Índice Superior Vai para o próximo: Capítulo 45
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Sejam bem-vindos a Wardha! - Mahádev Desai, secretário de Mahátma Gandhi, com estas palavras cordiais e com guirlandas de khaddar (algodão fiado em casa), cumprimentou a srta. Bletch, o sr. Wright e a mim. Nosso pequeno grupo, satisfeito por deixar a poeira e o calor do trem, acabava de chegar à estação de Wardha, em certa manhã de agosto, bem cedo. Depois de colocarmos nossa bagagem num carro de bois, entramos num automóvel sem capota, com o sr. Desai e seus companheiros, Babasaheb Deshmukh e o dr. Pingale. Uma curta viagem por estradas rurais enlameadas nos trouxe a Maganvadi, o áshram do santo político da Índia.
O sr. Desai levou-nos imediatamente ao escritório, onde o Mahátma Gandhi se encontrava sentado à moda oriental. Caneta numa das mãos e papel de rascunho na outra; em sua face, um amplo, amável e conquistador sorriso!
- Bem-vindos! - rabiscou ele em hindi; era segunda-feira, seu dia de silêncio semanal.
Embora fosse este o nosso primeiro encontro, sorrimos um ao outro, afetuosamente. Em 1925, Mahátma Gandhi concedera a honra de sua visita à escola Yogôda Sat-Sanga em Ranchi e escrevera suas benevolentes impressões no livro destinado aos visitantes.
O minúsculo santo de 45 quilos irradiava saúde física, mental e espiritual. Seus olhos castanhos suaves brilharam com inteligência, sinceridade e discernimento. Ei-lo, o estadista cuja perspicácia fora desafiada em centenas de batalhas legais, sociais e políticas, delas emergindo vitorioso. Nenhum outro líder no mundo alcançou nicho tão garantido nos corações de seu povo como o que Gandhi ocupa no seio de milhões de iletrados da Índia. O espontâneo tributo das massas se exprime no famoso título - Uma - "grande alma"377. Por amor a eles unicamente, Gandhi limita sua roupa a uma espécie de tanga, conhecida mundialmente através de caricaturas, e símbolo de sua unidade com as multidões oprimidas que não podem vestir outra coisa.
- Os residentes do áshram estão inteiramente às suas ordens; por favor, recorram a eles para qualquer serviço. - Com sua característica cortesia, o Mahátma estendeu-me outra nota escrita rapidamente, quando ia o sr. Desai conduzir nosso grupo, do escritório à casa de hóspedes.
Nosso guia levou-nos, através de pomares e campos de flores, a um edifício coberto de telhas e com rótulas nas janelas. No pátio fronteiro, um poço de sete metros e meio de diâmetro era usado, segundo nos disse o sr. Desai, para o suprimento de água; perto dali, achava-se uma roda de cimento, girando para descascar arroz. Cada um de nossos pequenos dormitórios demonstrava não ter mais que o mínimo irredutível: Uma cama de cordas trançadas à mão. A cozinha caiada exibia orgulhosamente uma torneira num canto; no outro, uma cavidade no chão, com fogo, para preparar o alimento. Singelos sons arcádicos alcançavam nossos ouvidos: o crocitar das gralhas, o chilreio dos pardais, o mugir do gado e os golpes do cinzel lavrando a pedra.
Ao notar o diário de viagem do sr. Wright, o sr. Desai abriu-o e escreveu numa página a lista dos votos Satyagraha378 proferidos por todos os estritos seguidores (satyagrahís) do Mahátma:
"Não-violência. Verdade. Não roubar. Celibato. Não possuir. Trabalho braçal ou manual. Controle do paladar. Destemor. Respeito igual a todas as religiões. Swadéshi (uso de produtos manufaturados no lar). Livrar-se do preconceito da intocabilidade dos párias. Estes onze votos devem ser observados em espírito de humildade".
(O próprio Gandhi assinou esta página no dia seguinte, acrescentondo-lhe a data: 27 de agosto de 1935.)
Duas horas após a nossa chegada, meus companheiros e eu fomos chamados para o almoço. O Mahátma já cruzara as pernas sob as arcadas do pórtico do áshram, oposto a seu escritório, do outro lado do pátio. Cerca de vinte e cinco satyagrahís descalços sentavam-se à moda oriental diante de pratos e xícaras de latão. Toda a comunidade participou do coro de preces; a seguir, serviu-se uma refeição, em grandes panelas de latão que continham chapátis (pães de trigo integral sem fermento) untados com ghee (manteiga, quase líquida, de leite de búfala), tálsari (vegetais picados e cozidos) e uma geléia de limão.
O Mahátma comeu chapátis, beterrabas cozidas, alguns vegetais crus e laranjas. Ao lado de seu prato encontrava-se um monte de amaríssimas folhas de neem, notável depurativo do sangue. Com sua colher, ele separou uma porção e colocou-a em meu prato. Mastiguei-as depressa e enguli-as com água, recordando os dias de minha meninice quando Mamãe me forçava a tragar a desagradável dose. Gandhi, entretanto, estava comendo a pasta de neem, aos poucos, sem desagrado.
Neste banal incidente, notei a habilidade do Mahátma em desligar dos sentidos a sua mente, à vontade. Lembrei-me de uma apendicetomia, muito noticiada a que o submeteram há alguns anos atrás. Recusando anestésicos, o santo conversou alegremente com seus devotos durante toda a operação, e um tranqüilo sorriso revelava sua inconsciência à dor.
À tarde, tive a oportunidade de conversar com uma renomada discípula de Gandhi, filha de um almirante inglês, a srta. Madeleine Slade, a quem chamam agora de Mira Behn379. Seu rosto calmo e firme iluminou-se de entusiasmo enquanto me falava sobre suas atividades diárias, em impecável hindi.
- A obra de reconstrução rural tem suas recompensas! Um de nossos grupos vai todas as manhãs, às cinco horas, servir os habitantes da aldeia vizinha e ensinar-lhes as regras elementares de higiene. Fazemos questão de limpar-lhes as fossas sanitárias e suas choças de palha e barro. Os camponeses são analfabetos; não podem ser educados a não ser pelo exemplo! - Ela riu jovialmente.
Fitei com admiração esta inglesa de linhagem aristocrática, cuja verdadeira humildade cristã lhe permitia ser varredora de ruas, trabalho geralmente executado apenas pelos "intocáveis".
- Vim para a Índia em 1925 - disse-me ela. - Neste país, sinto que "regressei ao meu lar". Agora, já não desejaria retornar à minha antiga vida e aos meus interesses anteriores.
Trocamos idéias sobre os Estados Unidos, durante alguns minutos. Disse ela: - Sempre me agrada e me surpreende encontrar em muitos americanos que visitam a Índia, profundo interesse por assuntos espirituais380,
As mãos de Mira Behn logo se ocuparam com uma charká (roda de fiar). Graças aos esforços do Mahátma, as charkás são agora onipresentes na Índia rural.
Gandhi tem bons motivos econômicos e culturais para encorajar a revivescência das indústrias caseiras, mas não aconselha o repúdio fanático de todo o progresso moderno. Maquinaria, trens, automóveis, telégrafo desempenharam papéis importantes em sua prodigiosa vida! Cinqüenta anos de serviço público, dentro ou fora das prisões, lutando diariamente com detalhes práticos e duras realidades do mundo político, apenas aumentaram seu equilíbrio, amplitude de idéias, sensatez e apreciação humorística do singular espetáculo humano.
Nosso trio deliciou-se com um jantar às dezoito horas, como convidados de Babasaheb Deshmukh. Às dezenove horas, para a prece da noite, já estávamos de regresso ao áshram Magativadi; subimos ao terraço superior onde trinta satyagrahís formavam um semicírculo ao redor de Gandhi. Ele cruzara as pernas numa esteira de palha, com um antigo relógio de bolso espetado diante de si. O sol, prestes a sumir, lançava UM último raio à fronde das palmeiras e bânyans (figueiras de Bengala); os sussurros da noite e o trilar dos grilos haviam começado. De pura serenidade era a atmosfera; eu me sentia enlevado.
Iniciou-se um canto solene sob a direção do sr. Desai, com responsório do grupo; a seguir, leitura do Gíta. O Mahátma propôs que eu fizesse a oração de encerramento. Que divina concordância de pensamentos e aspirações! E uma lembrança para sempre: a meditação, na açotéia de Wardha, sob as primeiras estrelas.
Às vinte horas, pontualmente, Gandhi terminou seu silêncio. Os trabalhos hercúleos de sua vida exigiam que ele dividisse seu tempo, de minuto em minuto.
- Bem-vindo, Swâmiji! - A saudação do Mahátma, desta vez, não se transmitia por meio do papel. Acabávamos de descer da açotéia para seu escritório , mobiliado simplesmente com esteiras quadrangulares (nenhuma cadeira), uma mesa baixa com livros, papéis e algumas penas de escrever comuns (nenhuma caneta-tinteiro); a um canto, um exótico relógio fazia ouvir seu tique-taque. Uma aura de paz e devoção tudo abrangia. Gandhi mostrava um de seus sorrisos cativantes, cavernosos, quase desdentados.
- Há anos atrás - explicou ele - comecei minha observância semanal de um dia de silêncio, como recurso para ganhar tempo, a fim de cuidar de minha correspondência. Agora, entretanto, essas vinte e quatro horas tornaram-se uma necessidade vital do espírito. Um decreto de silêncio periódico não é uma tortura, mas uma bênção.
Concordei, muito sinceramente381. O Mahátma fez-me perguntas sobre a América e a Europa; trocamos idéias sobre a Índia e as condições do mundo.
- Mahádev - disse Gandhi ao sr. Desai que entrava na sala por favor, arranje tudo para o Swâmiji falar sobre ioga, amanhã à noite, no salão da prefeitura de Wardha.
Quando dei boa-noite ao Mahátma, ele me ofereceu atenciosamente uma garrafa de óleo de citronela382.
- Os mosquitos de Wardha ignoram tudo sobre ahímsa383, swâmiji! - disse ele, rindo.
Na manhã seguinte, bem cedo, nosso pequeno grupo fez a primeira refeição que consistiu em mingau de trigo integral com leite e melado. Às dez e trinta, fomos chamados ao pórtico do áshram para almoçar com Gandhi e os satyagrahís. Naquele dia, o cardápio incluía arroz com cutícula, uma nova seleção de vegetais e sementes de cardamono.
À tarde, perambulei pelos terrenos do áshram, até o pasto de algumas vacas imperturbáveis. A proteção à vaca é uma paixão de Gandhi.
- Para mim, a vaca é o símbolo de todo o mundo infra-humano: ela amplia a solidariedade do homem para além de sua própria espécie explicara o Mahátma. - Através da vaca, o homem é impelido a perceber sua identidade com tudo o que vive. Os antigos ríshis escolheram a vaca para esta apoteose, por um motivo muito óbvio para mim. A vaca na Índia vinha a ser a melhor comparação; ela é que trazia a abundância. Não só dava leite, mas tornava possível a agricultura. A vaca é um poema de compaixão; lê-se piedade neste manso animal. Ela é a segunda mãe de milhões de criaturas. Proteger a vaca significa proteger toda a muda criação de Deus. A súplica dos seres inferiores da criação é tanto mais intensa por não serem eles dotados de fala.384
Certos ritos diários são obrigatórios para o hindu ortodoxo. Um é Bhúta Yâjna, oferenda de alimento ao reino animal. Esta cerimônia simboliza o entendimento que o homem adquiriu de suas obrigações com as formas menos evoluídas do universo, identificadas por instinto com o corpo (ilusão que também atormenta o homem) ' faltando-lhes, porém, a faculdade liberadora da razão, peculiar à humanidade.
Assim, Bhúta Yâina reforça no homem a disposição de prestar socorro ao fraco: em 1 troca, ele é confortado por inúmeras solicitudes de seres invisíveis superiores. A humanidade acha-se também sob a obrigação moral de proteger as dádivas da Natureza, tão pródiga na terra, no mar e no céu. A barreira evolutiva de incomunicabilidade entre a Natureza, os animais, o homem e os anjos astrais é transposta por ritos (yâjnas) diários de silencioso amor.
Outros dois yâjnas são Pitri e Nri Pitri Yâjna é uma oblação aos ancestrais: um símbolo de que o homem reconhece sua dívida para com as gerações passadas, cuja sabedoria acumulada ilumina a humanidade atual. Nri Yâina é uma oferta de alimento aos estranhos ou aos pobres: um símbolo das responsabilidades hodiernas do homem, seus deveres para com os seus contemporâneos.
No início da tarde, como bom vizinho, cumpri um Nri Yâjna, fazendo uma visita ao áshram de Gandhi para meninas. O sr. Wright acompanhou-me, de automóvel, numa viagem de dez minutos. juvenis e minúsculos rostos de flor, encimando talos de sarís coloridos! No fim de breve palestra em híndi385 que fiz ao ar livre, tombou dos céus um súbito aguaceiro. Rindo, o sr. Wright e eu subimos ao carro e nos apressamos a voltar a Maganvadi, entre precipitantes lençóis de prata. Que intensidade tropical e que travessia chapinhante!
Ao reentrar na casa de hóspedes, comoveram-me de novo a austera simplicidade e as provas de auto-sacrifício, visíveis em toda parte. O voto de não-possuir, pronunciou-o Gandhi algum tempo depois de seu casamento. Renunciando a um amplo exercício da advocacia, que lhe assegurava uma renda anual superior a 20.000 dólares, o Mahátma distribuiu toda a sua riqueza aos pobres.
Sri Yuktéswar costumava ridicularizar com gentil finura as concepções, geralmente errôneas, sobre renúncia:
- Um mendigo não pode renunciar à riqueza - dizia o Mestre. Se um homem se lamenta: "meus negócios faliram; minha mulher me abandonou; vou renunciar a tudo e ingressar num mosteiro", a que sacrifício ao mundo está se referindo? Ele não renunciou ao dinheiro nem ao amor. Estes é que renunciaram a ele!
Santos como Gandhi, ao contrário, não só fizeram sacrifícios materiais tangíveis, mas também a renúncia, muito mais difícil, aos motivos egoístas e aos objetivos pessoais, imergindo seu mais íntimo ser na caudal coletiva, a serviço total da humanidade.
Kastúrabai, a notável esposa do Mahátma, não pôs objeções quando ele deixou de reservar uma parte de sua riqueza para uso dela mesma e de seus filhos. Casados no início da adolescência, Gandhi e sua mulher fizeram o voto de celibato após o nascimento de quatro filhos386. Heroína tranqüila no intenso drama que tem sido sua vida em comum, Kastúrabai tem seguido seu esposo, nas prisões, partilhado seus jejuns de três semanas e arcado integralmente com seu quinhão nas ín termináveis responsabilidades do marido. Ela prestou a Gandhi o seguinte tributo:
"Agradeço-lhe por haver tido o privilégio de ser sua colaboradora e companheira na vida. Agradeço-lhe pelo mais perfeito casamento neste mundo, baseado em brarnachárya (autodomínio) e não do sexo. Agradeço-lhe por me haver considerado sua igual no labor de toda a sua vida em prol da Índia. Agradeço-lhe por não ser um desses esposos que malbaratam seu tempo em jogos, corridas de cavalos, mulheres, vinho e canções, cansando-se de suas esposas e filhos como um menino logo se cansa de seus brinquedos infantis. Que gratidão sinto por não ser você um desses maridos que passam o tempo a se enriquecerem com a exploração do trabalho alheio!"
"Que agradecida estou por você haver colocado Deus e a pátria acima do suborno e haver tido a coragem de suas convicções, e fé completa e implícita em Deus. Que agradecida estou por haver tido um esposo que considerou primeiro Deus e a pátria, e só depois a mim. Agradeço-lhe por me haver tolerado e às minhas deficiências na juventude, quando eu resmungava contra a mudança que você trouxe ao nosso modo de vida, do muito para o pouco."
"Em criança vivi no lar de seus pais; sua mãe foi uma grande e bondosa mulher; ela me treinou, ensinando-me a ser uma esposa valente, corajosa, e a conservar o amor e o respeito de seu filho, meu futuro esposo. No decurso dos anos, à medida que você se convertia no mais querido líder da Índia, não senti qualquer dos temores que perturbam a esposa quando seu marido subiu a escada do sucesso, como tantas vezes acontece em outros países. E sabia que a morte nos encontraria ainda como esposo e esposa".
Durante anos, Kastúrabai exerceu as funções de tesoureira, gerindo os fundos públicos que o idolatrado Mahátma é capaz de levantar aos milhões. Narram-se muitas histórias humorísticas, nos lares da Índia, sobre o nervosismo dos maridos quando suas esposas, usando jóias, vão ouvir pregações de Gandhi; a magia na linguagem do Mahátma, suplicando pelos oprimidos, enfeitiça os braceletes de ouro e os colares de brilhantes, que saltam, dos pescoços e braços das mulheres de fortuna para a cesta de coleta!
Certo dia, a tesoureira pública, Kastúrabai, não pôde prestar contas do desembolso de quatro rúpias. Gandhi publicou pontualmente o balancete; inexorável, assinalou o débito de quatro rúpias, atribuindo-o à sua esposa.
Freqüentemente narrei este caso às minhas classes de estudantes norte-americanos. Certa noite, num salão de aulas, uma senhora, indignada, desabafou com veemência:
- Mahátma ou não-Mahátma, se fosse meu marido, eu lhe deixaria um olho preto por esse desnecessário insulto público!
Depois de alguns gracejos bem-humorados entre nós, sobre esposas americanas e esposas hindus, prossegui, oferecendo uma explicação mais completa:
- A senhora Gandhi considera o Mahátma não como seu marido, mas como seu guru, alguém que tem o direito de corrigi-la, mesmo por erros insignificantes - salientei. - Algum tempo depois da repreensão pública de Kastúrabai, Gandhi foi condenado à prisão sob acusação política. Quando ele calmamente dava adeus a Kastúrabai, ela lhe caiu aos pés, dizendo com humildade: - Mestre, se alguma vez o ofendi, por favor, perdoe-me387.
Ao escritório do santo que assim pudera fazer de sua própria esposa uma discípula inabalável - milagre raro! - compareci às três horas daquela tarde em Warcília, para um encontro previamente marcado. Gandhi levantou os olhos para mim, com um sorriso inesquecível.
- Mahátmaji - disse eu, enquanto cruzava as pernas sobre a esteira sem almofadas - por favor, dê-me sua definição de ahímsa.
- Evitar danos a qualquer criatura viva, em pensamento ou ação. - Belíssimo ideal! O mundo, porém, perguntará sempre: é permitido matar uma cobra para proteger uma criança, ou em defesa própria?
- Eu não poderia matar uma cobra sem violar dois de meus votos: destemor e não-matar. Eu tentaria antes, internamente, acalmar a cobra com vibrações de amor. Não posso, absolutamente, rebaixar meus princípios para ajustá-los às circunstâncias. - E acrescentou, em sua encantadora franqueza: - Devo confessar que eu não poderia continuar serenamente esta conversa se uma víbora aparecesse diante de mim!
Notei, em sua mesa, diversos livros ocidentais, muito recentes, sobre regimes alimentares.
- Sim, a dieta é importante no movimento Satyágraha, como em qualquer outro lugar - disse ele, esboçando um sorriso. - Porque advogo a continência completa para os satyagrahís, estou sempre tentando descobrir o melhor regime alimentar para o celibatário. Deve-se vencer o paladar antes de poder controlar o instinto de procriação. Semi-inanição e dietas desequilibradas não constituem soluções. Depois de vencer a gula interna, o satyágrahí deve seguir uma dieta vegetariana racional com todas as necessárias vitaminas, minerais, calorias, etc. Usando de sabedoria interna e externa em relação à comida, o fluido sexual do satyágrahí converte-se facilmente em energia vital para o corpo inteiro.
O Mahátma e eu comparamos nossos conhecimentos quanto aos bons substitutos da carne. - O abacate é excelente - disse eu. - Há numerosas plantações de abacate próximas ao meu Centro na Califórnia.
O interesse brilhou na face de Gandhi. - Gostaria de saber se cresceriam em Wardha. Os satyagrahís apreciariam um novo alimento.
- Faço questão de mandar alguns abacateiros de Los Angeles para Wardha. - E acrescentei: - Os ovos são um alimento com elevado teor de proteína; estão proibidos aos satyagrahís?
- Somente os ovos fecundados. - O Mahátma riu-se, evocativo. Durante anos, não apoiei seu uso; ainda hoje, não os como. Certa vez, uma de minhas noras estava morrendo devido à má nutrição; seu médico insistia para que a alimentassem de ovos. Não concordei e aconselhei-o a dar à doente algum sucedâneo do ovo.
"- Gândhiji - disse o médico - galinhas não fecundadas põem ovos sem o esperma vital; não se viola o preceito de não-matar."
"- Então, consenti de bom grado que minha nora se alimentasse de ovos; em pouco tempo, ela recuperou a saúde".
Na noite anterior, Gandhi expressara o desejo de receber a Kriya Yoga de Láhiri Mahásaya. Comoveu-me a amplitude do Mahátma e seu espírito de pesquisa. Ele se parece a um menino em sua divina busca, revelando a pura receptividade que Jesus enalteceu nas crianças ... "destas é o reino dos céus".
Chegara a hora de minha prometida instrução; diversos satyagrahís penetraram na sala: o sr. Desai, o dr. Pingale e alguns outros que desejavam a técnica de Kriya.
Ensinei primeiramente à pequena classe os exercícios Yogôda. Visualiza-se o corpo dividido em vinte partes; a vontade dirige a energia a cada uma, sucessivamente. Logo, cada um dos presentes vibrava diante de mim como um motor humano. Era fácil observar as ondas de energia nas vinte partes do corpo de Gandhi, quase sempre expostos à vista! Apesar de muito magro, ele não desagrada aos olhos; a pele de seu corpo é suave e sem rugas388.
Em seguida, iniciei o grupo na técnica liberadora de Kriya Yoga.
O Mahátma estudou, com reverência, todas as religiões do mundo. As Escrituras jainas, o Novo Testamento da Bíblia e os escritos sociológicos de Tolstoi389 são as três fontes principais das convicções de não-violência de Gandhi. Ele assim afirmou o seu credo:
"Creio que a Bíblia, o Alcorão e o Zend-Avesta390 são revelações divinas, como os Vedas. Creio na instituição dos gurus mas, em nossa época, milhões de criaturas devem caminhar sem guru, porque é raro encontrar uma combinação de perfeita pureza e de perfeita instrução. Ninguém, entretanto, se desespere de jamais vir a conhecer as verdades religiosas, porque os princípios fundamentais do Hinduísmo, como os de todas as grandes religiões, são imutáveis e fáceis de compreender."
"Creio, como todo hindu, em Deus e em Sua unidade, no renascimento e na salvação ... Meus sentimentos pelo Hinduísmo já são tão indescritíveis como os que tenho por minha própria esposa. Ela me comove e me impele como nenhuma outra mulher do mundo o pode fazer. Não que ela seja isenta de faltas; ousaria dizer que ela possui muito mais faltas do que vejo. Mas entre nós existe o sentimento de um vínculo indissolúvel. Sinto o mesmo pelo Hinduísmo, com todas as suas faltas e limitações. Nada me encanta mais que a música do Gíta ou do Ramayâna por Túlsidás. Quando eu imaginava estar exalando o último suspiro, o Gíta era o meu consolo."
"O Hinduísmo não é uma religião exclusivista. Nele existe lugar para o culto de todos os profetas do mundo391. Não é uma religião missionária, no sentido comum do termo. Absorveu, sem dúvida, muitas tribos em seu seio, mas esta absorção foi de caráter evolutivo, imperceptível. O Hinduísmo ensina cada homem a adorar a Deus segundo a sua própria fé ou dharma392, vivendo assim em paz com todas as religiões".
Sobre Cristo, Gandhi escreveu: "Tenho certeza de que se Ele vivesse entre os homens, agora, abençoaria as vidas de muitos que talvez nunca ouviram pronunciar o Seu nome ... conforme está escrito: "Nem todo aquele que me diz Senhor, Senhor ... mas o que faz a vontade de meu Pai"393. Com a lição de Sua própria vida, Jesus apontou à humanidade a determinação magnífica e o objetivo único que deveriam ser o de todos nós. Creio que Ele pertence, não apenas à Cristandade, mas ao mundo inteiro, a todas as nações e raças".
Em minha última noite em Wardha, falei ao público que fora convocado pelo sr. Desai, no salão da prefeitura local. No recinto, e até no peitoril das janelas, aglomeravam-se cerca de quatrocentas pessoas, reunidas para ouvir minha palestra sobre ioga. Expressei-me primeiramente em hindi e depois em inglês. Nosso pequeno grupo retornou ao áshram em tempo de dirigir um olhar de boa-noite ao Mahátma, absorto em sua correspondência e em sua paz.
Ainda era noite quando me levantei às cinco horas. A vida da aldeia começava a animar-se: primeiro um carro de bois à porta do áshram, depois um lavrador com sua pesada carga equilibrada precariamente na cabeça. Terminada a primeira refeição, nosso trio procurou Gandhi para os prônams de despedida, O santo levanta-se às quatro horas para a sua prece matutina.
- Mahátmaji, adeus! - ajoelhei-me para tocar-lhe os pés. - Sob sua guarda, a Índia não corre perigo.
Anos transcorreram após o idílio de Wardha; a terra, os oceanos e os céus escureceram com o mundo em guerra. Sozinho entre grandes líderes, Gandhi ofereceu, às forças armadas, a alternativa prática da não-violência. Para reparar queixas e remover injustiças, o Mahátma empregou recursos não-violentos que reiteradamente provaram sua eficácia. Sua doutrina, ele a expõe nestes termos:
"Verifiquei que a vida persiste em meio à destruição. Deve existir, portanto, uma lei superior à da destruição. Unicamente sob essa lei se poderá conceber a sociedade organizada e a vida digna de ser vivida."
"Se essa é a lei da existência, devemos praticá-la na rotina diária. Sempre que houver guerras, sempre que nos defrontarmos com um oponente: conquistar pelo amor. Descobri que a lei do amor tem correspondido com amor, em minha própria vida, enquanto a lei da destruição me deixaria só."
"Na Índia, tivemos a prova ocular da operação desta lei, na mais ampla escala possível. Não proclamo que a não-violência tenha penetrado nos corações dos 360.000.000 de habitantes da Índia, mas proclamo, sim, que em tempo incrivelmente curto penetrou mais fundo que qualquer outra doutrina."
"Para atingir o estado mental de não-violência, exige-se um treinamento demorado e rigoroso. É uma vida de disciplina, como a vida do soldado. Alcança-se o estado perfeito quando a mente, o corpo e a palavra consumam sua coordenação. Todo problema evoluirá para uma solução se decidirmos fazer da lei da verdade e da não-violência a lei da vida".
A marcha inflexível dos acontecimentos políticos mundiais salienta inexoravelmente a verdade de que, sem visão espiritual, um povo perece. A ciência, se a religião não o fez, despertou na humanidade um obscuro senso de insegurança e até da insubstancialidade de todas as coisas materiais. Para onde, em verdade, poderá o homem ir agora, senão para sua Fonte e Origem: o Espírito dentro do próprio ser humano?
Consultando a História, pode-se declarar que o uso da força bruta nunca resolveu um só dos problemas do homem. A Primeira Guerra Mundial, para arrepio da Terra, produziu uma bola-de-neve de pavoroso carma que, aumentando, converteu-se na Segunda Guerra Mundial. Somente o calor da fraternidade pode derreter a atual e gigantesca bola-de-neve de carma sanguinário ou, do contrário, avolumando-se, ela provocará a Terceira Guerra Mundial. Pecaminosa, não santíssima trindade do século vinte! O uso da lógica da selva, em vez do raciocínio humano, para liquidar com disputas, fará o planeta regredir a uma selva. já que não são irmãos na vida, então se fazem irmãos na morte violenta. Não foi para semelhante ignomínia que Deus amorosamente permitiu ao homem descobrir a liberação das energias atômicas!
A guerra e o crime não compensam. Os bilhões de dólares que se evolaram no fumo de uma bomba explodida, convertida em nada, teriam sido suficientes para construir um mundo melhor, livre de quase todas as enfermidades e absolutamente livre de pobreza. Não uma Teria de medo, caos, fome, peste a danse macabre, mas uma Terra sem fronteiras de paz, prosperidade e conhecimentos de crescente amplitude.
O apelo de Gandhi à não-violência fala à suprema consciência do homem. Que as nações não mais sejam as aliadas da morte, mas da vida; não da destruição, mas da construção; não do ódio, mas dos milagres criadores do amor.
Ensina o Mahábhárata: "Deve-se perdoar qualquer ofensa. A continuação das espécies tornou-se possível graças à capacidade humana de perdoar. O perdão é santidade; pelo perdão, o universo se mantém coeso. O perdão é a força dos fortes; o perdão é sacrifício; o perdão é a tranqüilidade da mente. Perdão e doçura são qualidades de quem é o senhor de si mesmo. Representam a virtude imperecível".
A não-violência é o fruto natural da lei de perdão e amor. Gandhi proclamou: "Se for necessário perder uma vida numa batalha justa, deve-se estar preparado, como Jesus, para derramar o próprio sangue: não o dos outros. E por fim, haverá menos sangue vertido no mundo".
Algum dia, uma epopéia será escrita sobre os satyagrahís da Índia que resistiram ao ódio com o amor, à violência com a não-violência e se deixaram impiedosamente assassinar, em vez de empunhar armas. Disto resultou que, em certas ocasiões históricas, foram os adversários que jogaram ao chão as armas e fugiram - cheios de vergonha, abalados em suas convicções mais profundas, à vista de homens que valorizavam a vida dos outros acima da sua própria.
Disse Gandhi: "Eu preferiria esperar, se necessário durante séculos, a procurar a liberdade de minha pátria através do derramamento de sangue". E a Bíblia nos adverte: "Todos os que empunharem a espada, morrerão pela espada"394. O Mahátma escreveu:
"Denomino-me nacionalista, mas meu nacionalismo é tão amplo como o universo. Inclui em sua vastidão todas as nações da Terra395. Meu nacionalismo inclui o bem-estar do mundo inteiro. Não desejo que a minha Índia se levante das cinzas de outras nações. Não quero que a Índia explore um único ser humano. Quero que a Índia seja forte, para que ela possa contagiar com sua força também as outras nações. Isto não ocorre, hoje, a nenhuma nação da Europa; elas não transmitem força às outras."
O presidente Wílson mencionou os seus belos catorze pontos, mas disse: "Afinal, se este esforço nosso para atingir a paz vier a fracassar, temos nossas armas para recorrer de novo a elas".
- "Quero inverter essa posição e dizer: Nosso armamento já fracassou. Vamos procurar algo novo; experimentemos a força do amor e de Deus que é a verdade. - Quando tivermos essa força, nenhum outro recurso será necessário".
Pelo treinamento que o Mahátma deu a milhares de verdadeiros satyagrahís (os que professaram os onze votos rigorosos mencionados na primeira parte deste capítulo) os quais, por sua vez, propagaram a sua mensagem; por sua paciente educação das multidões hindus para que compreendessem os benefícios espirituais e eventualmente materiais da não-violência; por equipar seu povo com armas não-violentas: a ausência de cooperação com a injustiça, a disposição voluntária para suportar os ultrajes, a prisão e a própria morte em vez de recorrer às armas; e por recrutar a solidariedade do mundo através de exemplos inúmeros de heróico martírio entre os satyagrahís, Gandhi retratou dramaticamente o caráter prático da não-violência, seu poder solene de resolver disputas dispensando a guerra.
Gandhi, já conquistou, por meios não-violentos, maior número de concessões políticas para sua terra que as obtidas por qualquer outro líder, de qualquer outro país, à custa de balas.
Os métodos não-violentos para a erradicação de todos os males e injustiças têm sido notavelmente aplicados, não só na arena política, mas no campo complexo e delicado das reformas sociais da Índia. Gandhi e seus seguidores puseram fim a muitas velhas querelas entre maometanos e hindus; centenas de milhares de muçulmanos encaram o Mahátma como seu líder. Os intocáveis encontraram nele o paladino destemido e triunfante: - Se existir um renascimento para mim - escreveu ele - quero nascer como pária entre os párias, porque assim poderei prestar-lhes um serviço mais eficaz396.
O Mahátma é, em verdade, uma "grande alma". Entretanto, os que tiveram o discernimento de conferir-lhe este título foram milhões de analfabetos. Este manso profeta é venerado em sua pátria. O camponês mais inferior colocou-se à altura do superior desafio de Gandhi. O Mahátma acredita com toda sinceridade na inerente nobreza do homem. As falhas inevitáveis nunca o desiludiram. Escreveu: "Mesmo que seu oponente o tenha enganado vinte vezes, um satyágrahí está pronto a confiar nele pela vigésima primeira vez, pois uma confiança ímplícita na natureza humana é a verdadeira essência de seu credo."397
- Mahátmaji, o senhor é um homem excepcional. Não deve esperar que o mundo tenha o seu comportamento. - Um crítico fez-lhe, certa vez, esta observação.
- É curioso como nos iludimos a nós mesmos, imaginando que podemos melhorar o corpo, mas que é impossível despertar os poderes ocultos da alma - replicou Gandhi. - Empenho-me na tentativa de mostrar que, se possuo algum desses poderes, sou um mortal tão frágil como qualquer outro e nunca houve, nem há agora, nada de extraordinário a meu respeito. Sou um simples indivíduo, sujeito a errar como qualquer companheiro mortal. Reconheço, que possuo humildade bastante para confessar meus erros e corrigir os passos que dei. Admito que tenho uma fé inalterável em Deus e em Sua bondade, e uma paixão inextinguível pela verdade e pelo amor. Mas não é isso o que toda pessoa tem latente em si? - E acrescentou: - Se podemos fazer novas descobertas e invenções no mundo dos fenômenos, devemos declarar nossa falência no domínio espiritual? Será impossível multiplicar as exceções de modo a torná-las a regra? Deve o homem, sempre, ser primeiro um bruto e só depois um homem, se chegar a tanto?398
Os norte-americanos podem recordar com orgulho o êxito que teve a experiência de não-violência de William Perin, fundador de uma povoação na Pensilvânia, no século 17. Ali "não havia fortalezas, nem soldados, nem milícia, nem mesmo armas". Em meio às selvagens guerras de fronteiras e às carnificinas que repetidamente ocorriam entre os novos colonos e os pele-vermelhas, só os quakers da Pensilvânia nunca foram molestados. "Outros foram assassinados, outros foram massacrados; eles, porém, continuavam a salvo. Nenhuma mulher quaker foi assaltada; nenhuma criança quaker foi morta; nenhum homem quaker foi torturado". Quando os quakers, afinal, foram obrigados a renunciar ao governo do Estado, "rebentou a guerra e houve colonos da Pensilvânia assassinados. Mas só três quakers foram mortos: aqueles que chegaram ao extremo de renegar a sua fé com o porte de armas defensivas".
- O recurso à força na Primeira Grande Guerra não trouxe a tranqüilidade - assinalou Franklin D. Roosevelt. - A vitória e a derrota foram igualmente estéreis. O mundo deveria ter aprendido essa lição.
Ensinou Lao-tse: "Quanto mais armas de violência, mais miséria para a humanidade. O triunfo da violência culmina num festival de luto".
- Estou lutando pela paz do mundo, e por nada menos que a paz - declarou Gandhi. - Se o movimento indiano alcançar êxito nas bases não-violentas de Satyágraha, dará um novo significado ao patriotismo; e, se e que posso dizer isto com inteira humildade, um novo significado à própria vida.
Reflita o Ocidente, antes de rejeitar o programa de Gandhi como O de um sonhador pouco prático, nesta definição de Satyagraha dada pelo Mestre da Galiléia:
"Ouviste que foi dito: olho por olho e dente por dente; mas eu vos digo: não resistais ao mal (com o mal); mas a quem vos bater na face direita, oferece também a esquerda".
A época de Gandhi prolongou-se, com a bela precisão do metrônomo cósmico, até a metade de um século já desolado e devastado por duas Guerras Mundiais. Uma divina caligrafia aparece no muro de granito de sua vida: uma advertência contra mais derramamento de sangue entre irmãos.
O Mahátma Gandhi visitou Yogôda Sat-Sanga Brahmachárya Vídyaláya, escola secundária com treinamento de ioga, em Ranchí, Índia. Amavelmente escreveu as palavras acima, no livro dos visitantes. Eis a tradução:
"Este instituto deixou profunda impressão em minha mente. Nutro grandes esperanças de que esta escola venha a incentivar, dentro em breve, o uso prático da roda de fiar".
"Ele era, no verdadeiro sentido, o pai da nação, e um desvairado o assassinou. Centenas de milhões se lamentam porque a luz se apagou ... A luz que brilhou neste país era uma luz invulgar. Durante milênios, essa luz será visível em nossa terra e o mundo a verá fulgir". Assim falou o Primeiro Ministro da Índia, Jawaharlal Nehru, logo após o assassínio de Mahátma Gandhi, em Nova Delhi, em 30 de janeiro de 1948.
Cinco meses antes, a Índia alcançara pacificamente a sua independência nacional. Terminara a obra do Mahátma, então com 78 nos; ele sabia que sua hora estava próxima. "Ava, traga-me todos os papéis importantes" disse ele à sua neta na manhã da tragédia. "Devo responder hoje. Amanhã talvez seja tarde". Em numerosos trechos de seus escritos, Gandhi também insinuou que já conhecia seu destino final.
Quando, moribundo, o Mahátma tombava lentamente ao solo, com três balas em seu corpo frágil e esgotado, ele ergueu as mãos no gesto tradicional de saudação hindu (prônam), concedendo silenciosamente o seu perdão. Artista ingênuo como fora em todas as circunstâncias de sua vida, Gandhi veio a ser um artista supremo no instante de sua morte. Todos os sacrifícios de sua vida altruísta tornaram possível aquele derradeiro gesto de amor.
Albert Einstein, em seu tributo ao Mahátma, escreveu: "Talvez as gerações vindouras dificilmente acreditem que alguém como ele, em carne e osso, tenha caminhado, um dia, sobre a terra". Um despacho do Vaticano, de Roma, afirmava: "O assassinato causou grande consternação aqui. Gandhi é pranteado como um apóstolo das virtudes cristãs".
Férteis em significado simbólico são as vidas de todos os grandes seres que vieram à Terra para encarecer e realizar uma justiça específica. A dramática morte de Gandhi, pela causa da unidade indiana, realçou luminosamente sua mensagem para um mundo estraçalhado por desuniões em cada um dos continentes. Essa mensagem, ele a afirmou em palavras proféticas:
"A não-violência nasceu entre os homens e viverá. Ela é a precursora da paz mundial".