Índice Superior Vai para o próximo: Capítulo 19
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E finalmente, como se viesse de muito longe, ele escutou uma voz familiar gritando:
- Ele apertou meu dedo! Eu senti! Juro!
Mack não podia abrir os olhos para ver, mas sabia que Josh estava segurando sua mão. Tentou apertar de novo, mas a escuridão o dominou e ele apagou. Demorou um dia inteiro para recuperar a consciência outra vez. Mal podia mover outro músculo do corpo. Até mesmo o esforço para levantar uma única pálpebra parecia avassalador, mas o movimento foi recompensado por gritos e risos. Uma após outra, um desfile de pessoas veio até seu único olho entreaberto, como se estivessem olhando para dentro de um buraco fundo e escuro que continha algum tesouro incrível. Aquilo que viam parecia agradá-las tremendamente e elas foram espalhar a notícia.
Alguns rostos Mack reconhecia, e os que não reconhecia, ele logo ficou sabendo, eram os de seus médicos e das enfermeiras. Dormia com frequência, mas parecia que cada vez que abria os olhos isso causava uma grande empolgação. "Esperem só até eu poder esticar a língua", pensava, "aí, sim, todo mundo vai ficar realmente impressionado."
Tudo parecia doer. Todo o corpo reclamava quando um enfermeiro o virava para a fisioterapia e para impedir as escaras. Aparentemente esse era um tratamento de rotina para pessoas que haviam ficado inconscientes por mais de um ou dois dias, mas saber disso não tornava a coisa mais suportável.
No princípio, Mack não fazia ideia de onde estava nem de como havia chegado àquela situação. Mal conseguia perceber quem era. Sentia-se grato pela morfina que tirava o excesso de dor. Nos dois dias seguintes sua mente foi clareando devagar e ele começou a recuperar a voz. Num entra-e-sai constante, familiares e amigos vieram desejar uma recuperação rápida ou conseguir alguma informação que ninguém sabia dar. Josh e Kate estavam sempre ali, ocupando-se com o dever de casa, enquanto Mack cochilava ou respondia às perguntas que nos primeiros dias ele se fazia repetidamente.
Num determinado ponto, Mack por fim entendeu que ficara inconsciente durante quase quatro dias depois do acidente terrível em Joseph. Nan deixou claro que ele tinha de dar muitas explicações, mas por enquanto estava mais concentrada em sua recuperação do que na necessidade de respostas. De qualquer forma, sua memória estava envolta numa névoa e, mesmo que ele pudesse recordar alguns pedaços, não conseguia juntá-los de modo a fazer sentido.
Lembrava-se vagamente de ter ido à cabana, mas depois disso as coisas ficavam turvas. Nos sonhos, as imagens de Papai, Jesus, Missy brincando junto ao lago, Sophia na caverna e a luz e as cores do festival na campina voltavam como cacos de um espelho quebrado. Cada uma era acompanhada por ondas de deleite e alegria, mas ele não sabia se eram reais ou uma alucinação provocada por colisões entre neurônios danificados e os remédios que percorriam suas veias.
Na terceira tarde depois de ter recuperado a consciência acordou e encontrou Willie encarando-o, parecendo meio sem jeito.
- Seu idiota! - resmungou Willie.
- É um prazer vê-lo também, Willie - bocejou Mack.
- Onde foi que você aprendeu a dirigir? - interpelou Willie. - Ah, já sei, é um garoto criado em fazenda que não se acostumou com cruzamentos. Mack, pelo que ouvi dizer, você deveria ter sentido o bafo do outro cara a um quilômetro de distância. Mack ficou deitado, olhando o amigo falar sem parar, tentando ouvir e compreender cada palavra, sem conseguir. E agora - continuou Willie - Nan está furiosa e não quer falar comigo. Ela me culpa por ter emprestado o jipe e deixado você ir à cabana.
- Então por que eu fui à cabana? - perguntou Mack, lutando para juntar os pensamentos. - Tudo está confuso.
- Você tem de contar a ela que eu tentei convencê-lo a não ir.
- Não faça isso comigo, Mack. Eu tentei convencer ...
Mack sorria enquanto ouvia Willie reclamar. Se as outras lembranças eram confusas, recordava-se com nitidez de quanto esse sujeito gostava dele e apreciava tê-lo por perto. De repente Mack se espantou ao perceber que Willie havia se inclinado e sussurrava.
- Sério, ele estava lá? - Willie olhou rapidamente ao redor para se certificar de que não havia ninguém escutando.
- Quem? - sussurrou Mack. - E por que estamos falando baixo?
- Você sabe, Deus - insistiu Willie. - Ele estava na cabana?
- Willie - ele respondeu -, não é segredo. Deus está em toda parte. Então eu estive na cabana.
- Sei disso, gênio - reagiu Willie impetuosamente. - Não se lembra de nada? Quer dizer, nem se lembra do bilhete? Você sabe: o que recebeu do Papai e que estava na sua caixa de correio quando você escorregou no gelo e bateu com a cabeça.
Foi então que a história desconjuntada começou a se cristalizar na mente de Mack. Subitamente tudo fez sentido quando sua mente começou a ligar os pontos e preencher os detalhes: o bilhete, o jipe, a viagem à cabana e cada acontecimento daquele glorioso fim de semana. As imagens e as lembranças começaram a jorrar de volta tão poderosamente que ele sentiu que elas seriam capazes de arrancá-lo da cama e levá-lo para fora deste mundo. Enquanto se lembrava, começou a chorar.
- Mack, desculpe. - Agora Willie estava implorando. - O que foi que eu disse?
Mack estendeu a mão e tocou o rosto do amigo.
- Nada, Willie ... agora me lembro de tudo. Do bilhete, da cabana, de Missy, de Papai. Eu me lembro de tudo.
Willie ficou imóvel, sem saber o que pensar ou dizer, com medo de ter forçado o amigo além do limite. Por fim, perguntou:
- Quer dizer que ele estava lá? Deus estava lá?
- Willie, ele estava lá! Ah, ele estava lá! Espere até que eu lhe conte. Você nunca vai acreditar. Cara, nem eu sei se acredito. Mack parou, perdido nas lembranças por um momento. - Ah, é - falou finalmente. - Ele me mandou lhe dizer uma coisa.
- O quê? A mim? - Mack ficou olhando enquanto a preocupação e a dúvida se estampavam no rosto de Willie. - Então, o que ele disse?
Mack parou, procurando as palavras.
- Ele falou: "Diga ao Willie que gosto especialmente dele."
Mack viu o rosto e o maxilar do amigo ficarem tensos e poças de lágrimas encherem seus olhos. Os lábios e o queixo de Willie tremeram e Mack soube que o amigo estava se esforçando para manter o controle.
- Preciso ir - sussurrou Willie, rouco. - Você terá de me contar isso mais tarde. - Virou-se e saiu do quarto, deixando Mack às voltas com seus pensamentos e lembranças.
Quando Nan chegou, encontrou Mack sentado e rindo. Como ele não sabia por onde começar, deixou que a mulher falasse primeiro. Ela o colocou a par de alguns detalhes do acidente. Ele quase fora morto por um motorista bêbado e havia passado por cirurgias de emergência para reparar vários ossos quebrados e ferimentos internos. Seu estado era grave e, por isso, o seu despertar aliviara a preocupação.
Enquanto ela falava, Mack pensou que era realmente estranho sofrer um acidente logo depois de passar um fim de semana com Deus. O aparente caos aleatório da vida. Não era assim que Papai tinha dito?
Então ouviu Nan dizer que o acidente havia acontecido na noite de sexta-feira.
- Não foi no domingo? - perguntou.
- Claro que não! Foi na noite de sexta-feira que trouxeram você para cá de helicóptero.
As palavras dela o confundiram e por um momento ele se perguntou se os acontecimentos na cabana teriam sido apenas um sonho. "Talvez fosse um daqueles deslocamentos temporais de Sarayu", pensou.
Quando Nan terminou de narrar os acontecimentos, Mack começou a contar tudo o que lhe havia acontecido. Mas primeiro pediu perdão, confessando como e por que mentira. Perplexa, Nan pensou que se tratava dos efeitos do trauma e da morfina.
Toda a história de seu fim de semana - ou do dia, como Nan repetia - se desdobrou lentamente em várias narrativas. Algumas vezes os remédios o dominavam e ele caía num sono sem sonhos, no meio de uma frase. Inicialmente Nan ouviu com paciência e atenção, tentando suspender ao máximo o julgamento, pensando que a narrativa dele pudesse ser consequência de algum dano neurológico. Mas a nitidez e a profundidade das lembranças a tocaram e lentamente foram solapando sua dúvida. Era intensamente vivo o que Mack estava contando e ela entendeu rapidamente que o que quer que tivesse acontecido causara um enorme impacto e transformara seu marido.
O ceticismo de Nan foi cedendo e finalmente ela concordou em terem uma conversa com Kate. Mack não quis dizer o motivo, o que a deixou nervosa, mas decidiu confiar nele. Chamaram a filha e mandaram Josh se ocupar com alguma coisa, deixando os três sozinhos.
Mack estendeu a mão e Kate segurou-a.
- Kate - ele começou, com a voz ainda um pouco fraca e áspera. - Quero que você saiba que eu a amo de todo o coração.
- Eu amo você também, papai. - Vê-lo naquele estado a havia suavizado um pouco.
Ele sorriu, depois ficou sério de novo, ainda segurando a mão da filha.
- Quero falar com você sobre Missy.
Kate deu um repelão para trás, como se tivesse sido picada por uma abelha, e seu rosto ficou sombrio. Instintivamente tentou puxar a mão, mas Mack a segurou, o que exigiu um esforço considerável. Ela olhou ao redor. Nan se aproximou e a envolveu com o braço. Kate tremia.
- Por quê? - perguntou num sussurro.
Agora ela hesitou, quase como se tivesse sido apanhada num segredo.
De novo ele precisou esforçar-se para falar, mas ela ouviu com clareza.
Lágrimas rolaram pelo rosto de Mack enquanto ele lutava com essas palavras simples. De novo Kate se encolheu, dando-lhe as costas.
- Querida, ninguém culpa você pelo que aconteceu.
O silêncio dela durou apenas alguns segundos mais, antes que a represa transbordasse.
- Mas se eu não fosse descuidada na canoa você não teria que ... - sua voz saiu pesada de acusações.
Mack a interrompeu, pondo a mão em seu braço.
- É isso que estou tentando dizer, querida. Não foi sua culpa.
Kate soluçou enquanto as palavras do pai penetravam em seu coração devastado.
- Mas eu sempre achei que fosse minha culpa. E achava que você e mamãe me culpavam, e eu não queria ...
- Nenhum de nós queria que isso acontecesse, Kate. Simplesmente aconteceu, e vamos aprender a conviver com isso. Mas vamos fazer isso juntos. Está bem?
Kate não tinha ideia de como reagir. Dominada pela emoção e soluçando, soltou-se da mão do pai e saiu correndo do quarto. Nan, com lágrimas descendo pelo rosto, deu um olhar desamparado mas encorajador para Mack e saiu rapidamente atrás da filha.
Na vez seguinte em que Mack despertou, Kate estava dormindo ao seu lado na cama, aninhada e segura. Era evidente que Nan pudera ajudá-la a superar parte da dor. Quando Nan percebeu que Mack abrira os olhos, aproximou-se em silêncio para não acordar a filha e beijou-o.
- Acredito em você - sussurrou e ele sorriu, surpreso ao se dar conta de como era importante ouvir isso. "Provavelmente eram os remédios que o estavam deixando assim tão emotivo", ele pensou.
Mack melhorou rapidamente nas semanas seguintes. Menos de um mês depois de receber alta do hospital, ele e Nan ligaram para o recém-nomeado subxerife de Joseph, Tommy Dalton, para falar sobre a possibilidade de fazerem uma caminhada outra vez na área atrás da cabana. Como tudo havia revertido à desolação original, Mack começara a se perguntar se o corpo de Missy ainda estaria na caverna. Seria difícil explicar à polícia como sabia onde o corpo da filha estava escondido, mas Mack achava que o amigo lhe daria o benefício da dúvida e o ajudaria.
Tommy foi realmente solícito. Mesmo depois de ouvir a história do fim de semana de Mack, que ele interpretou como sendo os sonhos e pesadelos de um pai sofredor, concordou em voltar à cabana. Queria ver Mack, de qualquer modo. Itens pessoais haviam sido salvos dos destroços do jipe de Willie e devolvê-los era uma boa desculpa para passarem algum tempo juntos. Assim, numa manhã límpida de sábado, no início de novembro, Willie acompanhou Mack e Nan até Joseph. Lá encontraram Tommy e os quatro se dirigiram para a Reserva.
Tommy ficou surpreso ao ver Mack passar direto pela cabana e ir até uma árvore perto do início de uma trilha. Tal como explicara aos outros na vinda, Mack encontrou um arco vermelho na base da árvore. Ainda mancando ligeiramente, guiou-os numa caminhada de duas horas pelo terreno ermo. Nan ficou em absoluto silêncio, mas seu rosto revelava claramente a intensidade das emoções com as quais batalhava. No caminho continuaram encontrando o mesmo arco vermelho marcado em árvores e pedras. Quando chegaram a uma vasta área de pedregulhos, sem hesitar Mack entrou diretamente no labirinto de paredes rochosas.
Provavelmente nunca teriam encontrado o lugar exato se não fosse por Papai. No topo de uma pilha de rochas diante da caverna estava a pedra com a marca vermelha voltada para fora. A percepção de que aquilo era obra de Papai levou Mack a quase rir alto.
Mas encontraram e, quando ficou convencido do que estavam abrindo, Tommy fez com que parassem. Mack entendeu a importância do procedimento e, embora um tanto de má vontade, concordou que deveriam lacrar de novo a caverna para protegê-la. Retornariam a Joseph, onde Tommy poderia notificar os peritos legistas e as agências policiais adequadas. Durante a descida, Tommy ouviu novamente a história de Mack, dessa vez com uma nova percepção. Também aproveitou para orientar o amigo sobre o melhor modo de enfrentar os interrogatórios - que logo viriam.
No dia seguinte os peritos recuperaram os restos de Missy e guardaram o pano junto com tudo o que puderam encontrar. Depois disso foram necessárias apenas algumas semanas até obterem provas para rastrear e prender o Matador de Meninas. A partir das pistas que o homem deixara para poder encontrar a caverna de Missy, as autoridades localizaram e recuperaram os corpos das outras meninas assassinadas.