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Capítulo 8
Um Café da Manhã de Campeões


A Cabana (Cura da Psique)
William P. Young
Livro Acessível na Internet
Um Café da Manhã de Campeões

"Crescer significa mudar e mudar envolve riscos,
uma passagem do conhecido para
o desconhecido."

- Autor desconhecido

     Quando chegou no quarto, Mack descobriu que as roupas que havia deixado no carro estavam dobradas em cima da cômoda ou penduradas no armário. Achou engraçado encontrar uma Bíblia na mesinha-de-cabeceira. Escancarou a janela para deixar que o ar da noite entrasse livremente, algo que Nan jamais tolerava em casa porque tinha medo de aranhas e de qualquer coisa rastejante. Aninhado como uma criança pequena debaixo do grosso edredom, havia lido apenas dois versículos da Bíblia quando o livro saiu de sua mão, a luz se apagou, alguém deu-lhe um beijo no rosto e ele foi levantado suavemente do chão, num sonho em que voava.

     Quem nunca voou assim talvez não acredite que seja possível, mas no fundo sente um pouco de inveja. Havia anos que ele não tinha esse tipo de sonho, pelo menos desde que a Grande Tristeza baixara, mas nessa noite Mack voou alto na noite estrelada, através do ar límpido e frio, sem qualquer desconforto. Sobrevoou lagos e rios, atravessou um litoral oceânico e várias ilhotas cercadas de recifes.

     Por mais estranho que pareça, Mack aprendera com seus sonhos a voar erguendo-se do chão sem ser sustentado por nada - sem asas, sem qualquer tipo de aparelho, apenas ele. Os voos inicialmente o elevavam a alguns centímetros do chão, por causa do medo de cair. Aos poucos ele foi adquirindo confiança e se alçando mais alto, descobrindo que a queda não era dolorosa, apenas um pequeno ricochete em câmara lenta. Com o tempo, aprendeu a ascender até as nuvens, cobrir vastas distâncias e pousar suavemente.

     Enquanto planava à vontade sobre montanhas escarpadas e praias de um branco cristalino, usufruía a maravilha do sonho de voar. Subitamente, algo o agarrou pelo tornozelo e o puxou para baixo. Em questão de segundos foi arrastado das alturas e jogado violentamente, de cara, numa estrada lamacenta e muito esburacada. O trovão sacudia o solo e a chuva o encharcou instantaneamente até os ossos. E tudo veio de novo, raios iluminando o rosto de sua filha enquanto ela gritava "Papai!" sem emitir nenhum som e se virava e corria para a escuridão, o vestido vermelho visível apenas por alguns clarões breves e depois sumindo. Mack lutou com todas as forças para se soltar da lama e da água, mas foi sendo sugado para mais fundo. No momento em que estava submergindo, acordou ofegando.

     Com o coração disparado e a imaginação presa às imagens do pesadelo, demorou alguns instantes para perceber que fora somente um sonho. Mas, mesmo que o sonho fosse sumindo da consciência, as emoções permaneceram. O sonho havia provocado a Grande Tristeza e, antes que ele pudesse sair da cama, estava de novo procurando um caminho através do desespero que viera devorando muitos dos seus dias.

     Olhou ao redor do quarto, no cinza opaco de antes do amanhecer que chegava sorrateiramente do outro lado dos postigos da janela. Aquele não era seu quarto, nada parecia familiar. Onde estava? Pense, Mack, pense! Então se lembrou. Ainda estava na cabana com aquelas três figuras interessantes e todas as três achavam que eram Deus.

     - Isso não pode estar acontecendo de verdade - resmungou, enquanto punha os pés para fora da cama e se sentava na beira coma cabeça nas mãos. Pensou no dia anterior e de novo sentiu medo de estar enlouquecendo. Como nunca fora uma pessoa muito chegada a contatos físicos e a emoções, Papai - ou quem quer que fosse - o deixara nervoso, e ele não fazia ideia do que pensar a respeito de Sarayu. Admitiu que gostava um bocado de Jesus, mas ele parecia o menos divino dos três.

     Soltou um suspiro fundo e pesado. E, se Deus estava realmente ali, por que não havia afastado seus pesadelos?

     Ficar se debatendo com um dilema não iria ajudar. Por isso foi até o banheiro, onde, para sua perplexidade, tudo de que precisava para tomar um banho de chuveiro fora cuidadosamente arrumado. Demorou um tempo no calor da água, depois barbeando-se e, de volta ao quarto, vestindo-se.

     O aroma penetrante e sedutor do café o atraiu para a xícara fumegante que o esperava na mesa junto à porta. Tomando um gole, abriu os postigos e ficou olhando pela janela do quarto para o lago que apenas vislumbrara como uma sombra na noite anterior.

     Era perfeito, liso como vidro, a não ser pelo salto ocasional de alguma truta, lançando círculos de ondas em miniatura que se irradiavam pela superfície de um azul profundo até serem lentamente absorvidas de volta na superfície maior. Avaliou que a margem mais distante estaria a uns 800 metros. O orvalho brilhava em toda parte como diamantes refletindo o amor do sol.

     As três canoas que repousavam tranquilas ao longo do cais pareciam convidativas, mas Mack afastou o pensamento. Canoas traziam muitas lembranças dolorosas.

     O cais o fez lembrar-se da noite anterior. Será que realmente havia se deitado ali com Aquele que fizera o universo? Mack balançou a cabeça, perplexo. O que estava acontecendo? Quem eram eles e o que queriam? O que quer que fosse, Mack estava certo de que não tinha nada para dar.

     O cheiro de ovos e bacon ondulou para dentro do quarto, interrompendo seus pensamentos. Ao entrar na sala, ouviu o som de uma música conhecida, de Bruce Cockburn, vindo da cozinha, e uma voz aguda de mulher acompanhando bastante bem: "Ah, amor que incendeia o sol, mantenha-me aceso." Papai surgiu com pratos cheios de panquecas, batatas fritas e algum tipo de verdura. Vestia uma roupa comprida e larga, de aparência africana, com uma faixa multicolorida no cabelo. Parecia radiante - quase reluzindo.

     - Sabe - exclamou ela -, adoro as músicas dessa criança! Gosto especialmente do Bruce, você sabe. - Ela olhou para Mack, que estava se sentando à mesa.

     Mack assentiu, com o apetite aumentando a cada segundo.

     - É - continuou ela -, e sei que você também gosta dele.

     Mack sorriu. Era verdade. Cockburn era o favorito de toda a família havia anos.

     - Então, querido - perguntou Papai, enquanto se ocupava com alguma coisa. - Como foram seus sonhos esta noite? Algumas vezes os sonhos são importantes, você sabe. Podem ser um modo de abrir a janela e deixar que o ar poluído saia.

     Mack sabia que isso era um convite para destrancar a porta de seus terrores, mas no momento não estava pronto para convidá-la a entrar naquele buraco com ele.

     - Dormi bem, obrigado - respondeu e rapidamente mudou de assunto. - Quer dizer que Bruce é seu predileto?

     Ela parou e olhou-o.

     - Mackenzie, eu não tenho prediletos; apenas gosto especialmente dele.

     - Você parece gostar especialmente de um monte de pessoas - observou Mack. - E há alguém de quem você não goste especialmente?

     Ela ergueu a cabeça e revirou os olhos como se estivesse examinando mentalmente o catálogo de cada ser criado.

     - Não, não consigo encontrar ninguém. Acho que sou assim. Mack ficou interessado.

     - Nunca fica furiosa com alguém?

     - Imagina! Que pai não fica? Os filhos se metem em várias confusões que deixam a gente furiosa. Não gosto de muitas das escolhas que eles fazem, mas essa minha raiva é uma expressão de amor. Eu amo aqueles de quem estou com raiva tanto quanto aqueles de quem não estou.

     - Mas ... - Mack fez uma pausa. - E a sua ira? Parece que, se você pretende ser o Deus Todo-Poderoso, precisa ser muito mais irado.

     - É mesmo?

     - É o que eu acho. Você não vivia matando gente na Bíblia? Você não parece se encaixar naquele modelo.

     - Entendo como tudo isso deve deixar você desorientado, Mack. Mas o único que está pretendendo ser alguma coisa aqui é você. Eu sou o que sou. Não estou tentando me encaixar em modelo nenhum.

     - Mas está pedindo que eu acredite que você é Deus, e simplesmente não vejo ... - Mack não sabia como terminar a frase, por isso desistiu.

     - Não estou pedindo que acredite em nada, mas vou lhe dizer que você vai achar este dia muito mais fácil se simplesmente aceitá-lo como é, em vez de tentar encaixá-lo em suas ideias preconcebidas.

     - Mas o Deus que me ensinaram derramou grandes doses de fúria, mandou o dilúvio e lançou pessoas num lago de fogo. - Mack podia sentir sua raiva profunda emergindo de novo, fazendo brotar as perguntas, e se chateou um pouco com sua falta de controle. Mas perguntou mesmo assim: - Honestamente, você não gosta de castigar aqueles que a desapontam?

     Diante disso, Papai interrompeu suas ocupações e virou-se para Mack. Ele pôde ver uma tristeza profunda nos olhos dela.

     - Não sou quem você pensa, Mackenzie. Não preciso castigar as pessoas pelos pecados. O pecado é o próprio castigo, pois devora as pessoas por dentro. Meu objetivo não é castigar. Minha alegria é curar.

     - Não entendo ...

     - Está certo. Não entende mesmo - disse ela com um sorriso meio triste. - Mas, afinal de contas, você ainda não terminou.

     Nesse momento, Jesus e Sarayu entraram rindo pela porta dos fundos, entretidos numa conversa. Jesus chegou vestido praticamente como no dia anterior, com jeans e uma camisa azul clara que fazia seus olhos castanhos se destacarem. Sarayu, por outro lado, vestia algo tão fino e rendado que praticamente voava à mais tênue brisa. Padrões de arco-íris tremeluziam e se alteravam a cada gesto dela. Mack se perguntou se em algum momento ela parava completamente de se mexer. Duvidou.

     Papai inclinou-se para ficar com os olhos na mesma altura dos de Mack.

     - Você faz algumas perguntas interessantes. Chegaremos a elas, prometo. Mas agora vamos aproveitar o café da manhã.

     Mack assentiu de novo um pouco sem graça enquanto voltava a atenção para a comida. Estava de fato com fome e havia muita coisa apetitosa.

     - Obrigado pelo café da manhã - disse a Papai, enquanto Jesus e Sarayu ocupavam seus lugares.

     - O quê? - reagiu ela num horror fingido. - Você não vai abaixar a cabeça e fechar os olhos? - Ela começou a andar em direção à cozinha, fazendo pequenos muxoxos de reprovação. - O que está acontecendo com este mundo? Meu bem, não há de quê. - Um instante depois retornou trazendo outra tigela com uma comida fumegante que desprendia um aroma maravilhoso e convidativo.

     Passaram as tigelas uns para os outros e Mack ficou fascinado enquanto olhava e ouvia Papai participar da conversa de Jesus e Sarayu. Estavam falando algo sobre conciliar uma família em crise, mas não foi o que eles falavam que atraiu Mack e sim como eles se relacionavam. Nunca vira três pessoas compartilharem sentimentos com tamanha simplicidade e beleza. Cada um parecia mais interessado nos outros do que em si mesmo.

     - Então o que acha, Mack? - perguntou Jesus, fazendo um gesto em sua direção.

     - Não faço a mínima ideia do que vocês estão falando - respondeu Mack com a boca cheia daquelas verduras saborosas. - Mas adoro o modo como falam.

     - Uau! - disse Papai, que vinha retornando da cozinha com outro prato. - Vá com calma nessas verduras, rapaz. Se não tiver cuidado, elas podem dar uma bela dor de barriga.

     - Certo, tentarei me lembrar - disse Mack servindo-se do prato que ela lhe oferecia. Depois, virando-se de novo para Jesus, acrescentou: - Adoro o modo como vocês se tratam. Certamente eu não esperaria que Deus fosse desse jeito.

     - Como assim?

     - Bom, sei que vocês são um só e coisa e tal, e que são três. Mas vocês se tratam de uma forma tão amável! Um não manda mais do que os outros dois?

     Os três se entreolharam como se nunca tivessem pensado nisso.

     - Quero dizer - continuou Mack rapidamente -, sempre pensei em Deus, o Pai, como uma espécie de chefe, e em Jesus como o que seguia as ordens, vocês sabem, sendo obediente. Não sei exatamente como o Espírito Santo se encaixa. Ele ... quero dizer, ela ... ah ... - Mack tentou não olhar para Sarayu enquanto procurava as palavras. - Tanto faz, o Espírito sempre me pareceu meio ... é ...

     - Um Espírito livre? - sugeriu Papai.

     - Exatamente, um Espírito livre, mas ainda assim sob a orientação do Pai. Faz sentido?

     Jesus olhou para Papai, tentando com alguma dificuldade manter uma aparência séria.

     - Faz sentido para você, Abba? Francamente, não tenho a mínima ideia do que este homem está falando.

     Papai franziu o rosto, como se estivesse se concentrando.

     - Não, eu estava tentando entender, mas sinto muito. Para mim isso não tem pé nem cabeça.

     - Vocês sabem do que estou falando. - Mack ficou meio frustrado. - Estou falando de quem está no comando. Vocês não têm uma cadeia de comando?

     - Cadeia de comando? Isso parece medonho! - disse Jesus.

     - No mínimo opressivo - acrescentou Papai, enquanto os outros dois começavam a rir. Então, virando-se para Mack, cantou: - "Mesmo sendo correntes de ouro, ainda são correntes."

     - Ah, não se incomode com esses dois - interrompeu Sarayu, estendendo a mão para confortá-lo. - Eles só estão brincando com você. Na verdade, este é um assunto que nos interessa.

     Mack assentiu, aliviado e meio chateado por ter de novo perdido o controle.

     - Mackenzie, não existe conceito de autoridade superior entre nós, apenas de unidade. Estamos num círculo de relacionamento e não numa cadeia de comando. O que você está vendo aqui é um relacionamento sem qualquer camada de poder. Não precisamos exercer poder um sobre o outro porque sempre estamos procurando o melhor. A hierarquia não faria sentido entre nós. Na verdade, isso é um problema de vocês, não nosso.

     - Verdade? Como assim?

     - Os humanos estão tão perdidos e estragados que para vocês é quase incompreensível que as pessoas possam trabalhar ou viver juntas sem que alguém esteja no comando.

     - Mas qualquer instituição humana, desde as políticas até as empresariais, até mesmo o casamento, é governada por esse tipo de pensamento. É a trama do nosso tecido social - declarou Mack.

     - Que desperdício! - disse Papai, pegando o prato vazio e indo para a cozinha.

     - Esse é um dos motivos pelos quais é tão difícil para vocês experimentar o verdadeiro relacionamento - acrescentou Jesus. - Assim que montam uma hierarquia, vocês precisam de regras para protegê-la e administrá-la, e então precisam de leis e da aplicação das leis, e acabam criando algum tipo de cadeia de comando que destrói o relacionamento, em vez de promovê-lo. Raramente vocês vivem o relacionamento fora do poder. A hierarquia impõe leis e regras e vocês acabam perdendo a maravilha do relacionamento que nós pretendemos para vocês.

     - Bom - disse Mack com sarcasmo, recostando-se na cadeira. - Certamente parece que nos adaptamos muito bem a isso.

     Sarayu foi rápida em responder:

     - Não confunda adaptação com intenção, ou sedução com realidade.

     - Então ... ah, por favor, poderia me passar mais um pouco dessa verdura? ... Então nós fomos seduzidos por essa preocupação com a autoridade?

     - De certo modo, sim! - respondeu Papai, passando o prato de verduras para Mack com uma certa relutância. - Só estou cuidando de você, filho.

     Sarayu continuou:

     - Quando vocês escolhem a independência nos relacionamentos tornam-se perigosos uns para os outros. As pessoas se tornam objetos a serem manipulados ou administrados para a felicidade de alguém. A autoridade, como vocês geralmente pensam nela, é meramente a desculpa que o forte usa para fazer com que os outros se sujeitem ao que ele quer.

     - Ela não é útil para impedir que as pessoas lutem interminavelmente ou se machuquem?

     - Às vezes. Mas num mundo egoísta também é usada para infligir grandes danos.

     - Mas vocês não a usam para conter o mal?

     - Nós respeitamos cuidadosamente as suas escolhas e por isso trabalhamos dentro dos seus sistemas, ao mesmo tempo que procuramos libertá-los deles - continuou Papai. - A Criação foi levada por um caminho muito diferente daquele que desejávamos. Em seu mundo, o valor do indivíduo é constantemente medido em comparação com a sobrevivência do sistema, seja ele político, econômico, social ou religioso; na verdade, de qualquer sistema. Primeiro uma pessoa, depois umas poucas e finalmente muitas são facilmente sacrificadas pelo bem e pela permanência do sistema. De uma forma ou de outra, isso está por trás de cada luta pelo poder, de cada preconceito, de cada guerra e de cada abuso de relacionamento. A "vontade de poder e independência" se tornou tão disseminada que agora é considerada normal.

     - E não é?

     - É o paradigma humano - acrescentou Papai, após retornar com mais comida. - É como água para os peixes, tão natural que permanece sem ser vista e questionada. É a matriz, uma trama diabólica em que vocês estão presos sem esperança, mesmo que completamente inconscientes da sua existência.

     Jesus continuou:

     - Como glória máxima da Criação, vocês foram feitos à nossa imagem. Se realmente tivessem aprendido a considerar que as preocupações dos outros têm tanto valor quanto as suas, não haveria necessidade de hierarquia.

     Mack se recostou na cadeira, perplexo com as implicações do que ouvia.

     - Então vocês estão me dizendo que sempre que nós, humanos, usamos o poder para nos proteger ...

     - Estão cedendo à matriz e não a nós - terminou Jesus.

     E agora - exclamou Sarayu - completamos o círculo, voltando a uma das minhas declarações iniciais: vocês, humanos, estão tão perdidos e estragados que não conseguem compreender um relacionamento sem hierarquia. Por isso acham que Deus se relaciona dentro de uma hierarquia, tal como vocês. Mas não somos assim.

     - E como podemos mudar isso? Se abrirmos mão do poder e da hierarquia, as pessoas simplesmente vão nos usar.

     - Provavelmente sim. Mas não estamos pedindo que faça isso com os outros, Mack.

     Pedimos que faça conosco. Este é o único lugar onde isso pode começar. Não vamos usar você.

     - Mack - disse Papai com uma intensidade que o fez escutar com muita atenção -, queremos compartilhar com você o amor, a alegria, a liberdade e a luz que já conhecemos em nós. Criamos vocês, os humanos, para estarem num relacionamento de igual para igual conosco e para se juntarem ao nosso círculo de amor. Por mais difícil que seja entender isso, tudo que aconteceu está ocorrendo exatamente segundo esse propósito, sem violar qualquer escolha ou vontade.

     - Como você pode dizer isso diante de toda a dor deste mundo, de todas as guerras e desastres que destroem milhares? - A voz de Mack baixou até um sussurro. - E qual é o valor de uma menininha ser assassinada por um tarado? - Ali estava de novo a pergunta que abria um buraco a fogo em sua alma. - Vocês podem não causar as coisas, mas certamente não as impedem.

     - Mackenzie - respondeu Papai com ternura, aparentemente não se ofendendo com a acusação -, há milhões de motivos para permitir a dor, a mágoa e o sofrimento, em vez de erradicá-los, mas a maioria desses motivos só pode ser entendida dentro da história de cada pessoa. Eu não sou má. Vocês é que abraçam o medo, a dor, o poder e os direitos em seus relacionamentos. Mas suas escolhas também não são mais fortes do que os meus propósitos, e eu usarei cada escolha que vocês fizerem para o bem final e para o resultado mais amoroso.

     - Veja só - interveio Sarayu -, os humanos feridos centram sua vida ao redor de coisas que parecem boas para eles, procurando compensação. Mas isso não irá preenchê-los nem libertá-los. Eles são viciados em poder, ou na ilusão de segurança que o poder oferece. Quando acontece um desastre, essas mesmas pessoas vão se voltar contra os falsos poderes nos quais confiavam. Em seu desapontamento, se suavizam com relação a mim ou se tornam mais ousados em sua independência. Se você ao menos pudesse ver como tudo isso terminará e o que alcançaremos sem violar qualquer vontade humana, entenderia. Um dia entenderá.

     - Mas o custo! - Mack estava aparvalhado. - Vejam o custo, toda a dor, todo o sofrimento, tudo que é tão terrível e mau. - Ele parou e olhou para a mesa. - E vejam o que custou para vocês. Valeu a pena?

     - Sim! - foi a resposta unânime e jubilosa dos três.

     - Mas como podem dizer isso? Desse jeito parece que o fim justifica os meios, que para obter o que querem vocês são capazes de qualquer coisa, mesmo que isso custe a vida de bilhões de pessoas.

     - Mackenzie. - Era a voz de Papai outra vez, especialmente gentil e terna. - Você realmente ainda não entende. Tenta dar sentido ao mundo em que vive baseado numa visão pequena e incompleta da realidade. É como olhar um desfile pelo buraco minúsculo da dor, da mágoa, do egocentrismo e do poder e acreditar que você está sozinho e é insignificante. Tudo isso contém mentiras poderosas. Você vê a dor e a morte como males definitivos, e Deus como o traidor definitivo, ou talvez, na melhor das hipóteses, como fundamentalmente indigno de confiança. Você dita os termos, julga meus atos e me declara culpado.

     Parou um instante e depois prosseguiu:

     - A verdadeira falha implícita de sua vida, Mackenzie, é que você não acha que eu sou bom. Se soubesse que eu sou bom e que tudo - os meios, os fins e todos os processos das vidas individuais - é coberto por minha bondade, mesmo que nem sempre entenda o que estou fazendo, confiaria em mim. Mas não confia.

     - Não? - perguntou Mack, mas não era realmente uma pergunta. Era uma declaração, e ele sabia disso. Os outros pareciam saber também e a mesa permaneceu em silêncio.

     Sarayu disse:

     - Mackenzie, você não pode "produzir" confiança, assim como não pode "fazer" humildade. Ela existe ou não. A confiança é fruto de um relacionamento em que você sabe que é amado. Como não sabe que eu o amo, não pode confiar em mim.

     De novo se fez silêncio. Por fim Mack olhou para Papai e disse:

     - Não sei como mudar isso.

     - Você não pode mudar, pelo menos sozinho, mas juntos vamos ver essa mudança acontecer. Por enquanto só quero que você esteja comigo e descubra que nosso relacionamento não tem a ver com seu desempenho nem com qualquer obrigação de me agradar. Não sou um valentão nem uma divindade egocêntrica e exigente que insiste que as coisas sejam feitas do jeito que eu quero. Sou boa e só desejo o que é melhor para você. Não é pela culpa, pela condenação ou pela coerção que você vai encontrar isso. É apenas praticando um relacionamento de amor. E eu amo você.

     Sarayu se levantou da mesa e olhou diretamente para Mack.

     - Mackenzie, se você quiser, eu gostaria que viesse me ajudar no jardim. Há coisas que preciso fazer lá antes da celebração de amanhã. Podemos continuar nossa conversa lá fora, por favor?

     - Claro - respondeu Mack, levantando-se. - Um último comentário - ele acrescentou. - Simplesmente não consigo imaginar um resultado final que justifique tudo isso.

     Mackenzie. - Papai se levantou da cadeira e rodeou a mesa para lhe dar um abraço - apertado. - Não estamos justificando. Estamos libertando.