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Polos Olímpicos de Treinamento Intensivo (POTI)
Curso de Teoria dos Números - Nível 2

Aula 2 - Divisibilidade II
Prof. Samuel Feitosa
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Sumário

Divisibilidade II
    1.1  Problemas Propostos
    1.2  Dicas e Soluções
    1.3  Referências

1  Divisibilidade II

     Definição 1. Dados dois inteiros  a  e  b, com  a ≠ 0, dizemos que  a  divide  b  ou que  a  é um divisor de  b  ou ainda que  b  é um múltiplo de  a, e escrevemos  a | b  se o  r  obtido pelo algoritmo de divisão aplicado à  a  e  b  é 0, ou seja, se  b = aq  para algum inteiro  q.

     Lema 2. Sejam  a,  b,  c,  d  inteiros. Temos

     i) ("d  divide") Se  d | a  e  d | b, então  d | ax + by  para quaisquer  x  e  y  inteiros.

     ii) ("Limitação") Se  d | a, então  a = 0  ou | d |   ≤   | a | .

     iii) (Transitividade) Se  a | b  e  b | c, então  a | c.

     Em particular, segue da propriedade i) que  d | a + b  e  d | a − b.

     Exemplo 3. (Olimpíada de Maio 2006) Encontre todos os naturais  a  e  b  tais que  a | b + 1  e  b | a + 1.

     Pela propriedade da Limitação, temos  a ≤ b + 1  e  b ≤ a + 1. Daí,  a − 1 ≤ b ≤ a + 1.

     Vejamos os casos:

     (i)  a = b. Como  a | b + 1  e  a | b  (pois  b = a) temos que  a | [(b + 1) − b] = 1. Assim,  a = 1. Nesse caso, só temos a solução (a, b) = (1, 1)

     (ii)  a = b + 1. Como  b | a + 1  e  b | a − 1  (pois  b = a − 1) temos que  b | [(a + 1) − (a − 1)] = 2. Assim,  b = 1  ou  b = 2  e nesse caso, só temos as soluções (3, 2) e (2, 1).

     (iii)  a = b − 1. Esse caso é análogo ao anterior e as soluções para (a, b) são (1, 2) e (2, 3).

     Exemplo 4. (Critério de Divisibilidade por 7) Existem alguns métodos práticos para decidirmos se um número é múltiplo de outro. Certamente o leitor já deve ter se deparado com algum critério de divisibilidade. Existe um critério por 7 bastante popular: Para saber se um inteiro é múltiplo de 7, basta apagar seu último dígito, multiplicá-lo por 2 e o subtrair do número que restou. Se o resultado é múltiplo de 7, então o número original também é múltiplo de 7.

     Podemos aplicar esse algoritmo sucessivas vezes até que o resultado obtido seja facilmente verificável como um múltiplo de 7. Por exemplo, para o número 561421 podemos escrever:

    

56142 − 2
= 56140
5614 − 0
= 5614
561 − 8
= 553
55 − 6
= 49

     Como 49 é múltiplo de 7, nosso número original também é. Por que esse processo funciona? Se o nosso número original está escrito na forma  10a + b, então o número obtido após a operação descrita é  a − 2b. Basta mostrarmos que se  7 | a − 2b, então  7 | 10a + b. Se  7 | a − 2b, pela propriedade (i) do lema, concluímos que  7 | 10a − 20b. Como  7 | 21b, também temos que  7 | [(10a − 20b) + 21b] = 10a + b.

     Exemplo 5. Mostre que se  7 | 3a + 2b  então  7 | 4a − 2b.

     Veja que  7 | 7a  e  7 | 3a + 2b, então  7 | [7a − (3a + 2b)] = 4a − 2b. Na prática, o que fizemos foi multiplicar o número  3a + 2b  por algum inteiro para posteriormente subtraímos um múltiplo de 7 conveniente e obtermos o número  4a − 2b. Existem outras formas de fazermos isso. Observe os números  3 ·0,  3 ·1,  3 ·2,  3 ·3,  3 ·4,  3 ·5,  3 ·6. O número  3 ·6  deixa o mesmo resto que 4 por 7, pois  3 ·6 = 7 ·2 + 4. Como  7 | 3a + 2b  podemos concluir que  7 | (18a + 12b) e consequentemente  7 | [18a + (12b − 14a)] = 4a + 12b. Mas  7 | 14b, então  7 | [4a + 12b − 14b] = 4a − 2b.

     Para o próximo exemplo, o leitor precisará lembrar dos critérios de divisibilidade por 9 e 3 vistos na aula passada.

     Exemplo 6. Usando os dígitos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, construímos vários números de sete dígitos distintos. Existem dois deles, distintos, tais que um divide o outro?

     Não. Suponha, por absurdo, que  m < n  sejam dois desses números, com  m | n. Claramente  m | n − m  e  9 | n − m, pois  n  e  m  possuem a mesma soma dos dígitos e consequentemente possuem o mesmo resto na divisão por 9. Por outro lado, sabemos a soma dos dígitos de  m:  1 + 2 + …+ 7 = 3 ·9 + 1. Daí,  m  não possui fator 9 e podemos garantir que  9m | n − m. Mas então  9m ≤ n − m ⇒ 10m ≤ n ⇒ n  tem pelo menos oito dígitos, uma contradição.

     Exemplo 7. (Leningrado 1989) Seja  A  um número natural maior que 1, e seja  B  um número natural que é um divisor de  A2 + 1. Prove que se  B − A > 0, então  B − A > √A.

     Seja  B − A = q. Assim,  A + q | A2 + 1. Como  (A − q)(A + q) = A2 − q2  é divisível por  A + q, podemos concluir que  A + q | [(A2 + 1) − (A2 − q2)] = q2 + 1. Pela propriedade de limitação,  A + q ≤ q2 + 1. Nessa desigualdade, não podemos ter  q = 1  pois  A > 1. Usando então que  q > 1, temos  A ≤ q2 − q + 1 < q2, ou seja, √A < q.

     Problema 8. (AIME 1986) Qual é o maior inteiro  n  para o qual  n3 + 100  é divisível por  n + 10?

     Para achar explicitamente o quociente de  n3 + 100  por  n + 10  podemos fazer uso de alguma fatoração. Utilizaremos a soma dos cubos  n3 + 103 = (n + 10)(n2 − 10n + 100). Como,

    

n3 + 100 = (n + 10)(n2 − 10n + 100) − 900,

podemos concluir que o número 900 deve ser múltiplo de  n + 10. O maior inteiro  n  para o qual  n + 10  divide 900 é 890. Veja que se  n = 890, o quociente da divisão de  n3 + 100  por  n + 10  é  n2 − 10n + 100 − 1 = 8902 − 10 ·890 + 99.

     Exemplo 9. (Extraído de [1]) Encontre todos os inteiros positivos  n  tais que  2n2 + 1 | n3 + 9n − 17.

     Utilizando o "2n2 + 1  divide" para reduzir o grau de  n3 + 9n − 17, temos que

    





2n2 + 1
| n3 + 9n − 17
2n2 + 1
| 2n2 + 1

    

⇒ 2n2 + 1
| (n3 + 9n − 17) ·2 + (2n2 + 1) ·(−n)
⇔ 2n2 + 1
| 17n − 34

     Como o grau de  17n − 34  é menor do que o de  2n2 + 1, podemos utilizar a "limitação" para obter uma lista finita de candidatos a  n. Temos  17n − 34 = 0  ⇔  n = 2  ou | 2n2 + 1 |   ≤   | 17n − 34 |  ⇔  n = 1, 4 ou 5. Destes candidatos, apenas  n = 2  e  n = 5  são soluções.

     Exemplo 10. (Leningrado 1990) Sejam  a  e  b  números naturais tais que  b2 + ba + 1  divide  a2 + ab + 1. Prove que  a = b.

     Pela propriedade de limitação,  b2 + ba + 1 ≤ a2 + ab + 1  e daí  b ≤ a. Além disso,  b2 + ab + 1 > a − b. A igualdade  b(a2 + ab + 1) − a(b2 + ba + 1) = b − a  implica que  a − b  é divisível por  b2 + ba + 1. Se  a − b ≠ 0, então  b2 + ab + 1 ≤ a − b. Mas isso é um absurdo, logo  a − b = 0.

1.1  Problemas Propostos

     Problema 11. Mostre que se  3 | a + 7b  então  3 | a + b.

     Problema 12. Mostre que se  7 | a + 3b  então  7 | 13a + 11b

     Problema 13. Mostre que se  19 | 3x + 7y  então  19 | 43x + 75y

     Problema 14. Mostre que se  17 | 3a + 2b  então  17 | 10a + b

     Problema 15. Encontre todos os inteiros positivos  n  tais que  n + 2009  divide  n2 + 2009  e  n + 2010  divide  n2 + 2010.

     Problema 16. Seja  n > 1  e  k  um inteiro positivo qualquer. Prove que  (n − 1)2 | (nk − 1) se, e somente se ,  (n − 1) | k.

     Problema 17. (OBM 2005) Prove que a soma  1k + 2k + …+ nk, onde  n  é um inteiro e  k  é ímpar, é divisível por  1 + 2 + …+ n.

     Problema 18. O número de seis dígitos  X = [abcdef] satisfaz a propriedade de que [abc] −[def] é divisível por 7. Prove que  X  também é divisível por 7.

     Problema 19. (Bielorússia 1996) Inteiros  m  e  n, satisfazem a igualdade

    

(m − n)2 = 4mn

m + n − 1

     a) Prove que  m + n  é um quadrado perfeito.

     b) Encontre todos os pares (m, n) satisfazendo a equação acima.

     Problema 20. (Olimpíada de Leningrado) Os números naturais  a,  b  e  c  têm a propriedade que  a3  é divisível por  b,  b3  é divisível por  c  e  c3  é divisível por  a. Prove que  (a + b + c)13 é divisível por  abc.

     Problema 21. (OBM 2000) É possível encontrar duas potências de 2, distintas e com o mesmo número de algarismos, tais que uma possa ser obtida através de uma reordenação dos dígitos da outra? (Dica: Lembre-se do critério de divisibilidade por 9)

     Problema 22. (IMO 1998) Determine todos os pares de inteiros positivos (x, y) tais que  xy2 + y + 7  divide  x2y + x + y.

1.2  Dicas e Soluções

     11. Como  3 | 6b, segue que  3 | [(a + 7b) − 6b] = a + b.

     12. Como  7 | a + 3b, segue que  7 | 13a + 39b = (13a + 11b) + 28b. Mas  7 | 28b, portanto  7 | [(13a + 11b) + 28b − 28b] = 13a + 11b.

     13. Como  19 | 3x + 7y, segue que  19 | 27(3x + 7y) = (43x + 75y) + (38x + 114y). Mas  19 | 19 (2x + 6y), portanto  19 | [(43x + 75y) + (38x + 114y) − 19(2x + 6y)] = 43x + 75y.

     14. Como  17 | 3a + 2b, segue que  17 | 27a + 18b = (10a + b) + 17(a + b).

     16. Veja que

    

nk − 1

(n − 1)2
=
nk−1 − 1

n − 1
+ nk−2 − 1

n − 1
+ …+ n−1

n−1
+ k

n−1

     Como os números [(nl − 1)/(n − 1)] sempre são inteiros, o número do lado esquerdo da equação será inteiro se, e somente se, o número [k/(n − 1)] for inteiro.

     17. Comece dividindo o problema quando em dois casos:  n  é par ou  n  é ímpar. Sabemos que  1 + 2 + …+ n = [(n(n+1))/2]. Para  n  ímpar, basta mostrar que o número em questão é divisível por  n  e  [(n+1)/2]. O próximo passo é lembrar do problema 33 da aula 1. Pela fatoração de  xn + yn, temos que  ik + (n − i)k  é divisível por  n. Faça outros tipos de pares para mostrar a divisibilidade por [n/2]. O caso quando  n  é par é análogo.

     18. Veja que  X = 103 ·[abc] +[def] = 1001[abc] − ([abc] −[def]). Como 1001 é múltiplo de 7, concluímos que  X  é a soma de dois múltiplos de 7.

     19. Somando  4mn  em ambos os lados, obtemos:

    

(m + n)2
=
4mn

m + n − 1
+ 4mn
=
4mn (m + n)

m + n − 1
(m + n)
=
4mn

m + n − 1
=
(m − n)2

     Assim,  m + n  é o quadrado de um inteiro. Se  m − n = t, então  m + n = t2  e (m, n) = ([( t2 + t)/ 2], [( t2 − t)/ 2]). É fácil verificar que para qualquer  t  inteiro esse par é solução do problema.

     20. Analise a expansão pelo binômio de Newton.

     21. Não. Suponha, por absurdo, que existam duas potências de 2,  2m < 2n, satisfazendo o enunciado. Como  2n  é um múltiplo de  2m, podemos ter:  2n = 2 ·2m,  4 ·2m,  8 ·2m, ... . Além disso, como ambos possuem a mesma quantidade de dígitos, temos  1 < [(2n)/(2m)] < 10. Assim, as únicas possibilidade são  2n = 2 ·2m,  4 ·2m,  8 ·2m. Pelo critério de divisibilidade por 9, como  2m  e  2n  possuem os mesmos dígitos, podemos concluir que  2n − 2m  é um múltiplo de 9. Entretanto, nenhuma das possibilidade anteriores satisfaz essa condição e chegamos em um absurdo.

     22. Começaremos usando a idéia do exemplo 10. A igualdade  y(x2y + x + y) − x(xy2 + y + 7) = y2 − 7x  implica que  y2 − 7x  é divisível por  xy2 + y + 7. Se  y2 − 7x ≥ 0, como  y2 − 7x < xy2 + y + 7, segue que  y2 − 7x = 0. Assim, (x, y) = (7t2, 7t) para algum  t ∈ N. É fácil checar que esses pares são realmente soluções. Se  y2 − 7x < 0, então  7x − y2 > 0  é divisível por  xy2 + y + 7. Daí,  xy2 + y + 7 ≤ 7x − y2 < 7x, que nos permite concluir que  y ≤ 2. Para  y = 1, temos  x + 8 | 7x − 1  e consequentemente  x + 8 | 7(x + 8) − (7x − 1) = 57. Então as únicas possibilidades são  x = 11  e  x = 49, cujos pares correspondentes são (11, 1), (49, 1). Para  y = 2, temos  4x + 9 | 7x − 4  e consequentemente  7(4x + 9) − 4(7x − 4) = 79  é divisível por  4x + 9. Nesse caso, não obtemos nenhuma solução nova. Todas as soluções para (x, y) são: (7t2, 7t)(t ∈ N), (11, 1) e (49, 1).

1.3  Referências

Referências Bibliográficas

[1]
F. E. Brochero Martinez, C. G. Moreira, N. C. Saldanha, E. Tengan - Teoria dos Números um passeio com primos e outros números familiares pelo mundo inteiro, Projeto Euclides, IMPA, 2010.
[2]
E. Carneiro, O. Campos and F. Paiva, Olimpíadas Cearenses de Matemática 1981-2005 (Níveis Júnior e Senior), Ed. Realce, 2005.
[3]
S. B. Feitosa, B. Holanda, Y. Lima and C. T. Magalhães, Treinamento Cone Sul 2008. Fortaleza, Ed. Realce, 2010.
[4]
D. Fomin, A. Kirichenko, Leningrad Mathematical Olympiads 1987-1991, MathPro Press, Westford, MA, 1994.
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D. Fomin, S. Genkin and I. Itenberg, Mathematical Circles, Mathematical Words, Vol. 7, American Mathematical Society, Boston, MA, 1966.
[6]
I. Niven, H. S. Zuckerman, and H. L. Montgomery, An Introduction to the Theory of Numbers.