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Capítulo 16
Mais esperto que os Astros


Autobiografia de um Iogue Contemporâneo
Paramahamsa Yogananda
Re-editado à partir do livro na Internet
16  Mais esperto que os Astros

     - Mukunda, por que você não arranja um bracelete astrológico?

     - Deveria usá-lo, Mestre? Não creio em astrologia.

     - Não é questão de crença; a atitude científica que se deve adotar em qualquer assunto é a de saber se é verdade. A lei da gravidade funcionou tão eficientemente antes de Newton como depois dele. O cosmos seria positivamente um caos se suas leis só pudessem funcionar mediante a aprovação da crença humana. Os charlatães trouxeram a antiquíssima ciência estelar a seu descrédito atual. Tanto matemática129 como filosoficamente, a astrologia é muito vasta para ser abarcada corretamente, salvo por homens de profundo entendimento. Se os ignorantes lêem erradamente o céu, e ali enxergam rabiscos em vez de uma escrita, isto é de se esperar neste mundo imperfeito. Não se deve prescindir da sabedoria ao dispensar os pretensos sábios.

     E meu guru continuou: - Todas as partes do mundo criado estão ligadas entre si e permutam suas influências. O ritmo equilibrado do universo tem sua raiz na reciprocidade. O homem, em seu aspecto mortal, tem de combater dois grupos de forças - primeiro, os tumultos internos do ser, causados pela mistura de terra, água, fogo, ar e elementos etéreos; segundo, os poderes externos e desintegradores da natureza. Enquanto o homem luta com sua mortalidade, ele é afetado por miríades de mutações do céu e da terra.

     - Astrologia é o estudo das reações do homem aos estímulos planetários. Os astros não têm qualquer benevolência ou aversão consciente; eles meramente enviam radiações positivas ou negativas. Por si só, não ajudam nem prejudicam a humanidade, mas oferecem um canal lícito para que se manifeste o equilíbrio de causas e efeitos que, no passado, cada homem pôs em movimento.

     Uma criança nasce no dia e hora exatos em que os raios celestes estão em harmonia matemática com seu carma individual. Seu horóscopo é um retrato desafiante, revelando seu passado inalterável e os resultados prováveis em seu futuro. Corretamente, porém, o mapa natalício só pode ser interpretado por homens de sabedoria intuitiva: estes são poucos.

     "A mensagem audaz e heraldicamente proclamada através dos céus, no momento do nascimento, não tem a intenção de dar ênfase ao destino - o resultado do bem e do mal pretéritos - mas o de despertar a vontade humana de escapar de seu cativeiro universal. O que o homem fez, ele pode desfazer. Ninguém, além dele mesmo, foi o instigador das causas cujos efeitos agora prevalecem em sua vida. Ele pode transcender qualquer limitação, em primeiro lugar, porque a criou com suas próprias ações e, em segundo lugar, porque possui recursos espirituais que não estão sujeitos à pressão planetária."

     "O medo supersticioso à astrologia produz autômatos, dependentes, como escravos, de guia mecânica. O homem sábio derrota seus planetas isto é, seu passado - transferindo sua fidelidade, da criação ao Criador. Quanto mais efetua sua unidade com o Espírito, menos pode ser dominado pela matéria. A alma é sempre livre; é imortal porque não tem nascimento. Não pode ser regida pelos astros."

     "O homem é uma alma e tem um corpo. Quando situa apropriadamente o seu senso de identidade, deixa para trás todos os padrões compulsórios. Enquanto permanecer confuso em seu estado ordinário de amnésia espiritual, experimentará os grilhões insidiosos da lei do ambiente."

     "Deus é Harmonia: o devoto que com Ele sintoniza nunca realizará uma ação errônea. Suas atividades concordarão com o cronômetro natural e exato da lei astrológica. Após a meditação e a prece profundas, ele está em contato com sua consciência divina; não há poder maior que esta proteção interior."

     Então, querido Mestre, por que deseja que eu use uma pulseira astrológica? - Arrisquei esta pergunta depois de um longo silêncio; eu tentara assimilar a nobre exposição de Sri Yuktéswar, a qual continha idéias muito novas para mim.

     - Só quando um viajante atingiu sua meta é que se justifica o abandono de seus mapas. Durante a jornada, ele se aproveita de qualquer atalho conveniente. Os ríshis antigos descobriram muitos meios de encurtar o período de exílio do homem no mundo ilusório. Existem certas engrenagens na lei do carma que podem ser habilmente ajustadas pelos dedos da sabedoria.

     "Todos os males humanos se originam de alguma transgressão da lei universal. As Escrituras salientam que o homem deve satisfazer as leis da natureza, sem descrever, simultaneamente, da onipotência divina. Ele deveria dizer: `Senhor, confio em Ti, e sei que Tu me podes ajudar, mas envidarei todos os esforços para reparar qualquer mal que tenha cometido.' Por uma série de meios - pela prece, pelo poder da vontade, pela meditação iogue, pela consulta aos santos, pelo uso de braceletes astrológicos - os efeitos adversos do passado podem ser diminuídos ou anulados."

     "Semelhante a uma casa que pode ser equipada com um pára-raios de cobre para absorver a descarga do relâmpago, o templo do corpo se beneficia com certas proteções."

     "Radiações elétricas e magnéticas circulam incessantemente no universo; afetam o corpo humano, favorável ou desfavoravelmente. Há milênios atrás, nossos ríshis estudaram o problema de combater os efeitos adversos das influências cósmicas sutis. Os sábios descobriram que os metais puros emitem uma luz astral, poderoso neutralizante dos influxos negativos dos planetas. Certas combinações de plantas também ajudam. Mais eficiente que tudo são pedras preciosas sem jaça e não menores que dois quilates."

     "O emprego preventivo da astrologia raras vezes foi objeto de estudos sérios fora da Índia. Um fato pouco conhecido é que jóias, nactais e misturas de plantas, embora sejam da espécie recomendada, só têm valor se apresentarem o peso requerido e se o agente terapêutico for usado em contato com a pele."

     - Senhor, seguirei seu conselho, sem dúvida, e comprarei um bracelete. Estou intrigado com a idéia de burlar um planeta!

     - Para propósitos gerais, aconselho o uso de um bracelete feito de ouro, prata e cobre. Mas, para um propósito específico, quero que mande fazer um de prata e chumbo. - Sri Yuktéswar acrescentou cuidadosamente outras instruções.

     - Gurují, que "propósito específico" é esse?

     - Os astros estão prestes a manifestar um interesse "inamistoso" por você, Mukunda. Não tenha medo; você estará protegido. Dentro de um mês, seu fígado lhe causará muitos sofrimentos. A duração da doença está fixada em seis meses, mas o uso de seu bracelete astrológico encurtará o período para vinte e quatro dias.

     Procurei meu joalheiro no dia seguinte e logo passei a usar o bracelete. Minha saúde era ótima; a predição do Mestre esvaiu-se de minha mente. Ele deixou Serampore para visitar Benares. Trinta dias após nossa conversação, senti uma dor repentina na região do fígado. As semanas seguintes foram um pesadelo de torturas e martírios. Relutando em perturbar meu guru, pensei que suportaria valentemente minha prova sozinho.

     Vinte e três dias de suplício, porém, debilitaram minha resolução; tomei o trem para Benares. Ali, Sri Yuktéswar cumprimentou-me com inusitado calor, mas não me deu oportunidade de lhe contar meus infortúnios em particular. Muitos devotos visitaram o Mestre nesse dia, unicamente pelo dárshan130. Enfermo e negligenciado, sentei-me num canto. Só depois da refeição da noite é que os hóspedes todos partiram. Meu guru chamou-me à sacada octogonal da casa.

     - Você deve ter vindo por causa de sua doença do fígado. - Sri Yuktéswar desviava de mim os seus olhos; ele caminhava de um lado para o outro, às vezes interceptando o luar. - Deixe-me ver, você está doente há vinte e quatro dias, não é assim?

     - Sim, senhor.

     - Faça o exercício de estômago que lhe ensinei.

     - Se soubesse a imensidão de meu sofrimento, Mestre, não exigiria exercícios de mim. - Não obstante, fiz uma débil tentativa para obedecê-lo.

     - Você diz que sente dor; afirmo que você não tem nenhuma. Como existir esta contradição? - Meu guru fixou em mim seus olhos interrogativos.

     Fiquei deslumbrado e, a seguir, inteiramente possuído de alívio e de júbilo. Não mais sentia o tormento contínuo que me conservara quase sem dormir durante semanas; às palavras de Sri Yuktéswar, a agonia desapareceu como se nunca tivesse existido.

     Fiz menção de ajoelhar-me a seus pés, em agradecimento, mas ele rapidamente me impediu.

     - Não seja infantil; levante-se e admire a beleza da luz sobre o Ganges. - Os olhos do Mestre, porém, cintilavam felizes, enquanto em silêncio eu me mantinha de pé a seu lado. Compreendi, por sua atitude, que ele desejava que eu sentisse não ter sido ele, mas Deus, Quem me curara.

     Até hoje uso o pesado bracelete de prata e chumbo, um momento daquele dia - de um tempo distante e sempre evocado com carinho - quando mais uma vez descobri estar vivendo com um personagem verdadeiramente sobre-humano. Em ocasiões posteriores, ao trazer meus amigos a Sri Yuktéswar para que os curasse, ele invariavelmente recomendava jóias ou o bracelete131, enaltecendo seu uso como um ato de sabedoria astrológica.

     Eu tinha preconceitos contra a astrologia, desde a infância, em parte porque observara que muitas pessoas se prendem a ela servilmente, e em parte devido a uma predição feita pelo astrólogo de minha família: "Três vezes casará, ficando viúvo duas vezes." Preocupado com o assunto, demorei-me a pensar sobre ele, sentindo-me igual a uma cabra à espera do sacrifício diante do altar de um tríplice matrimônio.

     - Você terá de se resignar ao seu destino - comentou meu irmão Ananta. - Seu horóscopo escrito predisse corretamente que você fugiria de casa para o Himalaia na meninice, mas que o forçariam a voltar. A previsão de seus casamentos tende também a resultar certa.

     Tive, certa noite, a clara intuição de que a profecia era inteiramente falsa. Ateei fogo ao pergaminho do horóscopo, colocando as cinzas num invólucro de papel onde escrevi: "Sementes do carma passado não podem germinar quando torradas no fogo da sabedoria divina." Coloquei-o em lugar visível. Ananta imediatamente leu meu comentário desafiador.

     - Você não pode destruir a verdade tão facilmente como queimou esse rolo de pergaminho. - Meu irmão teve uma risada desdenhosa.

     O fato é que, em três ocasiões antes de atingir a puberdade, minha família tentou contratar meu noivado. Em todas as ocasiões recusei assentir a seus planos132, sabendo que meu amor a Deus era mais irresistível que qualquer sugestão astrológica do passado.

     - Quanto mais profunda é a experiência direta que um homem tem de Deus, mais ele exerce influência sobre o universo inteiro por suas vibrações espirituais sutis, e menos o afeta o fluxo dos fenômenos. - Estas inspiradoras palavras do Mestre retornavam com freqüência à minha mente.

     Em algumas ocasiões, eu disse aos astrólogos que selecionassem os meus piores períodos, de acordo com as indicações planetárias, pois, ainda assim, levaria a termo qualquer tarefa que me impusesse a mim mesmo. E verdade que meu sucesso em tais épocas foi precedido por dificuldades extraordinárias. Minha convicção, entretanto, sempre foi justificada: a fé na proteção divina e o uso correto da vontade conferida por Deus ao homem são forças mais poderosas que as influências provindas do firmamento.

     Vim a compreender que a inscrição dos astros, à hora do nascimento, não significa que o homem seja um fantoche de seu passado. A mensagem deles é, antes, um acicate ao orgulho; o próprio céu procura despertar o propósito humano de ser livre de toda limitação. Deus criou cada homem como alma, dotado de individualidade e, portanto, essencial à estrutura do universo, seja no papel temporário de coluna ou, de parasita. Sua liberdade é final e imediata, se assim o quiser; não depende de vitórias externas, mas internas.

     Sri Yuktéswar descobriu a aplicação matemática, à nossa era atual, de um ciclo equinocial de 2400 anos133. O ciclo divide-se em um Arco Ascendente e outro Descendente, cada um com 12.000 anos. Cada Arco abrange quatro Yúgas ou Idades, chamadas Káli, Dwapára, Tréta e Sátya.

     Meu guru determinou, por vários cálculos, que o último Káli Yúga, 500 anos depois de Cristo. A Idade de Ferro, com a duração de 1.200 anos, foi um período de materialismo; terminou cerca de 1.700 anos anos, foi um período de materialismo; terminou cerca de 1700 anos depois de Cristo. Esse ano deu início a Dwapára Yúga, uma etapa de 2.400 anos de desenvolvimento elétrico e atômico: a época do telégrafo, rádio, aviões e outros anuladores do espaço. Tréta Yuga, Idade de Prata, de 3.600 anos, começará em 4.100 de nossa era; este período se caracterizará pelo conhecimento generalizado das comunicações telepáticas e de outros aniquiladores do tempo. Durante os 4.800 anos de Sátya Yúga, última época no Arco Ascendente, a inteligência do homem, estando supremamente desenvolvida, trabalhará em harmonia com o plano divino. Um Arco Descendente de 1.200 anos (a iniciar-se com uma Idade de Ouro Descendente de 4.800 anos) principiará então para o mundo (em 12.500 A.D.); o homem gradualmente mergulhará na ignorância. Estes ciclos são as rondas eternas de máva, os contrastes e relatividades de, mundo dos fenômenos134. Os homens, um por um, escapam à prisão da dualidade do universo criado, à medida que despertam para a consciência de sua divina unidade, a de criaturas, inseparáveis do Criador.

     O Mestre ampliou minha compreensão, não só da astrologia, mas também das Escrituras do mundo. Colocando os textos sagrados na mesa imaculada de sua mente, ele era capaz de dissecá-los com o escalpelo de seu raciocínio intuitivo e distinguir entre os erros e interpolações dos eruditos e as verdades tais como os profetas as expuseram pela primeira vez.

     "Fixa os olhos na ponta do nariz." Esta interpretação inexata do Bhágavad Gíta135, amplamente aceita por eruditos orientais e tradutores ocidentais, costumava suscitar divertida crítica do Mestre.

     - A senda do iogue já é bastante singular - comentava ele. Por que aconselhá-lo também a fazer-se vesgo? O verdadeiro significado de nasíkagrâm é "começo do nariz" e não "término do nariz". Este tem origem no ponto entre as sobrancelhas, sede da visão espiritual136.

     Um aforismo Sânkhya137 afirma: Íswar ashidha138 ("O Senhor da Criação não pode ser deduzido" ou "Deus não se prova"). Baseados principalmente nesta sentença, muitos eruditos chamam de ateística toda a filosofia Sânkhya.

     - Este verso não é ateístico - explicou Sri Yuktéswar. - Significa simplesmente que o homem não-iluminado, dependente de seus sentidos para todos os julgamentos finais, não pode, por meio deles, provar Deus, que continua, por isso, desconhecido e não-existente. Os verdadeiros adeptos de Sânkhya, com imperturbável percepção interior, nascida da meditação, compreendem que o Senhor é existente e cognoscível.

     O Mestre explicava a Bíblia cristã com admirável clareza. Foi de meu guru indiano, desconhecido para a Cristandade, que aprendi a perceber a essência imortal da Bíblia e a compreender a verdade na afirmação de Cristo - certamente a mais emocionante e intransigente que já se pronunciou "Passarão o céu e a terra, mas minhas palavras não passarão."139

     Os grandes mestres da Índia modelam suas vidas pelos mesmos ideais divinos que animaram Jesus; estes homens pertencem à sua proclamada família: "Quem fizer a vontade de meu Pai, que está no céu, é meu irmão, minha irmã, minha mãe"140. "Se perseverardes em minha palavra", salientou o Cristo, "então sereis meus discípulos e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará"141. Livres, todos senhores de si mesmos, os Cristos-iogues da Índia são membros da confraria imortal: a dos que obtêm o conhecimento libertador do Pai único.

     - A história de Adão e Eva é incompreensível para mim! - observei com vivacidade, certa vez, em minhas primeiras lutas com a alegoria. - Por que Deus castigou, não só o casal culpado, mas todas as gerações inocentes ainda por nascer?

     O Mestre divertia-se, mais com minha veemência que com minha ignorância. - O Gênese é profundamente simbólico e não se pode compreendê-lo pela interpretação literal - explicou ele. - A "árvore da vida" é o corpo humano; a coluna vertebral assemelha-se a uma árvore invertida, tendo como raízes os cabelos do homem, e como galhos, os nervos sensoriais e motores. A árvore do sistema nervoso ostenta muitos frutos apetitosos: as sensações da vista, do som, do olfato, do gosto e do tato. Estes, o homem tem permissão de desfrutar; mas lhe foi proibida a experiência do sexo, a "maçã" no centro do corpo ("no meio do jardim")142.

     "A serpente representa a energia enrolada na base da espinha, a que estimula os nervos sexuais. Adão é a razão, Eva é o sentimento. Quando o impulso sexual subjuga a emoção ou consciência-de-Eva em qualquer ser humano, sua razão ou Adão também sucumbe."143

     Deus criou a espécie humana materializando os corpos do homem e da mulher pela potência de Sua vontade; Ele dotou a nova espécie com o poder de criar filhos de idêntica maneira imaculada ou divina144. Até ali, ao manifestar-se como alma individualizada, Deus se limitara aos animais, regidos pelo instinto e desprovidos das potencialidades da razão plena; então, fez os primeiros corpos humanos, simbolicamente chamados Adão e Eva. Para estes corpos, a fim de prosseguirem vantajosamente na evolução ascensional, Ele transferiu as almas ou essência divina de dois animais145. Em Adão ou homem a razão predominou; em Eva ou mulher, o sentimento prevaleceu. Assim se manifestou a dualidade ou polaridade subjacente ao mundo dos fenômenos. Razão e sentimento permanecem no paraíso da alegria cooperativa, enquanto a mente humana não é iludida pela energia serpentina das propensões animais146.

     "O corpo humano, portanto, não resultou da evolução dos corpos animais; Deus o produziu por um ato especial de criação. As formas animais eram muito rudes para expressar a divindade em plenitude; semente ao homem e à mulher, desde a sua origem foram conferidos centros ocultos na espinha e o Lótus de mil pétalas, potencialmente onisciente, no cérebro."

     "Deus, ou a Consciência Divina presente no interior do primeiro casal criado, aconselhou-os a fruir de todas as formas de sensibilidade, com uma exceção: as sensações sexuais. Estas foram proibidas, a fim de que a humanidade não se enredasse no método animal, inferior, de procriação. A advertência para que não reavivassem memórias bestiais arquivadas no subconsciente passou despercebida. Voltando atrás, à forma de reprodução dos seres brutos, Adão e Eva conheceram a queda do estado de alegria celeste que era próprio do homem, perfeito em sua origem."

     "Ao 'perceberem que estavam nus' perderam sua consciência de imortalidade, conforme a advertência de Deus; colocaram-se sob a lei física, segundo a qual ao nascimento físico deve seguir-se a morte física."

     "O conhecimento do 'bem e do mal' prometido a Eva pela 'serpente' refere-se às experiências dualísticas e opostas que todos os mortais sob o domínio de máya devem gozar e sofrer. Sujeitando-se à ilusão, pelo uso incorreto de sua razão e sentimento, ou consciência-de-Adão-e-Eva, o homem renuncia a seu direito de entrar no jardim paradisíaco da divina auto-suficiência147. A cada ser humano cabe a responsabilidade de restituir seus pais ou natureza dual à harmonia unificada ou Éden."

     Ao terminar Sri Yuktéswar o seu discurso, olhei com novo respeito as páginas do Gênese.

     - Querido Mestre - disse eu - pela primeira vez sinto obrigação filial para com Adão e Eva!148


Notas de Rodapé:

129 Referências astronômicas na literatura hindu da antigüidade permitiram aos eruditos fixar com segurança as épocas em que seus autores escreveram. O conhecimento científico dos ríshis era muito grande: o Kaushítaki Brâhmana consigna fenômenos astronômicos exatos, indicando que, em 3100 antes de Cristo, os hindus estavam muito adiantados em astronomia, a qual tinha o valor prático de determinar os tempos favoráveis às cerimônias astrológicas. Um artigo na revista East-West, de fevereiro de 1934, assim se referiu ao Jyotish ou conjunto dos tratados védicos de astronomia: "Contém a tradição científica que manteve a Índia na vanguarda de todas as nações da antigüidade e dela fez a meca dos buscadores de conhecimento. Brama Gupta, um dos livros do Jyotish, é um tratado astronômico que estuda fenômenos como o movimento heliocêntrico dos planetas em nosso sistema solar, a obliqüidade da eclíptica, a forma esférica da Terra, a luz refletida da Lua, o movimento diário de rotação da Terra em redor de seu eixo, a presença de estrelas fixas na Via Láctea, a lei da gravitação, e outros fatos científicos que só vieram à luz, para o mundo ocidental, no tempo de Copérnico e de Newton."
Os chamados "algarismos arábicos", de valor incalculável para o desenvolvimento da matemática no Ocidente, chegaram à Europa no século 9, trazidos pelos árabes, mas originários da Índia, onde aquele sistema de notação fora formulado na antigüidade. Maiores esclarecimentos sobre a vasta herança científica da Índia podem ser encontrados em "História da Química Hindu", de sir P. C. Roy; em "Ciências Positivas dos Antigos Hindus", de B. N. Seal; em "Conquistas Hindus em Ciências Exatas" e "Fundamentos Positivos da Sociologia Hindu", de B. K. Sarkar; e em "Matéria Médica dos Hindus", de U. C. Dutt.
130 A bênção que flui para o discípulo, à simples contemplação do guru.
131 Ver capítulo 25.
132 Uma das jovens escolhidas por minha família, como possível noiva para mim, casou-se mais tarde com meu primo, Prabhas Chandra Ghose, vice presidente de Yogôda Sat-Sanga Society of Índia (filiada a SRF de Los Angeles).
133 Estes ciclos são explicados na primeira parte do livro de Sri Yuktéswar, "A Ciência Sagrada", edição de SRF, Los Angeles.
134 As Escrituras hindus situam a época atual de mundo dentro do Káli Yúga de um ciclo universal incomparavelmente mais longo que o simples ciclo equinocial de 24.000 anos, a que Sri Yuktéswar se refere. O ciclo universal das Escrituras tem a extensão de 4.300.560.000 anos, e equivale a um Dia da Criação ou o tempo de vida atribuído ao nosso sistema planetário em sua forma presente. Esta vasta cifra calculada pelos ríshis baseia-se na relação entre a duração do ano solar e um múltiplo de Pi (3,14159: relação entre a circunferência e o diâmetro do círculo). A duração de vida para todo um universo, segundo os antigos videntes, é de 314.159.000.000.000 anos solares, ou "Uma Idade de Brahma". As Escrituras hindus declaram que um planeta como o nosso é dissolvido por uma destas duas razões: os habitantes em conjunto ou se tornam completamente bons ou completamente maus. A mente do planeta gera, desse modo, um poder que liberta os átomos cativos cuja permanência juntos formava um corpo no firmamento. Publicam-se horrendos prognósticos, em certas ocasiões, sobre um iminente "fim do mundo". Os ciclos planetários, entretanto, sucedem-se em ordem, de acordo com um plano divino. Nenhuma desintegração da Terra ocorrerá de imediato; nosso planeta ainda tem pela frente, em sua forma atual, numerosos ciclos equinociais ascendentes e descendentes.
135 Capítulo 6:13.
136 "A candeia do corpo é o olho; logo, se teu olho for único, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, for mau, também o teu corpo será tenebroso. Cuida, pois, de que a luz que está em ti não seja trevas." (Lucas, 11:34-35) (Nota do Autor)
Na Bíblia, em inglês, lê-se "single eye" e "evil eye". Versões latinas e neolatinas da Bíblia habituaram o leitor a uma interpretação moral deste versículo, traduzindo "olho único" por "olho simples", inocente, moral; e "olho mau" ganhou o sentido de tenebroso, perverso, imoral. Entretanto, "olho único" refere-se ao olho ímpar na testa, único que permite ver o corpo luminoso ou astral do homem, corpo a que se refere, aliás, o resto da frase do evangelista. "Olho mau" é o que pouco vê, ou nada vê, menção aos dois olhos físicos sob a testa, improfícuos por só enxergarem o mundo físico de três dimensões cegos para mais refinadas freqüências vibratórias.
137 Um dos seis sistemas de filosofia hindu. Sânkhya ensina a emancipação final através do conhecimento de vinte e cinco princípios, começando com prakíti ou natureza, e terminando com purúsha ou alma.
138 Aforismos de Sânkhya, 1:92.
139 Mateus, 24:35.
140 Mateus, 12:50.
141 João, 8:31-32. São João deu testemunho: "Mas a quantos o receberam, ele deu o poder de se tornarem filhos de Deus, aos que crêem em seu nome (aos que se estabeleceram na onipresente Consciência Crística)". João, 1: 12.
142 "Podemos comer os frutos das árvores do jardim; mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: Não comereis dele, nem o tocareis, senão morrereis". Gênese, 3:2-3.
143 "A mulher que me deste por companheira, deu-me da árvore e eu comi. A mulher disse: A serpente me enganou e eu comi." Gênese, 3:12-13.
144 "Assim, Deus criou o homem à Sua própria imagem; à imagem de Deus o criou; criou-os homem e mulher. E Deus os abençoou e lhes disse: Crescei e multiplicai-vos, e povoai a terra, e dominai-a." Gênese, 1:27-28.
145 "E o Senhor Deus formou o homem do barro da terra e soprou-lhe nas narinas o hálito da vida; e o homem tornou-se uma alma vivente", Gênese, 2:7.
146 "Mas a serpente (força sexual) era mais sutil que qualquer animal do campo (qualquer outro sentido do corpo)." Gênese, 3:1.
147 "E o Senhor Deus plantou um jardim a leste no Éden; e ali colocou o homem que havia criado." Gênese, 18. "Por isso o Senhor Deus o expulsou do jardim do Éden para cultivar o solo do qual saíra." Gênese, 3:23. O primeiro homem, criado por Deus, tinha sua consciência centralizada no olho ânico onipotente, na testa ('a leste'). Os poderes onicriadores ele sua vontade, focalizados nesse ponto, perderam-se quando o homem começou a 'cultivar o solo' de sua natureza física.
148 A versão hindu da história de "Adão e Eva" é contada no venerável purâna, Srímad Bhagávata. O primeiro casal, homem e mulher (seres em forma física), chamavam-se Swayambhuva Manu ("homem nascido do Criador") e sua esposa Satarupa ("verdadeira imagem"). Seus cinco filhos casaram-se com os Prajapatis (seres perfeitos que podiam assumir forma corporal); destas primeiras famílias divinas nasceu a raça humana.
Nunca, no Oriente ou no Ocidente, ouvi alguém explicar as Escrituras cristãs com tão profunda percepção interna como Sri Yuktéswar. "Os teólogos interpretaram mal as palavras de Cristo - disse o Mestre - em tais passagens como `Eu sou o caminho, a verdade e a vida: ninguém vem ao Pai senão por mim.' (João, 14:6). Jesus jamais disse que ele era o único Filho de Deus, e sim, que nenhum homem pode atingir o Absoluto-acima-de-Qualificações, o Pai transcendente além da criação, antes de manifestar o Filho ou Consciência Crística atuante dentro da criação. Jesus, que atingira completa unificação com a Consciência-de-Cristo, identificava-se com esta visão que seu próprio ego há muito tempo fora dissolvido."
Quando Paulo escreveu: "Deus ... criou todas as coisas por Jesus Cristo" (Efésios, 3:9) e quando Jesus disse: "Antes que Abraão fosse, eu sou" (João, 8:58), a transparente essência destas palavras é: impessoalidade,
Uma forma de covardia espiritual leva muita gente mundana a acreditar comodamente que apenas um homem foi o Filho de Deus. "Cristo foi singularmente criado - raciocinam - então como posso eu, um simples mortal, imitá-Lo?" Todos os homens, porém, foram divinamente criados e deverão, algum dia, obedecer ao mandamento de Cristo: "Sede perfeitos como é perfeito vosso Pai Celestial" (Mateus, 5:48). "Vede, com que grande amor o Pai nos favorece, a ponto de sermos chamados os Filhos de Deus" (1 João, 3:1).
O entendimento da lei do carma e de seu corolário, a reencarnação (ver nota no capítulo 43), é evidente em numerosas passagens da Bíblia; por exemplo, "Quem derrama o sangue do homem, pelo homem terá seu sangue derramado" (Gênese, 9:6), Se todo assassino deve, por sua vez, ser morto "pelo homem", o processo reversivo exige, obviamente, em muitos casos, mais de uma vida. As leis contemporâneas, decididamente, não são bastante rápidas!
A Igreja Cristã primitiva aceitou a doutrina da reencarnação, exposta pelos Gnósticos e por numerosos Padres, inclusive S. Clemente de Alexandría, o famoso Orígenes (ambos do século 3) e S. Jerônimo (século 5). A doutrina foi declarada heresia, pela primeira vez, no ano 553 depois de Cristo, pelo segundo Concílio de Constantinopla. Naquele tempo, muitos cristãos julgaram que a doutrina da reencarnação oferecia ao homem um palco, no espaço e no tempo, amplo demais para encorajá-lo a lutar pela salvaçao imediata. Mas as verdades suprimidas conduzem desnorteantemente a uma hoste de erros. Milhões de pessoas não utilizaram sua "única vida" para buscar a Deus, e sim, para desfrutar este mundo - tão singularmente ganho e de tão breve duraçío para ser perdido para sempre! A verdade é que o homem se reencarna na Terra até reconquistar conscientemente seu status como Filho de Deus.