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Capítulo 1
Introdução


O Que Há de Errado Com a Política?
Arnaldo Sisson Filho

Ver o original em:
www.humanitarismo21.com
Introdução
    1.1  Os Sistemas Políticos Dominantes
    1.2  A Necessidade de um Novo Sistema Político
    1.3  O Humanitarismo
    1.4  O Plano Geral da Obra

     Os fatos da vida política brasileira, bem como dos demais países do mundo, deixam pouca dúvida de que existe algo de bastante errado na forma da organização política desses países.

     Os muitos episódios de corrupção de diferentes tipos que atingiram um grande número de políticos nos postos mais altos das nações, além, é claro, da persistência ou mesmo do agravamento dos terríveis problemas econômicos, sociais e ambientais (desemprego, criminalidade, violência, exaustão dos recursos naturais, desequilíbrios ambientais e poluição crescentes, etc.), compõem um quadro desalentador que requer uma explicação mais profunda, do mesmo modo que o encaminhamento de uma solução eficaz.

     Casos de corrupção envolvendo dirigentes políticos do mais alto nível não são, de modo algum, típicos apenas de países pobres. Eles têm ocorrido em grande número também nas nações mais ricas a exemplo dos Estados Unidos, do Japão, da Alemanha e da Itália. Esse fato demonstra que também há algo de muito errado na organização política desses países, que costumam ser apontados como exemplos para os demais.

     Mas o que torna mais dramática essa constatação no caso dos países pobres é a situação de miséria e desamparo em que se encontra grande parte da população desses países - situação que por si só exige para ser superada uma grande eficiência e probidade na direção dos assuntos políticos. Assim sendo, esses defeitos aparentemente comuns nos sistemas políticos, tanto das nações ricas quanto das pobres, se tornam absolutamente intoleráveis dentro da realidade das nações pobres.

1.1  Os Sistemas Políticos Dominantes

     Ao longo deste texto procuraremos demonstrar que os sistemas políticos dominantes na atualidade são estruturalmente incompetentes e que, portanto, não é de causar qualquer surpresa que tantos problemas aconteçam. Isto é, procuraremos demonstrar que tanto os sistemas políticos chamados de democracias liberais (como o que hoje está vigente no Brasil), quanto os sistemas de inspiração marxista (que até pouco tempo predominavam na ex-União Soviética e no leste europeu, e que ainda predominam em países como a China ou Cuba), apresentam falhas muito sérias, as quais estão na base da grave situação mundial de nossos dias.

     Isto para falar apenas dos sistemas dominantes na segunda metade do século XX, pois os exemplos do Fascismo italiano e do Nacional Socialismo (Nazismo) alemão, que foram importantes na primeira metade do século XX, são ainda piores devido, entre outras coisas, ao acirramento do nacionalismo e do racismo.

1.2  A Necessidade de um Novo Sistema Político

     Francis Bacon, o grande sábio inglês do final do século XVI e início do século XVII - que é tido como sendo talvez o maior dentre os pioneiros do método científico, que se tornou tão importante no desenvolvimento dos últimos séculos - escreveu em sua obra NovumOrganum ("Novo Órgão") de 1620 que:

     "Seria algo insensato, em si mesmo contraditório, estimar poder ser realizado o que até aqui não se conseguiu fazer, salvo se se fizer uso de procedimentos ainda não tentados."

     Essa citação de Francis Bacon se aplica perfeitamente ao argumento central da presente obra, o qual diz respeito à necessidade imperiosa de que se desenvolva um novo sistema político. Isto porque este livro objetiva contribuir para a realização de algo que até aqui não se conseguiu fazer, que é a superação da situação de terrível miséria, tanto econômica quanto política, ambiental e moral, em que se encontra grande parte da humanidade, especialmente aquela parte que habita nos países pobres, nos quais vivem 2/3 da população mundial. Em resumo, este texto afirma, sobretudo, que essa situação dos países pobres não poder ser superada se não "se fizer uso de procedimentos ainda não tentados", especialmente quanto ao desenvolvimento de um novo sistema político.

     Nesse sentido, precisamos perceber claramente o fato de que os sistemas políticos atuais fundamentam-se em premissas básicas a respeito dos seres humanos, e que não é possível defender-se teses como as aqui apresentadas sem levar-se em conta determinadas idéias filosóficas ou metafísicas (idéias que dizem respeito a coisas que estão além da existência meramente física, isto é, que dizem respeito a questões ético-morais e psico-espirituais), especialmente em relação às nossas concepções a respeito da natureza e das capacidades dos seres humanos.

     O professor C. B. Macpherson da Universidade de Toronto no Canadá - em sua conhecida obra A Democracia Liberal: Origens e Evolução - refere-se da seguinte maneira à importância destes pressupostos a respeito dos seres humanos ao considerarmos os sistemas políticos:

     "Para mostrar que um modelo de sistema político ou de sociedade, existente ou ainda não existente, mas desejado, é praticável, isto é, para que se possa esperar que atue bem por longo prazo, deve-se admitir alguns pressupostos sobre os seres humanos, pelos quais e com os quais se há de contar. De que tipo de conduta política são eles capazes? Trata-se, evidentemente, de uma questão fundamental. Um sistema político que exigisse, por exemplo, que os cidadãos tenham mais racionalidade ou mais zelo político do que têm ostensivamente agora, e mais do que se poderia esperar em qualquer circunstância social a que se chegue, não mereceria muita defesa." (p. 12) [13]

     Por isto, ao criticarmos os sistemas políticos atuais como sendo equivocados e incompetentes para gerar uma ordem social justa e, portanto, como estando na base da situação de miséria em que se encontra grande parte da população mundial, bem como ao propormos novas regras para a organização política das sociedades, muito especialmente para aquelas do Terceiro Mundo, não poderemos deixar de criticar os atuais pressupostos a respeito da natureza e das capacidades dos seres humanos.

     Há uma passagem de E. F. Schumacher, em sua obra O Negócio É Ser Pequeno, que foi um grande best-seller anos atrás, na qual ele afirma essa conexão lógica entre a adesão a idéias falsas e a miséria daí resultante. Vejamos esta interessante passagem:

     "Todas as matérias, não importa quão especializadas, ligam-se a um centro; são como raios emanando de um sol. O centro é constituído por nossas convicções mais básicas, pelas idéias que realmente têm força para nos mover. Por outras palavras, o centro consiste de Metafísica e Ética, de idéias que - gostemos ou não disso - transcendem o mundo dos fatos. Por transcenderem este mundo, não podem ser provadas ou reprovadas pelo método científico comum. Isto não quer dizer, contudo, que elas sejam puramente `subjetivas' ou `relativas', ou meras convenções arbitrárias. Têm de ser fiéis à realidade, embora transcendam o mundo dos fatos ( ... ) Se não forem fiéis à realidade, a adesão a tal conjunto de idéias tem de conduzir inevitavelmente a uma catástrofe." (p. 80) [16]

     O argumento central deste texto está relacionado exatamente com isso: - que a miséria física a que está submetida grande parte da população mundial está ligada aos equívocos dos sistemas políticos dominantes, os quais, por sua vez, são derivados de pressupostos metafísicos e éticos equivocados, especialmente no que diz respeito à natureza essencial e às capacidades dos seres humanos.

     Há outra passagem, nessa mesma obra citada de E. F. Schumacher, que a nosso ver situa e sintetiza muito bem o cerne dos equívocos metafísicos e éticos da época atual, dos quais se derivam as atuais regras do jogo político:

     "Apesar das idéias do século XIX negarem ou eliminarem a hierarquia de níveis no universo, a noção de uma ordem hierárquica é instrumento indispensável à compreensão. Sem o reconhecimento de `Níveis de Ser' ou de `Graus de Significação' não podemos tornar o mundo inteligível ( ... ) Talvez a tarefa do homem - ou simplesmente, se se preferir, a felicidade do homem - seja alcançar um grau superior de realização de suas potencialidades, um nível de ser ou `grau de significação' mais elevado do que o que lhe advém `naturalmente': mas não podemos sequer estudar essa possibilidade sem o reconhecimento prévio de uma estrutura hierárquica. Na medida em que interpretarmos o mundo através das grandes e centrais idéias do século XIX permaneceremos cegos a essas diferenças de nível, por termos sido cegados." (p. 82) [16]

     Ao longo da obra tentaremos evidenciar que essa insuficiência na percepção das "diferenças de níveis", de fato, está na raiz dos principais equívocos das correntes de pensamento sócio-político dominantes em nossa época, isto é, o Liberalismo e o Marxismo.

     A luta entre essas duas correntes e os sistemas políticos e econômicos delas derivados marcaram, centralmente, a segunda metade deste século XX, com todo o processo da chamada "Guerra Fria". No atual momento, contudo, já no início do século XXI, a democracia liberal alcançou uma avassaladora hegemonia, especialmente após as mudanças ocorridas na ex-União Soviética e em todo o leste europeu.

1.3  O Humanitarismo

     Segundo a visão de mundo que orienta o desenvolvimento deste livro - uma perspectiva ético-filosófica do ser humano que denominamos de Humanitarismo - os erros fundamentais tanto do Liberalismo quanto do Marxismo residem justamente na falha de uma apropriada percepção dos aspectos da unidade e da diversidade inerentes à espécie humana. Em vista disso, parece oportuno colocar que toda a visão ético-filosófica do Humanitarismo está centrada em apenas quatro grandes princípios, que são os seguintes:

  1. Todos os seres humanos constituem uma FRATERNIDADE;
  2. Todos os seres humanos possuem uma mesma origem e uma mesma natureza essencial e, portanto, IGUAL VALOR;
  3. Não obstante a sua unidade e igualdade essenciais, os seres humanos apresentam CAPACIDADES DIFERENCIADAS;
  4. Em vista destes princípios, a norma que deve presidir a justiça e a harmonia possíveis entre os seres humanos é a da IGUALDADE DE OPORTUNIDADES para o desenvolvimento de suas capacidades individuais diferenciadas.

1.4  O Plano Geral da Obra

     Nos capítulos posteriores examinaremos, ainda que sinteticamente, quais são os pressupostos gerais a respeito dos seres humanos dentro do Liberalismo e do Marxismo. Procuraremos, em síntese, mostrar de que modo essas duas correntes, embora sob diferentes premissas, tendem a nivelar os seres humanos dentro de um mesmo padrão uniforme. O Liberalismo baseado na concepção do ser humano como um agente essencialmente egoísta, e o Marxismo em uma concepção materialista e historicista do ser humano.

     A existência simultânea de uma unidade fundamental e de uma grande diversidade de capacidades não tem sido percebida em nossa época como sendo as características básicas da humanidade. E essa falha marcante de nossa época está relacionada ao grande predomínio do Liberalismo e do Marxismo, com suas concepções fragmentadoras e niveladoras.

     Por essa razão se faz necessário iniciarmos com uma apresentação a respeito desses dois aspectos - da unidade e da diversidade humanas - a fim de que possamos ter um panorama mais claro da concepção de ser humano que está sendo usada para criticar as premissas do Liberalismo e do Marxismo.

     Mais adiante, então, apresentaremos e criticaremos as premissas e os modelos políticos derivados do Liberalismo e do Marxismo. Depois, procuraremos mostrar através de uma rápida análise de alguns dos mais graves problemas do Brasil, como esses problemas estão, de fato, relacionados com as falhas do sistema político atual.

     Acreditamos que, por analogia, os principais elementos desta análise possam ser aplicados a muitos outros países, especialmente àqueles mais pobres ou do Terceiro Mundo.

     Finalmente, sugeriremos um modelo político alternativo derivado da visão de humanidade aqui apresentada. Como essa visão está ligada ao Humanitarismo, concluiremos com um capítulo a respeito do Humanitarismo e da Sociedade Humanitarista, a qual encerra uma proposta prática e de transformação social baseada nos princípios e no modelo de organização aqui defendidos.

Referências Bibliográficas

[13]
Macpherson, C. B. - A Democracia Liberal: Origens e Evolução. Rio de Janeiro, Zahar, 1978. 118 p.
[16]
Schumacher, E. F. - O Negócio é Ser Pequeno. Rio de Janeiro, Zahar, 1983. 261 p.