Índice Superior Vai para o próximo: Capítulo 13
Arquivos de Impressão: Tamanho A4.
Enquanto seguia pela trilha em direção ao lago, Mack percebeu subitamente que faltava alguma coisa. Sua companheira constante, a Grande Tristeza, havia sumido. Era como se tivesse sido lavada na névoa da cachoeira enquanto ele emergia por baixo da cortina d'água. A ausência era estranha, talvez até desconfortável. Nos anos anteriores ela havia definido para ele o que era um estado normal, mas agora tinha desaparecido inesperadamente. "O normal é um mito", pensou.
A Grande Tristeza não faria mais parte de sua identidade. Agora sabia que Missy não se importaria se ele se recusasse a usála. Na verdade, sua filha não iria querer que o pai se envolvesse naquela mortalha e certamente sofreria se ele fizesse isso. Tentou imaginar quem ele passaria a ser, agora que estava se soltando de tudo aquilo - começar cada dia sem a culpa e o desespero que haviam sugado de todo as cores da vida.
Enquanto entrava na clareira, viu Jesus esperando, ainda jogando pedras.
- Ei, acho que o máximo que consegui foram 13 ricochetes - disse ele rindo e vindo ao encontro de Mack. - Mas Tyler conseguiu três a mais do que eu, e Josh jogou uma pedra que ricocheteou para tão longe que a perdemos de vista. - Enquanto se abraçavam, Jesus acrescentou: - Você tem filhos especiais, Mack. Você e Nan os amaram muito bem. Kate está lutando, como você sabe, mas ainda não terminamos.
A tranquilidade e a intimidade com que Jesus falava de seus filhos tocou-o profundamente.
- Então eles foram embora? Jesus desfez o abraço e assentiu.
- É, de volta para os sonhos, menos Missy, claro.
- Ela ficou felicíssima por estar tão perto de você e ficou empolgada em saber que você está melhor.
Mack lutou para manter a compostura. Jesus entendeu e mudou de assunto.
- Como foi o tempo que você passou com Sophia?
- Sophia? Ah, então é ela! - exclamou Mack. E uma expressão perplexa surgiu em seu rosto. - Mas quer dizer que vocês são quatro? Ela é Deus também?
- Não, Mack. Somos apenas três. Sophia é uma personificação da sabedoria de Papai.
- Ah, como nos Provérbios, onde a Sabedoria é representada como uma mulher chamando nas ruas, tentando encontrar alguém que a escute?
- Mas - Mack parou enquanto se abaixava para desamarrar os cadarços dos sapatos - ela pareceu tão real!
- Ah, ela é bastante real. - Em seguida Jesus olhou ao redor, como se quisesse ver se alguém estava observando, e sussurrou: - Ela é parte do mistério que cerca Sarayu.
- Adoro Sarayu - exclamou Mack enquanto se levantava, meio surpreso com sua própria transparência.
- Eu também! - declarou Jesus com ênfase. Os dois voltaram à margem e ficaram olhando em silêncio para o outro lado do lago.
- Foi terrível e maravilhoso o tempo que passei com Sophia. - Mack finalmente respondeu à pergunta que Jesus havia feito. Subitamente percebeu que o sol ainda estava alto no céu. - Exatamente quanto tempo estive lá?
- Menos de 15 minutos, de modo que não foi muito. - Diante do olhar de perplexidade de Mack, Jesus acrescentou: - O tempo passado com Sophia não é como o tempo normal.
- Hã - grunhiu Mack. - Duvido que qualquer coisa com ela seja normal.
- Na verdade - Jesus começou a falar mas parou para jogar uma última pedra ricocheteando na água -, com ela tudo é normal e de uma simplicidade elegante. Como você está tão perdido e independente, acaba achando que até a simplicidade dela é profunda.
- Então eu sou complexo e ela é simples. Uau! Meu mundo está mesmo de cabeça para baixo. - Mack já se sentara num tronco e estava tirando os sapatos e as meias para a caminhada. - Pode me dizer uma coisa? Estamos no meio do dia, e meus filhos estiveram aqui em sonhos? Como isso funciona? Alguma coisa disso tudo é real? Ou só estou sonhando também?
- Não pergunte como tudo isso funciona, Mack. São coisas de Sarayu. O tempo, como você sabe, não representa fronteiras para Aquele que o criou. Você pode perguntar a ela, se quiser.
- Não, acho que vou deixar isso esperando. Só fiquei curioso. - Mack deu um risinho.
- Você perguntou se "alguma coisa disso tudo é real". Muito mais do que você pode imaginar. - Jesus parou um momento para captar toda a atenção de Mack. - O melhor seria perguntar: "O que é real?"
- Estou começando a pensar que não faço ideia.
- Tudo isso seria menos "real" se estivesse dentro de um sonho?
- Acho que eu ficaria desapontado.
- Por quê? Mack, há muito mais coisas acontecendo aqui do que você tem condições de perceber. Deixe-me garantir: tudo isso é real, muito mais real do que a vida que você conhece.
Mack hesitou, mas depois decidiu se arriscar e perguntou:
- Há uma coisa que ainda me incomoda com relação a Missy.
Jesus veio e sentou-se no tronco ao lado dele. Mack inclinou-se e pôs os cotovelos nos joelhos, olhando para as pedrinhas perto dos pés. Por fim, disse:
- Eu fico pensando nela, sozinha naquela picape, tão aterrorizada ...
Jesus colocou a mão sobre o ombro de Mack e o apertou. Falou gentilmente:
- Mack, ela jamais esteve sozinha. Eu nunca a deixei. Nós não a deixamos sequer por um instante. Eu não poderia abandoná-la, nem você, assim como não poderia abandonar a mim mesmo.
- Ela sabia que você estava lá?
- Sim, Mack, sabia. No princípio, não. O medo era avassalador e ela estava em estado de choque. Demorou horas para chegar do acampamento até aqui. Mas, quando Sarayu se enrolou ao redor dela, Missy se acalmou. A viagem longa nos deu chance de conversar.
Mack estava tentando apreender tudo aquilo. Não se sentia mais capaz de falar.
- Missy podia ter apenas 6 anos, mas nós somos amigos. Nós conversamos. Ela não tinha ideia do que iria acontecer. Na verdade, estava mais preocupada com você e com as outras crianças, sabendo que vocês não poderiam encontrá-la. Ela rezou por vocês, pela sua paz.
Mack chorou, lágrimas novas rolando pelo rosto. Dessa vez não se importou. Jesus puxou-o gentilmente e o abraçou.
- Mack, não creio que você queira saber todos os detalhes. Tenho certeza de que eles não vão ajudá-lo. Mas posso dizer que não houve um momento em que não estivéssemos com ela. Missy conheceu minha paz, e você ficaria orgulhoso, porque ela foi muito corajosa!
As lágrimas escorriam soltas, mas Mack notava que agora era diferente. Não estava mais sozinho. Sem qualquer constrangimento, chorou no ombro daquele homem que ele aprendera a amar. A cada soluço, sua tensão ia se esvaindo, substituída por um profundo sentimento de alívio. Por fim respirou fundo e soltou o ar enquanto levantava a cabeça.
Então, sem dizer mais nenhuma palavra, levantou-se, pendurou os sapatos no ombro e simplesmente entrou na água. Ficou um pouco surpreso quando seu primeiro passo encontrou o fundo do lago abaixo dos tornozelos, mas não se importou. Parou, enrolou as pernas da calça acima dos joelhos e deu mais um passo na água gelada. A água chegou até o meio das canelas e, no passo seguinte, logo abaixo dos joelhos. Olhou para trás e viu Jesus parado na margem com os braços cruzados diante do peito, olhando-o.
Mack virou-se e olhou para a margem oposta. Não sabia por que dessa vez não tinha funcionado, mas decidiu continuar tentando. Jesus estava ali, por isso ele não tinha com que se preocupar. A perspectiva de nadar por um espaço longo e gelado não era nada empolgante, porém Mack tinha certeza de que conseguiria atravessar se fosse necessário.
Felizmente, quando deu o próximo passo, em vez de afundar mais ainda, subiu um pouco e, a cada passo seguinte, subiu mais, até estar de novo andando sobre a água. Jesus se reuniu a ele e os dois continuaram em direção à cabana.
- Isso sempre funciona melhor quando a gente faz junto, não acha? - perguntou Jesus, sorrindo.
- Estou vendo que ainda tenho mais coisas para aprender. - Mack devolveu o sorriso. Pouco importava que tivesse de atravessar o lago a nado ou andar sobre a água, por mais maravilhoso que isso fosse. O que importava era ter Jesus ao seu lado. Talvez estivesse começando a confiar nele.
- Obrigado por estar comigo, por falar comigo sobre Missy. Na verdade, não tenho falado sobre esse assunto com ninguém. É uma história apavorante demais. Agora já não está com a mesma força.
- A escuridão esconde o verdadeiro tamanho dos medos, das mentiras e dos arrependimentos - explicou Jesus. - A verdade é que eles são mais sombra do que realidade, por isso parecem maiores no escuro. Quando a luz brilha nos lugares onde eles vivem no seu interior, você começa a ver o que são realmente.
- Mas por que nós mantemos toda essa porcaria lá dentro?
- Porque acreditamos que ela está mais segura ali. E algumas vezes, quando você é uma criança tentando sobreviver, ela fica realmente mais segura no seu interior. Depois você cresce por fora, mas por dentro ainda é aquela criança na caverna escura, rodeada por monstros, e, como se habituou, continua aumentando sua coleção. Todos colecionamos coisas de valor, sabe?
Isso fez Mack sorrir. Sabia que Jesus estava se referindo a algo que Sarayu havia dito sobre colecionar lágrimas.
- Então como é que isso muda para alguém que está perdido no escuro como eu?
- Na maioria das vezes, muito devagar. Lembre-se, você não pode fazer isso sozinho. Algumas pessoas tentam todo tipo de mecanismos de enfrentamento e de jogos mentais. Mas os monstros continuam lá, só esperando a chance de sair.
- O que já está fazendo, Mack: aprendendo a viver sendo amado. Não é um conceito fácil para os humanos. Você tinha dificuldade para compartilhar qualquer coisa. - Deu um risinho e continuou: - Portanto, sim, o que desejamos é que você "re-torne" para nós. Então iremos fazer nossa casa dentro de você e vamos compartilhar. A amizade é real e não meramente imaginada. Nós fomos destinados a experimentar esta vida, a sua vida, juntos, num diálogo, compartilhando a jornada. Você passa a compartilhar nossa sabedoria e aprender a amar com nosso amor, e nós ... ouvimos você resmungar, se afligir, reclamar e ...
Mack riu alto e empurrou Jesus de lado.
- Pare! - gritou Jesus e se imobilizou. A princípio Mack achou que poderia tê-lo ofendido, mas Jesus estava olhando atentamente para a água. - Você viu? Olhe, aí vem de novo.
- O quê? - Mack chegou mais perto e protegeu os olhos na tentativa de ver o que Jesus estava olhando.
- Olhe! Olhe! - falou Jesus, meio que sussurrando. - É uma beleza! Deve ter uns 60 centímetros! E então Mack viu uma enorme truta do lago deslizando a apenas uns 50 ou 60 centímetros abaixo da superfície, sem notar a agitação que estava provocando acima.
- Estive tentando pegá-la durante semanas e aí ela vem, só para me provocar. - Ele riu. Mack ficou olhando, pasmo, enquanto Jesus começava a saltar para um lado e para outro, tentando acompanhar o peixe. Finalmente desistiu e olhou para Mack, empolgado como um menininho. - Não é fantástica? Provavelmente nunca vou conseguir pegá-la.
Mack ficou perplexo com aquela cena.
- Jesus, por que simplesmente não ordena que ela ... não sei ... pule no seu barco ou morda seu anzol? Você não é o Senhor da Criação?
- Claro - disse Jesus, abaixando-se e passando a mão sobre a água. - Mas qual seria a diversão, hein? - Ele ergueu os olhos e riu.
Mack não sabia se ria ou chorava. Percebia o quanto havia passado a amar aquele homem, aquele homem que também era Deus.
Jesus se levantou de novo e juntos continuaram andando para o cais. Mack se aventurou de novo:
- Se é que posso perguntar, por que você não me falou sobre Missy antes? Por exemplo, ontem à noite, ou há um ano, ou ...
- Não pense que não tentamos. Você já notou que, em sua dor, presume sempre o pior a meu respeito? Estive falando com você durante longo tempo, mas hoje foi a primeira vez que você pôde ouvir. Não pense que todas aquelas outras ocasiões foram um desperdício. Como pequenas rachaduras na parede, uma de cada vez, mas entrelaçadas, elas o prepararam para hoje. É preciso demorar um tempo preparando o solo se quiser que ele acolha a semente.
- Não sei por que resistimos a isso, por que resistimos tanto a você. Agora parece meio idiota.
- Tudo tem a ver com o momento da graça, Mack. Se houvesse apenas um ser humano no universo, o sentido de tempo seria bastante simples. Mas acrescente apenas mais um e, bem, você conhece a história. Cada escolha cria ondulações ao longo do tempo e dos relacionamentos, ricocheteando em outras escolhas. E, a partir do que parece uma confusão enorme, Papai tece uma tapeçaria magnífica. Só Papai pode resolver tudo isso e ela o faz com graça.
- Então acho que tudo que posso fazer é segui-la - concluiu Mack.
- É, esse é o ponto. Agora você está começando a entender o que significa ser realmente humano.
Chegaram à extremidade do cais e Jesus saltou nele, virando-se para ajudar Mack. Juntos, sentaram-se na beira e balançaram os pés descalços na água, olhando os efeitos do vento na superfície do lago. Mack foi o primeiro a romper o silêncio.
- Eu estava vendo o céu quando vi Missy? Era muito parecido com isso aqui.
- Bom, Mack, nosso destino final não é a imagem do Céu que você tem na cabeça. Você sabe, a imagem de portões adornados e ruas de ouro. O Céu é uma nova purificação do universo, de modo que vai se parecer bastante com isso aqui.
- Então que história é essa de portões adornados e ruas de ouro?
- Esta, irmão - começou Jesus, deitando-se no cais e fechando os olhos por causa do calor e da claridade do dia -, é uma imagem de mim e da mulher por quem sou apaixonado.
Mack olhou para ver se ele estava brincando, mas obviamente não estava.
- É uma imagem da minha noiva, a Igreja: indivíduos que juntos formam uma cidade espiritual com um rio vivo fluindo no meio e nas duas margens, árvores crescendo com frutos que curam as feridas e os sofrimentos das nações. Essa cidade está sempre aberta e cada portão que dá acesso a ela é feito de uma única pérola ... - Ele abriu um olho e olhou para Mack. - Isso sou eu! - Ele percebeu a dúvida de Mack e explicou: - Pérolas, Mack. A única pedra preciosa feita de dor, sofrimento e, finalmente, morte.
- Entendi. Você é a entrada, mas ... - Mack parou, procurando as palavras certas. - Você está falando da Igreja como essa mulher por quem está apaixonado. Tenho quase certeza de que não conheço essa Igreja. - Ele se virou ligeiramente para o outro lado. - Não é certamente o lugar aonde eu vou aos domingos - disse mais para si mesmo, sem saber se era seguro falar em voz alta.
- Mack, isso é porque você só está vendo a instituição, que é um sistema feito pelo ser humano. Não foi isso que eu vim construir. O que vejo são as pessoas e suas vidas, uma comunidade que vive e respira, feita de todos que me amam, e não de prédios, regras e programas.
Mack ficou meio abalado ouvindo Jesus falar de "igreja" desse modo, mas isso não chegou a surpreendê-lo. De fato, foi um alívio.
- Então como posso fazer parte dessa Igreja? Dessa mulher pela qual você parece estar tão apaixonado?
- É simples, Mack. Tudo só tem a ver com os relacionamentos e com o fato de compartilhar a vida. É exatamente o que estamos fazendo agora, simplesmente isso, sendo abertos e disponíveis um para o outro. Minha Igreja tem a ver com as pessoas e a vida tem a ver com os relacionamentos. Você pode construí-la. É o meu trabalho e, na verdade, sou bastante bom nisso - disse Jesus com um risinho.
Para Mack essas palavras foram como um sopro de ar puro! Simples. Não um monte de rituais exaustivos e uma longa lista de exigências, nada de reuniões intermináveis com pessoas desconhecidas. Simplesmente compartilhar a vida.
- Mas espere ... - Mack tinha um monte de perguntas aflorando à sua mente. Talvez tivesse entendido mal. Parecia simples demais. Por isso pensou duas vezes antes de mexer com o que estava começando a entender. Fazer seu monte confuso de perguntas nesse momento seria como jogar um bocado de lama num pequeno lago de águas límpidas. - Não faz mal - foi tudo que disse.
- Mack, você não precisa entender tudo. Simplesmente esteja comigo.
Depois de um momento ele decidiu se juntar a Jesus e deitou-se de costas ao lado dele, abrigando os olhos do sol para espiar as nuvens que passavam no início da tarde.
- Bom, para ser honesto - admitiu -, não estou desapontado, porque nunca me senti atraído pela "rua de ouro". Sempre achei meio chato. Maravilhoso mesmo é estar aqui com você.
Um silêncio baixou enquanto Mack absorvia o momento. Podia ouvir o sussurro do vento acariciando as árvores e o riso do riacho ali perto derramando-se no lago. O dia estava majestoso e o cenário era incrível.
- Realmente desejo entender. Quer dizer, acho que o modo como vocês são é muito diferente de todo o negócio religioso em que fui criado e com o qual me acostumei.
- Por mais bem-intencionada que seja, você sabe que a máquina religiosa é capaz de engolir as pessoas! - disse Jesus, num tom meio cortante. - Uma quantidade enorme das coisas que são feitas em meu nome não têm nada a ver comigo. E frequentemente são muito contrárias aos meus propósitos.
- Você não gosta muito de religião e de instituições? - perguntou Mack, sem saber se estava fazendo uma pergunta ou uma afirmação.
- Eu não crio instituições. Nunca criei, nunca criarei.
- E a instituição do casamento?
- O casamento não é uma instituição. É um relacionamento.
- Jesus fez uma pausa e retomou, com a voz firme e paciente: - Como eu disse, não crio instituições. Essa é uma ocupação dos que querem brincar de Deus. Portanto, não, não gosto muito de religiões e também não gosto de política nem de economia. - A expressão de Jesus ficou notavelmente sombria. - E por que deveria gostar? É a trindade de terrores criada pelo ser humano que assola a Terra e engana aqueles de quem eu gosto. Quantos tormentos e ansiedades relacionados a uma dessas três coisas as pessoas enfrentam!
Mack hesitou. Não sabia o que dizer. Tudo parecia um pouco excessivo. Notando que os olhos de Mack estavam ficando vidrados, Jesus baixou o tom.
- Falando de modo simples, religião, política e economia são ferramentas terríveis que muitos usam para sustentar suas ilusões de segurança e controle. As pessoas têm medo da incerteza, do futuro. Essas instituições, essas estruturas e ideologias são um esforço inútil de criar algum sentimento de certeza e segurança onde nada disso existe. É tudo falso! Os sistemas não podem oferecer segurança, só eu posso.
- Uau! - Era tudo que Mack conseguia pensar. A paisagem que ele e praticamente todo mundo que ele conhecia haviam buscado para administrar e orientar a vida estava sendo reduzida a pouco mais do que entulho. - Então ... - Mack ainda estava processando o que ouvira, sem conseguir grande coisa. - Então? - Transformou a palavra numa pergunta.
- Eu vim lhes dar a vida na totalidade. Minha vida. - Mack ainda estava se esforçando para entender. - A simplicidade e a pureza de desfrutar de uma amizade crescente.
- Se você tentar viver isso sem mim, sem o diálogo constante que estabelecemos ao compartilhar esta jornada juntos, será como tentar andar sobre a água sozinho. Você não pode! E quando tenta, por mais bem-intencionado que seja, vai afundar. - Apesar de saber a resposta, Jesus perguntou: - Você já tentou salvar alguém que estivesse se afogando?
Os músculos de Mack se retesaram instantaneamente. Ele não gostava de se lembrar de Josh e da canoa, e um sentimento de pânico subitamente jorrou da lembrança.
- É extremamente difícil resgatar alguém, a não ser que a pessoa esteja disposta a confiar em você.
- É só isso que eu lhe peço. Quando você começar a afundar, deixe-me resgatá-lo.
Parecia um pedido simples, mas Mack estava acostumado a ser o salva-vidas e não o afogado.
- Deixe-me mostrar. Basta continuar me dando o pouco que você tem e juntos vamos vê-lo crescer.
Mack começou a calçar as meias e os sapatos.
- Sentado aqui com você, neste momento, não parece tão difícil. Mas quando penso na minha vida normal, em casa, não sei como manter o que você sugere. Estou preso na mesma necessidade de controle que todo mundo tem. Política, economia, sistemas sociais, contas, família, compromissos ... é bastante esmagador. Não sei como mudar tudo isso.
- Ninguém está pedindo que mude! - disse Jesus com ternura. - Esta é uma tarefa para Sarayu e ela sabe como fazer sem agredir ninguém. O importante é saber que tudo é um processo e não um acontecimento. Só quero que você confie em mim o pouco que puder e que cresça no amor pelas pessoas ao seu redor com o mesmo amor que compartilho com você. Não cabe a você mudá-las nem convencê-las. Você está livre para amar sem qualquer obrigação.
Jesus se levantou, espreguiçou-se e Mack o imitou.
- Quantas mentiras me contaram! - admitiu ele.
Jesus olhou para ele, puxou-o e o abraçou.
- Eu sei, Mack, a mim também. Simplesmente não acreditei nelas.
Juntos, começaram a andar pelo cais. Quando se aproximavam da margem voltaram a diminuir o passo. Jesus colocou a mão no ombro de Mack e virou-o gentilmente, até ficarem cara a cara.
- Mack, o sistema do mundo é o que é. As instituições, as ideologias e todos os esforços vãos e inúteis da humanidade estão em toda parte e é impossível deixar de interagir com tudo isso. Mas eu posso lhe dar liberdade para superar qualquer sistema de poder em que você se encontre, seja ele religioso, econômico, social ou político. Você terá uma liberdade cada vez maior de estar dentro ou fora de todos os tipos de sistemas e de se mover livremente entre eles. Juntos, você e eu podemos estar dentro do sistema e não fazer parte dele.
- Mas tanta gente de quem eu gosto parece fazer parte do sistema! - Mack estava pensando nos amigos, nas pessoas da igreja que haviam expressado amor por ele e por sua família. Sabia que elas amavam Jesus, mas que também eram totalmente vendidas para a atividade religiosa e o patriotismo.
- Mack, eu as amo. E você comete um erro julgando-as. Devemos encontrar modos de amar e servir os que estão dentro do sistema, não acha? Lembre-se, as pessoas que me conhecem são aquelas que estão livres para viver e amar sem qualquer compromisso.
- É isso que significa ser cristão? - Achou-se meio idiota ao dizer isso, mas era como se estivesse tentando resumir tudo na cabeça.
- Quem disse alguma coisa sobre ser cristão? Eu não sou cristão.
A ideia pareceu estranha e inesperada para Mack e ele não pôde evitar uma risada.
Chegaram à porta da carpintaria. De novo Jesus parou.
- Os que me amam estão em todos os sistemas que existem. São budistas ou mórmons, batistas ou muçulmanos, democratas, republicanos e muitos que não votam nem fazem parte de qualquer instituição religiosa. Tenho seguidores que foram assassinos e muitos que eram hipócritas. Há banqueiros, jogadores, americanos e iraquianos, judeus e palestinos. Não tenho desejo de torná-los cristãos, mas quero me juntar a eles em seu processo para se transformarem em filhos e filhas do Papai, em irmãos e irmãs, em meus amados.
- Isso significa que todas as estradas levam a você?
- De jeito nenhum - sorriu Jesus enquanto estendia a mão para a porta da oficina. - A maioria das estradas não leva a lugar nenhum. O que isso significa é que eu viajarei por qualquer estrada para encontrar vocês. - Fez uma pausa. - Mack, tenho algumas coisas para terminar na carpintaria; encontro você mais tarde.
- Certo. O que quer que eu faça?
- O que quiser, Mack, a tarde é sua. - Jesus deu-lhe um tapa no ombro e riu. - Uma última coisa: lembra-se de antes, quando me agradeceu por tê-lo deixado ver Missy? Foi ideia de Papai. - Depois de dizer isso ele se virou e acenou por cima do ombro enquanto entrava na oficina.
Mack soube instantaneamente o que queria fazer e foi para a cabana, em busca de Papai.