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Citações: Ayurveda - Cultura de bem-viver
As Bases da Ayurveda - Conhecimento da Vida
A medicina integral e holística do oriente
Márcia de Luca
Lúcia Barros

Sumário

Os fundamentos da saúde
    1.1  Agni: a lareira do corpo
    1.2  Ojas: a seiva da vida
    1.3  Ama: toxinas
    1.4  Srotas: canais da vida
Os sete tecidos
    2.1  Plasma, rasa
    2.2  Sangue, rakta
    2.3  Músculo, mamsa
    2.4  Gordura ou tecido adiposo, medas
    2.5  Osso, ashti
    2.6  Tecido nervoso e sistema nervoso, majja
    2.7  Tecido reprodutivo, masculino e feminino, shukra
O processo de nutrição dos tecidos
Os seis estágios da doença
Diagnóstico
    5.1  Constituição individual, Prakriti
    5.2  Desequilíbrio ou condição patológica, Vikriti
    5.3  Vitalidade dos sete tecidos, Sara
    5.4  Estrutura corporal, Samhanana
    5.5  Medidas e proporções corporais, Pramana
    5.6  Adaptabilidade, Satmya
    5.7  A constituição mental, Trigunas (Sattwa, Rajas e Tamas)
    5.8  Capacidade de digestão, Ahara Shakti
    5.9  Capacidade de se exercitar, Vyayam Shakti
    5.10  Idade, Vaya
    5.11  Exame do pulso, Nadi pariksha
    5.12  Exame da língua, Jivha pariksha
    5.13  Exame das fezes, Mala pariksha
    5.14  Exame da urina, Mutra pariksha
    5.15  Exame pela palpação, Sparsha pariksha
    5.16  Exame dos olhos, Netra pariksha
    5.17  Exame dos sons, Shabda pariksha
    5.18  Constituição individual, Prakriti
Fatores causais das doenças
    6.1  Engano (crime) contra a sabedoria ou o intelecto, Pragya aparadh
    6.2  O mau uso dos sentidos, Asatmiya indriyani
    6.3  Efeitos ambientais, Parinama

1  Os fundamentos da saúde

     Há quatro elementos-chaves para a saúde:

1.1  Agni: a lareira do corpo

     A saúde depende de nossa habilidade para metabolizar todo o material recebido do ambiente. Nossos órgãos receptores, como já vimos, são os cinco sentidos. E aquilo que captamos por meio deles nos causa emoções, que podem ser positivas ou negativas.

     O poder que metaboliza tudo isso é chamado, em sânscrito, de agni, o fogo digestivo. Os textos ayurvédicos ensinam que, quando agni é forte, podemos converter veneno em néctar. Em contrapartida, quando o poder digestivo é fraco, podemos converter néctar em veneno. Vamos pensar numa lareira: se as chamas crepitam altivas, alguém pode jogar ali um pedaço de madeira úmida e o fogo tratará ainda assim de queimá-la. Mas, se as chamas estiverem quase se apagando, a madeira pouco inflamável acabará de vez com o fogo que restava, gerando muita fumaça e nenhum calor.

     Ou seja, agni elevado metaboliza os sons decibéis acima do que podemos suportar, o ar poluído que respiramos nas grandes cidades, o alimento com agrotóxico que ingerimos e também as emoções negativas. Em outras palavras, agni forte é sinônimo de saúde.

     Agni e ama são opostos. A força do primeiro impede a proliferação do segundo no organismo. Agni é saúde. Ama é toxina e, portanto, doença.

     Quando temos agni elevado, os sinais são:

     Se houver acúmulo de ama, porém, os sintomas são:

     Mais: agni é responsável pela formação dos tecidos no corpo. Quando nosso agni é forte, criamos células saudáveis. Do contrário, criamos tecidos frágeis, que ficam vulneráveis às doenças.

1.2  Ojas: a seiva da vida

     A tradição védica nos diz que nascemos com poucas gotas de ojas em nossos corações e que essa quantidade aumenta ou diminui de acordo com nossos pensamentos, atos e palavras. Se são de amor, compaixão e apreciação, criamos mais ojas. Se são de ressentimento, raiva ou medo, ojas vai diminuindo. Essa substância sutil, que pode ser entendida como a seiva da vida, é fundamental para nossa saúde.

     Quando temos bastante ojas circulando em nosso organismo, estamos com nosso sistema imunológico - bala, em sânscrito, que literalmente significa força - em perfeito funcionamento, nos protegendo de todas as doenças.

     Os desafios do meio ambiente não são o ponto fundamental quando pensamos em nossa saúde, mas, sim, o estado de ojas e de agni em nosso organismo. A referência, como tínhamos visto antes, não está fora, mas dentro de nós mesmos.

     Ojas, aliás, relembra cada célula e tecido do corpo de que seu objetivo principal é manter a unicidade do todo. Quando não temos ojas, a força da vida acaba e por isso morremos.

     É muito difícil estabelecer uma base física para ojas, porque essa substância vibra em um domínio entre a mente e o corpo. Alguns estudiosos védicos sugeriram que ojas talvez represente algum neurotransmissor fundamental, como a serotonina ou a endorfina, ambos ligados à sensação de bem-estar. Seja como for, essa relação não importa para quem quer adotar os ensinamentos da Ayurveda em sua vida. O fato é que essa substância existe, e que sabemos como elevá-la e como destruí-la. A escolha é de cada um.

1.3  Ama: toxinas

     Gerada quando agni se enfraquece e nosso processo metabólico se torna deficiente, ama é todo resíduo tóxico que permanece em nosso organismo. Essa substância polui nosso sistema vital, bloqueando o fluxo natural e espontâneo de informação e inteligência. Essa é a base de todas as doenças.

     Quando ama se acumula em nosso físico, sentimos apatia, falta de energia e nossa imunidade sofre uma queda, abrindo as portas para diferentes bactérias e vírus. No começo, isso tende a gerar um resfriado aqui, uma gripe ali. Com o passar do tempo, no entanto, vão surgindo os males mais sérios.

     Infelizmente, nas sociedades contemporâneas, onde o ar está poluído, a água contaminada e muitos corações idem, a produção de ama é estimulada. Por exemplo, cada vez que ligamos a TV e assistimos a uma notícia sobre violência, nosso organismo precisa digerir essa informação. Se agni estiver bem forte, conseguimos. Senão, ela se torna ama.

1.4  Srotas: canais da vida

     O rio de inteligência universal flui através de nosso organismo - e de todo organismo vivo - por meio de uma rede de canais que em sânscrito é denominada srotas.

     Quando os canais estão abertos e saudáveis, ojas circula livremente, alimentando as células. Mas, conforme acumulamos ama, esses canais vão sendo bloqueados, e nossas células vão ficando sem a seiva da vida.

     Há 13 srotas principais: três correspondem ao tratos respiratório e digestivo e ao sistema circulatório sete conduzem a soma de energia e informação, que cria todos os tecidos do corpo; e os três restantes expelem suor, fezes e urina. As mulheres têm dois canais adicionais, que transportam o fluxo menstrual e o leite materno.

     Em nível puramente fisiológico, a medicina ocidental reconhece que os bloqueios na circulação causam doenças. Urologistas se preocupam com a obstrução do trato urinário, que pode ser causada pelo inchaço das glândulas da próstata ou por pedras na uretra; otorrinolaringologistas cuidam dos problemas causados pelo bloqueio que gera a sinusite; cardiologistas estão constantemente procurando identificar e remover as placas de obs-trução das artérias do coração ... Saúde requer circulação desobstruída; bloqueios são sinônimo de doença.

     Ainda assim, não devemos pensar em srotas como estruturas anatômicas, mas como o leito para o rio de inteligência universal, que, em última análise, forma tudo o que existe.

2  Os sete tecidos

     De acordo com a Ayurveda, o corpo humano é composto de sete tecidos ou camadas de tecidos - em sânscrito, dhatus, da raiz dha, que significa oferecer suporte.

     Eles são compostos pelos cinco grandes elementos: espaço, ar, fogo, água e terra. A teoria desses elementos é tradicionalmente usada pelos sábios, rishis, para explicar como as forças internas e externas se organizam. Mais adiante veremos em profundidade esses conceitos. Por hora, é importante saber quais são os sete dhatus e suas principais características.

2.1  Plasma, rasa

     Composição: principalmente água, é a solução básica que banha todos os demais tecidos do corpo.

     Missão no nível físico: alimentar ou dar prazer (prinana). Nutre e hidrata todos os tecidos e serve para preenchê-los.

     Missão no nível emocional: proporcionar o sentimento de preenchimento na vida.

     Quando rasa é suficiente, sentimos felicidade e contentamento. O termo em sânscrito significa essência, seiva ou circular (como no prazer de uma dança).

2.2  Sangue, rakta

     Composição: uma combinação de fogo e água.

     Missão no nível físico: levar o oxigênio até as células, que, sem respirar, morreriam.

     Missão no nível emocional: conferir vitalidade e sentido à vida (jivana).

     Quando temos sangue suficiente, nossa energia se torna abundante. Temos fé, amor e ardor. Rakta significa, literalmente, aquilo que é colorido ou vermelho. O sangue dá cor à nossa vida.

2.3  Músculo, mamsa

     Composição: muita terra misturada a água e fogo.

     Missão no nível físico: ligar. Os músculos, como uma camada gelatinosa, servem para cobrir e dar força a toda a estrutura do corpo. Mamsa vem da raiz mam, que significa segurar firme.

     Missão no nível emocional: capacitar para a ação. Quando suficiente, o tecido muscular nos confere coragem, confiança e força, além de nos tornar abertos, felizes e capazes de perdoar.

2.4  Gordura ou tecido adiposo, medas

     Composição: basicamente composta por água. Alguns livros sobre Ayurveda incluem aqui cartilagem e ligamentos (snayu). Medas é aquilo que é oleoso.

     Missão no nível físico: lubrificar músculos, tendões e tecidos. Ao ajudar na lubrificação da garganta, confere voz melodiosa.

     Missão no nível emocional: nos dar suavidade. Essa é a razão pela qual muitas pessoas se tornam obesas, para contrabalançar a necessidade de serem amadas. Em sânscrito, a palavra snehana significa lubrificação e afeição.

2.5  Osso, ashti

     Composição: une terra, que é seu constituinte mineral, e ar, sua porosidade.

     Missão no nível físico: dar suporte (dharana). Os ossos sustentam os tecidos e conferem firmeza e estrutura ao corpo. Ashti vem da raiz stha, que quer dizer aguentar, suportar.

     Missão no nível emocional: trazer estabilidade, confiança, segurança e energia.

2.6  Tecido nervoso e sistema nervoso, majja

     Composição: água (muita) e terra (pouca).

     Missão no nível físico: preencher. Também é responsável pela secreção do fluido sinovial, que ajuda na lubrificação dos olhos, das fezes e da pele. Majja vem da raiz maj que quer dizer afundar, serve como âncora.

     Missão no nível emocional: contentamento - purana, palavra que também designa preenchimento. Majja nos traz o sentido de totalidade e auto-suficiência na vida. Quando nos falta, sobrevêm o vazio e a ansiedade. Confere afeição, amor e compaixão.

2.7  Tecido reprodutivo, masculino e feminino, shukra

     Composição: basicamente água, que tem o poder de gerar nova vida. É a essência proveniente de todos os tecidos, particularmente do tecido nervoso.

     Missão no nível físico: a reprodução (garbha utpadana). Nos permite reproduzir outra vida e dar continuidade ao fluxo da raça humana. Sustenta as funções imunológicas. Shukra tem um componente reprodutivo - a semente (o óvulo na mulher e o sêmen no homem) - e outro de prazer - os fluidos liberados durante o ato sexual. Quando é insuficiente, causa impotência e infertilidade.

     Missão no nível emocional: nos dar força, energia, criatividade, colocar brilho em nossos olhos. A palavra shukra em sânscrito quer dizer semente e luminoso - além de dar nome ao planeta Vênus. O tecido reprodutivo confere inspiração à alma.

3  O processo de nutrição dos tecidos

     Rasa (plasma) é o tecido primordial- todos os outros dependem dele para ser nutridos. Cada tecido é um desenvolvimento do anterior, assim como o creme vem do leite. Cada um é produzido pela digestão do outro, numa cadeia de nutrição contínua.

plasma - > sangue - > músculo - > gordura - > osso

osso - > tecido nervoso - > tecido reprodutivo

     Tecido reprodutivo é a essência da vida, a energia concentrada em todo o corpo. O primeiro tecido, plasma, está também diretamente conectado com o tecido reprodutivo, o último tecido. O plasma pode nutrir diretamente o fluido reprodutor, enquanto o fluido reprodutor pode alimentar e dar suporte ao plasma. Portanto, muitas substâncias que aumentam o plasma, como o leite, também aumentam o tecido reprodutivo.

     Podemos construir nossos tecidos a vida inteira por meio da alimentação. A tabela1 a seguir mostra o que ingerir para construir cada tipo de dhatu.

Dhatu: construindo os tecidos pela alimentação
Tecidos Alimentos
Plasma Líquidos em geral, mas sobretudo água, sucos de frutas ácidas (como limão e lima da pérsia); laticínios, especialmente leite
Sangue Alimentos ricos em ferro, uvas pretas, vegetais com vitamina A (como cenoura e beterraba)
Músculo Grãos (como trigo, aveia); feijões, nozes e proteínas (soja e quinua)
Gordura Manteiga ghee, castanha, amêndoa, nozes, amendoim, abacate, coco
Ossos Suplementos minerais (como cálcio, ferro e zinco)
Tecido nervoso Manteiga ghee, sementes e nozes oleagenosas, amêndoas
Tecido reprodutivo Leite, ghee, sementes e nozes (como amêndoas), gergelim

     Ao olhar mais profundamente como são feitos os tecidos, concluímos que existe apenas um tecido no corpo humano, que se apresenta em sete níveis de transformação ou metamorfose. Um problema em qualquer dos tecidos tende a ser refletido nos demais.

Tecidos
Dhatu Em estado Ideal Em excesso Em deficiência
Plasma Boa compleição da pele, cabelo brilhante e oleoso, boa energia e disposição, compaixão Acúmulo de saliva e muco; bloqueio dos canais de circulação; perda de apetite e náusea Pele áspera. lábios secos; desidratação; intolerância a sons; tremores; palpitações; dor; cansaço; vazio no coração
Sangue Boa cor em mãos, pés, bochechas. lábios e língua; mucosas sãs dos olhos e das orelhas; pele quente; boa vitalidade; sensibilidade ao sol e ao calor; paixão pela vida Doenças de pele, vermelhidão na pele, olhos e urina; abcessos; aumento do fígado; hipertensão; tumores; hepatite; digestão fraca; delírio; sensação de queimação Palidez; pressão baixa; choque; desejo de alimentos ácidos e frios; perda do brilho da pele; rachaduras e secura na pele








Tecidos
Dhatu Em estado Ideal Em excesso Em deficiência
Músculo Força física; capacidade para exercícios; adaptação ao movimento; bom desenvolvimento muscular; caráter forte, com coragem e integridade Inchaço ou tumores nos músculos e glândulas; obesidade; aumento do fígado; irritabilidade e agressividade; aborto no caso das mulheres; menor vitalidade sexual Cansaço; fraqueza dos membros; falta de coordenação motora; medo, insegurança e infelicidade
Gordura Quantidade certa de gordura no corpo; boa lubrificação dos tecidos; oleosidade nos cabelos. olhos e fezes; voz melodiosa; amor, afeição, alegria e humor Obesidade; cansaço; falta de mobilidade; asma; debilidade sexual; sede; hipertensão; diabetes; medo e apego Cansaço; juntas e olhos secos; diminuição do abdômen; cabelos, unhas, dentes e ossos fracos
Ossos Constituição alta; juntas largas; ossos proeminentes; flexibilidade de movimento; dentes brancos, grandes e fortes; pés grandes; paciência. estabilidade e capacidade de trabalho Problemas nos ossos (como artrite e osteoporose) e dentes; dores nas juntas; energia fraca; medo e ansiedade Dor; juntas fracas; queda de dentes. cabelos e unhas; ossos fracos; má formação dos dentes; nananismo
Tecidos
Dhatu Em estado Ideal Em excesso Em deficiência
Tecido nervoso Olhos grandes e claros; juntas fortes; bom sentido de auidade; poderes de comunicação; capacidade de suportar a dor; mente brilhante, clara, sensitiva; boa memória; receptividade e compaixão Peso nos olhos, membros e juntas; dificuldade de cicatrização; infecção dos olhos Ossos porosos; dor nas juntas; tontura; manchas na visão; pele escurecido ao redor das olhos; debilidade sexual; sentimento de vazio e medo
Tecido reprodutivo Brilho no olhar; crescimento de cabelos; boa formação dos órgãos sexuais; corpo atrativo; charme, personalidade, capacidade para amar e compaixão Excesso de desejo sexual; inchaço da próstata, ovário, cistos uterinos; excesso de quantidade do tecido reprodutivo; raiva Falta de vigor; falta de desejo sexual; esterilidade; impotência; secura da boca; fraqueza; dor nas costas; dificuldade para ejacular; sangue no sêmen; falta de lubrificação durante o ato sexual; medo, ansiedade e falta de amor

     Cada tecido (dhatu) produz um tecido secundário (upadhatu), assim como um material de eliminação (mala). Veja o resumo na tabela adiante.

Os tecidos, seus resultantes e excreções
Dhatu Upadhatu Mala
Plasma leite e fluxo menstrual muco
Sangue vasos sanguíneos e tendões bile
Músculo ligamentos secreção de nariz, ouvido e cavidades externas
Gordura gordura abdominal suor
Osso dentes unha e cabelo
Tecido nervoso fluido dos olhos lágrima e secreção dos olhos
Tecido reprodutlvo ojas fluidos genitais

4  Os seis estágios da doença

     A Ayurveda ensina que um mal já está em estágio avançado quando finalmente aparecem os sintomas no corpo físico. Isso porque os três primeiros estágios das doenças não se manifestam fisicamente, e sim no nível da consciência.

Acúmulo
- Como resultado de escolhas incorretas, começamos a acumular ama em nosso organismo. A causa do desequilíbrio pode estar em ambientes, alimentos ou relacionamentos tóxicos, por exemplo.
Agravamento
- Se o acúmulo de toxinas progride, o organismo começa a ter suas funções energéticas distorcidas, ainda em nível sutil.
Disseminação
- O desequilíbrio se alastra, a pessoa passa a ter sintomas genéricos de que algo está errado, como fadiga ou desconforto generalizado.
Localização
- O desequilíbrio se localiza em alguma área de nossa fisiologia. A área escolhida é propensa a acolher um mal, seja por trauma ou por herança genética.
Manifestação
- Se o processo continua, uma óbvia disfunção é gerada: como uma artrite, uma angina, uma infecção.
Erupção
- Totalmente instalada, a doença se manifesta plenamente.

     Um exemplo prático: uma pessoa acostumada a se alimentar rotineiramente de junk food (como sanduíches gordurosos e sorvetes), ignora os sinais de má digestão de seu organismo dia após dia. Começa o acúmulo de toxinas, que se agravará com o aumento do colesterol - um processo lento, que levará anos. No estágio da localização, o excesso de colesterol passa a ser depositado nas artérias. Um dia nem tão belo, a pessoa vai ao médico com uma queixa: sente dores no peito quando se exercita. Se o processo continuar, ela será candidata a um ataque do coração.

     Estresse crônico, má digestão, má eliminação, sono conturbado ... Todos esses sinais de alerta o nosso corpo nos oferece, mas, se não forem ouvidos, acabarão por gerar doenças. As sementes de um mal são sempre plantadas lá atrás. Daí a importância de fazermos boas escolhas de vida aqui e agora, de forma a garantir um presente e um futuro saudáveis.

     A Ayurveda explica a doença e o envelhecimento como erros do intelecto - pragya aparadh. Para os antigos sábios, mestres na medicina tradicional da Índia, o erro ocorre quando nos identificamos apenas com nosso corpo físico e esquecemos que somos um com o universo. De novo: quando perdemos a auto-referência e a substituímos pelas referências externas.

     A cura, por sua vez, está em reencontrar a unicidade, em restaurar a memória da totalidade. Nada do que temos pode nos trazer saúde ou felicidade. Esses bens dependem do que somos. Precisamos nos lembrar, continuamente, de que não somos seres físicos tendo experiências espirituais ocasionalmente - somos seres espirituais que, neste momento, têm experiências físicas.

     O objetivo da Ayurveda é sempre elevar agni e ojas, desobstruir srotas e diminuir ama. Como? Mostrando-nos os nossos ritmos naturais (o que aprendemos ao identificar nosso dosha, assunto do próximo capítulo) e nos propondo uma vida em harmonia com a natureza.

5  Diagnóstico

     Como em qualquer linha de medicina, também na Ayurveda o diagnóstico é a base para um tratamento apropriado. O médico José Ruguê, formado no Brasil e especializado em Ayurveda na Índia, um dos maiores especialistas na ciência da longevidade em nosso país, explica que a Ayurveda se insere no contexto da ciência védica e, portanto, tem como suporte a ampla filosofia, os valores, os métodos de análise e as metas preconizadas por essa ciência, a mesma que sustenta o yoga.

     É o dr. Ruguê quem nos conduz aqui, explicando como o diagnóstico é realizado.

     Quando falamos em diagnóstico, a Ayurveda extrai conhecimento dos sistemas Sat Darshanas - seis sistemas de filosofia da Índia - e ainda do Tantra e de todo o imenso corpo daquilo que se chama Sanatana Dharma, seus métodos para diagnosticar os elementos que compõem a saúde do ser humano.

     Esses sistemas preconizam que, para buscar o conhecimento da verdade sobre si mesmo, sobre a natureza e o universo, devemos adotar três métodos:

  1. O conhecimento obtido por testemunho ou autoridade, o qual pode chegar até nós de três formas:
  2. Também pode ser obtido por pratyaksha ou percepção direta. O médico e o terapeuta bem preparados aplicam seus sentidos e sua sensibilidade para examinar o paciente e obter seu diagnóstico observando, tocando, ouvindo, cheirando com argúcia e treinamento adequado.
  3. Finalmente, o conhecimento pode ainda ser obtido por inferência, que é o raciocínio baseado em premissas. Com base nos dados anteriormente obtidos, o médico e o terapeuta treinados vão deduzir o estado de agni, a influência do estilo de vida como fator causal, os prováveis mecanismos que estão provocando os problemas do paciente.

     Partindo dessas formas de obter conhecimento, o médico dedicado e experiente vai estabelecer um diagnóstico ayurvédico baseado em dez itens. É o chamado Dashavidha Pariksha, expressão formada pelas palavras dasha, dez, e pariksha, diagnóstico:

5.1  Constituição individual, Prakriti

     Cada ser humano é uma entidade única, mas, para os objetivos práticos do diagnóstico ayurvédico, todos somos divididos em sete biótipos, ou doshas - tão importantes que todo o próximo capítulo é dedicado a explicá-los. São eles:

Vata Vata-Pitta
Kapha Pitta-Kapha
Pitta Vata-Kapha
Vata-Pitta-Kapha

     A prakriti define como deve ser nossa alimentação, estilo de vida, como podemos melhor lidar com o ambiente, com o clima, como deve ser nossa rotina diária etc.

5.2  Desequilíbrio ou condição patológica, Vikriti

     Este é o maior objetivo do exame clínico. O médico ayurvédico busca os fatores causais, os doshas em desequilíbrio, os tecidos afetados, o estado das excreções, a intensidade do desequilíbrio, o tempo de duração e os fatores que pioram e melhoram, além de analisar os sinais e sintomas oferecidos pelo paciente.

5.3  Vitalidade dos sete tecidos, Sara

     O médico analisa o estado de plasma, sangue, músculos, tecido gorduroso, ossos, tecido nervoso e tecido reprodutivo através dos métodos de percepção direta, informações e inferências obtidas pelo detalhado exame de cabelos, unhas, pele, dentes e vários outros aspectos, lançando mão, inclusive, dos exames laboratoriais e com equipamentos da medicina ocidental moderna.

5.4  Estrutura corporal, Samhanana

     Tonicidade muscular, estrutura óssea e estado das articulações indicam o estado nutricional.

5.5  Medidas e proporções corporais, Pramana

     São interessantes medidas das proporções de nosso organismo, designadas em anguli (unidade da média da medida dos dedos da mão). Altura, peso, tamanho dos braços, pernas, tronco - tudo isso é proporcional à unidade anguli. Desproporções, na visão da Ayurveda, comprovadas pela constatação prática, indicam maior possibilidade de doenças que levam à redução da expectativa de vida.

5.6  Adaptabilidade, Satmya

     Capacidade de nos adaptar a alimentos, clima, ervas medicinais e outros elementos. Este fator tem dois aspectos práticos. Devemos sempre buscar alimentos e medicamentos (ervas medicinais) que cresçam no ambiente natural à nossa volta. E quem não tem essa capacidade de adaptação tem maior possibilidade de adquirir doenças.

5.7  A constituição mental, Trigunas (Sattwa, Rajas e Tamas)

     Da mesma maneira como falamos de imunidade em relação ao corpo, a Ayurveda descreve a imunidade mental, que é a capacidade de resistir aos fatores estressantes. Como a mente é o controlador do corpo e está em contato com a alma/essência, suas variações são fatores fortemente predisponentes às enfermidades. Nesse contexto, os estados mentais podem ser classificados como:

5.8  Capacidade de digestão, Ahara Shakti

     É determinada por agni e indica o momento no qual devemos comer, o tipo de alimento, a quantidade, o modo de preparo. A Ayurveda considera este o principal fator para a manutenção da saúde.

5.9  Capacidade de se exercitar, Vyayam Shakti

     A Ayurveda considera que devemos utilizar não mais do que a metade de nossa capacidade na execução diária de exercícios, ou seja, se uma pessoa caminha 5 km e se sente extenuada, deve caminhar 2,5 km por dia.

5.10  Idade, Vaya

     Na infância, predominam as doenças que a Ayurveda categoriza como kapha, como os problemas respiratórios. Na idade adulta, é maior a predominância dos problemas pitta, havendo um dito entre os médicos ayurvédicos segundo o qual o pitta exacerbado começa na adolescência como acne e termina aos 50 anos como infarto agudo do miocárdio. Na terceira idade, predominam os problemas vata, quando a energia vital vai em direção à mente e os tecidos entram em estado de deficiência, levando a males neurológicos, baixa imunidade, osteoporose.

     Para levantar os dados necessários e concluir sobre esses dez aspectos do estado do paciente, a Ayurveda lança mãos de oito métodos diagnósticos - os chamados Ashta Vidha Pariksha, que são:

5.11  Exame do pulso, Nadi pariksha

     Trata-se de um complexo processo que, executado por profissional bem treinado, é capaz de fornecer informações detalhadas sobre o indivíduo. O exame do pulso detecta a constituição e os desequilíbrios do paciente em um nível extraordinário, que chega até pequenas variações nas artérias, por exemplo. Mas esse processo está inserido no contexto geral do exame e não deve ser considerado um método isolado e suficiente.

5.12  Exame da língua, Jivha pariksha

     Em suas diversas regiões, a língua expressa o estado dos órgãos internos, bem como da digestão e a presença de ama - as toxinas não digeridas, fator fundamental para a determinação dos primeiros passos do tratamento.

5.13  Exame das fezes, Mala pariksha

     Cor, consistência, volume, número de evacuações são detalhes importantes para concluir sobre o estado de agni, a presença de ama e outras características.

5.14  Exame da urina, Mutra pariksha

     Pela urina eliminamos klesha, as biotoxinas mais sutis, provenientes das células, tais como ácido úrico, uréia e creatinina. A análise visual da urina e do comportamento de uma gota de óleo de gergelim colocada sobre uma amostra dessa urina dá vários dados importantes sobre como conduzir o tratamento.

5.15  Exame pela palpação, Sparsha pariksha

     O toque revela dados como temperatura corporal, textura da pele, tônus muscular etc.

5.16  Exame dos olhos, Netra pariksha

     Formato, cor, mucosa e presença de detalhes na íris são alguns aspectos de uma visão sistêmica do exame dos olhos.

5.17  Exame dos sons, Shabda pariksha

     O médico ausculta coração, pulmão, ruídos abdominais, voz e outros sons produzidos pelo organismo.

5.18  Constituição individual, Prakriti

     Para sua determinação, o médico faz uma análise minuciosa do comportamento do paciente desde o momento em que entra no consultório para a consulta. São levados em conta postura, atitudes, modo de falar, descrições que faz de seu metabolismo e uma série de outros itens que têm pesos diferentes para a definição da constituição individual. Por exemplo, uma pele seca é mais importante e pesa mais na definição do dosha Vata do que um estado mental de ansiedade, tão comum em nossos tempos modernos em qualquer indivíduo.

6  Fatores causais das doenças

     O Charaka Samhita, mais antigo manuscrito e máxima autoridade de clínica médica ayurvédica, assim descreve os fatores causais das doenças:

6.1  Engano (crime) contra a sabedoria ou o intelecto, Pragya aparadh

     As escolhas inadequadas que fazemos na vida exercem forte papel na origem de nossas doenças. Por exemplo, no restaurante, pedimos o prato que mais agrada ao nosso paladar, sem nos importar com o que é melhor para nossa saúde, de acordo com nossa constituição. Na vida em geral, costumamos definir rotinas de trabalho sem levar em conta quanto tempo deixamos para o exercício e o cultivo de valores fundamentais, como a amizade. os relacionamentos familiares, o serviço ao mundo e a dedicação à busca do autoconhecimento. Portanto, a primeira causa das doenças está no desequilíbrio de nossas emoções e motivações.

6.2  O mau uso dos sentidos, Asatmiya indriyani

     O uso excessivo dos sentidos pode ser entendido como uma das principais causas de estresse físico e mental, levando a doenças. Barulho, odores fortes comuns em grandes cidades, uso contínuo de computador e televisão, verdadeiras intoxicações visuais que vêm de outdoors, propagandas e outros elementos.

     Também o uso insuficiente é um problema, quando nos fechamos em trabalhos ou atividades que utilizam muito um sentido em detrimento dos demais.

     O uso inadequado se dá quando, por exemplo, lemos até tarde da noite, dormimos ouvindo música ou com a televisão ligada, utilizamos somente o paladar como critério do que comer e assim por diante.

6.3  Efeitos ambientais, Parinama

     Por exemplo, os alimentos, o clima, as mudanças de estações, as viagens, o estilo de vida. Tudo isso pode causar doenças.


Notas de Rodapé:

1 Retirei da tabela as referências à carne, ovos e açúcar, por coerência.