Índice Superior Vai para o próximo: Capítulo 15
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Mack saiu para o sol do meio da tarde. Sentia uma mistura estranha, como se estivesse ao mesmo tempo torcido como um trapo e plenamente vivo. Que dia incrível tinha sido aquele e ainda estavam no meio da tarde! Por um momento ficou indeciso, antes de ir até o lago. Quando viu as canoas amarradas ao cais, sentiu uma certa resistência, mas a ideia de entrar numa e passear pelo lago o energizou pela primeira vez em anos.
Desamarrando a última, na extremidade do cais, entrou cautelosamente e começou a remar para o outro lado. Nas duas horas seguintes circulou pelo lago, explorando recantos e fendas. Encontrou dois rios e alguns córregos que, vindo de cima, alimentavam o lago e a seguir o esvaziavam na direção das bacias inferiores. Descobriu um lugar perfeito para ficar à deriva olhando a cachoeira. Flores alpinas brotavam em toda parte, acrescentando manchas de cor à paisagem. Era o sentimento de paz mais intenso e consistente que Mack experimentava havia uma enormidade de tempo - se é que jamais havia experimentado.
Chegou a cantar algumas músicas só porque teve vontade. Cantar também era algo que não fazia há muito tempo. Recuou ao passado e começou a cantarolar a musiquinha ingênua que costumava cantar para Kate: "K-K-K-Katie ... linda Katie, você é a única que eu adoro ... " Balançou a cabeça ao pensar na filha, tão forte e tão frágil. Imaginou qual seria o modo de alcançar o coração dela. Não se surpreendia mais com a facilidade com que as lágrimas chegavam aos seus olhos.
Num determinado ponto virou-se para olhar os redemoinhos feitos pelo remo e quando se virou de novo Sarayu estava sentada na proa, olhando-o. Aquela presença súbita o fez dar um pulo.
- Nossa! - exclamou ele. - Você me assustou.
- Desculpe, Mackenzie, mas o jantar está quase pronto e é hora de voltar para a cabana.
- Você estava comigo o tempo todo? - perguntou Mack, consciente do jorro de adrenalina.
- Claro. Sempre estou com você.
- Então por que não percebi? Ultimamente consigo saber quando você está por perto.
- O fato de você saber ou não saber não tem nada a ver com o fato de eu estar aqui. Sempre estou com você. Algumas vezes quero que não perceba especialmente a minha presença.
Mack assentiu, entendendo, e virou a canoa para a margem distante onde ficava a cabana. A presença dela provocava um arrepio na coluna. Os dois sorriram simultaneamente.
- Sempre poderei ver ou ouvir você como agora, mesmo quando estiver de volta em casa?
- Mackenzie, você sempre pode falar comigo e eu sempre estarei com você, quer sinta minha presença ou não.
- Agora sei disso, mas vou escutar você?
- Vai aprender a ouvir meus pensamentos nos seus, Mackenzie - ela garantiu.
- Vai ser claro? E se eu confundir você com outra voz? E se eu errar?
Sarayu riu e o som parecia o de água cascateando, como se fosse música.
- Claro que você vai errar. Todo mundo erra, mas vai começar a reconhecer melhor minha voz à medida que nosso relacionamento for crescendo.
- Não quero errar - resmungou Mack.
- Ah, Mackenzie, os erros fazem parte da vida e Papai trabalha seus propósitos neles também. - Sarayu estava achando divertido e Mack não pôde evitar um sorriso. Dava para entender muito bem o que ela dizia.
- Isso é muito diferente de tudo que eu conhecia, Sarayu. Não me entenda mal, adoro o que vocês me deram neste fim de semana. Mas não faço ideia de como voltar à minha vida normal. Tenho a sensação de que era mais fácil viver com Deus quando eu pensava Nele como o mestre exigente ou mesmo quando eu tinha que conviver com a solidão da Grande Tristeza.
- Pelo menos dava a impressão de que as coisas estavam sob controle.
- Dava a impressão é o termo certo. O que você ganhou com isso? A Grande Tristeza e uma dor insuportável, uma dor que se derramava até mesmo sobre as pessoas de quem você mais gosta.
- Segundo Papai, isso é porque eu tenho medo de emoções. Sarayu riu alto.
- Achei aquela conversinha hilariante.
- Eu tenho medo de emoções - admitiu Mack, meio perturbado porque ela parecia não dar importância. - Não gosto da sensação que elas produzem. Magoei outros por causa das minhas emoções e não consigo confiar nelas. Vocês criaram todas, ou só as boas?
- Mackenzie. - Sarayu pareceu se erguer no ar. Ainda era difícil olhar diretamente para ela, mas com o sol do fim da tarde se refletindo na água ficava ainda pior. - As emoções são as cores da alma. São espetaculares e incríveis. Quando você não sente, o mundo fica opaco e sem cor. Pense em como a Grande Tristeza reduziu a gama de cores na sua vida para matizes monótonos, cinza e pretos.
- Então me ajude a entendê-las - implorou Mack.
- Na verdade, não há muito o que entender. As emoções simplesmente são. Nem boas nem ruins, apenas existem. Eis algo que vai ajudá-lo a entender melhor, Mackenzie. Os paradigmas dão força às percepções e as percepções dão força às emoções. Não se assuste, vou explicar. A maioria das emoções são reações àquilo que você percebe: o que acha verdadeiro numa determinada situação. Se sua percepção for falsa, sua reação emocional a ela também será falsa. Então verifique suas percepções e além disso verifique a verdade de seus paradigmas, dos seus padrões, daquilo em que você acredita. Só porque você acredita firmemente numa coisa não significa que ela seja verdadeira. Disponha-se a reexaminar aquilo em que acredita. Quanto mais você viver na verdade, mais suas emoções irão ajudá-lo a ver com clareza. Mas, mesmo então, não confie mais nelas do que em mim.
Mack deixou o remo girar nas mãos, permitindo que ele seguisse os movimentos da água.
- Tenho a impressão de que viver a partir do relacionamento com você, confiando e falando com você, é bem mais complicado do que simplesmente seguir as regras.
- Que regras são essas, Mackenzie?
- Você sabe, todas as coisas que as Escrituras dizem que devemos fazer.
- Certo ... - disse ela com alguma hesitação. - E quais são elas?
- Você sabe - respondeu ele com um certo sarcasmo. - Fazer o bem e evitar o mal, ser caridoso com os pobres, ler a Bíblia, rezar e ir à igreja. Coisas assim.
- Sei. E como isso funciona para você?
- Bom, nunca fiz nada disso muito bem. Tenho momentos melhores, mas sempre há algo com que estou lutando ou algo que me faz sentir culpado. Acabei de pensar que precisava me esforçar mais, porém acho difícil manter essa motivação.
- Mackenzie! - Seu tom era de censura, as palavras voando com afeto. - A Bíblia não lhe diz para seguir regras. Ela é uma imagem de Jesus. Ainda que as palavras possam lhe dizer como Deus é e o que Ele pode querer de você, é impossível fazer isso sozinho. A vida está Nele e em mais ninguém. Minha nossa, será possível que você se ache capaz de viver a retidão de Deus sozinho?
- Bom, acho que sim, mais ou menos ... - disse ele sem graça. - Mas você tem de admitir que as regras e os princípios são mais simples do que os relacionamentos.
- É verdade que os relacionamentos são muito mais complicados do que as regras, mas as regras nunca vão lhe dar as respostas para as questões profundas do coração. E nunca irão amar você.
Mergulhando a mão na água, ele brincou, vendo a repercussão de seus movimentos.
- Estou percebendo como tenho poucas respostas ... para qualquer coisa. Você me virou de cabeça para baixo e pelo avesso, ou sei lá o quê.
- Mackenzie, a religião tem a ver com respostas certas e algumas dessas respostas são de fato certas. Mas eu tenho a ver com o processo que leva você à resposta viva, e só ele é capaz de mudá-lo por dentro. Há muitas pessoas inteligentes que dizem um monte de coisas certas a partir do cérebro porque aprenderam com alguém quais são as respostas certas. Mas essas pessoas não me conhecem. Assim, na verdade, como as respostas delas podem ser certas, mesmo que estejam certas? - Ela sorriu. - Ficou confuso? Mas pode ter certeza: mesmo que possam estar certas, elas estão erradas.
- Entendo o que você está dizendo. Eu fiz isso durante anos, depois da escola dominical. Tinha as respostas certas algumas vezes, mas não conhecia vocês. Este fim de semana, compartilhando a vida com vocês, foi muito mais esclarecedor do que todas aquelas respostas.
Continuaram a se mover preguiçosamente na água.
- Então verei você de novo? - perguntou ele, hesitando.
- Claro. Você pode me ver numa obra de arte, na música, no silêncio, nas pessoas, na Criação, mesmo na sua alegria e na sua tristeza. Minha capacidade de me comunicar é ilimitada, vivendo e transformando, e tudo isso sempre estará sintonizado com a bondade e o amor de Papai. E você irá me ouvir e me ver na Bíblia de modos novos. Simplesmente não procure regras e princípios. Procure o relacionamento: um modo de estar conosco.
- Mesmo assim não será o mesmo do que ter você na proa do meu barco.
- Não, mas será muito melhor do que você pode imaginar, Mackenzie. E, quando você finalmente dormir neste mundo, teremos uma eternidade juntos, face a face.
E então ela sumiu. Apesar de ele saber que não havia sumido de verdade.
- Então, por favor, ajude-me a viver na verdade - disse Mack em voz alta. "Talvez isso seja uma oração", pensou.
Quando entrou no chalé, Mack viu que Jesus e Sarayu já estavam lá, sentados em volta da mesa. Papai estava ocupada como sempre, trazendo pratos de comidas com cheiros maravilhosos. Era evidente a ausência de qualquer verdura. Mack foi para o banheiro se lavar e quando retornou os outros três já haviam começado a comer. Puxou a quarta cadeira e sentou-se.
- Vocês realmente não precisam comer, não é? - perguntou, enquanto começava a colocar em sua tigela algo que parecia uma fina sopa de frutos do mar, com lulas, peixes e outras iguarias indefinidas.
- Não precisamos fazer nada - declarou Papai com certa ênfase.
- Para estar com você, querido. Você precisa comer. Então, que desculpa melhor para ficarmos juntos?
- De qualquer modo, todos nós gostamos de cozinhar - acrescentou Jesus. - E eu gosto um bocado de comida. Nada como uns deliciosos pratos salgados para deixar felizes as papilas gustativas. Acompanhe isso com um pudim de caramelo ou um tiramisu e chá quente. Humm! Nada pode ser melhor.
Todos riram, depois voltaram a passar os pratos e a se servir. Enquanto comia, Mack ouvia a conversa animada entre os três. Falavam e riam como velhos amigos que se gostavam e se conheciam mais intimamente do que qualquer outro ser humano. Mack sentia inveja da conversa despreocupada mas respeitosa e se perguntou o que seria necessário para compartilhar isso com Nan e talvez até com alguns amigos.
De novo ficou pasmo com a maravilha e o puro absurdo do momento. Voltavam-lhe à mente as conversas incríveis que o haviam envolvido nas 24 horas anteriores. Uau! Só estivera ali por um dia? E o que deveria fazer com isso quando voltasse para casa? Sabia que contaria tudo a Nan. Ela podia não acreditar e Mack não iria culpá-la, pois ele provavelmente também não acreditaria.
À medida que sua mente ia acelerando, ele sentiu que se afastava dos outros e fechou os olhos. Nada disso podia ser real. De repente houve um silêncio de morte. Abriu devagar um dos olhos, esperando acordar de novo em casa. Em vez disso, Papai, Jesus e Sarayu o estavam encarando com sorrisos no rosto. Ele nem tentou se explicar. Sabia que eles sabiam.
Em vez disso, apontou para um dos pratos e perguntou:
- Posso experimentar um pouco disso?
As interações foram retomadas e dessa vez ele escutou. Mas de novo sentiu que ia se afastando. Para reagir, decidiu fazer uma pergunta.
- Por que vocês nos amam, os humanos? Eu acho ... - Percebeu que não havia formulado bem a pergunta. - Acho que o que eu quero perguntar é: por que vocês me amam, quando não tenho nada para lhes oferecer?
- Pense um pouco nisso, Mack - respondeu Jesus. - Você não experimenta uma forte sensação de liberdade ao saber que não pode nos oferecer nada, pelo menos nada capaz de acrescentar ou diminuir o que somos? Isso deve trazer um grande alívio, porque elimina qualquer exigência de comportamento.
- E você ama mais os seus filhos quando eles se comportam bem? - acrescentou Papai.
- Não. Estou entendendo. - Mack fez uma pausa. - Mas eu me sinto mais realizado porque eles estão na minha vida. E vocês?
- Não - respondeu Papai. - Já somos totalmente realizados em nós mesmos. Vocês estão destinados a viver em comunhão também, já que são feitos à nossa imagem. Assim, sentir isso por seus filhos ou por qualquer coisa que "acrescente" é perfeitamente natural e certo. Lembre-se, Mackenzie, que por natureza eu não sou um ser humano, apesar de termos escolhido estar com você neste fim de semana. Sou verdadeiramente humano em Jesus, mas sou algo totalmente separado em minha natureza.
- Você sabe, claro que sabe - disse Mack em tom de desculpa -, que eu só posso seguir essa linha de raciocínio até um determinado ponto e depois me perco e meu cérebro parece derreter.
- Entendo - admitiu Papai. - É impossível compreender com a mente algo que você não pode experimentar.
Mack pensou nisso por um momento.
- Acho que sim ... Pois é ... Está vendo? Está derretendo.
Quando os outros pararam de rir, Mack prosseguiu:
- Vocês sabem como me sinto grato por tudo, mas jogaram coisas demais no meu colo neste fim de semana. O que faço quando voltar? Qual é sua expectativa com relação a mim, agora?
Jesus e Papai se viraram para Sarayu, que estava com o garfo cheio de alguma coisa a caminho da boca. Ela pousou-o lentamente de volta no prato e depois respondeu à expressão confusa de Mack.
- Mack - começou ela -, você deve perdoar esses dois. Os humanos têm uma tendência a estruturar a linguagem de acordo com sua independência e com sua necessidade de comportamento. Assim, quando ouço a linguagem sofrer abusos em favor das regras e não ser usada para compartilhar a vida conosco, é difícil permanecer em silêncio.
- Como deve ser - acrescentou Papai.
- Então o que foi exatamente que eu disse? - perguntou Mack, agora bastante curioso.
- Mack, vá em frente e termine de mastigar. Nós podemos conversar enquanto você come.
Mack percebeu que também estava com o garfo a caminho da boca. Mastigou agradecido o bocado enquanto Sarayu começava a falar. À medida que fazia isso, ela pareceu se alçar da cadeira e tremeluzir com uma dança de tons e cores sutis, enchendo suavemente a sala com uma variedade de aromas.
- Deixe-me responder com uma pergunta. Por que você acha que nós criamos os Dez Mandamentos?
De novo Mack estava com o garfo a meio caminho da boca, mas mesmo assim mastigou o bocado enquanto pensava na resposta.
- Acho, pelo menos foi o que me ensinaram, que é um conjunto de regras que vocês esperavam que os humanos obedecessem para viver com retidão e em estado de graça perante vocês.
- Se isso fosse verdade, e não é - respondeu Sarayu -, quantos você acha que viveram com retidão suficiente para entrar em nossas boas graças?
- Não muitos, se as pessoas são como eu.
- Na verdade, só um conseguiu: Jesus. Ele obedeceu a letra da lei e realizou completamente o espírito dela. Mas entenda, Mackenzie: para fazer isso, ele teve de confiar totalmente em mim e depender totalmente de mim.
- Então por que vocês nos deram esses mandamentos?
- Na verdade, queríamos que vocês desistissem de tentar ser justos sozinhos. Era um espelho para revelar como o rosto fica imundo quando se vive com independência.
- Mas tenho certeza de que vocês sabem que há muitos que acham que se tornam justos seguindo as regras.
- Mas é possível limpar o rosto com o mesmo espelho que mostra como você está sujo? Não há misericórdia nem graça nas regras, nem mesmo para um erro. Por isso Jesus realizou todas elas por vocês, para que elas não tivessem mais poder sobre vocês.
Agora ela estava com força total, as feições crescendo e movendo-se.
- Mas tenha em mente que, se você viver sua vida sozinho e de forma independente, a promessa é vazia. Jesus afastou a exigência da lei. Ela não tem mais poder de acusar ou com andar. Jesus é a promessa e o cumprimento.
- Está dizendo que não preciso seguir as regras? - Agora Mack havia parado completamente de comer e estava concentrado na conversa.
- Sim. Em Jesus você não está sob nenhuma lei. Todas as coisas são legítimas.
- Não pode estar falando sério! - gemeu Mack.
- Criança - interrompeu Papai -, você ainda não ouviu nada.
- Mackenzie - continuou Sarayu -, só têm medo da liberdade os que não podem confiar que nós vivemos neles. Tentar manter a lei é na verdade uma declaração de independência, um modo de manter o controle.
- É por isso que gostamos tanto da lei? Para nos dar algum controle? - perguntou Mack.
- É muito pior do que isso - retomou Sarayu. - Ela dá o poder de julgar os outros e de se sentir superior a eles. Vocês acreditam que estão vivendo num padrão mais elevado do que aqueles a quem vocês julgam. Aplicar regras, sobretudo em suas expressões mais sutis, como responsabilidade e expectativa, é uma tentativa inútil de criar a certeza a partir da incerteza. E, ao contrário do que você possa pensar, eu gosto demais da incerteza. As regras não podem trazer a liberdade. Elas só têm o poder de acusar.
- Uau! - De repente Mack percebeu o que Sarayu havia dito. - Está dizendo que a responsabilidade e a expectativa são apenas outra forma de regras? Ouvi direito?
- É - exclamou Papai de novo. - Agora chegamos ao ponto: Sarayu, ele é todo seu!
Mack procurou concentrar-se em Sarayu, o que não era uma tarefa simples.
Sarayu sorriu para Papai e de novo para Mack. Começou a falar lenta e decididamente:
- Mackenzie, eu sempre prefiro um verbo a um substantivo.
Parou e esperou. Mack não tinha muita certeza de ter entendido.
- Eu - ela abriu as mãos para incluir Jesus e Papai - sou um verbo. Sou o que sou. Serei o que serei. Sou um verbo! Sou viva, dinâmica, sempre ativa e em movimento. Sou um ser-verbo.
Mack tinha uma expressão vazia no rosto. Entendia as palavras, mas ainda não achava o sentido.
- E, como minha essência é um verbo - continuou ela -, sou mais ligada a verbos do que a substantivos. Verbos como confessar, arrepender-se, viver, amar, responder, crescer, colher, mudar, sem ear, correr, dançar, cantar e assim por diante. Os humanos, por outro lado, gostam de pegar um verbo vivo e cheio de graça e transformá-lo num substantivo ou num princípio morto que fede a regras. Os substantivos existem porque existe um universo criado e uma realidade física, mas, se o universo for apenas uma massa de substantivos, ele está morto. A não ser "eu sou", não existem verbos e os verbos são o que torna o universo vivo.
- E ... - Mack ainda estava lutando, mas pareceu que um brilho de luz começava a iluminar seu pensamento. - E isso significa exatamente o quê?
Sarayu pareceu não se perturbar com sua falta de entendimento.
- Para que alguma coisa se mova da morte para a vida, você precisa colocar algo vivo e móvel na mistura. Passar de uma coisa que é apenas um substantivo para algo dinâmico e imprevisível, para algo vivo e no tempo presente - um verbo -, é mover-se da lei para a graça. Posso dar alguns exemplos?
- Por favor. Sou todo ouvidos.
Jesus deu um risinho e Mack piscou para ele antes de se voltar para Sarayu. A sombra levíssima de um sorriso atravessou o rosto dela enquanto retomava:
- Então vamos usar suas duas palavras: responsabilidade e expectativa. Antes que suas palavras se tornassem substantivos, eram nomes que continham movimento e experiência: a capacidade de reagir e a prontidão. Minhas palavras são vivas e dinâmicas, cheias de vida e possibilidades. As suas são mortas, cheias de leis, medo e julgamento. Por isso você não encontrará a palavra responsabilidade nas Escrituras.
- Minha nossa! - Mack franziu a testa, começando a perceber aonde isso ia dar. - Por outro lado, nós a usamos um bocado.
- A religião usa a lei para ganhar força e controlar as pessoas de que precisa para sobreviver. Eu, ao contrário, dou a capacidade de reagir e sua reação é estar livre para amar e servir em todas as situações. Por isso, cada momento é diferente, único e maravilhoso. Como sou sua capacidade de reagir livremente, tenho de estar presente em vocês. Se eu simplesmente lhes desse uma responsabilidade, não teria de estar com vocês. A responsabilidade seria uma tarefa a realizar, uma obrigação a cumprir, algo para vencer ou fracassar.
- Minha nossa, minha nossa - disse Mack outra vez, sem muito entusiasmo.
- Usemos o exemplo da amizade e veremos que remover o elemento de vida de um substantivo pode alterar um relacionamento. Mack, se você e eu somos amigos, há uma prontidão dentro de nosso relacionamento. Quando nos vemos ou quando estamos separados, há a prontidão de estarmos juntos, de rirmos e falarmos. Essa prontidão não tem definição concreta: é viva, dinâmica, e tudo que emerge do fato de estarmos juntos é um dom único que não é compartilhado por mais ninguém. Mas o que acontece se eu mudar "prontidão" por "expectativa", verbalizada ou não? Subitamente a lei entra no nosso relacionamento. Agora você espera que eu aja de um modo que atenda às suas expectativas. Nossa amizade viva se deteriora rapidamente e se torna uma coisa morta, com regras e exigências. Não tem mais a ver com nós dois, mas com o que os amigos devem fazer ou com as responsabilidades de um bom amigo.
- Ou - observou Mack - com as responsabilidades de marido, de pai, empregado ou qualquer outra coisa. Entendi. Prefiro viver na prontidão.
- Mas - argumentou Mack -, se não tivéssemos expectativas e responsabilidades, tudo não iria simplesmente desmoronar?
- Só se você fizer parte do mundo fora de mim, regido pela lei. As responsabilidades e as expectativas são a base para a culpa, a vergonha e o julgamento. Elas fornecem a estrutura que faz do comportamento a base para a identidade e o valor de alguém. Você sabe muito bem como é não atender às expectativas de alguém.
- Sei mesmo! - murmurou Mack. - É uma ideia que me traz tristes lembranças. - Parou brevemente, com um novo pensamento relampejando. - Você está dizendo que não tem expectativas com relação a mim?
- Querido, eu nunca tive expectativas com relação a você nem a ninguém. A ideia por trás disso exige que alguém não saiba o futuro ou o resultado e esteja tentando controlar o comportamento do outro para chegar ao resultado desejado. Os humanos tentam esse controle principalmente por meio das expectativas. Eu o conheço e sei tudo sobre você. Por que teria uma expectativa diferente daquilo que já sei? Seria idiotice. E, além disso, como não a tenho, vocês nunca me desapontam.
- O quê? Você nunca ficou desapontado comigo? - Mack estava se esforçando bastante para digerir isso.
- Nunca! - declarou Papai enfaticamente. - O que tenho é uma prontidão constante e viva no nosso relacionamento e lhe dou a capacidade de reagir a qualquer situação e circunstância em que você se encontrar. Se passar a contar com expectativas e responsabilidades, você não me conhece nem confia em mim.
- E pela mesma razão - exclamou Jesus - você vive no medo.
- Mas ... - Mack não estava convencido. - Mas você não quer que a gente estabeleça prioridades? Você sabe: Deus primeiro, depois sei lá o quê, seguido por mais não sei o quê?
- O problema de viver segundo prioridades - disse Sarayu - é que se vê tudo como uma hierarquia, uma pirâmide, e você e eu já falamos sobre isso. Se você puser Deus no topo, o que isso realmente significa? Quanto tempo você me dá antes de poder cuidar do resto do seu dia, da parte que lhe interessa muitíssimo mais?
- Veja bem, Mackenzie, eu não quero simplesmente um pedaço de você e da sua vida. Mesmo que você pudesse, e não pode, me dar o pedaço maior, não é isso que eu quero. Quero você inteiro e todas as partes de você e de seu dia.
- Mack, não quero ser o primeiro numa lista de valores. Quero estar no centro de tudo. Quando vivo em você, podemos viver juntos tudo que acontece com você. Em vez de uma pirâmide, quero ser como o centro de um móbile, onde tudo em sua vida - seus amigos, sua família, seu trabalho, os pensamentos, as atividades - esteja ligado a mim, mas se movimente ao vento, para dentro e para fora, para trás e para a frente, numa incrível dança do ser.
- E eu - concluiu Sarayu - sou o vento. - Ela deu um sorriso enorme e fez uma reverência.
Houve silêncio enquanto Mack procurava se controlar. Estivera segurando a borda da mesa com as duas mãos, como se quisesse agarrar algo tangível diante daquele tiroteio de ideias e imagens.
- Bom, chega disso - declarou Papai, levantando-se da cadeira. - É hora de diversão! Vocês vão em frente enquanto eu tiro as coisas que podem estragar. Cuido dos pratos mais tarde.
- E as orações? - perguntou Mack.
- Nada é um ritual, Mack - disse Papai, pegando alguns pratos de comida. - Portanto, esta noite vamos fazer uma coisa diferente. Você vai gostar!
Enquanto se levantava e se virava para acompanhar Jesus até a porta dos fundos, Mack sentiu uma mão no ombro e virou-se. Sarayu estava parada ali, olhando-o com intensidade.
- Mackenzie, se você me permitir, gostaria de lhe dar um presente para esta noite. Posso tocar seus olhos e curá-los só por esta noite?
- Na verdade - disse Sarayu em tom de desculpa -, você vê muito pouco, embora para um ser humano enxergue bastante bem. Mas só por esta noite eu adoraria que você visse um pouco do que nós vemos.
- Então está bem - concordou Mack. - Por favor, toque meus olhos e até mais, se quiser.
Enquanto Sarayu estendia as mãos para ele, Mack fechou os olhos. O toque dela era como gelo, inesperado e empolgante. Um tremor delicioso o atravessou e Mack ergueu as mãos para segurar as dela junto ao rosto. Não havia nada ali e ele começou lentamente a abrir os olhos.