiva fragmentária, dividida e deformada. É chegado o momento de optar por uma nova pedagogia, mais abrangente e explicativa. É o que vamos examinar agora.
O que hoje em dia se denomina "educação" é muito freqüentemente confundido com "ensino". Expliquemos as diferenças entre esses dois conceitos.
O ensino se dirige exclusivamente às funções intelectuais e sensoriais. Trata-se de uma simples transmissão mental, que aumenta o volume de conhecimentos ou forma opiniões. Esse papel está tradicionalmente ligado à escola.
Paralelamente a ela, existe a família, à qual cabe ocupar-se do caráter, isto é, dos sentimentos e emoções, hábitos e atitudes interiores. Pais e mães incorporam o papel de agentes auxiliares dos professores. Assim, um volume enorme de funções que seriam da escola invade a relação doméstica.
Resulta daí uma cisão entre pensamento, opinião e atitudes racionais (formados pela escola) e hábitos e comportamentos (formados pela família).
Relembremos aqui o exemplo de pesquisas feitas sobre as opiniões raciais em alguns países. Se recorremos às opiniões racionais, a maioria dos brancos se declara contra o racismo. É, sem dúvida, o que foi transmitido pela escola.
Mas, se indagamos de indivíduos brancos se eles concordariam com o casamento de suas filhas com negros, a maioria dá uma resposta negativa. Trata-se, sem dúvida, do que foi transmitido no plano dos hábitos e costumes pela família.
Há vários exemplos dessa contradição: podemos ter opiniões democráticas e um comportamento autocrático; defender a natureza e pisar em flores; declararmo-nos pacifistas e bater nas crianças; afirmar que somos tolerantes e falar mal de todo o mundo pelas costas.
Esse ensino, confundido com educação, é muito deficiente. E piora, à medida que se desenvolve a fragmentação do conhecimento em especialidades e subespecialidades, como é o caso do ensino secundário e da universidade.
A proposta holística de educação apresenta uma perspectiva e um conjunto de métodos bem diferentes. É o que vamos examinar e descrever a seguir.
Quando educação se confunde com ensino, a ênfase está na razão. Uma proposta holística tende a despertar e desenvolver tanto a razão quanto a intuição, a sensação e o sentimento.
O que se busca é uma harmonia entre essas funções psíquicas. Isso corresponde, no plano cerebral, a um equilíbrio entre os lados direito e esquerdo do cérebro e a uma circulação harmoniosa de energia entre as camadas corticais e subcorticais e em todo o sistema cérebro-espinhal.
Enquanto o ensino enfatiza o conteúdo de um programa, a aquisição de um conjunto de conhecimentos, a proposta holística demonstra como cada situação da existência constitui uma oportunidade de aprender.
Enfim, a educação tradicional tem uma tendência a condicionar as pessoas a viverem exclusivamente no mundo exterior, enquanto a proposta holística se orienta tanto para o exterior quanto para o interior (ver quadros 2 e 3).
Pode-se também comparar os fins últimos da educação tradicional com aqueles da proposta holística. A primeira enfatiza o consumo, a competição agressiva, o sucesso e a especialização extremada, a aquisição e a posse de uma fortuna.
A visão holística insiste sobre a simplicidade voluntária, a cooperação, os valores humanos, a formação geral precedendo a especialização, o dinheiro visto como um meio a serviço de valores fundamentais, e não como um fim em si mesmo.
Além de todos esses aspectos, uma diferença fundamental reside na concepção do potencial humano de transformação. Uma perspectiva estática domina a antiga educação, na qual se pretende que, após a adolescência, o homem pare de evoluir intelectual e afetivamente.
Na perspectiva holística, ao contrário, a evolução é permanente. Muito mais: pode-se operar, em qualquer idade, uma verdadeira metamorfose.
Seguindo essa analogia, a lagarta simboliza o homem estratificado, esclerosado e preso à rotina de seus hábitos cotidianos e preconceitos.
A crisálida representa o processo de transformação de uma consciência. Trata-se de um período de crise interior, de questionamento de valores, de obscurecimento provisório da alma. Nesse estágio vigoram o egoísmo, o fechamento, a limitação e o medo de uma vida harmoniosa e altruísta.
A borboleta seria, então, a nova consciência, caracterizada por um estado de paz e plenitude.
Enfim, algumas palavras sobre a metodologia da educação. Segundo o antigo modelo, o aluno é considerado como uma espécie de fita magnética ou filme virgem, e sobre ele o professor registra seu ensinamento de forma mecânica.
Espera-se do aluno que ele faça esforços de memorização para reforçar a ação do professor. A expectativa é que o processo provoque as mudanças recomendadas na lição. Tudo se passa como se ao mestre coubesse pura e simplesmente adestrar a criança ou o adolescente.
O novo paradigma substitui o conceito de aluno (aquele que é ensinado), pelo de estudante (que participa ativamente do processo, que assume e dirige a própria transformação).
Desde o começo do século passado, assiste-se a uma lenta, muito lenta, evolução dos métodos de educação. Primeiramente, houve a crítica aos métodos violentos que eram usados nas escolas. Aplicavam-se verdadeiras torturas físicas e psíquicas aos alunos considerados rebeldes ou inaptos ao aprendizado.
Pouco a pouco, começou-se a questionar a idéia de que o professor fosse o possuidor absoluto do saber, cabendo ao aluno apenas absorver conhecimentos previamente estabelecidos.
Na educação ativa ou nova, é o estudante quem trabalha, faz as pesquisas, as visitas, as observações sobre o terreno, os relatórios. Às vezes, é ele quem dá uma lição.
O professor se transforma em perito, em conselheiro. Ele orienta mais do que ensina, dá exemplos por meio do próprio comportamento, mostra que tem profundamente integrados nele mesmo os princípios que recomenda (ver quadro 4 na página seguinte).
Embora esteja demonstrado que a educação ativa é muito mais eficaz do que o ensinamento tradicional, hábitos seculares, ancorados em preconceitos, retardam a adoção dessa nova postura.
Antes de terminar este tópico, convém chamar a atenção do leitor para o fato de que, assim como o modelo racional ocidental, a educação tradicional é, sem dúvida, específica da civilização industrial.
Tudo indica que as culturas mais inseridas na natureza, integradas ao meio ambiente, possuem métodos de educação ancorados na ação, contando com a participação de toda a comunidade.
Como já vimos, o antigo modelo racional ocidental leva à destruição do planeta e à solução violenta dos conflitos. Mas, se é assim, por que não abandonamos esse ponto de vista suicida?
A resposta está no fato de esse modelo atuar sobre nós como uma espécie de droga mortal. É difícil largar o vício porque ele, ao mesmo tempo que mata, dá conforto e sensações de prazer a seus usuários.
Quadro 4.1 | ||
O ANTIGO E O NOVO PARADIGMA EM EDUCAÇÃO | ||
Quadro sinótico | ||
Conceito de educação | Informação. Ensino limitado ao intelecto. Instrução dirigindo-se à memória e à razão. | Formação. Educação da pessoa. Processo de harmonização e de pleno desenvolvimento da sensação, do sentimento, da razão e da intuição. |
Conceito de estudante | Aluno considerado como "objeto" de ensino, como mecanismo automático de registro. | Educando considerado como sujeito estudando, participante ativo do processo educativo. |
Sistema nervoso | Lado esquerdo do cérebro. | Lado esquerdo e direito. Todo o sistema nervoso cerebrospinal. |
Campo de ação | Aquisição de conhecimentos; ênfase sobre o conteúdo. Mudança de opiniões. | Transformação da personalidade em seu conjunto. |
Agente educativo | A escola como agente de educação intelectual, a família como auxiliar da escola. O professor como "docente". | A família, a escola e a sociedade em um esforço concentrado. O educador como animador, facilitador, focalizador, ou mesmo catalisador de evolução. |
Quadro 4.2 | ||
O ANTIGO E O NOVO PARADIGMA EM EDUCAÇÃO | ||
Quadro sinótico | ||
Conceito de evolução | A evolução pára na adolescência. Maturidade limitada ao intelecto, à capacidade de procriar e de trabalhar. Esta evolução é pessoal. | A evolução continua no adulto. Maturidade vista como um estado de consciência ampliado, de harmonia, de plenitude e de paz de natureza pessoal e transpessoal. |
Tipo de formação Orientação de valores | Predominância da especialização. Valores pragmáticos: consumismo, competição, poder, possessividade, celebridade. | Formação geral precede à especialização. Valores pragmáticos e éticos: simplicidade voluntária, cooperação, generosidade, igualdade, equanimidade. |
Métodos de educação | Exposição verbal, oral, complementada por livros e manuais. Método passivo. Recompensas e punições em um sistema seletivo e competitivo. O professor ensina, o aluno escuta. Escola separada da comunidade. O professor "induz" opiniões, atitudes e mudanças de comportamentos. | Pesquisa e trabalho individual e de grupo. Exposições verbais e orais pelos estudantes e pelo professor. Método ativo. Métodos audiovisuais. Exposições, excursões, visitas. O estudante é ativo, pesquisa e ensina aos outros. O professor como conselheiro, consulente, orientador. Escola integrada à comunidade. O educar é um exemplo da integração de princípios e comportamentos que ela recomenda. |
Não esqueçamos que foi sob a égide dessa forma de pensamento que os homens realizaram a Revolução Industrial, criando mercadorias e serviços que fariam inveja ao mais poderoso rei de épocas passadas.
Esse modelo conduz também, como já vimos, a uma visão limitada da paz e a um conceito estreito de educação, confundindo-a com o mero repassar de conhecimentos e opiniões.
Pode-se definir a educação holística para a paz como um processo que se inspira nos métodos ativos, dirigindo-se à pessoa como um todo, mantendo ou restabelecendo a harmonia entre o sentimento, a razão e a intuição.
Entre as metas da nova educação estão a saúde do corpo, o equilíbrio entre mente e coração e o despertar e a manutenção dos valores humanos.
O cumprimento desses objetivos é requisito básico ao desenvolvimento da capacidade de administrar conflitos, através de uma abordagem não violenta.
Na relação do homem com a natureza, a educação holística pretende ensinar a consertar, na medida do possível, a devastação ecológica causada pelo homem. Crianças e adolescentes são incentivados a ajudar na manutenção do equilíbrio ambiental.
Em resumo, trata-se de transmitir e desenvolver a arte de viver em paz em três planos:
Assim sendo, A Arte de Viver em Paz partirá do que já foi descoberto pelas consciências pessoal, social e planetária, mas não ficará nisso. Ultrapassando essas três formas de saber, esta obra pretende abrir portas para uma visão holística própria do estado transpessoal cósmico (ver quadro 3 na página 41).
Cabe advertir o leitor de que a educação holística para a paz não pode se limitar à sala de aula; ela é uma aprendizagem na qual se deve estimular o autodidatismo.
O trabalho que apresentamos aqui é um convite, ainda que programado, à pesquisa e à verificação pessoal de princípios provenientes da sabedoria milenar. Muitos deles foram, em parte, conferidos e confirmados pela ciência moderna, no espírito da Declaração de Veneza da Unesco.
O que propomos aqui é um sistema no qual, como diz Abraham Moles, "a educação se integre novamente à vida cotidiana, reencontrando algumas das características da aprendizagem imediata, que a aldeia antiga - sem escolas ou professores - proporcionava a seus jovens".
Esta introdução geral poderá ser enriquecida por intermédio dos seguintes métodos:
Eis alguns autores recomendados para o aprofundamento dos temas tratados neste módulo: