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O professor José Francisco Pacheco, nascido em 10 de maio de 1951, é um educador português que hoje, aposentado, tem sua residência no Brasil. Ele é considerado um peregrino da Educação, levando suas falas de esperança e solidariedade a todos os recantos do nosso país.
Especialista em Música e em Leitura e Escrita, é mestre em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.
Coordenou, desde 1976, a Escola da Ponte, da qual é idealizador, instituição que se notabilizou pelo projeto educativo inovador, baseado na autonomia dos estudantes.
É autor de livros e de diversos artigos sobre Educação.
Em 8 de maio de 2004 foi condecorado pelo Presidente da República de Portugal, Jorge Sampaio, com a Ordem da Instrução Pública.
"Esperança, em seu sentido mais genuíno, significa fé na bondade da natureza humana. Significa confiar, acreditar ser possível ensinar (e aprender!) o diálogo, o reconhecimento da diversidade, a amorosidade, a solidariedade, a alegria, a justiça, a ética, a responsabilidade social, o respeito, a cidadania, a humanização da escola."
"Uma atitude é uma atitude. E uma vida feita da constante demissão de atitudes é uma vida ... sem atitude. Para salvar a pele, se perde o sentido da vida; para poupar incômodos, perdemo-nos a nós mesmos."
"Ninguém nasce consumista. O consumismo é um hábito mental instalado. Onde está a educação para um consumo crítico, inteligente? Quando se ensinará a comer, a consumir, quando se aprenderá a viver? Se não aprendermos na escola, onde e quando iremos aprender?"
"A Terra está doente porque nós estamos doentes. E doente continuará, enquanto a nossa maneira de viver for reproduzida nos valores que muitas escolas insistem em transmitir."
"Podemos aprender sem dor. Bastará que a prudência seja posta no ato de educar. E, se a virtude pode ser ensinada, será mais pelo exemplo do que pelos livros."
"Sempre que me perguntam qual foi o maior obstáculo à concretização do projeto da Escola da Ponte, eu respondo: o maior obstáculo fui eu. Fui eu, enquanto não me indignei, enquanto não agi para assegurar o saber e a felicidade aos meus alunos."
Gerente da Inteligência em Serviços Educacionais
André Henriques Fernandes Oliveira,
Silvia Parmegiani e Lila Zanetti
Paulo de Camargo, Camila Vieira e Cláudia Bergamini
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Pacheco, José |
Dicionário de valores / José Pacheco. - 1. ed. - |
São Paulo: Edições SM, 2012. |
Assuntos: |
1. Comportamento de ajuda |
2. Educação - Finalidades e objetivos |
3. Educação moral |
4. Valores (Ética) I. Título. |
12-14828 CDD-370.114 |
Índices para catálogo sistemático:
1. Educação em valores - 370.114
2. Valores éticos: Educação - 370.114
3. Valores na Educação - 370.114
Zero em comportamento ou nota dez? 54
O Educador que acredita nas crianças
Conheci José Pacheco de forma inesperada. Eu havia sido convidado para ir a Portugal, em 2000, e o professor que me convidou disse: "Vou levá-lo para conhecer uma escola diferente. Não adianta explicar, você tem de ver". Estávamos no alto de uma montanha, descemos e fomos até lá - era a Escola da Ponte.
Encontramos Pacheco no jardim, ele nem sabia que iríamos. Conversamos informalmente por alguns minutos até que ele, vendo passar uma menina, parou-a e perguntou: "tu podes explicar nossa escola ao visitante?". Ela não se assustou, como se fosse algo completamente normal, e respondeu: "Pois, pois ... ".
Esse foi um momento de revelação. Descobri que era mesmo uma escola diferente, pois seu diretor acreditava nas crianças. Isso é algo fundamentalmente importante: se não acreditarmos nas crianças, elas não acreditarão em nós.
Pelo que me disseram, em Portugal, a Escola da Ponte estava depauperada, e foi graças à liderança de José Pacheco que veio a se tornar o que é hoje. Conhecendo-o, percebi uma característica essencial de sua liderança: Pacheco não dá respostas para os problemas; faz com que os alunos e professores levantem perguntas. É assim que o pensamento floresce.
Meu primeiro encontro com Zé Pacheco já foi, assim, algo memorável. Desde então, desenvolvemos uma grande amizade. Não é uma relação acadêmica, formal, pois sou incapaz de ter relações formais, seja com adultos "importantes", seja com crianças.
Se eu fosse apresentar o José Pacheco a alguém que ainda não o conhece, diria que esse homem é meu amigo porque somos educadores, porque pensamos de forma parecida e porque temos um verdadeiro fascínio pelas crianças, pelo modo como aprendem, pelo modo que são.
Ficamos amigos, conversamos sempre. É como se fôssemos uma pessoa só, dizendo as mesmas coisas, sem precisarmos nos explicar - está tudo explicado. Estou falando de minha igualdade, de minha fraternidade.
A questão dos valores é absolutamente fundamental para o Homo Sapiens Sapiens, pois, no fundo, somos Homo Moralis, Homo Ethicus ou mesmo Homo Valens; qual seja, não é possível pensar-se com rigor a existência humana sem um conjunto de valores de referência. Pode-se questionar a relevância dos valores assumidos, sua consistência ou seu grau de coerência, mas não sua presença na vida concreta das pessoas. Valor é um fim, algo para o qual a ação humana pode e deve se dirigir, aquilo que "vale a pena"; valor é o que dá sentido à atividade e, no limite, à vida.
Olhando ao redor, vemos que a violência e a corrupção, por exemplo, são enormes chagas do nosso tempo. Como superá-las? Alguém poderia dizer: "Colocando um policial ao lado de cada cidadão". Essa resposta aparentemente tão simples e eficaz pode ser confrontada com uma perguntinha básica: "E quem controla o policial que controla o cidadão?". Não tem saída. Ou melhor, a única saída é pela Educação, pela assimilação, pela incorporação de valores. Na situação clássica do "troco a mais na padaria", o sujeito não vai ficar com ele porque está sendo filmado e depois poderá ser descoberto. Não! O fundamento para a decisão de um sujeito devidamente educado é outro: não vai ficar com o troco a mais por uma questão de princípio, porque aquilo não é bom, não é justo, ele não vai se sentir bem, enfim, por uma questão de valor. E onde este sujeito aprendeu isso? Basicamente, na família e na escola elementar. Dessa forma, nos aproximamos da relevante temática deste livro: os valores na Educação!
Há professores que não dão suficiente valor ao seu trabalho: "Sou uma simples professora da periferia da cidade. Que valor pode ter meu trabalho?". Ora, se estiver desenvolvendo um trabalho que não vise apenas a assimilação de conteúdos, como o autor do livro alerta em várias passagens, estará dando uma enorme contribuição para a construção de uma nova sociedade. Há, de um modo geral, um culto aos lugares de poder privilegiados. O que muitas pessoas não percebem é que não basta ocupar um lugar de alta concentração de poder se não tivermos uma rede de pessoas que sintam, pensem e façam diferente, que tenham um quadro diferente de valores. Se isso não ocorrer, dificilmente se conseguirá exercer o poder de forma diferente. Voltamos, portanto, à importância da família e da escola na formação das novas gerações para um novo mundo.
O objetivo deste livro não é, com certeza, ser um tratado sobre valores. Para isto, há muitas obras publicadas. O conjunto de valores aqui trabalhados é limitado. E justamente neste fato está o seu valor, a sua riqueza. Valores, temos muitos. Quais assumir? Quais tomar como referência? As reflexões aqui partilhadas pelo professor e amigo José Pacheco expressam, antes de tudo, uma prática, uma vivência concreta no âmbito da Escola da Ponte (e em novas práticas educativas nela inspiradas, inclusive aqui no Brasil). Ora, isso é decisivo uma vez que os valores são necessariamente do campo da prática, da vivência. É evidente que podemos - e devemos - discutir valores. Mas, essa discussão terá sido tempo perdido se, simultaneamente, não se partir para a incorporação - ainda que paulatina, contraditória - nas ações cotidianas, quais sejam, se não se traduzirem em atitudes, em valores assumidos integral e praxiologicamente pela equipe, uma vez que sabemos que a transmissão de valores se dá pela convivência, pelo exemplo, pelo contágio emocional, como afirma o autor. O relato que ele faz da importância da construção coletiva da matriz axiológica para a (re)configuração da escola é de um grande valor metodológico. Como também denuncia, muitos dos projetos político-pedagógicos de nossas escolas padecem de um grave equívoco: são ricos em "diagnósticos" e "planos de ação", mas omissos ou muito frágeis na componente utópica, axiológica ou valorativa.
A simples explicitação desse conjunto de valores nos provoca, em primeiro lugar, para a riqueza de cada valor apontado. Em seguida, para outros valores a ele relacionados, a partir de nossos estudos, pesquisas, reflexões, intuições e, sobretudo, vivências. Embora não explicitada formalmente, creio que uma das intenções do autor é provocar para a construção coletiva deste Dicionário de Valores.
Espontaneamente, um valor que me veio à mente, o tempo todo, desde o início da leitura dos originais deste livro foi a amizade. Aprecio demais a música Amizade (versão de Paulo César Pinheiro, de With a little help from my friends, de John Lennon e Paul McCartney), consagrada pela belíssima interpretação do MPB-4, da qual foi retirada a pequena estrofe citada na epígrafe deste texto. Aliás, se estou escrevendo este prefácio é justamente em função de uma amizade, construída e consolidada ao longo dos últimos oito ou nove anos, com o "Zé", como o chamamos na intimidade. É praticamente impossível falarmos da experiência da Escola da Ponte sem nos referirmos aos fortes laços de amizade, tanto interna quanto externamente. O que mais chama a atenção na Ponte não são as instalações, os recursos materiais e nem mesmo os interessantes dispositivos pedagógicos, mas as pessoas, a começar pelos alunos até o fundador do projeto, passando pelos "amigos da Ponte" (como por exemplo, e só para citar alguns, Fátima Pacheco, Rui Trindade, Ariana Cosme, Antonio Nóvoa, Domingos Fernandes, Nuno Augusto, Rita Pestana, Rubem Alves, Cláudia Santa Rosa, Rosely Sayão, Júlio Groppa, Eloísa Ponzio, Jane Haddad, Danilo Gandin, Luciano Lima, Valdo José Cavallet, Carla Lam, Luiz de Campos Jr., Mônica Couto, Airton, Alessandra, Antônio etc.). Como diz Vinicius de Moraes:
E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências ... A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida.
Seria interessante lembrar que uma das grandes motivações iniciais no projeto Fazer a Ponte foi justamente a superação do isolamento dos professores: cada um sofrendo, sozinho, na sua sala de aula.
Outro grande mérito do prof. José Pacheco foi justamente a fidelidade ao amor pelas crianças, não deixando de conviver e trabalhar com elas ao longo de toda sua vida, desde o momento em que decidiu ser professor (mesmo se especializando, pós-graduando, atuando no ensino superior). Essa convivência permitiu e permite manter muito viva sua criança interior. Quando ouvimos o prof. Pacheco falando da experiência da Ponte com pureza, emoção, retidão de propósito, firmeza, rejeição a qualquer tipo de "conchavo", "concessão" ou "meia verdade", é um menino falando! Tenho para mim que será exatamente o resgate das nossas crianças interiores que possibilitará a emergência do novo na Educação e na sociedade. Como aconteceu no início do projeto, há cerca de 40 anos, em Vila das Aves, as crianças interiores daqueles educadores, tiveram a coragem de fazer as perguntas básicas sobre o sentido das coisas naquela escola esclerosada (como tantas que temos até hoje): por que cada professor tem de sofrer sozinho na sua classe? Por que tem de ter série, reprovação? Por que tem de haver um professor falando, falando, falando e um amontoado de alunos ouvindo, ouvindo, ouvindo (ou fingindo ouvir)? Não encontrando respostas, tiveram também a coragem de buscar outra prática, pautada num outro conjunto de princípios e valores.
Mesmo não sendo um dicionário convencional, este livro pode ser lido como tal, isto é, a partir de qualquer um dos verbetes, de acordo com o desejo e/ou a necessidade, já que são independentes, embora profundamente articulados e pautados numa linha comum.
Partilhamos também da convicção do amigo José de que hoje, são visíveis sinais de que a velha escola está prestes a parir uma nova escola. Há um número cada vez maior de pessoas que se sentem profundamente incomodadas/indignadas com a forma desumana como a sociedade e a escola foram historicamente organizadas. Para avançarmos, precisamos de um norte (ou de um sul!), de uma referência valorativa, como a que encontramos neste livro: numa linguagem simples - sem ser simplista - e vivencial, o prof. José Pacheco nos faz refletir e, porque não dizer, emocionar. Boa leitura!
Belo, bonito e justo: outro mundo é possível e depende das nossas práticas.
Ao terminar a leitura deste livro - um belo dicionário de valores - espero que o leitor tenha sido provocado e seja reflexivo sobre como o projeto político-pedagógico traduz, efetivamente, a formação dos estudantes em tais valores.
Um Dicionário de Valores para a escola! Veja que coisa interessante. Na escola, nossa prática nos leva a traduzir os valores em notas, em obediência, a seguir; mas raramente a sentir, a ver, a vivenciar, a ser.
Todos os projetos político-pedagógicos que já li (e confesso que foram centenas deles) falavam em cidadãos críticos, autônomos, responsáveis, mas nunca explicavam como e onde as crianças e os jovens aprenderiam a ser autônomos, críticos, responsáveis. E como professora, já presenciei adolescentes que criticavam a prática docente do seu professor e eram punidos por isso. O professor, quando questionado, respondia: "mas os alunos estão sendo formados para serem cidadãos quando crescerem; agora, devem obedecer". Resposta errada! Valores nós já sabemos, aprendemos na prática, vivenciando, vendo, exercitando. Ser solidário não é uma teoria, se mostra e se aprende na prática. Ser honesto, admirar o belo, respeitar o diferente aprendemos em casa, com a nossa família e na escola, juntamente com nossos colegas e professores.
A forma como a escola recebe um aluno com deficiência é um exemplo forte da aprendizagem de solidariedade, paciência, justiça, equidade. E ninguém entra na escola sabendo disso; esses valores são aprendidos na formação do sujeito, da criança pequena ao jovem adolescente.
E para uma criança ou jovem, a coerência entre o falar e o fazer, ou seja, a sinceridade dos atos é muito mais transformadora do que ler um texto inteiro sobre ética ou moral e, depois da leitura, ser expulso da sala porque criticou o professor.
A leitura é indispensável e importante, mas não fará sentido se os conceitos lidos não puderem ser vivenciados no cotidiano de cada sujeito da escola.
Esta publicação é um mapa de navegação, um roteiro de reflexão, não um roteiro frio e diretivo; é para ser utilizada em todas as disciplinas, em qualquer momento da atividade escolar. Mas, principalmente, é um guia para que todos os educadores tenham tempo para repensarem suas práticas, de forma que a escola seja um grande laboratório de vivências mais bonitas, belas e justas.
Desde o final da década de 1990, o tema da Educação em valores entrou de forma mais clara na agenda das escolas e dos professores. Está cada vez mais presente nos projetos político-pedagógicos, em projetos transversais, em ações de formação continuada.
É importante, é preciso que seja assim. No contexto do mundo contemporâneo, com tantas incertezas, tantos desafios, formar cidadãos com princípios éticos e valores humanistas sólidos passou a ser uma verdadeira condição de existência.
Apenas isso já justificaria uma iniciativa tão oportuna como este presente que Edições SM tem a honra de fazer agora chegar às suas mãos.
Contudo, há nessa proposta um algo mais que ilumina a própria concepção deste Dicionário de Valores.
A SM não chega agora a essa discussão. Traz consigo a experiência acumulada desde 1938, quando nasceu, já alicerçada sobre um ideal de Educação no qual valores e conhecimentos são componentes inseparáveis. A preocupação com a Educação em valores por SM é, na acepção do termo, genética.
Por isso, no Brasil e nos oito demais países onde atua, a SM é imediata e naturalmente identificada por seus leitores - educadores ou não - como uma editora orientada por esse princípio: formar seres humanos íntegros.
Isso nos autoriza a pensar uma Educação em valores que saia do campo da retórica - que tem marcado fortemente o discurso pedagógico - para o da transformação das práticas educativas. Valores, embora imateriais, não podem ser apenas discurso. É preciso que se traduzam em ações, e é isso o que propomos e fazemos, enquanto organização.
Esse é, enfim, o verdadeiro propósito deste livro, concebido e realizado com os olhos no professor e em seus desafios diários.
Não foi por acaso que escolhemos um autor que se tornou uma unanimidade na busca por uma escola mais justa, mais democrática e mais humana, como é José Pacheco - educador, aliás, que é um parceiro antigo em nossas ações para formação de educadores.
Pacheco propõe, em seu dicionário, uma reflexão densa - nem por isso menos acessível, com a clareza que caracteriza seu pensamento - a respeito dos valores que são permeados pela Educação. O livro fala de autonomia, coerência, justiça, meio-ambiente, solidariedade, tolerância. Tudo a ver com Educação, tudo a ver com SM.
Mas o livro fala por si mesmo. Convidamos os educadores a fazer dessa leitura prazerosa mais do que uma inspiração, um chamado à ação - consciente, cotidiana, com intencionalidade pedagógica. Há aqui um convite à reflexão transformadora, que pode ser traduzido pela frase que orienta o trabalho realizado por SM em todas as suas áreas: "Falar de projeto educativo é falar mais em sementes que frutos, mais em plantios que colheitas; é traçar um rumo e começar a caminhar".