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O século XX foi uma grande decepção para os que esperavam grandes avanços na luta contra o relógio. Isso porque, à medida que se dominaram as doenças que abreviavam a vida no século XIX, surgiram novas doenças que nos mantêm mais algumas décadas afastados de nossa meta. Doenças cardíacas, diabetes, hipertensão, câncer, doença de Alzheimer e outras enfermidades originaram-se, ou pelo menos alcançaram proporções epidêmicas, no século XX - e estão se disseminando mais ainda no século XXI. Observadores objetivos têm todo o direito de dizer: "Fizemos grandes avanços na área de doenças infecciosas e outras doenças que nos afetam na juventude, mas os idosos continuam chegando à senilidade aproximadamente com a mesma idade."
Vejo as coisas sob um ângulo diferente. Ao final do século XX, dispúnhamos do know-how científico necessário à erradicação das doenças que definiram o século. O know-how político e econômico talvez continue fora de nosso alcance, mas os cientistas de vanguarda fizeram seu trabalho e os frutos de seu esforço coletivo hoje estão disponíveis a todos nós.
Os cientistas estimam que a erradicação da maior enfermidade do século XX - a doença cardiovascular aterosclerótica - aumentará em 12 anos a expectativa de vida coletiva. Iniciamos o século com uma expectativa de vida coletiva de 45 anos e terminamos com uma média de 76,5 anos1. Com a erradicação inteligente da doença cardíaca esclerótica teremos rapidamente o know-how necessário para chegar a noventa. Antes de 1900, 75% dos americanos morreram antes dos 65; hoje, mais de 75% das pessoas vivem até mais de 70 anos. Um aumento tão grande na expectativa de vida em um único século não faz desse século um fracasso.
Espero que você tenha prestado bastante atenção às minhas palavras. As doenças cardíacas - que causaram a morte prematura da maior parte das pessoas há algumas gerações - eram praticamente desconhecidas há 75 anos2!
Imagine se, a partir de agora, pudéssemos começar a reduzir a incidência de doenças cardíacas, diabetes, derrames e hipertensão. O que todas essas mudanças fariam por nossa expectativa de vida? Se pudéssemos eliminar as doenças cardíacas, hoje a maior causa de mortalidade no mundo industrializado, nossa expectativa de vida aumentaria estimados doze anos ou mais e, é óbvio, evitaríamos os anos de má saúde que as doenças cardíacas podem causar antes de levar à morte. Começamos bem - se a incidência de doenças cardíacas tivesse continuado nos mesmos níveis vigentes em 1963, 621 mil pessoas teriam morrido da doença3. E, se pudéssemos eliminar diabetes, derrame, hipertensão - que contribuem para outras causas de morte além da doença cardíaca - o ganho na expectativa de vida seria ainda maior.
Quem já conhece meus livros, minhas palestras e meus programas reconhecerá que as enfermidades identificadas pela história da saúde como doenças do século XX são as que denominei "doenças relacionadas à dieta alimentar". O termo não foi escolhido por acaso, na tentativa de indicar que, aparentemente, a dieta alimentar seria importante como fator causador das doenças. Ao contrário: reflete uma conclusão que se tornou inevitável quando revolucionei a ingestão de alimentos e vitanutrientes de meus pacientes e vi que suas doenças haviam sofrido uma reversão radical, chegando, muitas vezes, a desaparecer.
O fato de a maioria das enfermidades que hoje causam a morte serem doenças relacionadas à alimentação não é mera coincidência. Este livro inteiro, como todos os meus livros, destina-se a explicar por que isso acontece e a ajudá-lo a evitar essas doenças modificando sua própria alimentação. Agora, gostaria de compartilhar com você um importante indício científico no quebra-cabeças das doenças relacionadas à alimentação e que influenciou profundamente meu próprio trabalho.
Em 1974, um médico brilhante chamado T.L. Cleave, cirurgião e capitão da Marinha Real e ex-diretor de pesquisas médicas do Instituto de Medicina Naval, publicou um estudo epidemiológico chamado The Saccharine Disease4. Considero seu trabalho, hoje infelizmente esgotado, o principal livro de saúde do século XX.
Cleave estudou minuciosamente os registros hospitalares de países do Terceiro Mundo, sobretudo na África, e qual não foi sua surpresa ao descobrir nesses países a ausência quase total das doenças comuns na cultura ocidental, como obesidade, diabetes, câncer de cólon, cálculo biliar, diverticulite e doenças cardíacas. Essas doenças, comuns no Ocidente, não eram apenas menos frequentes - eram inexistentes.
Ao contrário de seu colega, dr. Dennis Burkitt, que analisou dados do mesmo tipo e concluiu que o alto teor de fibras na alimentação dessas pessoas era responsável pela proteção contra tais doenças, Cleave acreditava firmemente que o X da questão era exatamente o outro lado da moeda. Era a ausência de carboidratos refinados que os protegia contra as doenças típicas do século XX. Cleave demonstrou com esmero que, quase vinte anos após a introdução dos alimentos ocidentais na alimentação desses povos em substituição aos alimentos nativos, começaram a surgir casos de diabetes e doenças cardíacas nessas populações. Dentro de quarenta anos, essas doenças estariam disseminadas. Cleave deu a esse fenômeno o nome de Regra dos Vinte Anos e, em minha opinião, essa regra já foi provada diversas vezes.
Um indício, em particular, confirmou as explicações de Cleave. Estudos realizados em Israel revelaram que vinte anos depois que os judeus iemenitas se mudaram para Israel e abriram mão de sua alimentação tradicional - composta basicamente de alimentos naturais, não refinados - em favor de uma dieta mais ocidentalizada, com alto teor de açúcar e outros carboidratos refinados, começaram a surgir casos de diabetes. Enquanto ainda tinham uma vida em família tradicional no Iêmen, a doença praticamente não existia. Na verdade, acreditava-se que eles fossem geneticamente livres da doença.
Cleave observou que aproximadamente vinte anos depois que uma sociedade introduz carboidratos refinados em seu estilo de vida, começam a surgir casos de diabetes e doenças cardíacas. Os judeus iemenitas foram um exemplo perfeito. Em 1977, cerca de 25 anos após sua imigração para Israel, a incidência de diabetes e intolerância à glicose entre os iemenitas chegou a 11,8%, bastante semelhante à do restante da comunidade5. Cleave citou diversos outros exemplos semelhantes, sobretudo entre habitantes da Islândia e das ilhas do Pacífico.
Mais recente, a Regra dos Vinte Anos de Cleave reapareceu em outros estudos. Os índios Pima do Arizona têm uma taxa de insuficiência renal decorrente do diabetes tão alta que a reserva tem seu próprio centro de diálise. Na Arábia Saudita, o diabetes e doenças cardíacas associadas ao diabetes surgiram exatamente quase vinte anos após a adoção de carboidratos refinados e de uma dieta mais ocidentalizada tornar-se norma. Hoje, na Arábia Saudita, o diabetes aflige 12% dos homens e 14% das mulheres que vivem em áreas urbanas. Entre mulheres urbanas na faixa etária de 51 a 60 anos, a prevalência do diabetes é surpreendente: 49%. Nas populações rurais, onde as pessoas ainda mantêm vestígios da dieta alimentar tradicional, a incidência da doença é menor, mas ainda assim é alta: 7% entre os homens e 7,7% entre as mulheres. A Arábia Saudita deixou de ser um país onde, antes de 1970, praticamente não havia diabetes, para se transformar em um dos países com um dos maiores números de casos de diabetes do mundo6.
A Regra dos Vinte Anos de Cleave também está provando sua veracidade no Japão, na Índia, no México e em diversos outros países. A hipótese da ligação entre carboidratos refinados e diabetes e aterosclerose foi indubitavelmente comprovada.
As descobertas de Cleave nunca foram refutadas; na verdade, mostraram-se proféticas. A Regra dos Vinte Anos de Cleave nos ensinaram quando surgiriam os primeiríssimos casos de doença cardíaca induzida pelo diabetes mas, em minha opinião, seu maior mérito está na capacidade de prever quando essas doenças alcançarão proporções epidêmicas em culturas suficientemente variadas onde já exista uma certa familiaridade com essas doenças.
Depois de aplicada a regra, é possível responder prontamente às seguintes perguntas: por que os cardiologistas japoneses, uma especialidade sem importância na década de 1950, são hoje de absoluta necessidade no país? Por que a Ásia é o novo foco de uma epidemia de diabetes que hoje excede 100 milhões de casos? Por que a Organização Mundial de Saúde projeta um crescimento de 170% no número de pessoas com diabetes nos países em desenvolvimento até 2025 - de 84 milhões para 228 milhões de diabéticos? Por que se projeta um aumento de 122% no número de casos da doença no mundo - de 135 milhões para 300 milhões de diabéticos? Por que o número de casos de diabetes quase dobrará na Índia entre 1995 e 20257?
A resposta a todas essas perguntas é uma só: tudo isso é consequência da ocidentalização dessas culturas, o que, em termos biológicos, significa a aceitação dos carboidratos refinados na alimentação. Sendo assim, as descobertas de Cleave servem, em grande parte, como base para a compreensão da incidência das doenças modernas em todas as partes do mundo.
Seu trabalho, Saccharine Disease, pode ter sido uma observação antes de seu tempo, referindo-se ao fato de o fenômeno ter sido observado antes da elaboração da explicação científica. Mas tudo isso são águas passadas. Acumularam-se tantos indícios que associam os carboidratos refinados a distúrbios do açúcar e da insulina, e esses distúrbios a doenças cardíacas, hipertensão e derrames, que, em minha opinião, qualquer membro de um conselho médico encarregado de elaborar as políticas públicas que permanecer em silêncio quanto à questão pode ser acusado de omissão. Simplificando, isso significa que está na hora de os membros do establishment médico, que continuam recomendando cereais açucarados como sendo alimentos saudáveis para o coração, começarem a procurar um advogado.
Hoje, existem inúmeras informações em publicações científicas importantes sobre os fatores de risco para doenças cardíacas, e está cada vez mais aparente que o nível de colesterol total tem pouca importância quando comparado a outras anormalidades bioquímicas com maior probabilidade de levar à principal causa de morte e encurtamento da vida. Não acredito que existam cardiologistas que não estejam conscientes disso, mas é bem possível que, ao consultar um cardiologista, ele não o informe desses fatos.
É difícil eliminar idéias fixas. Por isso, nos próximos capítulos, vou expor esses fatos com base nos conhecimentos disponíveis hoje. Não há alvo melhor para nossa exploração do que a principal causa de morte dos Estados Unidos - as doenças cardíacas.